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Ensino na Saúde como objeto de pesquisa na pós-graduação stricto sensu: análise do Pró-Ensino na Saúde

Ensino na Saúde como objeto de pesquisa na pós-graduação stricto sensu: análise do Pró-Ensino na Saúde

Autores:

Silvia Helena Arias Bahia,
Ana Estela Haddad,
Nildo Alves Batista,
Sylvia Helena Souza da Silva Batista

ARTIGO ORIGINAL

Interface - Comunicação, Saúde, Educação

versão impressa ISSN 1414-3283versão On-line ISSN 1807-5762

Interface (Botucatu) vol.22 supl.1 Botucatu 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0192

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue entender el potencial inductor del Programa Pro-Enseñanza en la Salud bajo la perspectiva de una política de formación en el nivel de postgrado stricto sensu y de desarrollo de investigaciones sobre la enseñanza en la salud, utilizando datos de 31 proyectos y entrevistas con 17 coordinadores. Se identificó la participación de 59 programas de postgrado, realización de 395 investigaciones y formación de 423 profesionales entre 24 de los 31 proyectos. Se entiende que la inversión en este programa fortaleció el proceso formativo calificado y el desarrollo de investigaciones en la enseñanza de la salud, con la expectativa de transformaciones en el cotidiano de la academia y el servicio de salud. Se reconoce el Pro-Enseñanza en la Salud como una política inductora, fomentando redes de colaboración y la producción de conocimiento, pero también se enfrenta al desafío de instaurarse como efectivo constituyente de una política pública de formación y trabajo en salud.

Palabras-clave: Educación superior; Enseñanza de postgrado; Salud; Investigación; Política inductora

Introdução

O ensino na saúde é entendido como um processo que demanda ações pedagógicas para o processo de formação de profissionais de saúde, abrangendo as bases epistemológicas, curriculares, metodológicas e contextuais1,2. Esse processo apresenta, também, natureza interdisciplinar que tem por objeto a “organização de um sistema de relações nas dimensões do conhecimento, de habilidades, e de atitudes, de tal modo que se favoreça, ao máximo, o processo ensino-aprendizagem”3 (p. 31).

Na última década, a formação e o ensino na saúde assumiram papéis de destaque no contexto das políticas de educação e de saúde no intuito de garantir formação qualificada aos profissionais de saúde e, consequentemente, uma atenção à saúde mais resolutiva e de melhor qualidade, investindo-se na integração ensino-serviço-comunidade.

Nesse contexto de integração, o ensino na saúde tem merecido atenção especial por parte da política nacional de saúde, que vem empreendendo iniciativas indutoras para mudança na formação na área da saúde, destacando-se no âmbito da graduação o Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares nas Escolas Médicas (Promed), em 2001-2002; o Aprender SUS, em 2004; o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) em 2005; e, em 2008, o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde); esses dois últimos em mais de uma edição e versão.

No âmbito da pós-graduação, situam-se a regulamentação e expansão da Residência Multiprofissional em Saúde, o Pró-Residências e o Programa Nacional de Desenvolvimento Docente na Saúde (Pró-Ensino) (Quadro 1).

Quadro 1 Políticas indutoras, por foco privilegiado, objetivo e marco regulatório 

Política indutora Foco Objetivo Marco Regulatório
Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares nas Escolas Médicas (Promed) Graduação em Medicina O objetivo principal é incentivar as escolas médicas do país a adequarem seus currículos, sua produção de conhecimento e os programas de educação permanente à realidade social e de saúde da população brasileira e, dessa forma, contribuir na consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Portaria Interministerial MS/MEC 610, 2001.
Ver-SUS Graduação O projeto objetiva o conhecimento e reconhecimento da gestão do sistema, estratégias de atenção, exercício do controle social e processos de educação na saúde, contribuindo, assim, na qualificação do processo formativo dos alunos, favorecendo também a reflexão dos trabalhadores sobre suas práticas e fazeres. O Ver-SUS propicia aos estudantes universitários uma convivência rica, proporcionando a descoberta de potencialidades comuns, criando novas percepções sobre a própria formação e exercendo o trabalho multiprofissional e multidisciplinar. Projeto estratégico do Ministério da Saúde em parceria com a Rede Unida que acontece desde 2002, com foco na formação de trabalhadores para o SUS.
Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) Graduação O objetivo do programa é a integração ensino-serviço, visando à reorientação da formação profissional, assegurando uma abordagem integral do processo saúde-doença com ênfase na Atenção Básica e promovendo transformações na prestação de serviços à população. Portaria Interministerial MS/MEC no 2.101, de 3 de novembro de 2005 (cursos de Medicina, Enfermagem e Odontologia). Portaria Interministerial MS/MEC no 3.019, de 27 de novembro de 2007 (todos os cursos da área da Saúde).
Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) Graduação Tem como pressuposto a educação pelo trabalho, caracterizando-se como instrumento para qualificação em serviço dos profissionais da saúde, bem como de iniciação ao trabalho, dirigidos aos estudantes dos cursos de graduação e de pós-graduação na área da saúde, de acordo com as necessidades do SUS, tendo em perspectiva a inserção das necessidades dos serviços como fonte de produção de conhecimento e pesquisa nas instituições de ensino. Portaria interministerial MS/MEC Nº 421, de 3 de março de 2010.
Residência Multiprofissional e por área profissional em Saúde Pós-graduação Articular ensino-serviço-comunidade para favorecer a inserção qualificada de profissionais de saúde no SUS. Nesse sentido, é definida em comum acordo com gestores, trabalhadores e usuários as regiões prioritárias do país para a atuação estratégica dos profissionais de saúde a partir das necessidades e realidades locais e regionais identificadas. Lei no 11.129, de 2005.
Pró-Residência Médica Pós-graduação Apoiar a formação de especialistas em regiões e áreas prioritárias para o SUS. Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas (Pró-Residência Médica), 2009.
Programa Nacional de Desenvolvimento Docente na Saúde (Pró-Ensino) Pós-graduação stricto sensu Apoiar a formação docente na pós-graduação na área ensino na Saúde. Projeto Estratégico Ministério da Saúde/Ministério da Educação – Capes

O Pró-Ensino constitui um conjunto de estratégias com o objetivo de fortalecer a formação docente e a produção de conhecimento na área do ensino na Saúde. São elas: o mestrado profissional em ensino na Saúde, o Edital no 24/2010 e o Edital que permitiu que programas de residência médica e multiprofissional em saúde pudessem submeter projetos de cursos com dupla titulação – residência e mestrado profissional (Figura 1).

Figura 1 Organograma do Pró-Ensino na Saúde. 

Este estudo buscou compreender o potencial indutor do Programa Pró-Ensino na Saúde, no seu componente desenvolvido por meio do Edital Capes no 24/2010 e na perspectiva de uma política de formação no nível stricto sensu e de desenvolvimento de pesquisas sobre o ensino na Saúde, compreendendo o período de 2011 a 2016, por meio da caracterização dos 31 projetos aprovados e das concepções dos coordenadores dos projetos quanto às suas potencialidades e desafios.

Método

A pesquisa utilizou métodos mistos por meio da integração entre o quantitativo e o qualitativo, utilizando o modelo de integração metodológica do tipo dialógico, sendo construído na perspectiva da triangulação de dados. Buscou-se a convergência, abrangência e reflexibilidade na análise dos dados coletados a partir da fundamentação teórica e posterior análise documental, entrevistas e análise de conteúdo4.

A pesquisa foi de âmbito nacional e estudou o desenvolvimento de 31 projetos aprovados no Edital no 24 – Pró-Ensino na Saúde, MS/Capes (Quadro 2).

Quadro 2 Projetos aprovados no Edital no 024/2010 – MS/CAPES 

TÍTULO COORDENADOR SIGLA
Formação em Educação Superior nas Profissões da Saúde Luiz Ernesto de Almeida Troncon USP
Avaliação do Estudante e do Ambiente de Ensino nos Cursos da Área de Saúde Milton de Arruda Martins USP
Políticas de Formação em Educação Física e Saúde Coletiva: Atividade Física/Práticas Corporais no SUS Alex Branco Fraga UFRGS
Inovação em Docência Universitária: uma Proposta de (Trans)formação no Processo de Ensino e Aprendizagem para os Cursos da Área da Saúde na Universidade Federal de Viçosa Rosângela Minardi Mitre Cotta UFV
Organização Pedagógica do Trabalho Docente em Saúde Domingo Marcolino Braile Famerp
Desenvolvimento de Competências Gerais e Específicas nos vários Cenários de Ensino-Aprendizagem dos Estudantes de Medicina, Odontologia e Enfermagem: Situação Atual dos Currículos, Implantação e Avaliação de Metodologias Ativas Elizabeth Francesco Daher UFC
Ensino, Saúde e Desenvolvimento: Rede de Saberes e Práticas Izabel Cristina Meister Martins Coelho FPP
Inserção de Tecnologias a Distância combinadas com Presenciais no Ensino na Área da Saúde Mauro Silveira de Castro UFRGS
Tecnologias Educacionais Interativas para potencialização de Educação em Saúde Chao Lung Wen USP
Formação para a docência de ensino superior na área de Pesquisa Clínica em Doenças Infecciosas Élida Azevedo Hennington Fiocruz
Projeto de Formação de Recursos Humanos no nível de Mestrado e Doutorado em Educação para Profissionais de Saúde com Ênfase no Ensino em Saúde para o SUS Maria das Graças Martins da Silva UFMT
A formação de professores no contexto do SUS: Políticas, Ações e Construção de Conhecimento Adriana Katia Corrêa USP
Docência na Saúde Magda Lahorgue Nunes PUC-RS
Estudo da Formação do Profissional de Saúde no Contexto de Inovações Curriculares, da Capacitação Pedagógica de Professores e da Integração Ensino-Serviço na rede SUS Victoria Maria Brant Ribeiro UFRJ
Implementação do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Educação em Saúde (Nepes) da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) Marco Akerman FMABC
Ensino na Saúde: Caminhos para a superação dos desafios na formação profissional para o SUS Marta Lenise do Prado UFSC
Avaliação do Ensino em Saúde: a formação de multiplicadores para ações de qualidade Eliana Martorano Amaral Unicamp
Educação e Saúde: Bases Epistemológicas e Metodológicas da formação de profissionais para o Sistema Único de Saúde José Ivo Pedrosa UFPI
Fortalecimento do Ensino na Saúde no contexto do SUS: uma proposta interdisciplinar da Universidade de Brasília na Região Centro-Oeste Gardênia da Silva Abbad UnB
Projeto de criação da linha de pesquisa em Ensino na Saúde do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UFG Nilce Maria da Silva Campos Costa UFG
Ensino na saúde: uma proposta integradora para o Sistema Único de Saúde Cecília Dias Flores UFCSPA
Integração Universidade, Serviços de Saúde e comunidade na Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP: Construindo novas práticas de formação e pesquisa Eliana Goldfarb Cyrino Unesp
Projeto para Desenvolvimento de Linha de Pesquisa e Apoio ao Ensino na Saúde no Mestrado Profissional de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Regina Maria Giffoni Marsiglia FCMSCSP
Integração entre Universidade e Política de Saúde: Intersetorialidade e Ensino em Saúde Maria Isabel Barros Bellini PUC-RS
Ensino Integrado: assistência, docência e inovação em Medicina Laboratorial e Saúde Luís Cristóvam de Moraes Sobrinho Pôrto UERJ
Educação e Saúde na Promoção à Saúde da Criança e do Adolescente: um Contexto Interdisciplinar Luciane Soares de Lima UFPE
Estudo da relação entre o uso racional da propedêutica complementar e a prática do método clínico centrado na pessoa Edilberto Nogueira Mendes UFMG
Laboratório de Pesquisas, Ensino e Gestão do Conhecimento, da Educação e do Trabalho na Saúde Ivana Cristina de Holanda Barreto UFC
Avaliação do potencial Biológico de Extratos de Própolis Vermelha da Região de Brejo Grande/SE para aplicação no Sistema Único de Saúde João Antônio Pêgas UCS
Formação Profissional para a Integralidade no Cuidado: articulando formação, avaliação e integração com o SUS Nildo Alves Batista Unifesp
Pró-Ensino na Saúde EEUSP/UEMS – Formação docente para o ensino e o cuidado à saúde Maria Amélia de Campos Oliveira USP

Fonte: Ministério da Educação, 2010.

A produção de dados ocorreu pela análise documental dos 31 projetos e por entrevistas semiestruturadas realizadas com 17 coordenadores que foram contatados e aderiram a esta etapa da pesquisa.

A análise documental dos projetos, iniciada em novembro de 2012 e concluída em novembro de 2015, possibilitou a captação de informações que expressaram as tendências da formação de recursos humanos e da pesquisa na área do ensino na Saúde em nível da pós-graduação stricto sensu frente aos marcos teóricos da política nacional de formação dos profissionais da saúde.

De posse dos projetos, iniciaram-se leituras sistemáticas para identificação das informações pertinentes à caracterização destes. Em um segundo momento, buscando-se o aprofundamento das dimensões estudadas, optou-se pela entrevista semiestruturada. Pretendeu-se, com a entrevista, colocar em relevo dimensões pessoais e percepções dos coordenadores sobre o programa e suas concepções e motivações frente ao projeto apresentado, caracterizando ainda os nós críticos e as potencialidades dos objetivos imediatos e/ou propostos em longo prazo em relação à formação no nível stricto sensu e à produção de pesquisas na área em estudo.

Foram adotados como critérios de seleção dos coordenadores a região geográfica onde eram realizados os projetos e a adesão dos coordenadores (Quadro 3).

Quadro 3 Distribuição regional das entrevistas realizadas com os coordenadores dos projetos Pró-Ensino na Saúde. 

REGIÕES PROJETOS ENTREVISTAS
SUDESTE 17 12
SUL 8 2
NORDESTE 4 2
CENTRO-OESTE 2 1
TOTAL 31 17

Fonte: Coordenadores dos projetos Pró-Ensino na Saúde.

As entrevistas com os 17 coordenadores de projetos, após concordância por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram agendadas de forma pactuada, sendo realizadas presencialmente (13) e via Skype (4), no período de outubro de 2015 a abril de 2016. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas pela pesquisadora.

O roteiro de entrevistas foi elaborado considerando indicadores qualitativos (motivação, desafios, nós críticos, dificuldades, perspectivas e fortalezas) e os achados mais significativos da análise documental e, assim, foi possível contextualizar as questões emergentes captadas nos documentos com as percepções dos coordenadores.

As entrevistas e a análise documental configuraram um campo ao qual se adentrou com ferramentas da análise de conteúdo do tipo temática, identificando-se as unidades de contexto e de registro, bem como núcleos temáticos presentes nos documentos e nas expressões captadas nas entrevistas4,5.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o registro no 492.974, de 13 de dezembro de 2013.

Resultados e discussão

Os resultados e discussão serão apresentados em dois tópicos. O primeiro trata da caracterização dos projetos a partir dos documentos e das vozes dos coordenadores. As potencialidades para a formação para a pesquisa e como política indutora foram abordadas no segundo tópico.

Caracterização dos projetos: documentos e vozes dos coordenadores

A análise documental dos 31 projetos, seguida da análise interpretativa dos resultados encontrados, permitiram identificar oito temáticas relacionadas às principais características dos projetos Pró-Ensino na Saúde desenvolvidos no Brasil: situação regional, motivação e participação institucional, adesão dos programas de pós-graduação, agregação nas áreas de avaliação da Capes, área temática, equipe participante e proposta formativa.

Os projetos foram desenvolvidos em quatro das cinco regiões geográficas do Brasil. As regiões Sul e Sudeste concentraram 80,7% dos projetos, sendo que mais da metade estão localizados no Sudeste (16 projetos, equivalendo a 50,4%/16). O Centro-Oeste foi a região que aprovou menos projetos (com apenas 2 projetos aprovados, representando 6,4%) e não houve registro em relação à região Norte.

Apesar da ausência direta da região Norte em relação aos projetos, esta participou por meio de parcerias estabelecidas com três instituições de ensino superior (IES): Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com PPG no estado do Pará, Universidade de São Paulo (FM1/USP), com grupos de pesquisa em Macapá, e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que instituiu Núcleo de Pesquisa no Pará. A Figura 2 indica que as assimetrias e as desigualdades regionais estiveram presentes no Pró-Ensino na Saúde.

Fonte: Projetos Pró-Ensino na Saúde, 2010.

Figura 2 Distribuição geográfica dos projetos Pró-Ensino na Saúde, em 2010. 

As assimetrias e desigualdades regionais são preocupações governamentais importantes que vêm sendo discutidas e combatidas por meio de ações estratégicas previstas em diversas agendas políticas, como no atual Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG/2011-20), que contempla em suas diretrizes o combate às assimetrias, no contexto das mesorregiões brasileiras, sendo sua identificação prevista nas avaliações do Sistema Nacional de Pós-Graduação.

Essas políticas merecem atenção especial dentro do sistema de saúde, pois reforçam a necessidade de se corrigir as inequidades regionais que influenciam a definição de algumas demandas, como a relação do número de profissionais para a saúde, a diminuição das desigualdades de acesso aos serviços e ações de saúde e a interferência na abertura de vagas e criação de postos de trabalho6.

O Pró-Ensino na Saúde admitiu a submissão de propostas de projetos interinstitucionais. Observou-se a participação de 32 IES, entre as quais cinco participaram em mais de um projeto (USP - seis projetos); UFSC (três projetos); UFRGS, PUCRS e UFC (dois projetos cada), em alguns como instituição responsável e outros como corresponsável.

Nota-se que as IES públicas foram predominantes tanto entre as instituições-líder (27 de 31) quanto entre as instituições participantes (oito de 11). Entre as instituições-líder, sete estabeleceram parceria com outras instituições, entre as quais cinco se deram com projetos da região Sul (Quadro 4).

Quadro 4 Participação das IES públicas e/ou privadas, de acordo com o vínculo aos projetos Pró-Ensino na Saúde, 2010. 

IES líder e/ou responsável IES participante ou corresponsável Unidades Acadêmicas
Pública Privada Pública Privada
FMRP/USP Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
FM/USP1 Fepar Faculdade de Medicina Faculdade Evangélica do Paraná
FM/USP2 Faculdade de Medicina Faculdade de Odontologia
EERP/USP Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
EE/USP Escola de Enfermagem
Unifesp PPG Interdisciplinar em Ciências da Saúde PPG em Enfermagem PPG em Ensino em Ciências da Saúde
UNESP Faculdade de Medicina de Botucatu
Unicamp Faculdade de Ciências Médicas
Famerp Curso de Graduação em Enfermagem
FMSCMSP Departamento de Medicina Social
FMABC Todos os cursos da Faculdade de Medicina do ABC
UFRJ Faculdade de Medicina/PPG em Clínica Médica e em Radiologia Escola de Enfermagem Anna Neri/PPG em Enfermagem Instituto de Estudos de Saúde Coletiva/PPG em Saúde Coletiva Instituto de Psiquiatria/PPG em Psiquiatria Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde/PPG em Educação em Ciências e Saúde
UERJ Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes Policlínica Piquet Carneiro Faculdade de Ciências Médicas PPG em Biologia Humana e Experimental
Fiocruz Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec)
UFMG Departamento de Propedêutica Complementar/Faculdade de Medicina
UnB Instituto de Psicologia/Faculdade de Ceilândia
UFV Pró-Reitoria de Ensino (PRE) Departamento de Nutrição e Saúde (DNS) Departamento de Medicina e Enfermagem (DEM)
UFRGS1 USP Ufes Escola de Educação Física – UFRGS Escola de Educação Física e Esporte – USP Centro de Educação Física e Desportos – Ufes
UFRGS2 UFPR UFSC PPG em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da UFRGS PPG em Farmácia da UFSC PPG em Ciências Farmacêuticas da UFPR
PUC-RS1 PPG em Medicina e Ciências da Saúde e Faculdade de Medicina
PUC-RS2 PPG em Serviço Social da PUC-RS PPG em Psicologia da PUC-RS
UFCSPA PPG em Ciências da Saúde Departamentos: 1. Educação e Informação em Saúde/2. Saúde Coletiva/3. Enfermagem/4. Fisioterapia Núcleo de EAD
UCS UFPEL PPG em Biotecnologia
UFSC UFPA Unochapecó UFSC: PPG em Enfermagem/PPG em Odontologia/PPG em Saúde Pública/Departamento de Pediatria – UFSC UFPA: Escola de Enfermagem/PPG em Odontologia/PPG em Educação Unochapecó: Curso de Graduação em Enfermagem e Mestrado em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais.
FPP UEL UFSC Centro de Ciências da Saúde/Universidade. Estadual de Londrina Centro de Ciências da Saúde/Universidade Federal de Santa Catarina Faculdades Pequeno Príncipe do Complexo Pequeno Príncipe
UFC1 Faculdade de Medicina – PPG em Ciências Médicas Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem – PPG em Odontologia e PPG em Enfermagem
UFC2 Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina de Fortaleza e Faculdade de Medicina de Sobral
UFPI Centro de Ciências Humanas e Letras
UFPE PPG Saúde da Criança e do Adolescente
UFG Faculdade de Medicina da UFG
UFMT Cursos de Enfermagem: Sinop/UFMT; CUR/UFMT; Campus Araguaia/UFMT; e Unemat – Campus Cáceres UFMT: Instituto de Saúde Coletiva/Faculdade de Nutrição Hospital Universitário Júlio Muller – Diretoria de Enfermagem
27 4 8 3
31 11

Fonte: Projetos Pró-Ensino na Saúde, 2010.

O interesse institucional foi considerado significativo, que pode estar relacionado ao aumento da demanda da sociedade por maior nível de escolarização/qualificação ou a estímulos governamentais, como financiamento e bolsas de estudo.

Acredita-se que a participação de 32 IES, como também dos pesquisadores que atenderam à chamada pública, corroborou os pressupostos contidos no edital Pró-Ensino na Saúde e, assim, embasou a possível criação dessa área ou subárea científica7,8. A participação das instituições formadoras no Pró-Ensino na Saúde certamente contribuiu para a formação de profissionais que vivenciam processos de ensino-aprendizagem diferenciados.

Observou-se uma participação de 59 programas de pós-graduação (PPG) no Pró-Ensino na Saúde. A maioria dos projetos estabeleceu vínculo com um único PPG; contudo, identificou-se um projeto (da UFRJ) vinculado a seis programas.

Infere-se que houve uma participação significativa dessas unidades acadêmicas no Pró-Ensino na Saúde. É importante considerar nesta análise que o ensino na saúde é uma área de conhecimento ainda em consolidação, o que dificulta a definição de indicadores nos processos de avaliação da Capes, podendo impactar nos PPG. Pedrosa e Lustosa2 inferem que esta situação pode influenciar negativamente ou desestimular programas de pós-graduação e pesquisadores a estudar questões relativas ao tema, considerando que alguns pleitos acadêmicos são vinculados à produtividade acadêmica individual ou de grupos já consolidados.

O maior interesse dos PPG stricto sensu em participar e ofertar vagas e disciplinas em seus programas no nível stricto sensu foi associado à existência de profissionais que buscavam qualificação na área do ensino na saúde e que não dispunham, até então, de cursos de pós-graduação ou linhas de pesquisa associados a esta temática. Estudos9,10 evidenciaram que existe uma lacuna significativa na formação de recursos humanos qualificados para atuação no ensino de graduação e pós-graduação nos cursos da saúde e afins.

Em relação ao nível de agregação das áreas de avaliação estabelecidas pela Capes, foram registradas, no âmbito dos programas de pós-graduação participantes do Pró-Ensino na Saúde, 15 áreas de conhecimento entre as 48 classificadas pela Capes, assim representadas: Ciências da Vida (Saúde e Biológicas); Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinares (Multidisciplinar); e Humanidades (Humanas e Sociais e Aplicadas). Entre as grandes áreas, as Ciências da Saúde (76,3%) foi a área de maior prevalência e nesta destacaram-se as áreas de conhecimento da Medicina (23,73%) e Enfermagem (16,95%). As áreas de educação (5,08%), ensino e interdisciplinar (1,7% cada) tiveram baixa representatividade entre os PPG participantes.

Infere-se que essa diversidade seja resultado da ausência de uma área específica para o ensino na saúde em 2010, quando foi lançado o Pró-Ensino na Saúde. A área de avaliação Ensino foi criada na Capes, no ano seguinte, incorporando todos os PPG da antiga área de Ensino de Ciências e Matemática11. O Pró-Ensino na Saúde conferiu prioridade para sete áreas temáticas entre a grande diversidade de temas pertinentes ao ensino na saúde, a saber:

  1. Gestão do ensino na saúde

  2. Currículo e processo ensino-aprendizagem na formação em saúde

  3. Avaliação no ensino na saúde

  4. Formação e desenvolvimento docente na saúde

  5. Integração universidades e serviços de saúde

  6. Políticas de integração saúde e educação

  7. Tecnologias presenciais e a distância no ensino na saúde

Observa-se um maior interesse dos projetos pelas áreas temáticas “formação e desenvolvimento docente na saúde” (18,6%/16 projetos), “currículo e processo ensino-aprendizagem na graduação e pós-graduação em saúde” e “tecnologias presenciais e a distância no ensino na saúde” (17,44%/15 projetos cada). Entre as de menor procura, evidenciaram-se a de “gestão do ensino na saúde” (8,14%) e a de “políticas de integração entre saúde e educação” (9,3%), com atenção de sete e oito projetos, respectivamente (Figura 3).

Fonte: Projetos Pró-Ensino na Saúde, 2010.

Figura 3 Áreas temáticas priorizadas pelos projetos Pró-Ensino na Saúde, 2010. 

Os olhares dos coordenadores realçaram a compreensão que formação, currículo e tecnologia são áreas estruturais no processo ensino-aprendizagem, influenciando o processo formativo no que concerne tanto à docência quanto ao serviço. O interesse pela temática “avaliação no ensino na saúde” foi associado aos exames de conhecimento e aptidão desenvolvidos anualmente com formandos, particularmente do curso de Medicina, pelas instâncias governamentais e associativas.

A área temática “avaliação no ensino na saúde” foi a de maior interesse nos projetos das regiões Sudeste e Centro-Oeste; na região Sul, destacou-se a área de “formação e desenvolvimento docente na saúde”. Chamou atenção entre os projetos da região Nordeste o fato das áreas de “avaliação no ensino na saúde” e de “formação e desenvolvimento docente na saúde” não serem de interesse em nenhum projeto, sendo que, nesta região, a área temática “políticas de integração entre saúde, educação, ciência e tecnologia” foi a de maior interesse.

Na perspectiva dos coordenadores, o destaque para área temática das “políticas de integração entre saúde, educação, ciência e tecnologia” na região Nordeste está relacionado ao contexto social, econômico e político regional que, tradicionalmente, remete grande interesse pelos serviços de saúde e pelos programas e iniciativas indutoras de transformação social como Estratégia Saúde da Família, Pró-Saúde, PET-Saúde, entre outras.

Em relação à formação acadêmica dos coordenadores dos projetos, notou-se que predomina o cargo de professores pesquisadores (64,29%). Quanto à profissão, identificou-se representação de oito profissões da área da saúde e duas de áreas afins. A Medicina mostrou-se predominante em ambos os gêneros (Figura 4).

Fonte: Projetos Pró-Ensino na Saúde, 2010.

Figura 4 Profissão dos coordenadores dos projetos Pró-Ensino na Saúde, segundo o gênero, 2010. 

Estudo sobre os mestrados profissionais mostrou o perfil de cinquenta professores de sete programas. Os resultados do referido estudo foram semelhantes aos apresentados na pesquisa em tela, tanto no tocante ao gênero feminino quanto ao fato de a Medicina ser predominante entre as áreas de formação, observando-se também a participação das mais variadas profissões de saúde e áreas afins. Os autores desse estudo comentam que a inserção de outros profissionais que não os da área da saúde é uma tendência que vem sendo observada como forma de incentivar a interdisciplinaridade nos cursos, enriquecendo a produção do conhecimento sob a perspectiva dos saberes diferenciados e complementares12.

Os projetos Pró-Ensino na Saúde promoveram a oferta de vagas nos três níveis de formação (mestrado, doutorado e estágio pós-doutoral). Estimou-se a formação de 436 profissionais da área da saúde e afins, assim distribuídos: vagas em nível de mestrado (226/51,8%), sendo que, destas, seis foram especificadas como mestrado profissional (MP); vagas para o doutorado (166/38,1%), e 44 (10,1%) vagas para o estágio pós-doutoral. As regiões Sudeste (45,9%) e Sul (32,6%) ofertaram o maior número de vagas (Figura 5).

Figura 5 Vagas estimadas em nível stricto sensu ofertadas nos projetos Pró-Ensino na Saúde, por região geográfica, 2010. 

Os resultados deste estudo indicam a força do Pró-Ensino na Saúde na perspectiva da formação qualificada em nível stricto sensu. Oliveira7 destaca a importância desse dado ao afirmar que a qualificação para o ensino na saúde permanece aquém das demandas, sendo premente instituir ações para alterar essa realidade, posto que tanto os profissionais que atuam nos serviços quanto os docentes que atuam na graduação têm dificuldades para exercer seus papéis como formadores, carecendo de preparo pedagógico específico.

Potencialidades para a formação, para a pesquisa e como política indutora no Pró-Ensino na Saúde

A análise dos documentos e das vozes dos entrevistados possibilitou caracterizar as potencialidades do Pró-Ensino na Saúde em três temáticas principais: formação, pesquisa e política indutora.

No contexto da formação no Pró-Ensino na Saúde, emergem duas categorias nas falas dos coordenadores: Respostas à Demanda de Formação e Caminhos Formativos.

A categoria Respostas à Demanda de Formação abrange, em uma primeira dimensão, a efetiva concretização de um dos objetivos do edital Pró-Ensino na Saúde: a formação de mestres, doutores e estágios pós-doutorais na área do ensino na saúde.

O potencial formador do programa pôde ser avaliado confrontando-se os dados quantitativos em dois momentos distintos: 1o: informações contidas nos projetos Pró-Ensino na Saúde em 2010; e 2o: informação de 24 dos 31 coordenadores do número de profissionais formados ou em fase de conclusão das pesquisas em 2016e.

O Edital Pró-Ensino na Saúde estimulou a formação de, no mínimo, seis mestres e dois doutores em cada projeto; desta forma, projetava-se a formação de, no mínimo, 248 profissionais, sendo 186 mestres e 62 doutores13,14. Os dados relativos a 24 projetos mostraram que houve superação da estimativa de formação prevista no edital (248 para os 31 projetos/399 para 24 projetos), contabilizando-se apenas os dados para o mestrado e doutorado.

Os resultados evidenciaram que o Pró-Ensino na Saúde no contexto da formação stricto sensu materializou uma dimensão das respostas às demandas de formação. O crescimento da oferta de cursos de pós-graduação stricto sensu relacionados ao ensino na saúde, em paralelo com o crescente interesse de profissionais por estes, indica a necessidade de se buscar novos investimentos para responder a esta demanda, assim como formas de articular e estimular o desenvolvimento de diferentes modalidades de educação permanente, profissional e/ou acadêmica15.

O estabelecimento de uma rede de formação stricto sensu, abrangendo os diferentes níveis de qualificação e titulação na área do ensino na saúde, assume papel estratégico na formação de professores e pesquisadores em suas interfaces com a produção de conhecimento e com o exercício de práticas transformadoras no cotidiano do trabalho em saúde6,16. Uma segunda dimensão constitui as respostas às demandas de formação no Pró-Ensino na Saúde. Um fator que corrobora a percepção da existência de uma demanda reprimida para esse campo de conhecimento diz respeito ao interesse dos profissionais/alunos em participar do programa e desenvolver as pesquisas mesmo sem auxílio de bolsas.

A alta demanda dos profissionais para a área do ensino na saúde pode ser entendida de diferentes formas, desde a maior oferta de cursos de graduação quanto às exigências acadêmicas e institucionais que requerem conhecimentos e qualificação específicos à necessidade de formar e qualificar profissionais nas diversas regiões do país, no intuito de combater assimetrias e desigualdades regionais.

Entre os 24 projetos que informaram o número de profissionais formados em 2016, observou-se que houve aumento do número estimado em todas as regiões estudadas em nível de mestrado, sendo mais significativo nas regiões Nordeste e Sul. Em relação ao doutorado, evidenciou-se que a região Sudeste superou na ordem de 144,8% [29 (2010)/71 (2016)] as estimativas de 2010; da mesma forma, a região Nordeste também superou as suas estimativas em 7,7% [13 (2010)/14 (2016)], a região Centro-Oeste cumpriu a estimativa inicial [14 (2010)/ 14 (2016)] e a região Sul apresentou um déficit na ordem de 20,3% [65 (2010)/ 51 (2016)].

Os resultados nas regiões mostram que a formação de profissionais na área da saúde deve ser incentivada no sentido de diminuir os desequilíbrios regionais e para fortalecer a constituição de massa crítica para o ensino na saúde no país.

As políticas adotadas na graduação e na pós-graduação – entre elas, os programas Pró e PET-Saúde –, que desde 2005 atuam no locus regional, o próprio Programa de Desenvolvimento Docente em Saúde, o Mestrado Profissional em Ensino na Saúde e as residências em saúde associadas ao mestrado profissional demandam ampliação, fortalecimento e sustentabilidade.

Inscreve-se, nesse âmbito, a necessidade de compreender as políticas indutoras da reorientação da formação em saúde como nós de uma rede, guardando especificidades; mas, somente na totalidade, a dimensão de efetiva política formativa se configura.

A segunda categoria traduz-se nos caminhos formativos para atuação profissional de docentes e preceptores nos diferentes cenários de ensino-aprendizagem, com alcance e qualificação para o planejamento e a gestão.

Os achados mostram que a formação em saúde estimula os sujeitos do processo formativo a realizarem reflexões e revisões das bases conceituais, legais e sociopolíticas que são estabelecidas entre os setores saúde e educação. Percebe-se, na fala dos coordenadores, a preocupação com a formação docente, no contexto das relações constituídas entre mercado de trabalho, práticas educativas e profissionais e com a estrutura acadêmico-administrativa dos cursos.

A pesquisa emerge entre as potencialidades do Pró-Ensino na Saúde. Na análise das falas dos coordenadores, foram identificadas as categorias 1- interfaces entre as linhas de pesquisa, áreas de concentração e os objetos de estudo; e 2- os desafios para reconhecimento da área científica.

A investigação permitiu apreender interfaces entre as linhas de pesquisa, área de concentração e os objetos de estudo. Registrou-se, nos projetos apresentados, a existência ou proposta de implantação de nove áreas de concentração: Educação e Saúde (duas), Ensino em Saúde (duas); Saúde Coletiva, Docência na Saúde, Educação, Propedêutica Complementar e Investigação Clínica, além das 87 linhas de pesquisas desenvolvidas ou em fase de proposição, criação e implantação nos PPG que atuaram nos projetos Pró-Ensino na Saúde.

Notou-se grande interesse entre os projetos (das instituições Unesp, Famerp, FMSCMSP, UFRJ, UERJ, Fiocruz, UFMG, UnB, UFV e UFMT) na criação/estruturação/estabelecimento/desenvolvimento de linhas de pesquisa na área do ensino na saúde e afins, assim como no fortalecimento, consolidação e/ou ampliação de linhas de pesquisa nessa área em PPG já existentes (Unesp, UFRJ, Fiocruz, PUC-RS, UFCSPA, UFRGS, UFC, UFPI e UFPE).

Muitas dessas proposições foram efetivadas no período de 2011 a 2016. Dessa forma, infere-se que o Pró-Ensino na Saúde tenha efetivamente impactado na criação e fortalecimento de linhas de pesquisa e PPG na área do ensino da saúde.

Na perspectiva de se conhecer a abrangência dos objetos de pesquisas que foram desenvolvidos, foi solicitado aos coordenadores, entre os meses de abril e junho de 2016, que informassem os títulos das pesquisas realizadas no âmbito de seus projetos, ocasião em que se obteve a resposta de 24 coordenadores dos 31 contatados.

Realizou-se uma análise dos 395 temas informados nas pesquisas. Adotou-se como referência para a análise as áreas temáticas propostas no Edital 24/2010, fazendo-se uma relação dos temas desenvolvidos com tais áreas. O critério inicial adotado para estabelecer essa relação foi a referência nos títulos das pesquisas às palavras “gestão”; “currículo/ensino-aprendizagem”; “avaliação”; “formação/desenvolvimento docente”; “integração/universidade e serviços”; “políticas”; e “tecnologias”. Esses termos foram mapeados em 177 títulos.

Estabeleceu-se uma relação em 169 dos 177 títulos (o termo “avaliação” em oito pesquisas esteve relacionado à avaliação clínica e laboratorial, descontextualizado do ensino na saúde). Os termos mais recorrentes foram “formação” (61); “avaliação” e “currículo” (39 cada); e, com menor citação, “gestão” (cinco). Observou-se que a maioria dos temas (359 de 395) esteve relacionada às temáticas propostas no Pró-Ensino na Saúde, demonstrando abrangência e diversidade no que foi pesquisado, assim como à potencialidade para a pesquisa interdisciplinar e multiprofissional deste campo de conhecimento. Os temas avaliados como de baixa adesão ao campo do ensino na saúde (36) foram identificados como clínico, epidemiológico e experimental.

A segunda categoria, o (não) reconhecimento científico do ensino na saúde como campo de pesquisa, foi uma preocupação expressa pelos coordenadores em virtude da pouca valorização das pesquisas que tratam das temáticas do ensino na saúde e, consequentemente, o impacto desta nos critérios de avaliação da Capes.

De acordo com os coordenadores, as limitações impostas ao campo de conhecimento do ensino na saúde na perspectiva das pesquisas desenvolvidas se relacionaram com a dificuldade de produzir conhecimento em uma área ainda não reconhecida dentro da Capes, o que dificulta a publicação em revistas qualificadas. A maioria dessas questões foram apontadas no relatório do Seminário de Avaliação dos Projetos Pró-Ensino na Saúde, ocorrido em setembro de 201314.

Como já mencionado, o Pró-Ensino na Saúde insere-se em um grupo de iniciativas indutoras – programas e políticas – desenvolvidas nas áreas da saúde e da educação (como Promed, Ver-Sus, Pró-Saúde, PET-Saúde, as Residências Multiprofissionais e o Pró Residências, entre outras) implementadas pelos Ministérios da Saúde e da Educação por meio da Política Nacional de Gestão da Educação na Saúde. A investigação mostrou que 19 IES, entre as que participaram do Pró-Ensino na Saúde, estabeleceram ou desenvolveram parceria com esses programas e políticas, entre os quais chama atenção a adesão aos Programas PET-Saúde e Pró-Saúde (Figura 6).

Fonte: Projetos Pró-Ensino na Saúde, 2010.

Figura 6 Programas e Políticas indutoras desenvolvidas nas IES referidas nos projetos Pró-Ensino na Saúde, 2010. 

O interesse das IES em participar dessas iniciativas pode ser compreendido como resultado dos movimentos políticos voltados para a área de formação profissional em saúde que vem ocorrendo desde a década de 1980 do século passado, mobilizados para rever problemas relacionados à formação profissional na área da saúde, como a ausência de integração ensino/serviço, baixa adesão do corpo docente para realizar mudanças nesse sentido; conflitos de interesse entre o sistema de saúde e o sistema formador e um modelo curricular desarticulado dos cenários e das necessidades básicas de atenção à saúde17.

Reconhece-se que o Pró-Ensino na Saúde fortaleceu o processo formativo que vem sendo empreendido pelas ações interministeriais. Todavia, não houve consenso em relação ao entendimento do Pró-Ensino na Saúde como uma política. Frente à pergunta “Pró-Ensino na Saúde é uma política ou é uma iniciativa de um dado governo?”, os coordenadores o concebem como uma iniciativa isolada, preocupando-se com a falta de perspectiva de continuidade e na duvidosa sustentabilidade intra e extra institucional.

Essa ambiguidade parece revelar que o Pró-Ensino na Saúde, em que pese sua contribuição na formação de mestres, doutores e pós-doutores comprometidos com a reorientação da formação em saúde, ainda foi fortemente reconhecido como um programa ancorado em pressupostos contra-hegemônicos no que se refere aos critérios de publicação, valorização da formação docente e reconhecimento institucional. Dessa forma, fragilizou-se frente às demandas avaliativas da pós-graduação brasileira.

Considerações finais

No contexto desta pesquisa, defende-se que o Pró-Ensino na Saúde fortaleceu a integração universidade-serviço-comunidade na perspectiva da consolidação do SUS, ancorando-se na formação e pesquisa na pós-graduação stricto sensu.

As análises realizadas permitem afirmar que a indução promovida pelo Pró-Ensino na Saúde fortaleceu as mudanças no processo formativo que vem sendo empreendidas pelas ações interministeriais, tendo alcance em vários estratos acadêmicos e nas IES, entre os quais há os Programas de Pós-Graduação, os grupos de pesquisas e os serviços de saúde.

É revelador observar que a ausência de uma área específica para o ensino na saúde demandou a busca e/ou construção de vínculos entre projetos a programas de pós-graduação, fomentando parceria, articulações inter/transdisciplinares, permanente diálogo e relação com a diversidade dos saberes. Espera-se que a formação de profissionais qualificados com a compreensão do processo ensino-aprendizagem possa realizar transformações efetivas no cotidiano da academia e do serviço de saúde, influenciando as práticas dos profissionais que atuam no campo da saúde no Brasil.

Compreende-se que, apesar dos desafios postos pela sustentabilidade, continuidade e reconhecimento científico-institucional, o Pró-Ensino na Saúde constitui política indutora, fomentando as redes colaborativas e a produção de conhecimento; porém, ainda, confrontando-se com o desafio de instaurar-se como efetivo constituinte de uma política pública de formação e trabalho em saúde.

Nesse contexto, a descontinuidade do Pró-Ensino na Saúde impactará significativamente no investimento das instituições na área da formação em saúde, reduzindo as potências inovadoras projetadas e concretizadas no cotidiano das experiências investigadas. A presente pesquisa revela com nitidez a necessidade da continuidade e sustentabilidade, ampliando editais e induzindo processos avaliativos e a avaliação com métricas adequadas ao campo da formação na saúde.

Induzir é fomentar. Fomentar é estimular. Estimular é fazer. Fazer é refazer permanentemente, no horizonte ético de uma ordem societária a serviço da vida, da democracia, da justiça e da liberdade.

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