versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647
Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.30 no.1 Rio de Janeiro jan./fev. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20160060
A Insuficiência Cardíaca (IC) é um dos mais importantes e desafiadores problemas de saúde pública do século 21 e está associada com desfechos duros, como morte e internação hospitalar.1-3 A IC é altamente prevalente, com redução da expectativa e da qualidade de vida. O custo relacionado ao seu cuidado, principalmente à internação hospitalar, é bastante elevado, independente do fenótipo de apresentação, IC com Fração de Ejeção Reduzida (ICFER), IC com fração de ejeção na faixa média (40 a 49%)4 e IC com Fração de Ejeção Preservada (ICFEP).5
Em 2007, a IC foi responsável por 2,6% das hospitalizações e por 6% dos óbitos registrados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, consumindo 3% do total de recursos utilizados para atender todas as internações realizadas pelo sistema.6 Estima-se que 26 milhões de pessoas sejam portadoras de IC em todo o mundo.4
A prevalência da IC vem aumentando no mundo, devido principalmente à melhora dos cuidados da doença isquêmica e do tratamento da própria IC, com medicamentos e dispositivos, como marca-passos e ventrículos artificiais, e também ao envelhecimento da população, o que leva ao crescimento dos custos relacionado às internações hospitalares para o sistema de saúde.7
Muitos pacientes com IC são idosos e apresentam comorbidades múltiplas, cardíacas e extracardíacas, como doença renal crônica, depressão, apneia do sono, hipertensão arterial, fibrilação atrial, doença arterial coronariana, diabetes e doença pulmonar crônica, que se acentuam com o envelhecimento e podem contribuir para o aumento do risco de eventos como admissões hospitalares e reinternações. O prognóstico a longo prazo é ruim, e metade dos pacientes diagnosticados com IC morrem em até 5 anos após a primeira internação.8 A taxa de sobrevida em 5 anos é menor do que a observada na maioria dos casos de câncer.9,10
A boa resposta das pessoas com IC às novas modalidades de tratamento não contribui para a redução das taxas de hospitalização relacionadas à síndrome. Algumas publicações recentes sugerem a tendência oposta, na qual se observam uma redução da mortalidade e um aumento das hospitalizações.11 Este aparente paradoxo entre o emprego de novas modalidades no tratamento da IC e o aumento das hospitalizações pode ser, em parte, explicado pela utilização de dispositivos como ventrículos artificiais, ressincronizadores e desfibriladores cardíacos em pacientes com IC. Outro motivo estaria relacionado à utilização de medicamentos para IC, que aumentam a sobrevida, em doses subótimas. Recente pesquisa realizada nos países europeus mostrou que somente 25 a 30% dos pacientes no mundo real alcançam as doses de betabloqueadores recomendas pelas diretrizes.12
A dificuldade em alcançar as doses máximas recomendadas dos medicamentos pode estar relacionada ao fato de que pacientes com IC são idosos e com múltiplas comorbidades e, por isso, toleram mal a medicação prescrita. Outras razões estão relacionadas à polifarmácia, à complexidade dos esquemas de prescrição para alcançar a dose ótima e ao fato de pacientes recentemente hospitalizados por IC não serem monitorados por profissionais de saúde de modo adequado, principalmente nos primeiros 30 dias, quando o risco de reospitalização é muito elevado.13 Estudos mostram que menos de um terço dos pacientes hospitalizados por IC foi avaliado por um cardiologista nos primeiros 3 meses após alta hospitalar.14
Pacientes com IC apresentam risco elevado para o desenvolvimento de uma nova condição: a síndrome de pós-hospitalização,15 por conta da associação da alta complexidade dos cuidados em ambientes de terapia intensiva e a presença de comorbidades múltiplas, levando a uma exposição a diferentes estressores homeostáticos durante o período de hospitalização.16-19
A relevância do tema "reospitalização" na última década envolve dois pontos importantes: primeiro, a identificação de que reduzir essas taxas seria uma janela de oportunidades para a redução do desperdício no sistema de saúde e, em segundo, que a hospitalização promove um dano adicional ao coração e a outros órgãos. Hospitais nos Estados Unidos com altas taxas de reospitalização começaram a ser penalizados, o que levou a uma busca de estratégias, baseadas em evidências, capazes de melhorar o desempenho dessas instituições.20
A reospitalização permanece um desafio. Novas formas de cuidar dos pacientes com IC em estágio avançado, como assistência domiciliar, hospitais de longa permanência e estratégias envolvendo cuidados paliativos, começam a ser implementadas em nosso meio para esse grupo de pacientes em estágios avançados.
Cada vez mais, a integração de cardiologistas, médicos de família e equipes multidisciplinares vem sendo utilizada na linha de cuidado da IC, visando prolongar a vida, melhorar a capacidade funcional dos pacientes e reduzir a hospitalização. Esses resultados são considerados marcadores de eficácia na terapia em grandes estudos de IC.21
O presente trabalho teve como objetivo discutir as principais causas de hospitalização, seu impacto na evolução da IC e as estratégias que podem ser adotadas para sua redução.
O número absoluto de casos de IC tem aumentado devido ao envelhecimento da população, à melhor sobrevida após o infarto do miocárdio e às modernas estratégias de tratamento da IC21 (Quadro 1). Os portadores de IC podem, ao longo da vida, apresentar um súbito agravamento de seus sintomas, necessitando buscar atendimento na sala de emergência e sendo admitidos com síndrome de IC aguda. Essas frequentes descompensações levam à progressiva deterioração da função cardíaca e da qualidade de vida22(Figura 1).
Quadro 1 O panorama da insuficiência cardíaca (IC)
1 em cada 5 adultos com idade > 40 anos terá IC |
1 em cada 5 pacientes com IC morrerá dentro de 1 ano |
3 dos maiores fatores de risco para IC vêm aumentando - idade, obesidade e diabetes |
IC é a principal causa de internação no Brasil (SUS) em pessoas acima dos 60 anos |
A prevalência de IC na Europa e Estados Unidos aumentará dos atuais 3% para 3,5% até 2030 |
O risco de morte súbita em IC é de 6 a 9 vezes maior quando comparado com a população sem IC |
São 600 mil os novos casos de IC na Europa e 500 mil nos Estados Unidos por ano |
Existem 26 milhões de pessoas com IC em todo o mundo |
US$ 28 bilhões foi o custo da IC em 2010 nos Estados Unidos, com previsão de US$ 77,7 bilhões no ano de 2030 |
SUS: Sistema Único de Saúde.23 Adaptado de Lopez-Sendón J e Montoro N.21
Figura 1 Insuficiência cardíaca como uma doença progressiva com deteriorização da função cardíaca e da qualidade de vida. Adaptado de Gheorghiade M, et al. Pathophysiologic Targets in the Early Phase of Acute Heart Failure Syndromes. Am J Cardiol; 2005;96:11G-17G
Pacientes internados por IC têm elevada taxa de eventos (> 50%), com taxa de mortalidade entre 10 e 15% e de reospitalização em até 6 meses após a alta de 30 a 40%.24
A melhora dos resultados pós-alta hospitalar por IC permanece um dos maiores focos entre as necessidades não atendidas na prática clínica. O melhor entendimento dos mecanismos que pioram o prognóstico dos pacientes hospitalizados por IC e impactam diretamente na reospitalização pode oferecer um melhor cuidado e, então, reduzir as taxas de readmissão hospitalar.
O aumento da prevalência da IC tem consequências diretas na hospitalização que é, hoje em dia, reconhecida como um dos mais importantes resultados em cardiologia. A piora do quadro clínico da IC resulta em hospitalização e está associada a uma elevada taxa de mortalidade e reospitalização pós-alta, sendo o parâmetro mais importante relacionado ao custo do cuidado nos pacientes com IC.25 As causas de hospitalização são de difícil avaliação, pois são influenciadas não apenas por fatores clínicos, mas também sociais, culturais e econômicos.21 O cardiologista, ao liderar sua equipe multidisciplinar, desenvolve um projeto terapêutico focado nos aspectos clínicos da IC e na abordagem das comorbidades. Pacientes com IC na Atenção Primária que apresentam história de internações hospitalares prévias devem ser acompanhados tanto pelo médico de família, como também por um cardiologista. Essa estratégia melhora a adesão a medicamentos e reduz a morbimortalidade da IC,26 tendo sido demonstrado, em um estudo populacional incluindo 10.599 pessoas com IC, que pacientes em consulta com o médico da Atenção Primária e o especialista até 30 dias após alta hospitalar apresentaram menor taxa de morte em 1 ano (7,2%) quando comparados com aqueles que só se consultaram com o médico da Atenção Primária (10,4%; p < 0,001). Os cuidados feitos somente com cardiologista apresentaram tendência de aumento da mortalidade (Hazard Ratio − HR: 1,41 vs. Atenção Primária; Intervalo de Confiança de 95% − IC95%: 0,98 a 2,03; p = 0,067). Pacientes que partilharam o cuidado tinham taxas mais elevadas de avaliação da fração de ejeção, e testes não invasivos para detecção de isquemia e de cateterismos cardíacos.26
A primeira internação hospitalar pode ser em consequência de um evento agudo por miocardite, doença coronariana, arritmia cardíaca ou doença valvar aguda, podendo ocorrer também por conta de uma descompensação de um quadro de IC crônica decorrente de infecção, não aderência ao tratamento farmacológico e não farmacológico, uso de medicamentos como anti-inflamatórios não hormonais, entre outros.
Pacientes ambulatoriais com IC crônica estável têm taxa anual de internação em torno de 31,9%. Essa taxa aumenta para 43,9% em pacientes que foram hospitalizados por quadro de IC aguda.27 Estudos prospectivos longitudinais mostram resultados semelhantes, ao compararem pacientes que permanecem estáveis com aqueles hospitalizados por IC, porém a hospitalização está associada ao aumento do risco de morte, e seu efeito no prognóstico é semelhante ao descrito para pacientes com síndrome coronariana aguda.28
Três grandes causas parecem afetar diretamente a reospitalização de pacientes com IC: comorbidades, congestão e lesões em órgãos alvo.28
Comorbidades cardiovasculares e não cardiovasculares têm um papel importante nos eventos pós-alta de pacientes com IC. São comorbidades cardiovasculares que podem precipitar a reospitalização: isquemia miocárdica, arritmias (como a fibrilação atrial) e hipertensão arterial não controlada. Todas podem ser potencialmente tratadas no momento da primeira hospitalização.28
As comorbidades não cardiovasculares também são importantes no processo de reospitalização, sendo observado que, após a primeira internação por IC, 65% dos pacientes são reinternados por uma causa diferente da IC descompensada. Portanto, a maioria das reospitalizações tem uma causa diferente de IC.19
Estudo mostrou que diabetes, doença renal crônica e anemia são fatores independentes associados com maior taxa de mortalidade e/ou reospitalização. Outras comorbidades não cardiovasculares, como infecções e doença pulmonar crônica, podem também ser causas de reospitalização.29
Na análise do Cardiovascular Health Study dos fatores de risco para todas as causas de hospitalização entre pacientes idosos com um novo diagnóstico de IC, três condições (diminuição de força muscular, diminuição da velocidade de marcha e depressão) foram considerados fatores de risco independentes para hospitalização após o diagnóstico de IC, mesmo quando foram considerados outros fatores sociais, demográficos e clínicos.30
Outros fatores relacionados às características dos pacientes, como não aderência ao tratamento, abuso alimentar, drogas, álcool, suporte familiar e social e acesso ao sistema de saúde, afetam diretamente a reospitalização.28
Congestão é considerada a principal causa de internação para ICFER e ICFEP e tem papel importante como causa de reospitalização e como marcador de morte após alta hospitalar.28,31,32
A lenta resolução dos sinais e sintomas de congestão durante os primeiros dias de hospitalização por IC está associada a resultados adversos e à sua forma mais grave de apresentação, manifestada por uma piora da IC durante o período de internação. Isso é um evento preditor independente de aumento da mortalidade.32 A avaliação de sinais clínicos de congestão, como estertores pulmonares, pressão venosa de jugular, edema periférico e ganho de peso, é importante no momento da alta hospitalar e nos primeiros dias após a saída do hospital. Sinais clínicos, no entanto, são menos eficazes que marcadores da piora do quadro hemodinâmico para afastar congestão. Os níveis séricos dos peptídeos natriuréticos podem identificar congestão persistente, mesmo na presença de uma aparente melhora do quadro clínico.28,32
Estudos têm mostrado que marcadores de congestão, como ganho de peso e má resposta a diuréticos, estão associados com reospitalização e desfechos em curto prazo, mas não com mortalidade a longo prazo.33,34
O risco de morte após hospitalização por IC permanece aumentado entre 12 a 18 meses após o evento.35 Esses dados indicam que o dano persistente de órgãos alvo, como coração, pulmões, rins, fígado e cérebro, estão associados à hospitalização. Além disso, outros marcadores, relacionados a lesões em órgãos e/ou perda de função destes, são associados a desfechos duros após a hospitalização por IC.28
A relação entre doença renal crônica e piora dos resultados em pacientes com IC está bem estabelecida.36 Recentemente, o papel da disfunção hepática tem sido mostrado. O aumento da pressão na veia cava inferior causado pela congestão é transmitido ao fígado, levando a colestase e à morte de hepatócitos, com aumento das transaminases séricas. Tal fato foi associado com pior prognóstico, incluindo mortalidade por todas as causas.37 (Figura 2)
A fase vulnerável da IC é característica de pacientes com IC aguda e é definida como o período em que mudanças microambientais no modo de vida, após um episódio de IC descompensada, podem causar um aumento do risco para eventos cardiovasculares adversos, como morte e reospitalização por IC. Pacientes que superam essa fase sem intercorrências podem permanecer estáveis por um longo período de tempo.38
A fase vulnerável da IC, que ocorre em cada episódio de IC aguda, pode ser dividida em três subfases: fase muito precoce, fase precoce e fase tardia - tendo impacto variável para cada indivíduo38 (Figura 3).
A fase vulnerável muito precoce se inicia com um episódio agudo de IC e se estende até alguns dias após a alta hospitalar. Após um período inicial de estabilização de um episódio agudo, cerca de 15% dos pacientes podem experimentar uma piora da IC intra-hospitalar, que está associada ao risco de eventos adversos.39
Essa fase é mais observada em pacientes que recebem alta antes da completa melhora da congestão, que normalmente ocorre entre 4 a 5 dias de hospitalização, ou que são afetados por comorbidades, lesões de órgão alvo e síndrome de pós-hospitalização.15 A pressão exercida pelo sistema de saúde, estimulando altas hospitalares precoces, faz com que os médicos utilizem elevadas doses de diuréticos em menores períodos de tempo para alcançarem a melhora da congestão.38 Altas doses de diuréticos podem aliviar a congestão rapidamente, porém aumentam o custo da piora da função renal, e muitos pacientes poderiam permanecer relativamente congestos no momento da alta hospitalar. Disfunção renal e hepática podem determinar o prognóstico desses pacientes na fase vulnerável muito precoce.37 A presença de anemia no momento da admissão contribui também para um pior resultado, quando não tratada corretamente nessa fase.38
Medicamentos de uso contínuo que modificam a evolução da IC não são fáceis de serem iniciados dentro de um curto período de tempo de hospitalização, e os pacientes podem experimentar um aumento do risco de reospitalização ou morte após alta simplesmente por falta da administração da terapia correta. Esses pacientes necessitam de um seguimento realizado por uma equipe multidisciplinar em intervalos curtos de tempo. Diretrizes recomendam o contato telefônico em até 3 dias e uma visita médica em 2 semanas após alta.9
A fase vulnerável precoce se inicia após a alta hospitalar do paciente que teve um episódio de IC aguda. O período de internação foi adequado para a melhora da congestão, entretanto problemas relacionados à própria IC e também a outras comorbidades podem estar presentes por terem sido agravados pela hospitalização. Na transição hospital-casa, enfermeiras especialistas em IC, nutricionistas, fisioterapeutas e farmacêuticos deveriam estar envolvidos no processo de educar o paciente para o autocuidado da IC, incluindo o processo de reabilitação, e para a reconciliação medicamentosa no cenário ambulatorial. Esses fatores (manejo da medicação, orientação dietética e reabilitação cardíaca) são determinantes importantes de vulnerabilidade após a IC aguda.38
Essa fase de vulnerabilidade também é relacionada a atitudes do paciente, de familiares e de cuidadores, ou seja, incorporação das mudanças de estilo de vida necessárias após alta hospitalar.
Dentre as reospitalizações, 30% ocorrem nos primeiros 2 meses após a alta e são precedidas de eventos cardiovasculares, que podem ser prevenidos pela ação de uma equipe multidisciplinar.40 Processos simples, mas eficazes, como uso correto da medicação, podem reduzir a taxa de reospitalização, já que, em 50% dos pacientes com ICFER, as medicações não são prescritas de acordo com o recomendado nas diretrizes.41
As taxas de readmissão por IC em adultos jovens são similares as de idosos, o que sugere que o risco de reospitalização está presente independentemente da idade.42
As infecções virais e bacterianas são causas importantes de descompensação da IC nessa fase e passíveis de prevenção por vacinação.43
A transição do paciente internado para o ambulatorial pode ser muito difícil no período vulnerável, devido à complexidade da natureza progressiva da IC. Múltiplas comorbidades, uso de polifarmácia de modo contínuo e dificuldade do paciente em perceber a gravidade de seu problema são fatores importantes para determinar o risco de vulnerabilidade na fase pós-alta.38
A fase vulnerável tardia, que se estende até 6 meses após a alta hospitalar, está relacionada à reativação do Sistema Renina Angiotensina Aldosterona (SRAA), e as alterações hemodinâmicas ocorrem antes da congestão sistêmica. Independente dos hábitos de prática médica em áreas diferentes do mundo, o prognóstico dos pacientes para diferentes continentes é semelhante nessa fase.38
O pior prognóstico nessa fase poderia ser prevenido otimizando-se e aderência ao tratamento. A aderência à medicação e o apoio social melhoram a sobrevida livre de eventos cardíacos em pacientes com IC.44
Após a fase tardia, eventos adversos diminuem ao longo do tempo e, então, alcançam um platô, que pode se manter ao longo de vários meses. Durante o platô, a otimização de medidas modificadoras da doença, incluindo a utilização de dispositivos, é o principal alvo para controle da hospitalização.38
As fases de vulnerabilidade da IC podem durar em torno de 6 meses após um episódio de IC aguda e é determinante do prognóstico. Para evitar a ocorrência de desfechos, os pacientes deveriam receber alta pelo menos 24 a 48 horas após a estabilização hemodinâmica, estando euvolêmico, com medicação oral otimizada e função estável dos órgãos vitais, principalmente os rins e fígado.38
O cuidado hospitalar do paciente com IC deve ser visto como um continuum, com fases consecutivas (fase imediata, intermediária e pré-alta hospitalar), cada uma delas composta por diferentes metas de tratamento.45,46
A fase imediata se inicia na admissão e tem como objetivos a estabilização clínica (oxigenação periférica, suporte ventilatório e perfusão adequada), a melhora dos sintomas (principalmente dispneia), a redução dos danos aos órgãos alvo (miocárdio, rins e fígado), a redução do risco de complicações precoces e a redução do tempo de permanência na unidade intensiva.45
Com a estabilização do quadro e a melhora dos sintomas, o paciente é transferido para a enfermaria, onde as próximas fases (intermediária e pré-alta hospitalar) são iniciadas. Esse período constitui o início da transição hospital-casa. O processo envolve a utilização de equipe multidisciplinar e as recomendações devem aproveitar um momento de melhor receptividade do paciente e de seus familiares, para a implementação de um plano de cuidados de longa duração. Nessa fase, os seguintes objetivos devem ser priorizados:45 manutenção da estabilização do paciente com a otimização do tratamento; iniciar e titular as doses dos medicamentos que modificam a doença; identificação da etiologia de base da IC e comorbidades associadas; minimizar os estressores hospitalares; cuidadosa consideração para utilização de dispositivos nos pacientes adequados; otimização do estado hemodinâmico (euvolemia); estratificação do risco pré-alta com objetivo de identificar pacientes vulneráveis e de alto risco; envolvimento do paciente, de seus familiares e cuidadores em um programa de educação e cuidados da IC; e programa de reabilitação cardíaca.
A promoção do autocuidado é definida como o encorajamento de um processo de tomada de decisão naturalística, que pacientes usam na escolha de comportamentos que mantêm a estabilidade fisiológica e a resposta para sintomas, assim que eles ocorrem. Ela pode ser uma grande aliada para os médicos que cuidam de pacientes com IC.47
Revisão sistemática de estudos randomizados sobre programas de cuidados multidisciplinares de pacientes com IC mostrou que o aumento de atividades de autocuidado dos pacientes reduziu de modo efetivo a hospitalização por IC, (Razão de Risco - RR = 0,66; Intervalo de Confiança de 95% − IC95% = 0,52- 0,83), e por todas as causas de hospitalização (RR = 0,73; IC95% = 0,57-0,93), porém sem efeito na mortalidade (RR = 1,14; IC95% = 0,67-1,94).48
Outra revisão sistemática de estudos randomizados, que focou especificamente em intervenções de autocuidado (seis estudos com 857 pacientes), mostrou que as atividades de autocuidado reduziram a reospitalização por IC (Odds Ratio - OR = 0,44; IC95% = 0,27-0,71; p = 0,001) e a hospitalização por todas as causas (OR = 0,59; IC95% = 0,44-0,80; p = 0,001), sem efeito significativo, no entanto, na mortalidade (OR = 0,93; IC95% = 0,57-1,51; p = 0,76).49 Nessa revisão, os pacientes mantinham o papel primário no cuidado de sua condição de saúde, que incluía sessões educacionais ou um software educacional oferecendo informações sobre sinais e sintomas de IC, importância do controle do peso diário, restrições dietéticas e importância da aderência à medicação.
Evidências científicas sugerem que dosagens plasmáticas seriadas de peptídeos natriuréticos (Peptideo Natriurético Cerebral − BNP e Porção N-Terminal do Pró-Hormônio do Peptídeo Natriurético do Tipo B − NT-proBNP) podem promover uma melhora significativa na redução das internações por IC. Recente metanálise, que incluiu 14 estudos com 3.004 pacientes com IC avaliou se o uso do BNP para guiar o tratamento reduziria o risco de reospitalização por IC. O estudo observou diminuição do risco da reospitalização por IC (RR = 0,79; IC95% = 0,63-0,98; p = 0,03), mas não teve efeito no risco de morte (RR 0,94; IC95% = 0,81-1,08; p = 0,39) ou de reospitalização por todas as causas (RR = 0,97; IC95% = 0,89-1,07; p = 0,56). O estudo também observou que mudanças nos valores dos níveis de BNP podem ter efeitos significativos nos resultados clínicos dos pacientes com IC. A terapia guiada pelo BNP não foi associada ao aumento do risco de efeitos adversos.50
Embora a estratégia da utilização do BNP tenha efeitos benéficos, com a diminuição da mortalidade de pacientes com idade menor que 75 anos, ela não se mostrou eficaz nos pacientes com idade maior que 75 anos, que representam a maioria dos pacientes com IC.13
Recentemente a Diretriz Europeia de IC recomendou o emprego dos peptídeos natriuréticos como uma nova estratégia na otimização do tratamento de pacientes na IC crônica.4
A telemedicina é um termo genérico, que engloba diferentes situações de controle dos pacientes utilizando telemonitorização e suporte telefônico estruturado. Dessa forma, faz-se uma monitorização remota à distância de marcadores como peso, frequência cardíaca, pressão arterial, oximetria, eletrocardiograma e também a pressão arterial pulmonar, por meio de sofisticados dispositivos implantáveis.13
Uma metanálise avaliou 9.805 pacientes para demonstrar a eficácia da telemonitorização e do suporte telefônico estruturado em pacientes com IC. O estudo mostrou que a telemonitorização reduziu todas as causas de mortalidade (RR = 0,66; IC95% = 0,54-0,81; p < 0,0001), e o suporte telefônico estruturado mostrou resultado similar, porém não significativo (RR = 0,88; IC95% = 0,76-1,01; p = 0,08). Tanto a telemonitorização (RR = 0,79; IC95% = 0,67-0,94; p = 0,008), como o suporte telefônico (RR = 0,77; IC95% = 0,68-0,87; p < 0,0001) reduziram as hospitalizações relacionadas à IC. Ambos os procedimentos melhoraram a qualidade vida e a classe funcional; reduziram custo; e foram bem aceitos pelos pacientes, com melhora no seguimento da prescrição médica e no autocuidado. Telemonitoramento e suporte telefônico estruturado são intervenções eficazes para melhorar resultados em pacientes com IC.51
O emprego de um dispositivo implantado na artéria pulmonar de pacientes com IC avançada recentemente foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) e demonstrou ser capaz de reduzir a morbimortalidade na IC.52
O cardiologista tem um importante papel na liderança das ações que possam minimizar o risco de internações por insuficiência cardíaca. Em diferentes cenários, observamos que a internação por insuficiência cardíaca representa um problema importante de saúde pública. A abordagem multidisciplinar associada à implementação de boas práticas embasadas em evidências científicas pode reduzir o risco de internação. A aplicação dessas rotinas, que comprovadamente reduzem a internação hospitalar, deveria ser feita nos hospitais brasileiros.