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Encontros de aprendizagem e projetos pedagógicos singulares nas residências em Saúde

Encontros de aprendizagem e projetos pedagógicos singulares nas residências em Saúde

Autores:

Daniela Dallegrave,
Ricardo Burg Ceccim

ARTIGO ORIGINAL

Interface - Comunicação, Saúde, Educação

versão impressa ISSN 1414-3283versão On-line ISSN 1807-5762

Interface (Botucatu) vol.22 no.66 Botucatu jul./set. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0020

RESUMEN

Se presentan los conceptos de “encuentros de aprendizaje” y de “proyectos pedagógicos singulares”, ambos resultantes del estudio sobre la enseñanza de la salud en programas de residencia. El primero se refiere a la ética del acompañamiento y al acoplamiento educación-trabajo, el segundo a la constitución de currículos singulares en substitución a los currículos conservadores. La metodología del estudio se designó como “investigar con Alicia” (Alicia en el país de las maravillas), utilizándose la multiplicidad de comunicaciones sistemáticas (invitación a la conversación) y asistemáticas (escuchas en escenas de debate) proporcionadas por un Encuentro Nacional de Residencias de Salud, ante las palabras enseñanza y aprendizaje. Es posible comprender que los aprendizajes de la práctica resultan de exposiciones y captaciones afectivas y que un currículo se realiza por medio de la capacidad de captar preguntas y darles espacio, no por la colocación en currículo escolar de lo que se debe aprender, especialmente cuando la educación se realiza durante el trabajo.

Palabras-clave: Encuentros de aprendizaje; Proyecto pedagógico singular; Residencia en Salud; Educación y enseñanza de la Salud; Salud Colectiva

Apresentação

O artigo discute ensino e aprendizado na educação que se leva a cabo no interior dos serviços de saúde por meio de programas de residência. É oriundo de uma pesquisa em Educação cuja metodologia foi designada como “pesquisar com Alice”1, um desenho inovador que consistiu em: circular em meio a um Encontro Nacional de Residências, anotar falas de palestrantes ou de participantes, convidar os interessados em “conversar mais” para uma roda temática e pedir respostas por e-mail a um panfleto distribuído aleatoriamente, sempre sob a pergunta sobre o aprender e o ensinar nas residências. Conclui com a formulação dos conceitos de Encontros de Aprendizagem e de Projetos Pedagógicos Singulares, ambos elementos constituintes do “currículo em movimento” nas residências em saúde e contrapostos a uma curricularização conservadora e acrítica.

Estar em meio ao Encontro, deixando que as informações viessem conforme o que estivesse sendo dito e sem a proteção de um roteiro de indagações, assemelhava-se às tantas surpresas que a personagem Alice viveu ao cair no País das Maravilhas, um “país” desconhecido aos seus recursos de pensamento, mas pleno de signos2. Signos com os quais podia aprender conforme se deixasse afetar por suas convocações de saber. Alice fazia e se fazia mil perguntas, se deparava a todo instante com o inusitado e o inesperado, precisava viver corporalmente experiências de mudança e de diferença a fim de dispor de uma nova autonomia que lhe desse inteligência para percorrer aquele lugar.

O enfoque do artigo é o da Educação em Residências Integradas e/ou Multiprofissionais em Saúde – RIS/RMS, modalidade de formação no e pelo trabalho, organizada como especialização (pós-graduação lato sensu) realizada em serviços de saúde. Independente das diferenças que possam existir entre as áreas de especialidade e os âmbitos ou serviços constitutivos dos cenários de prática nas residências em saúde, interessava-nos uma possível pedagogia das residências. Nos cenários de aprendizagem, os residentes de diversas profissões – alunos dos programas de Residência – estão inseridos em equipes e são acompanhados por profissionais de sua mesma categoria ou de alguma outra, chamados de preceptores, tutores ou supervisores, uns “de campo” (grande área da saúde), outros “de núcleo” (área da profissão ou subáreas de especialidade)3. A “docência” nas Residências, entretanto, na maior parte das vezes, está suposta na designação abrangente de “preceptores”, abarcando todos os atores designados à orientação das aprendizagens.

As residências não possuem diretrizes curriculares fortemente estabelecidas, existem indicações aos seus projetos pedagógico-curriculares emanadas da Comissão Nacional de Residências em Saúde – CNRMS4, bem como não há uma definição de como devem se dar as aprendizagens e limites ou extensão de cenários de prática. Pela busca de oferta de novos programas e pela busca de acesso pelos recém-graduados, reconhecemos que são intensidades buscando expressão, multiplicidades de ensino e aprendizagem que podem acontecer nos programas, disputa de projetos pedagógicos e de modos de cuidado, além das inúmeras possibilidades de enriquecer – com experiência e familiarização: os “encontros” entre recém-formados e profissionais experientes, os “encontros” de jovens em formação com usuários e familiares das ações e serviços de saúde, os “encontros” entre colegas, e os “encontros” esperados e inesperados em cenas de trabalho (na atenção, na gestão e na participação social). Há, também, o reconhecimento social de que essa educação tem destacada qualidade para a formação para o trabalho5,6.

As Residências não são e não se apresentam justificativas para que sejam uma continuidade óbvia ou natural da graduação5-7. Não formam e não deveriam formar para atingir um objetivo que é o da graduação; também não podem ser a formação superespecialista sem que se tenha suficiente clareza sobre esta demanda. A Residência serve para que nos afastemos do “ponto final” da profissionalização, representado pela graduação, sem que se exponham os recém-graduados simplesmente ao emprego. Também para que nos afastemos do “ponto de exclamação” da profissão, obtido com o título (já é profissional e basta para o trabalho). A residência permite acolher “pontos de interrogação” sobre o ser profissional em territórios do trabalho e da política de saúde; sobre as competências do fazer profissional, e sobre a apropriação dos fazeres em equipe e diante de perguntas complexas como aquelas da atenção às necessidades em saúde.

Se forem pontos de interrogação, aquele que aprende e aquele que ensina devem estar atentos aos signos do cuidar, tratar, atender em meio às redes interprofissionais, sociais e de condução do sistema de saúde. Signos são convites, provocações, afecções, não são representações. Deixando-se afetar pelos signos, que resultados imprevisíveis adviriam? Que dúvidas nos exigiriam compartilhamento? Que “encontros” com o usuário nos diriam sobre como é o melhor cuidar? Entendem-se os signos como aquilo que é emitido das coisas e que ensinam “por afecção”2, isto é, provocam um “sentir diferente”, o que corresponde à variação de nossa potência de ser/existir; violentam o pensamento (as configurações dadas), e provocam o ato de criação8. O aprender-afecção é, portanto, a aproximação e decifração destes signos, o tornar-se sensível a eles. O aprender é decorrência, primeiro, das sensações, depois, o abalo nas configurações vigentes e, então, a inteligência.

É preciso ser sensível aos signos, “considerar o mundo como coisa a ser decifrada”, diz Deleuze2. Nesse sentido, não é a inteligência que é um dom, ela é aquilo que vem depois. O dom é o de ser afetado. Diz Deleuze que considerar o mundo como coisa a ser decifrada é, sem dúvida, um dom2. As emissões dos signos não estabelecem sentido estrito e linear. É preciso estar sensível, pois eles não podem ser interpretados sempre da mesma forma. Os signos são emissões a serem apreendidas e, por seus efeitos, desenvolverem aprendizados. Não são como os significantes, diante dos quais apreendemos representações propostas pela língua e pela cultura; signos invocam “a própria coisa de que falam”9. Somos nossos encontros com os signos.

Residências: uma prática pedagógica por signos

Em geral, as práticas pedagógicas no ensino e aprendizagem vêm ordenadas por um papel institucional que se deve exercer de modo fixo (seleção, currículo, avaliação e documentação), atestando competências e concedendo certificação. Entretanto, o processo formativo nas residências não ocorre em papel e nem em sala de aula; os pacientes não são quadros fisiológicos ou patológicos do laboratório de aprendizagem ou dispositivo de simulação; os serviços não são uma figura de abstração e nem de contato esporádico como nas vivências e estágios da graduação. Se é docente e se é aluno nas cenas da atenção, da gestão e da participação com trabalhadores e usuários em: vivências de aflições, sensações, tomadas de decisão, exercício de condutas e procedimentos, acolhimento ou não de reações, detecção ou não de necessidades particulares e originais. O processo formativo ocorre em ambientes recheados de signos, resultando em “ensi-g-namentos”. Usamos ensi-g-namento, não ensinamento em busca por distinguir entre expor aos signos e expor aos significantes; o que se pretende não é que o aprendiz adquira as marcas (insígnias) do que lhe foi ensinado, mas que se afete, se deixe desestabilizar e construa saberes de si, do encontro e da alteridade, em cena, diante da construção de atos de cuidar, tratar, atender.

Um cenário de ensino-trabalho é um cenário de redes de encontro; encontros que acontecem: com os signos entre pessoas; com os signos da doença, da vida no bairro; da atuação/intervenção social; do ensinar e do aprender; das regras institucionais e de elementos da cena que dizem a todo instante sobre como deve ser este encontro, o que ele deve produzir, quem tem pertencimento justo e como devem se conduzir seus integrantes7. Neste sentido, os encontros podem ser muito atraentes ou simples modos de se desincumbir de tarefas supervisionadas. Podem desemoldurar o olhar ou regular os modos de ver. O olhar que desde sempre estava ali pode ser provocado a se deslocar ou ajustado ao menor número de poros à passagem de diferenças. Quando um (que já é muitos) encontra-se com outro (que é muitos outros), apresenta-se aí a possibilidade de que cada um veja e se veja muitos outros (na equipe, em equipe, na atenção, na formação, na interação, na prestação de ações e nas experimentações em ato). Ninguém pode ou consegue seguir igual no encontro-afecção-aprendizagem. Este impede de prosseguir sendo o mesmo. Tratando-se de um currículo de aprendizados, este não seria um currículo por contemplação ou aquisições formais, seria potencializador de mais vida8.

Nas Residências em Saúde, coexistem um “currículo em movimento”, perfusão de signos, e a “curricularização programática”, grade de horários e distribuição de cenários e de aulas. De um lado, a emergência de atores em “escuta problemática”; e, de outro, um processo de regulação, regulamentação e regramentos em “aprendizagens significativas”. Na Educação em Residências, participam o trabalho educativo (pluralidade e construção) e, também, uma curricularização da formação no trabalho. Difícil informar e diferir “movimento e processo” nesse tipo de cena e contexto. Acontece que a potência política da noção de ensi-g-namento não é de que possamos ser mais eruditos em saberes técnicos e tecnológicos, mas que possamos, a partir da afecção do pensamento (de algo que o force a sair das configurações instituídas), saber diferente. Os saberes não se movem apenas no campo racional-cognitivo, também nas coisas e em nós2,8, eles inspiram novas sensibilidades aos signos (movem nossas percepções, movem nossas afecções); é nesse sentido que podemos formar, não profissionais sabedores, mas profissionais capazes de saber. Toleramos um “currículo” assim? Onde estão nossas resistências?

O caminho e seus achados: pesquisando com Alice

Uma pesquisa original “ensaiou” a experimentação de signos, uma disposição aos encontros. Inserida num programa de pesquisa em Educação, uma pesquisa foi delineada em busca do ensinar e aprender nas residências, contatando seus atores, fossem residentes ou ex-residentes, preceptores ou ex-preceptores, desde que envolvidos – no contemporâneo – com sua tematização, condução ou frequência estudantil. Foi escolhido um cenário onde deixar-se afetar, o II Encontro Nacional de Residências em Saúde, que ocorreu em contiguidade ao X Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva e foi antecedido pelo I Encontro Gaúcho de Residências em Saúde. Oportunidade ímpar de congregação e circulação de ideias, defesas de opinião, apresentação de contraditórios, conciliação ou não de divergências. O ano era 2012 e a regulação e regularidade da oferta de programas de residência era candente. A experimentação “tentada” foi a de uma vivência de Alice no País das Maravilhas. Estar nos lugares de debate, ouvir as conversas do lado, fazer perguntas, passar bilhetes com a questão “você quer me contar sobre aprender e ensinar na residência?” (o bilhete continha local e horário para uma roda, caso houvesse aceitação), e a distribuição de um panfleto que apresentava a questão “como você expressaria uma experiência de aprendizagem na Residência em Saúde (imagem, som, narrativa, poesia, relato, o que vier)?”, cujas respostas deveriam ser remetidas por e-mail.

Além da exposição aos signos, a busca pelas representações: como em um espelho ou através do espelho. Foi analisada a legislação vigente no ano de 2013 sobre Residências em Saúde, totalizando 18 documentos (sendo 11 acerca da Residência Médica e sete sobre as Residências Integradas e/ou Multiprofissionais). Sem saber previamente o caminho de pesquisa, a necessidade de colocar em análise as práticas de educação no e pelo trabalho mostrava-se como problema à gestão pedagógica do processo formativo, da formação de docentes (preceptores) e da avaliação de aprendizagens.

Como resultado do que foi empreendido, a composição de anotações, registros de conversas com uma pessoa ou com um grupo e o recebimento de e-mails. Foi constituído um tramado, utilizando-se do escutado e das respostas por escrito, até a criação de pensamento, naquilo que as exposições de Alice eram capazes de configurar. A revisão de anotações e imagens foi minuciosa. A leitura e releitura permitiu saborear emergentes. Muitos registros pediam mais de seis possibilidades de classificação, caso fossem cotejados por representações discursivas. A ferramenta eletrônica utilizada para a organização do material foi o software MaxQDA 10. Esse aplicativo permite produzir indicadores, marcar o texto e acrescentar comentários. O resultado dessa codificação é uma separação eletrônica dos trechos, conforme marcadores utilizados. Ao tentar a análise, operava-se com estes marcadores, fazendo-os funcionar de modo que fossem úteis. Assim, o percurso empreendido foi dar atenção em profundidade ao material, usando a análise da ordem do discurso em Foucault (a aula inaugural do Collège de France, em 2 de dezembro de 1970, intitulada A Ordem do Discurso). Foucault apresenta os procedimentos, os princípios e as noções do discurso10 (não há correspondência com as metodologias de Análise Temática ou Análise de Conteúdo). Esta “atenção” articulou as questões de estudo, operando com os conceitos da análise da ordem do discurso foucaultiana (o discurso não se remete à situação imediata de enunciação, ele se enuncia em condições de emergência de uma dada discursividade).

O que os atores sociais das residências diziam em plenário e nas mesas é: que o trabalho em saúde e as instituições de saúde estão habitados por “estratégias de acompanhamento” e pelo “acoplamento educação-trabalho”; que a preceptoria e o aprendizado são trocas intensivas, desafio de forças criativas, convite à invenção. Entretanto, milhares de mecanismos de bloqueio provenientes dos preceptores, dos residentes, dos gestores ou das instâncias de regulação anulam e esvaziam tais potências. Compreendeu-se que o acompanhamento institucional, em seu papel prefixado, acontecia (e acontece) de modo formal, estruturado e registrado, mais especificamente, na expressão de uma nota para o residente (ou de uma aprovação ou de diversos jeitos de dizer que o aprendizado acontece/aconteceu – ou não – naquele lugar). A participação de diversos signos nas cenas de aprendizagem podia (e pode) tocar com diferentes intensidades a cada um que ali está. O que se aprende a partir das afecções produzidas pelos signos não é passível de generalização; e, por este motivo, não faria sentido pensar em igualização nos campos de aprendizagem da Residência, ou de qualquer outra forma de expressão de uma curricularização em conteúdos e em formas prefixadas.

A pesquisa tentou organizar alguns desses signos que constituíam possibilidades de visibilizar o cuidado e provocar aprendizados. Pode-se dizer que os signos provocam o pensamento, pode-se dizer que o ensi-g-namento não é intencional e que somente acontece para os que forem tocados. Então, para superar essa imprevisibilidade dos aprendizados e regular cabalmente os aprendizados, poder-se-ia defender um currículo dos saberes instituídos e traçar, sem margem de erro, sua reafirmação e seu domínio regulador? Assim se asseguraria, desde um ponto de vista da Educação, que aquilo era o que haveria por saber? Tadeu-da-Silva, por exemplo, diz que são três os conceitos que operam práticas de currículo: significação, representação e fetiche (currículo como práticas de significação, currículo como representação e currículo como fetiche)8.

Alguns componentes das cenas de aprendizagem eram narrados como temáticas oriundas do processo de trabalho, outros pareciam advir da temática processo pedagógico. Interessava saber o que atravessava essas cenas, o que desafiava o trabalho e o que os signos faziam com os habitantes desse trabalho e suas instituições. Continuamos não sabendo, mas um conceito ganhou força de enunciação: “encontros de aprendizagem”.

Encontros de aprendizagem nas Residências em Saúde

“Mas quanto tempo esse Monstro leva para cortar esse bolo!” Alice se sentara à margem de um riachinho, com o grande prato sobre os joelhos, e serrava diligentemente com a faca. “Isso é muito irritante!” disse, em resposta ao Leão (estava ficando perfeitamente acostumada a ser chamada de “o Monstro”). “Já cortei várias fatias, mas elas sempre se juntam de novo!”

“Você não sabe lidar com bolos do Espelho”, observou o Unicórnio. “Primeiro sirva-o e depois corte-o”.

Parecia absurdo, mas Alice levantou-se muito obediente e passou o prato pela roda, e quando o fez o bolo se dividiu a si mesmo em três pedaços. “Agora corte-o”, disse o Leão quando ela voltou para o seu lugar com o prato vazio11. (p. 266-7)

“Hoje ensinarei sobre a técnica...”. Assim poderia começar uma aula teórica sobre qualquer técnica profissional no trabalho em saúde. Algum aluno terá lido o cronograma de aulas antes e estudado a técnica no livro de referência para a disciplina ou, ainda, “vasculhado” sites confiáveis do grande mundo virtual, para chegar em aula “bem preparado”. Preparou-se para ouvir e “melhor” aprender o que o professor tem para lhe dizer naquele dia em que poderá “dominar” aquele assunto. Sai confiante da sua aula, sabe que aprendeu. Passados os dias, sua aula vem transposta ao serviço de saúde, onde vivencia a técnica aprendida. A técnica “sabida”, quando realizada com uma pessoa, carrega muitos outros saberes, muitas produções de vida. Essa “complexidade” não foi da aula, mas do encontro onde o estudante reconhece o aprendizado e o modifica, mas precisa das afecções e sentimentos produzidos no encontro. O encontro que acontece no cotidiano do trabalho em saúde, recheado de signos mundanos, amorosos, sensíveis e sensoriais7, provoca deslocamentos de si que entram em curso. Pode ser que uma desestabilização aconteça muitos momentos depois em que já se realiza a técnica sabida, é quando um estranhamento sobrevém e o corpo e o pensamento agem.

Nesse encontro de aprendizagem, que acontece no cotidiano de trabalho, há também uma ética, o que se poderia chamar de ética do acompanhamento. Ética essa que acontece em uma relação entre o residente e o preceptor (englobando todas as denominações supostas nesta função docente), uma relação que, muitas vezes, é mediada por conflitos, outras por admiração mútua, ou ainda uma relação apaixonada, de amizade. Poder-se-ia dizer, então, de uma relação que se dá entre preceptor e residente, uma relação de acompanhamento, permeada por uma ética da amizade, “uma relação ainda sem forma”, tal como em Foucault, quando refere – quanto à amizade – uma ligação sem filiação e sem intenção de paternidade ou maternidade. Na formulação desse modo de permitir a relação de amizade, há infinitas possibilidades de dar passagem às inquietações daquilo que afeta, ao que produz fidelidade entre amigos, ao que é a amizade, o que provoca o carinho e o companheirismo. Nessa ética da amizade12, que é estabelecida entre residente e preceptor, estão as possibilidades de sacudir a instituição, de violentar o já instituído, de produzir novos sentidos para o cotidiano do cuidado (aprendizados).

A possibilidade de habitar com amor o trabalho difere da prevalência de uma maquinaria escolar ou dos regramentos advindos do trabalho instituído. É a possibilidade de furar a instituição, de forçar o vazamento e recriar o ambiente. É, sobretudo, a possibilidade de estar em movimento, de acolher os furacões afetivos. Foucault refere a amizade como “modo de vida”12. Um modo de vida que pode ser também o método da ética da amizade presente na relação entre preceptor e residente. Um modo de vida que “pode dar lugar a relações intensas, que não se pareçam com nenhuma daquelas que são institucionalizadas”, dando passagem a outros jeitos de acolher afetos e construir aprendizagens. É reconhecer o encontro de aprendizagem como paixão, uma relação apaixonada, uma trama afetiva intensa. Dessa trama afetiva intensa participam personagens das mais diversas ordens, compondo produções de aprendizagem no cotidiano do trabalho em saúde. Os preceptores, nestas vivências com potência de produção de aprendizagens, vão se formando, tal qual os residentes. Nesses mesmos momentos, furacões afetivos colhem devires do trabalho e devires da aprendizagem.

Há movimento nos ambientes de trabalho e de ensino da saúde. O que faz movimentar cada um de nós? A vontade de potência de cada um, emergente dos “encontros”, multiplica-nos as possibilidades do ser. Experienciar novos modos de estar ali, acolher a produção de outros-em-nós, a partir da multidão que já somos, nos atualiza outros, não uma reposição permanente de identidades, que retornam e se fixam. O que retorna é a produção da diversidade, a pluralidade (sempre outra vez e outra vez). Somos fabricantes intensivos de aprendizagens no mundo do trabalho. Parece, nesse sentido, que há uma interface entre os devires do trabalho e da aprendizagem nas Residências em Saúde, onde, no limite, um se transforma no outro, como numa fita de Möbius, numa tela de Escher ou no diagrama de taiji com as forças Yin-Yang, sem início ou fim. Esta persistência do movimento aparece no cotidiano dos programas de residência, onde a educação no e pelo trabalho se apresenta como encontro de aprendizagem e requer projetos pedagógicos próprios e originais. A maquinaria escolar e os regramentos acerca do trabalho podem funcionar como em uma engrenagem em que um movimente o outro, uma espécie de acoplamento, não de todo mau, portanto. Nesse acoplamento educação-trabalho há pelo menos “possibilidades”: as potências de um colocando o outro em potência de si. Apesar da vigência das capturas onde um coloca ao outro os protocolos da ação.

De maneira didática, inventamos um quadro de combinações (Quadro 1). A potência está codificada pelo símbolo “+” para dizer que se trata de uma positividade, isto é, das qualidades presentes em cada um e que são capazes de mobilizar desejos e devires. A captura está representada pelo símbolo “-”, ou seja, um modo de dizer que nela há a presença de uma hierarquia, onde as regras e normas são superiores aos indivíduos, dando origem às performatividades e à serialização.

Quadro 1 Esquema de possibilidades do acoplamento educação-trabalho 

Potências/Capturas Potências da Educação Capturas da Educação
Potências do Trabalho + trabalho A + trabalho B
+ educação - educação
Capturas do Trabalho - trabalho C - trabalho D
+ educação - educação

Fonte: Pesquisa original13

No quadrante A, o desejo e o devir da educação e do trabalho, a criação de cada um que participa da cena de formação, utilizando os saberes formais e, também, os saberes investidos. Schwartz diferencia os saberes formais dos saberes investidos14. Para ele, os saberes investidos “são saberes que ocorrem em aderência, em capilaridade com a gestão de todas as situações de trabalho, elas mesmas adquiridas nas trajetórias individuais e coletivas singulares” (p. 44). Estes saberes investidos são contrários aos saberes acadêmicos “formais que, são desinvestidos, ou seja, que podem ser definidos e relacionados com outros conceitos, independentemente das situações particulares” (p. 44). Utilizando a linguagem do Programa Nacional de Humanização no Sistema Único de Saúde15 para a temática da terapêutica, a construção de Projetos Terapêuticos Singulares, pensamos na proposição de Projetos Pedagógicos Singulares. Projetos Pedagógicos Singulares levariam em consideração: as produções em cotidiano, as afecções perscrutadas, as percepções inéditas, os conceitos reconstruídos na oportunidade da presença em programas de residência. Trajetórias individuais, necessidades percebidas de formação, itinerários pelas práticas e pela rede de atenção e gestão, exposições aos usuários e instâncias de controle social em saúde, escuta de movimentos pela diversidade e estratégias de luta por direitos na sociedade, entre tantas convocações do mundo para aprender saúde e necessidades sociais em saúde.

A partir dessa ideia de um Projeto Pedagógico Singular – PPS, não faria sentido a determinação de tempo total para a formação, nem a definição prévia de um currículo-programa (fetiche), com disciplinas ou outros modos tradicionais pensados para a educação, como a educação em módulos ou séries a serem percorridas por um grupo, onde todos deveriam sair com as mesmas competências. Para se ter um certo perfil de egressos, não bastariam locais de vivência da experiência ou priorizar os centros de excelência, ou, ainda, supervalorizar os professores/preceptores investidos pelo “notório saber” de seus títulos.

O PPS, seguindo os saberes já organizados na área da saúde sob o conceito do Projeto Terapêutico Singular – PTS, poderia ser caracterizado pela organização de um currículo de residência que partisse dos saberes e experiências já acumulados pelo residente e que o levasse por caminhos que provocassem desaprendizagem do já instituído e a reorganização do saber em novos modos de olhar para as situações cotidianas. É que, do modo como se fixam as aprendizagens de olhar, de corpo, de escuta e de sentimentos, não ocorre a aprendizagem do novo sem esse desapego, desprendimento ou desfazimento, por isso, verdadeiras desaprendizagens.

O Projeto Pedagógico Singular seria um arranjo gestor e operador da aprendizagem, resultante de discussão e construção coletiva, protagonizado pelo aprendiz. Nesse projeto pedagógico, a produção de um perfil profissional ao egresso só seria possível se estivesse pautada na construção da autonomia individual com atuação interprofissional, na disposição de equipe (multiprofissional e interdisciplinar) com práticas colaborativas e intersetoriais. O aprender acontece ao dar vida à intensidade e à produção da amizade (ou não será uma ética do encontro). Além disso, um projeto pedagógico singular deve ser sustentável, na medida em que possibilite um reconhecimento de si pelo residente e, também, do trabalho como território de criação e de atos coletivos e solidários (acoplamento educação-trabalho). Um currículo em movimento de construção de aprendizagens, implicando residentes, preceptores e instituição de saúde.

Pensar em um programa de Residência tal como colocado no quadrante A, com a declarada priorização das necessidades de formação e um projeto formativo pactuado com os residentes, seria como propor uma profunda reflexão sobre a trajetória de aprendizado do profissional durante a universidade, ou sobre a trajetória de trabalho até ali, caso estivéssemos tratando de profissionais que quisessem se expor a uma situação em que há uma proteção ao status “em formação”. Seria, neste caso, responsabilidade dos programas a certificação e, sobretudo, o acompanhamento dos itinerários pedagógicos. Desse acompanhamento derivariam outras responsabilidades, de preceptores e residentes, de pensarem a si mesmos e as situações de trabalho13. Construiu-se, então, uma concepção de “Itinerários Pedagógicos” similar à noção de “Itinerários Terapêuticos”15, isto é, compreendeu-se que se deve construir, para cada turma de residentes, percursos que lhe são correspondentes, não a simples circulação pelo conjunto de serviços ofertados para determinado tratamento. Deve-se privilegiar: o conhecimento da vida no lugar, os valores culturais, as concepções de cuidado e a atuação com demandas da vida. Nesse sentido, um itinerário difere de um trajeto. No trajeto está “descrito” o caminho para chegar de um lugar a outro. No itinerário, caminhos vão se fazendo e se inscrevendo. Dentre as responsabilidades do programa de residência, estariam vivências em diferentes processos de trabalho, com diferentes profissionais, em lugares diversos.

Para entender um Projeto Pedagógico Singular, poder-se-ia exemplificar com as práticas integrativas e complementares. Como seria uma residência integrada multiprofissional nesta área? Como adquirir os conhecimentos sobre o corpo, sobre as relações anatomia-fisiologia e sobre a intervenção e terapêuticas provenientes dos saberes orientais, manifestações religiosas ou ambiente cósmico sem amplo envolvimento de si? Para fazer um diagnóstico em práticas integrativas, são utilizadas diversas características dos modos de ser, sentir e agir ou se asseguram ofertas cuidadoras na ausência de qualquer necessidade terapêutica, apenas para obtenção de conforto, abertura de sensações ou experiência de satisfação. Numa proposta de residência, o residente acompanharia um terapeuta ou muitos? Precisaria de um ano de formação, dois ou mais de dez (como ocorre no mundo oriental com as práticas da meditação), a fim de alcançar suficiente qualificação? A jornada ocuparia 40 ou 60 horas de sua semana? Quem sabe, investido de toda filosofia oriental em que a alimentação, as práticas corporais e as mudanças temporais fazem parte da apreensão de sentidos, a jornada ocupasse 24 horas de cada dia! Afinal, o que se quer certificar? Sabe-se que não é possível medir a carga horária de “afecções” de cada residente, no máximo, sua frequência a lugares.

Sobre o quadrante D, teríamos a presença de capturas de toda ordem. Por capturas estamos entendendo tudo aquilo que é capaz de aprisionar o saber, que impede de ver o outro e a multidão que ele é, que nos acomoda e nos deixa no exato lugar em que já nos encontrávamos, que impõe conhecimentos formais em detrimento de experiências inovadoras (improvisadas ou não), que impõe jornadas independentemente de qualquer sofrimento que isso possa causar, que impõe a experiência do sofrimento com o trabalho como apreensão de um conceito de trabalho em saúde (extenuante e sem reversão), que impõe jornadas padrão às 60 horas semanais, contabilizadas a partir da definição de uma carga horária mínima total de 5760 horas4, alheias às inúmeras maneiras para sua integralização. O quadrante D é o quadrante da “forma”, modelo único, totalizante, generalizado. Nos quadrantes B e C, estariam presentes potências e devires, mas, também, capturas e constrangimentos da inventividade. Parece que não é possível observar uma realidade estanque em um ou outro quadrante. Não há uma matriz possível de estagnar um “processo” em um ou outro, posto que o “movimento” sobressai por entre a forma, nem que seja na militância ou na queixa, pela defesa ou pela falta de qualidade.

As experiências de residência vividas pelos autores, as que estão relatadas nas teses e dissertações sobre o assunto5 e, também, as experiências que foram contadas nas conversas empreendidas durante a pesquisa que deu origem a este “recorte textual” transitam entre os quatro quadrantes. Os quadrantes são permeáveis entre si. O que é possível dizer a despeito disso é que há instituições onde a permeabilidade aos devires está mais presente e outras instituições onde essa permeabilidade é bloqueada pelos sistemas de controle. Ainda assim, há os participantes dos itinerários pedagógicos das residências, os quais disputam, a todo instante, rompimentos desse bloqueio.

Considerações finais

A pesquisa de base possibilitou considerar que um currículo nas residências contempla “encontros de aprendizagem”, estes constituídos pela ética do acompanhamento e pelo acoplamento educação-trabalho, e Projetos Pedagógicos Singulares, itinerários pedagógicos por exposição ao aprender de si e do trabalho, mediante experiências interprofissionais, intersetoriais e junto às instâncias de participação e controle social. Em encontros de aprendizagem, a função docente é exercida como “amizade” ou como a “ética do acompanhamento”. Em um currículo como movimento por afecções, e não o processo de curricularização, a formação de alianças e de companheirismo é a possibilidade de colher e ofertar sentidos ao cotidiano de cuidado, dando lugar à aprendizagem como relação de intensidade e afecção pelos signos do contato com pessoas, objetos, ambientes, narrativas, imagens, poesias, cheiros, lugares.

Na proposta de construção do conceito de projeto pedagógico singular, um currículo conectado à emergência de devires do trabalho, produzindo cuidado e orientação aos usuários, assim como ao sistema de saúde. Apesar dos regramentos advindos dos protocolos de exercício profissional e da maquinaria escolar que insiste em dizer como as aprendizagens devem acontecer, compreendeu-se que outros processos educativos podem significar potências no cotidiano e encontros de aprendizagem. O reconhecimento social da qualidade da formação em residências mantém nossa aposta naquelas residências que anunciam a formação interprofissional16, a interdisciplinaridade do conhecimento, a integralidade da atenção, a invenção no desenvolvimento de tecnologias de cuidado6,16 e o domínio em saberes sobre o sistema de saúde, onde as práticas profissionais “especializadas” se inserem como “agenciamento” dos dispositivos do trabalho em equipe, da multiprofissionalidade e da construção do cuidado na prática assistencial.

O artigo não esgota as possibilidades de pesquisa, antes, abre uma tematização à ideia de currículo nas residências em saúde. O currículo sequer é um tema resolvido na escola básica, mas é certo que não podemos fazer simples transposições das noções de currículo escolar e universitário para a Educação em Residências. Também é certo que não podemos fazer simples adaptações do tema currículo na avaliação da Educação Superior para o tema currículo na avaliação da Educação em Residências. Chaves e Ceccim sugeriram que haveria uma “dimensão das margens” para todo o currículo na Educação Superior17; sugerimos os encontros de aprendizagem e o projeto pedagógico singular, uma ética do acompanhamento e uma disposição da amizade (valores sem dimensão, dimensão das margens). Fica o tema para novas pesquisas e ensaios de pensamento, tentamos explorar uma Educação nas Residências, a porta foi destravada. Até aqui, a pauta de uma pedagogia das residências tem estado presente para o movimento de residentes, aparecendo, como defesa, a Educação Permanente em Saúde, enquanto, para os gestores, tem sido o elenco carga horária mínima de 60 horas semanais, exigência de plantões, predomínio das atividades assistenciais (80%) sobre qualquer outra atividade, titulação mínima dos preceptores equivalente ao stricto sensu e exigência de lista de conteúdos com carga horária fortemente delineada na proposta pedagógico-programática, tudo isso fetiche do currículo ou “curricularização”. “Alice” aprendeu outras coisas sobre estas “certezas”, ouviu frases, observou desenhos e ouviu músicas que diziam de um outro lado do espelho, um espelho que não refletia, antes, convocava à passagem “através dele”.

REFERÊNCIAS

1. Dallegrave D, Ceccim RB. Pesquisando com Alice, no País das Maravilhas. In: Noal-Gai D, Ferraz W. Parafernálias II: currículo, cadê a poesia?. Porto Alegre: INDEPin; 2014. p. 84-94.
2. Deleuze G. Proust e os signos. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2010.
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4. Ministério da Educação (BR). Resolução CNRMS nº 5 da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde, de 7 de novembro de 2014. Dispõe sobre a duração e a carga horária dos programas de Residência em Área Profissional da Saúde nas modalidades multiprofissional e uniprofissional e sobre a avaliação e a frequência dos profissionais da saúde residentes. Diário Oficial da União. 07 Nov 2014.
5. Dallegrave D, Ceccim RB. Residências em saúde: o que há nas produções de teses e dissertações? Interface (Botucatu). 2013; 17(47):759-76.
6. Domingos CM, Nunes EFPA, Carvalho BG. Potencialidades da residência multiprofissional em Saúde da Família: o olhar do trabalhador de saúde. Interface (Botucatu). 2015; 19(55):1221-32.
7. Dallegrave D, Ceccim RB. Expressões do processo de governamentalização nas Residências em Saúde. Interface (Botucatu). 2016; 20(57):377-88.
8. Tadeu-da-Silva T. Currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. Belo Horizonte: Autêntica; 2010.
9. Foucault M. Isto não é um cachimbo. 5a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1988.
10. Foucault M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola; 2006.
11. Carroll L. Aventuras de Alice no país das maravilhas - através do espelho e o que Alice encontrou por lá. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.
12. Foucault M. Da amizade como modo de vida. De l’amitié comme mode de vie [Internet]. 1981 [citado 27 Nov 2017]. Disponível em: .
13. Dallegrave D. Encontros de aprendizagem e governamentalidade no trabalho em saúde: as residências no País das Maravilhas [tese]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2013.
14. Schwartz Y. A experiência é formadora? Educ Real. 2010; 35(1):35-48.
15. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Política nacional de humanização da atenção e gestão do SUS. Clínica ampliada e compartilhada. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.
16. Araújo TAM, Vasconcelos ACCP, Pessoa TRRF, Forte FDS. Multiprofissionalidade e interprofissionalidade em uma residência hospitalar: o olhar de residentes e preceptores. Interface (Botucatu). 2017; 21(62):601-13.
17. Chaves SE, Ceccim RB. Avaliação externa no Ensino Superior na área da saúde: inquietações e a dimensão das margens. Interface (Botucatu). 2015; 19(55):1233-42.