versão impressa ISSN 1676-2444versão On-line ISSN 1678-4774
J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.55 no.3 Rio de Janeiro maio./jun. 2019 Epub 01-Ago-2019
http://dx.doi.org/10.5935/1676-2444.20190026
A epúlide de células granulares congênita (ECGC) é uma lesão benigna incomum e de etiologia desconhecida que acomete principalmente a mucosa alveolar de fetos e neonatos, podendo causar dificuldades respiratórias e alimentares(1). Seu diagnóstico clínico pode ser realizado durante a vida intrauterina a partir da 27ª semana, através de ultrassonografia tridimensional e ressonância magnética, ou apenas no momento do nascimento, dependendo do tamanho da lesão(2,3).
A ECGC tem predileção por indivíduos leucodermas do gênero feminino, com proporção de 10:1(1, 4). Clinicamente, na maioria dos casos apresenta-se como um nódulo solitário, pedunculado, de consistência firme, localizado principalmente na região anterior da maxila(5). No entanto, em casos extremamente raros, também pode acometer o ventre da língua ou se apresentar na forma de múltiplas lesões(3,6).
É necessário realizar o diagnóstico diferencial clínico da ECGC com outras lesões que acometem a cavidade oral, como teratoma, hamartoma, coristoma, fibroma, hemangioma, linfangioma, rabdomioma, rabdomiossarcoma e tumor de células granulares(2, 3). Microscopicamente, possui semelhança com o tumor de células granulares, sendo ambos compostos por uma proliferação de células eosinofílicas volumosas com citoplasma granular. Entretanto, o conhecimento de algumas diferenças clínicas, estruturais e imuno-histoquímicas garante seu diagnóstico definitivo(4, 7,8,9).
O objetivo do presente relato é descrever as características clinicopatológicas e imuno-histoquímica da ECGC, bem como realizar seu diagnóstico diferencial clínico e histopatológico.
Paciente neonato, 16 dias, sexo feminino, leucoderma, exibindo lesão ao nascimento. No exame clínico intraoral, foi observada lesão exofítica de aspecto nodular, com coloração variando de rosa a vermelho, com superfície lisa, consistência firme, localizada na região anterior do rebordo alveolar maxilar (Figura 1). A hipótese clínica de ECGC foi sugerida, e a realização de uma biópsia excisional sob anestesia local foi o procedimento escolhido. A peça cirúrgica foi enviada para exame anatomopatológico.
FIGURA 1 Aspecto clínicoA e B) aspecto clínico da lesão evidenciando aumento nodular na região anterior do rebordo alveolar maxilar
A análise histopatológica revelou presença de fragmento de lesão benigna caracterizada pela proliferação em lençol de células eosinofílicas volumosas, com citoplasma granular em meio a um estroma de tecido conjuntivo fibroso ricamente vascularizado. Além disso, também foram observadas áreas de ulceração e atrofia das cristas do epitélio de revestimento (Figuras 2A, 2B e 2C). Para confirmação do diagnóstico, foi realizada a imuno-histoquímica para S100, que se apresentou negativo (Figura 2D). Dessa forma, o diagnóstico de ECGC foi estabelecido. A paciente encontra-se em acompanhamento, apresentando ganho de peso e mucosa oral com aspecto de normalidade.
FIGURA 2 MicroscopiaA e B) 500 µm; aspectos histopatológicos evidenciando fragmento de lesão benigna caracterizada pela proliferação em lençol de células eosinofílicas volumosas; C) 100 µm; com citoplasma granular e núcleo basofílico arredondado (HE); D) 100 µm; expressão imuno-histoquímica negativa para S100.HE: hematoxilina e eosina.
A ECGC é uma lesão relativamente rara, possuindo apenas cerca de 250 casos registrados na literatura desde sua primeira descrição em 1871 por Neumann(10). O termo ECGC foi estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2005 e continua mantido desde sua última classificação em 2017(11,12). Contudo, essa lesão também é encontrada na literatura com outros termos, como epúlide congênita, epúlide congênita do recém-nascido, lesão de células granulares congênita, tumor de células granulares gengival, mioblastoma congênito e tumor de Neumann(4,5,13, 14).
Sua patogênese e histogênese ainda permanecem incertas, apesar de alguns autores acreditarem que essa lesão seja um processo reativo ou degenerativo, e não uma neoplasia verdadeira(7). Ademais, muitos autores sugerem que o crescimento da lesão seja consequência da influência de hormônios maternos durante a gestação, como a produção aumentada de estrogênio e progesterona, principalmente no terceiro trimestre, que é o período em que há maior desenvolvimento da lesão. Essa hipótese corrobora o fato de que o crescimento da ECGC cessa após o nascimento(15, 16).
Quanto a sua histogênese, diversos estudos imuno-histoquímicos e ultraestruturais vêm tentando identificar a origem da ECGC; eles consideram que essa lesão possa originar-se do epitélio odontogênico ou ser fibroblástica, miogênica, neurogênica, histiocítica e endotelial, ou partir de células mesenquimais indiferenciadas. Essa última hipótese é a mais aceita, partindo do pressuposto de que a ECGC seja um processo degenerativo das células, que são capazes de se diferenciar em diversos tipos celulares(1,2, 8,16-18).
Alguns autores avaliaram o perfil imuno-histoquímico da ECGC a fim de elucidar sua histogênese. Leocata et al. (1999)(17) obtiveram imunomarcação positiva para vimentina e desmina, enquanto Kokubun et al. (2018)(5) constataram positividade para vimentina, CD44, CD68 e marcador de células-tronco mesenquimais indiferenciadas (STRO-1). Portanto, não é possível afirmar a origem histogenética da ECGC, porém sugere-se uma origem mesenquimal(5,17). Além disso, nos estudos anteriormente mencionados, não foi observada imunopositividade para proteína S100, receptor do fator de crescimento neural (NGFR), receptor de neurotrofina (P75), antígeno carcinoembrionário (CEA), marcador de macrófagos (MAC 387), CD34, lisozima policlonal, antígeno comum leucocitário (LCA) e actina musculoespecífica (HHF-35), o que reforça a hipótese de uma origem a partir de células mesenquimais indiferenciadas.
O diagnóstico clínico diferencial da ECGC é amplo, entretanto, características relacionadas com período de desenvolvimento, local de acometimento, tamanho da lesão e potencial de crescimento podem auxiliar na exclusão de outras lesões que realizam o diagnóstico diferencial com a ECGC(2-4, 8).
Entre os diagnósticos diferenciais histopatológicos estão as lesões que apresentam células granulares, como o tumor de células granulares (TCG), o tumor odontogênico de células granulares e o rabdomioma do adulto, sendo muito importante o conhecimento das suas características clínicas e histopatológicas para a realização de um diagnóstico correto. Dessas lesões, destaca-se o TCG(7-9).
Clinicamente, o TCG é uma neoplasia verdadeira que acomete principalmente adultos entre 30 e 60 anos de idade; a língua é sua principal localização. Por sua vez, a ECGC é um processo reativo não neoplásico que se manifesta em fetos e neonatos, com predileção pelo rebordo alveolar(1,8). Ao exame microscópico, o TCG exibe células volumosas poligonais com citoplasma granular e hiperplasia pseudoepiteliomatosa, enquanto na ECGC há atrofia das cristas epiteliais no epitélio de revestimento(2, 4). Em relação à imuno-histoquímica, o TCG é positivo para a proteína S100, o que sugere que esse tumor se derive de células de Schwann; já o ECGC apresenta expressão negativa para a proteína S100, comprovando origens distintas entre essas lesões, auxiliando no diagnóstico diferencial(5,9, 19). No presente relato, com base nas características clinicopatológicas e na expressão imuno-histoquímica negativa para a proteína S100, o diagnóstico de TCG foi excluído.
O tratamento da ECGC é a excisão cirúrgica, visto que há poucos relatos de regressão da lesão, além de esta poder causar limitações no fechamento bucal e dificuldades respiratórias e alimentares, interferindo na qualidade de vida do paciente(14, 16). Apresenta excelente prognóstico, não havendo relatos de recorrência na literatura(3, 19).
A ECGC é uma entidade rara, de histogênese incerta, cujo principal diagnóstico diferencial é o TCG. Apesar de essas lesões serem semelhantes microscopicamente, ambas apresentam aspectos clínicos e perfis imuno-histoquímicos diferentes, o que permite a distinção entre elas e auxilia o estabelecimento do diagnóstico definitivo.