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Ensaio EPIC: impacto do programa de educação no controle de fósforo sérico em pacientes com DRC 5D em hemodiálise

Ensaio EPIC: impacto do programa de educação no controle de fósforo sérico em pacientes com DRC 5D em hemodiálise

Autores:

Carmen Tzanno Branco Martins,
Bárbara Margareth Menardi Biavo,
Clarissa Baia Bargas Uezima,
Jacqueline Alves Pereira dos Santos,
Camila Machado de Barros,
Elzo Ribeiro Júnior,
Paul Clesca Troconis,
Cristoforo Scavone,
Marcus Vinicius de Souza João Luiz

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.39 no.4 São Paulo out./dez. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170072

Introdução

A doença renal crônica no estágio 5D (DRC 5D) é altamente prevalente em todo o mundo, e diminui significativamente a expectativa de vida e a qualidade de vida dos pacientes com DRC.1,2 Entre as complicações do paciente com DRC 5D, níveis elevados de fósforo sérico contribuem para a alta mortalidade por distúrbios cardiovasculares, distúrbios vasculares e calcificação óssea, bem como complicações associadas ao metabolismo mineral.3

Devido à sua relevância clínica, o aumento dos níveis séricos de fósforo pode ser indicativo de uma fraca adesão à medicação e nutricional em pacientes com DRC 5D. Kutner et al. mostraram que níveis de fósforo acima de 7,5 mg/dl indicam uma falta de adesão.4 Saran et al.5 e colegas também mostraram que a não adesão ao tratamento em pacientes com DRC 5D esteve associada a maior mortalidade e alta taxa de internações hospitalares relacionadas à hiperfosfatemia, bem como mais sessões perdidas de hemodiálise.

Assim, a educação nutricional é um aspecto importante do tratamento clínico, que promove um processo contínuo e interativo que busca melhorar o estilo de vida do paciente e, assim, evitar as complicações relacionadas à DRC 5D, que diminuem a qualidade de vida do paciente.6-8 Instruções básicas sobre nutrição permitem aos pacientes adotarem conscientemente um comportamento mais saudável, e alcançar resultados clínicos positivos. A educação nutricional também é uma ferramenta importante para ressaltar falácias sobre alimentos, além de promover comportamentos nutricionais mais adequados.8,9

Apesar de muitas estratégias disponíveis para a educação nutricional, incentivar os pacientes a adotarem comportamentos saudáveis continua a ser um grande desafio. Entre essas estratégias, o modelo transteórico de mudança de comportamento (TMBC) capacita os pacientes, fornecendo-lhes uma base de conhecimento adequada em relação ao seu comportamento, ao mesmo tempo que incentiva sua participação ativa em seu próprio tratamento. O modelo TMBC propõe mudança de comportamento em cinco estágios dinâmicos (pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção), com cada etapa correspondendo a uma dimensão temporal diferente do comportamento. Além disso, o modelo TBMC também leva em consideração a falta de adesão e recaída associadas ao tratamento.10

Neste estudo, a utilidade do modelo TMBC é investigada em pacientes com DRC 5D, incluindo seu impacto nos níveis séricos de fósforo. Os resultados indicam que esta abordagem tem utilidade clínica significativa.

Casuística e métodos

Tivemos 179/180 pacientes com CKD 5D completando este estudo clínico prospectivo. Todos os pacientes estavam em hemodiálise de alto fluxo (fluxo sanguíneo = 350 ml/min, fluxo de dialisado = 500 ml/min, três vezes por semana, sessão de 4 horas).

Critérios de inclusão: todos os pacientes com DRC 5D tinham idade igual ou superior a 18 anos, sendo de ambos os gêneros, e com níveis de fósforo sérico superiores a 5,5 mg/dl, conforme determinado por três medidas consecutivas ao longo dos três meses anteriores, antes do início do estudo.

Critérios de exclusão: os pacientes que não assinaram livremente o consentimento informado, mulheres grávidas e pacientes cujos níveis de fósforo no soro estiveram inferiores ou iguais a 5,5 mg/dl nos últimos três meses.

Coleta de dados: peso seco, altura, índice de massa corporal (IMC), gênero, idade, escolaridade, níveis séricos de cálcio, níveis séricos de fósforo, nível de hormônio paratireóideo intacto (iPTH), o coeficiente de adequação de hemodiálise (Kt/V) foram analisados antes a após a intervenção nutricional.

Tratamento com Sevelamer: nos últimos três meses antes do início do estudo, os pacientes estavam usando uma dose oral padronizada de sevelamer, 800 mg, três vezes ao dia, o que não foi modificado durante o estudo. Sevelamer foi o único ligante de fosfato prescrito durante o período de seguimento.

Tratamento com calcitriol: pacientes com iPTH > 300 pg/ml foram tratados usando uma dose padrão de 1 mcg EV de calcitriol em cada sessão de hemodiálise. Os pacientes haviam recebido esta dose durante os três meses anteriores ao início do estudo, e não foi modificado durante o curso do estudo. O calcitriol foi o único medicamento utilizado. Os calcimiméticos não foram usados durante este período de 4 meses.

Pré-intervenção: o modelo transteórico de mudança de comportamento (TMBC) foi iniciado antes da intervenção para planejar a abordagem nutricional. O TMBC foi aplicado de acordo com o questionário descrito no apêndice 1. As respostas dadas pelos participantes foram usadas para identificar seu estágio no processo de mudança comportamental, que foram definidos da seguinte forma:

  • Estágio 1 (pré-contemplação): os pacientes não admitem ter uma doença e não estão dispostos a mudar seu comportamento. A intervenção nutricional consiste em fornecer aos pacientes informações sobre o problema.

  • Estágio 2 (Contemplação): os pacientes admitem a doença e contemplam fazer mudanças. A intervenção nutricional envolve a identificação de características positivas e o estabelecimento das mudanças que o paciente acredita que devem ser feitas.

  • Estágio 3 (Preparação): os pacientes estão prontos para fazer mudanças, mas precisam de conselhos nutricionais para fazer uma avaliação custo-benefício. Nesta fase, uma intervenção nutricional individualizada é realizada para identificar possíveis alternativas e melhorar a autoestima dos pacientes.

  • Fase 4 (Ação): os pacientes expressam seu desejo de mudar e iniciam as mudanças. No entanto, nesta fase, tais mudanças são estressantes, e eles precisam de apoio. A intervenção nutricional deve fornecer apoio e motivação para reforçar as vantagens da mudança.

  • Estágio 5 (Manutenção): os pacientes cumpriram com as mudanças sugeridas por mais de seis meses; no entanto, é necessária uma intervenção nutricional para aumentar o autocontrole, permitindo assim ao paciente superar quaisquer desafios que possam surgir.

  • Estágio 6 (Recaída): os pacientes interrompem a dieta e a medicação recomendadas. A intervenção nutricional nesta fase deve atuar para reforçar o progresso alcançado anteriormente, estimulando mudanças futuras no comportamento.

Intervenção: a intervenção da educação nutricional de cada paciente foi realizada por quatro meses durante as sessões de hemodiálise. A intervenção consistiu em uma palestra sobre nutrição e três sessões de interação nutricionista-paciente. As palestras de dez minutos foram feitas usando um flip chart ilustrativo colocado na sala de diálise, apresentando fotos sobre alimentos, aglutinante de fosfato e seu mecanismo de ação, bem como o sistema digestivo, que visava aumentar a compreensão do paciente sobre a importância da nutrição no tratamento da DRC 5D por hemodiálise. No final das palestras, os pacientes receberam folhetos com texto explicativo e ilustrações, permitindo que o paciente e o cuidador (as) tenham acesso imediato a essa informação em casa.

As sessões de interação nutricionista-paciente também foram realizadas durante as sessões de diálise, incluindo semáforos, refeições prontas e interações de autoatendimento.

A sessão de semáforos utilizou fotografias de alimentos e dois grandes retângulos de papel, de cor vermelha ou amarela, que representavam semáforos. O nutricionista apresentava fotografias de alimentos e os participantes tinham que decidir se colocam cada imagem no retângulo amarelo, correspondendo a alimentos que podem ser consumidos com moderação ou no retângulo vermelho, correspondendo a alimentos que deveriam ser evitados. As consequências de escolhas inadequadas de consumo de alimentos foram discutidas e os conselhos reiterados.

A sessão de refeição pronta incluiu fotografias de refeições completas (café da manhã, almoço, lanche e jantar), representando seleções dietéticas adequadas e inadequadas. Cada refeição foi mostrada individualmente aos participantes e os mesmos foram convidados a opinar se a composição da refeição era adequada ou não, quais alimentos exigiriam aglutinantes de fosfato e como eles deveriam ser usados.

Quando a maioria dos participantes concordava que uma refeição era inadequada, os participantes que a avaliaram como adequada foram convidados a justificar sua escolha e a fazer sugestões sobre como a refeição deveria ser alterada para alcançar a adequação. Estes ajustes propostos foram feitos por nutricionistas. Todas as refeições ilustrativas foram exibidas e discutidas de acordo com este processo.

A sessão de self-service também foi realizada usando fotografias ou desenhos de alimentos. Antes do início da sessão de diálise, os pacientes foram divididos em grupos e cada grupo foi convidado a planejar uma refeição (café da manhã, almoço, lanche ou jantar) que eles julgavam saudáveis, usando as imagens fornecidas de alimentos. A adequação das refeições elaboradas por cada grupo foi discutida durante a sessão de diálise.

Pós-intervenção: O TMBC também foi aplicado após a intervenção nutricional para planejar a abordagem nutricional.

Para analisar os resultados do TMBC, os achados pré e pós-intervenção foram divididos em dois grupos: um compreendeu os pacientes que apresentaram mudança positiva, e o outro incluiu os pacientes que apresentam uma mudança negativa no estágio, ou seja, uma recaída ou um retrocesso para um estágio anterior. Os critérios empregados para definir esses grupos estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1 Critérios para os 6 estágios do TMBC 

Resultado da intervenção pré-nutricional Mudança positiva Resultado após a intervenção nutricional Mudança Negativa Resultado pós intervenção nutricional
Pré-contemplação Contemplação
Preparação
Ação
Manutenção
Pré-contemplação
Recidiva
Contemplação Preparação
Ação
Manutenção
Contemplação
Recidiva
Preparação Ação
Manutenção
Pré-contemplação
Contemplação
Preparação
Ação Ação
Manutenção
Pré-contemplação
Contemplação
Preparação
Recidiva
Manutenção Manutenção Pré-contemplação
Contemplação
Preparação
Ação
Recidiva
Recidiva Pré-contemplação
Contemplação
Preparação
Ação
Manutenção
Recidiva

Análise estatística

Os dados foram analisados usando o software Statistical Product for Service Solutions, SPSS, versão 15.0, para Windows (IBM, EUA). As variáveis contínuas foram comparadas utilizando-se o teste-t de Student. As variáveis categóricas e os grupos foram analisados utilizando tabelas de contingência, com teste de qui-quadrado e teste exato de Fisher sendo aplicado quando apropriado. O significado estatístico foi estabelecido para valores de p < 0,05.

Resultados

As características gerais dos pacientes avaliados neste estudo estão descritas na Tabela 2. Dos 179 pacientes, 98 (54,8%) eram do sexo feminino, o que não mostra diferenças estatísticas entre os gêneros (p = 0,23). A idade média dos pacientes foi de 52 ± 15 anos.

Tabela 2 Características gerais dos pacientes avaliados 

Variáveis
Gênero [n/total (%)]
Feminino 98/179 (54,7%)
Idade (anos) Média (DP)
Idade 52 ± 15
Tempo em hemodiálise (anos) 2,0 ± 0,63
Índice de Massa Corporal (IMC) [n/total (%)]
Eutrópico 90/179 (50,3%)
Sobrepeso 50/179 (27,9%)
Obesidade 39/179 (21,8%)
Kt/V 1,0 ± 0,27
Tratamento com Sevelamer [n/total (%)]
Sim 117/179 (65,4%)
Não 62/179 (34,6%)
Tratamento com Calcitriol [n/total (%)]
Sim (iPTH > 300 pg/ml; Ca < 9.5 mg/dl) 61/179 (34,1%)
Não (iPTH < 300 pg/ml; Ca < 9.5 mg/dl) 118/179 (65,9%)
Escolaridade [n/total (%)]
0-4 anos 58/179 (32,4%)
5-8 anos 57/179 (31,8%)
9 ou mais anos 64/179 (35,8)

O tempo médio de hemodiálise foi de 2 ± 0,63 anos e o coeficiente de adequação da hemodiálise (Kt/V) foi de 1 ± 0,27, pré e pós-intervenção, indicando que não houve alterações na prescrição de hemodiálise durante o estudo.

Usando a classificação do IMC (eutrófica, com sobrepeso ou obesidade), 90 (50,3%) pacientes foram considerados eutróficos, 50 (27,9%) pacientes foram considerados com sobrepeso, enquanto 39 (21,8%) foram considerados obesos, indicando proporções semelhantes entre pacientes eutróficos e pacientes com transtornos nutricionais (p = 1,0).

Em relação aos anos de escolaridade, 58 (32,4%) pacientes completaram 0-4 anos, 57 completaram 5-8 anos, 64 pacientes completaram 9 ou mais anos. Tais dados destacam que apenas o ensino fundamental foi concluído, no geral, bem como as razões para os baixos níveis de alfabetização. Proporção semelhante de anos na escola são evidentes entre os dois grupos.

No que diz respeito ao tratamento com aglutinante de fosfato, 117 (65,4%) pacientes estavam usando cloridrato de sevelamer (Renagel) e 62 (34,6%) pacientes estavam sem tratamento com agente aglutinante. Nenhum outro tipo de fármaco fosfato-aglutinante foi prescrito nessa amostra de paciente.

Após a intervenção nutricional, observou-se uma diminuição estatisticamente significante no nível sérico de fósforo de pacientes que estavam em tratamento com sevelamer (n = 117/179), de 6,8 ± 1,06 mg/dl para 5,6 ± 1,5 mg/dl (p < 0,05), bem como naqueles que não estavam em tratamento com sevelamer (n = 62/179) de 6,6 ± 1,0 mg/dl para 6,1 ± 1,6 mg/dl (p < 0,05), indicando uma maior redução entre os pacientes em tratamento com sevelamer (Tabela 3).

Tabela 3 Concentração do fosfato sérico (mg/dL) nos pacientes classificados com base na prescrição do aglutinante de fosfato, pré e pós-intervenção 

Pacientes sob tratamento com sevelamer (117/179)
Pré-intervenção 6,8 ± 1,06 p < 0,05
Pós-intervenção 5,6 ± 1,5
Pacientes sem tratamento com sevelamer (62/179)
Pré-intervenção 6,6 ± 1,0 p < 0,05
Pós-intervenção 6,1 ± 1,6

Além disso, uma diminuição estatisticamente significativa no nível de fósforo sérico de pacientes com iPTH < 300 pg/ml e Cálcio < 9,5 mg/dl (n = 61/179), de 6,7 ± 1,20 mg/dl para 5,5 ± 1,5 mg/dl (p < 0,05), foi evidente. Uma diminuição estatisticamente significativa no nível de fósforo sérico entre os pacientes com iPTH > 300 pg/ml e Cálcio < 9,5 mg/ml (n = 118/179, de 6,8 ± 1,0 mg/dl para 5,9 ± 1,6 mg/dl (p < 0,05), também foi evidente. Tais dados indicam uma maior redução nos níveis séricos de fósforo entre pacientes que não estão em tratamento com calcitriol (Tabela 4).

Tabela 4 Concentrações de fosfato sérico nos pacientes classificados com base nos níveis e iPTH, antes e depois da intervenção 

Pacientes com iPTH < 300 pg/ml (n = 61/179)
Pré-intervenção 6,7 ± 1,2 p < 0,05
Pós-intervenção 5,5 ± 1,5
Pacientes sem tratamento com sevelamer (62/179)
Pré-intervenção 6,8 ± 1,0 p < 0,05
Pós-intervenção 5,9 ± 1,6

A comparação do nível de escolaridade e dos níveis de fosfato indicou uma diminuição significativa nos níveis de fosfato nos três grupos de anos de escolaridade total. No intervalo de 0-4 anos, uma queda estatisticamente significativa no nível de fósforo sérico foi evidente, de 6,7 ± 1,0 mg/dl para 5,5 ± 1,5 mg/dl (p < 0,05). Na faixa de 5-8 anos, o nível de fósforo sérico reduziu de 6,7 ± 1,10 mg/dl para 5,5 ± 1,4 mg/dl (p < 0,05). No intervalo de 9 ou mais anos, a redução do nível de fosfato sérico foi de 6,8 ± 1,1 mg/dl para 5,9 ± 1,3 mg/dl (p < 0,05). Tais dados indicam uma maior redução entre os pacientes que não estão no tratamento com calcitriol (Tabela 5).

Tabela 5 Níveis séricos de fosfato nos pacientes classificados com base no nível educacional 

0-4 anos de escolaridade
Pré-intervenção 6,7 ± 1,0 p < 0,05
Pós-intervenção 5,5 ± 1,5
5-8 anos de escolaridade
Pré-intervenção 6,7 ± 1,1 p < 0,05
Pós-intervenção 5,5 ± 1,4
9 ou mais anos de escolaridade
Pré-intervenção 6,8 ± 1,1 p < 0,05
Pós-intervenção 5,9 ± 1,3

No que se refere às mudanças comportamentais após a intervenção, foram identificadas mudanças positivas em 51 pacientes (28,4%), enquanto 13 (7,2%) apresentaram pouco progresso, e 68 (37,9%) pacientes permaneceram nos estágios de ação ou de manutenção, indicando que 132 (73,7 %) pacientes obtiveram benefícios da intervenção nutricional. Os pacientes que se beneficiaram da intervenção mostraram uma redução do nível de fosfato sérico de 6,8 ± 1,1 mg/dl para 5,5 ± 1,3 mg/dl (p < 0,05). Por outro lado, 47 (26,3%) pacientes que tiveram recaída ou que regrediram de estágio mostraram apenas uma pequena redução do nível de fosfato sérico, 6,8 ± 1,5 mg/dl para 6,5 ± 1,7 mg/dl (p > 0,05), indicando diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p < 0,05 - Tabela 6).

Tabela 6 Mudanças durante o ensaio 

Mudança [n/total (%)] Nível de fosfato Pré-intervenção Nível de fosfato Pós-intervenção Valor de p
Positiva 132/179 (73,7%) 6,8 ± 1,1 5,5 ± 1,3 p < 0,05
Negativa 47/179 (26,3%) 6,8 ± 1,5 6,5 ± 1,7

A análise do Qui-quadrado dos resultados do TMBC e dos níveis séricos de fósforo por categoria (menor ou igual a 5,5 mg/dl e superior a 5,5 mg/dl) mostrou que a maioria dos pacientes apresentou níveis séricos de fósforo acima de 5,5 mg/dl (85,1% n = 40/47) estavam no grupo de resultados negativos (n = 47) (Figura 1). Além disso, poucos pacientes no grupo de resultados negativos apresentaram níveis séricos de fosfato abaixo de 5,5 mg/dl (n = 7/47).

Figura 1 Resultados positivos ou negativos no modelo transteórico da mudança de comportamento em pacientes com DRC em 5D em hemodiálise no final do programa de educação nutricional. Resultado positivo: mudança positiva, estágio do paciente em ação ou estágio de manutenção (n = 132). Resultado negativo: paciente recidivante ou paciente que voltou para um estágio anterior (n = 47). Teste Quiquadrado, intervalo de confiança de 95%: p < 0.05. 

A análise Qui-quadrado dos resultados do TMBC e os níveis de escolaridade por categoria apresentaram proporções similares (> 70%) em termos de mudanças positiva e negativa (< 30%) nos vários anos de escolaridade (Figura 2).

Figura 2 Comparison between Shift Changes (Positive or Negative) and Schooling Levels. Chi square test (Confidence Interval: 95%). Comparison among schooling levels: p > 0,05. 

Discussão

Este estudo destaca importantes e clinicamente relevantes achados sobre os resultados de um programa de educação em nutrição utilizando o TMBC. Essa abordagem se mostrou efetiva para melhorar o controle de curto prazo do nível de fosfato sérico na maioria dos participantes do estudo (73,7%). Esses resultados estão em concordância com estudos prévios sobre a eficácia dos programas de educação nutricional.11,12

Tanto o grupo sob tratamento com sevelamer como outros grupos sem tratamento com sevelamer mostraram uma redução estatisticamente significativa nos níveis séricos de fósforo, indicando a utilidade clínica deste programa educacional, independentemente do tratamento com sevelamer. A relevância do programa educacional é destacada pelos dados que mostram que nos três meses consecutivos antes do estudo, pacientes de ambos os grupos apresentaram elevados níveis de fosfato, mesmo quando tomaram calcitriol e sevelamer. Esses dados corroboram aqueles de estudos anteriores.13 de Deus et al.13 mostraram que os programas educacionais de nutrição são mais eficazes quando adicionados ao tratamento com medicação de aglutinantes de fosfato. Neste ponto, pode-se inferir que um controle mais rápido da hiperfosfatemia pode ser alcançado com uma combinação de mudança na dieta e fármaco fosfato-aglutinante.

Os níveis reduzidos de fosfato sérico foram independentes do gênero e dos níveis de iPTH. Também é de notar que nenhum dos pacientes perdeu as sessões ao longo do estudo, destacando a utilidade perceptível do estudo e o valor de uma abordagem TMBC.

Em comparação com muitas investigações clínicas, os participantes deste estudo mostraram um baixo nível de escolaridade. 32,4% dos pacientes tinham 0-4 anos de escolaridade; 31,8% dos pacientes tinham 5-8 anos de escolaridade e 35,8% tinham 9 ou mais anos de escolaridade. Apesar do baixo nível de escolaridade, foi possível reduzir os níveis de fosfato na maioria dos pacientes. Isso destaca a utilidade desta abordagem, incluindo como derivada do uso de imagens e recursos audiovisuais nos materiais didáticos, bem como os panfletos que os pacientes levaram para casa, o que permitiu que a informação estivesse constantemente disponível para eles e seus cuidadores.

Além disso, o modo de ensino (dinâmica de grupo, acesso à informação e discussões grupais sobre situações diárias), durante as sessões de hemodiálise, melhorou a probabilidade de participação ativa do paciente, pelo menos em parte, esclarecer as questões sobre o que, por que, quando e como, no que diz respeito à gestão dietética de sua condição clínica. Esse detalhe e envolvimento pessoal melhoram o conhecimento e a adesão. O aconselhamento nutricional centrou-se em permitir que os pacientes traduzissem a informação nutricional em escolhas práticas e diárias de alimentos.14

A adesão ao tratamento é multifatorial e não apenas relacionada à abordagem do ensino. Muitos fatores podem influenciar o resultado do tratamento, incluindo a percepção da situação e a implantação de diferentes estratégias em face dos desafios do cotidiano, bem como fatores externos (problemas pessoais, sociais e econômicos e redes sociais). O presente estudo, embora limitado aos resultados em um período de curto prazo, indica a utilidade das intervenções nutricionais, com efeitos a curto prazo, que podem reforçar os hábitos que conduzem a mudanças de longo prazo no comportamento alimentar.15

Como uma abordagem para efetuar a mudança, o TMBC se mostra viável e eficaz em pacientes com DRC 5D em um período de curto prazo. Após a intervenção nutricional, o número de pacientes nos estágios de preparação e ação aumentou, e a maioria dos pacientes apresentou resultados positivos. As mudanças nos estágios negativos, a recidiva e regressão em estágio foram mais altamente correlacionadas com o aumento dos níveis séricos de fósforo, indicando que esses pacientes devem ser monitorados de perto e podem beneficiar de outras intervenções clínicas.

Conclusões

Em conclusão, este estudo mostrou que um programa de intervenção nutricional é efetivo no curto prazo. Os programas educacionais são baratos e fáceis de implementar, com TMBC mostrando que resultados positivos podem ser alcançados, com esta utilidade interagindo com níveis de fosfato sérico em pacientes com DRC 5D em hemodiálise crônica.

Os resultados deste estudo destacam como um programa educacional simples e barato pode aumentar a motivação e os resultados clínicos, independentemente dos anos de escolaridade e níveis de alfabetização.

REFERÊNCIAS

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