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Equivalência cultural da versão brasileira do Questionnaire des Symptômes Vocaux

Equivalência cultural da versão brasileira do Questionnaire des Symptômes Vocaux

Autores:

Lívia Lima Krohling,
Mara Behlau,
Ingrid Verduyckt

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.28 no.4 São Paulo jul./ago. 2016 Epub 07-Jul-2016

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015124

INTRODUÇÃO

O sintoma vocal relatado pelo paciente e/ou percebido pelo interlocutor aparece durante a fonação por meio de sensações desagradáveis(1,2), de causa multifatorial(3), relacionadas a mudanças na qualidade e na potência vocal, coceira, fisgada, tosse, dor, dentre outros(3).

Os sintomas vocais, geralmente, decorrem de maus hábitos vocais e modelos vocais inadequados. Os principais hábitos prejudiciais referidos por crianças são falar com esforço, sem descansar, imitar vozes frequentemente e viver em ambiente familiar ruidoso(4); e os principais sintomas vocais pediátricos são: rouquidão e cansaço ao falar, ambos decorrentes de uma sobrecarga fonatória causada pelo padrão vocal infantil de utilizar intensidade forte, esforço e tensão na fala, o que também potencializa a ocorrência de lesões de massa(5).

Os protocolos pediátricos de autoavaliação vocal são incipientes. Geralmente, utiliza-se instrumento de avaliação parental(6). Atualmente, preconiza-se que, para a população pediátrica (a partir dos 6 anos), deva-se aplicar instrumentos que combinem os relatos de pais e filhos, uma vez que, crianças, nesta faixa etária, já conseguem perceber o seu problema vocal e compreender o seu quadro clínico. Portanto, a avaliação parental, embora muito importante, não deve substituir a autoavaliação vocal(7,8).

Sabe-se pouco sobre a concordância entre pais e filhos em relação ao problema de voz, os índices variam de 33,3% a 100%(8) com maior concordância na esfera sociofuncional(7). O Questionnaire des Symptômes Vocaux tem sido apontado como um importante recurso para avaliação, diagnóstico e reavaliação da disfonia infantil(9).

O objetivo deste estudo foi realizar a equivalência cultural brasileira do Questionnaire des Symptômes Vocaux, por meio da adaptação cultural e linguística do instrumento.

MÉTODOS

Aprovado pelo Comitê de Ética (758.309). O instrumento original, em francês, Questionnaire des Symptômes Vocaux(9) foi traduzido para o português brasileiro por duas fonoaudiólogas brasileiras bilíngues, cientes do objetivo da pesquisa, que realizaram a tradução conceitual. Posteriormente, procedeu-se à uma retrotradução, realizada por uma terceira fonoaudióloga brasileira, bilíngue e professora de francês, não participante do processo de tradução. A tradução e a retrotradução foram comparadas entre si e à versão original do instrumento, e discutidas com os autores; as diferenças nos termos utilizados foram analisadas e modificadas por consenso.

A versão brasileira foi intitulada Questionário de Sintomas Vocais Pediátrico (QSV-P). Para a realização da equivalência cultural, acrescentou-se a opção “não aplicável” na chave de respostas de cada uma das questões do protocolo, para identificação de sentenças não compreendidas ou inapropriadas para a população, que precisarão ser modificadas ou eliminadas durante a validação.

Participaram da equivalência cultural 32 indivíduos, 16 crianças/adolescentes com queixa vocal e/ou alteração na voz, de ambos os gêneros, com idade entre 6 e 18 anos, e seus respectivos pais/responsáveis. Todos assinaram o termo de assentimento e consentimento. A coleta ocorreu em clínica-escola de Fonoaudiologia. Adotaram-se como critérios de inclusão: idade equivalente à faixa etária abrangida pelo QSV-P (6-18 anos); queixa de alteração vocal e/ou desvio vocal identificado na avaliação perceptivoauditiva. Os critérios de exclusão foram: indivíduos com queixa atual ou pregressa de distúrbios da comunicação humana, com exceção da queixa de alteração vocal; presença de quadro agudo de infecção de vias aéreas superiores; tratamento vocal prévio e doenças neurológicas ou psiquiátricas diagnosticadas.

RESULTADOS

Não houve modificação e/ou eliminação de nenhuma das questões. Embora no português brasileiro duas questões tenham ficado similares (“você tem que forçar a voz para falar?” e “você tem que fazer força para a voz sair?”), optou-se por mantê-las considerando-se que, embora o limite seja tênue, uma questão diz respeito à voz e a outra à fala; e também para que os escores brasileiros possam ser considerados aos demais estudos internacionais, mantendo-se padrão o escore máximo do QSV-P.

A versão final da tradução do QSV-P, versões parental (Anexo A) e autoavaliação (Anexo B), após adaptação cultural e linguística, apresenta 31 questões interrogativas autoexplicativas, objetivas, aplicável a crianças/adolescentes entre 6 e 18 anos e a seus respectivos pais/responsáveis que visam investigar questões físicas, emocionais e sociofuncionais da alteração vocal.

O QSV-P é o único protocolo pediátrico que aborda autoavaliação e avaliação parental de forma simultânea. As respostas são registradas em escala de Likert de 4 pontos (nunca, às vezes, quase sempre e sempre); para as crianças, há também o apoio visual de círculos, que variam do tamanho pequeno ao muito grande, com o objetivo de facilitar a marcação das respostas. As questões estão distribuídas em quatro domínios: Voz falada, Voz cantada, Voz Projetada e Voz Gritada; e buscam investigar aspectos relacionados a: sensação de voz cansada, necessidade de repetir o que fala, de fazer força, sentimentos de tristeza, insatisfação, nervosismo, vergonha, medo ou constrangimento pelo problema de voz, perda da voz, sensação de dor, pigarro/tosse ou ardência/incômodo.

DISCUSSÃO

A etapa de equivalência cultural é obrigatória em toda validação de instrumentos(10), sua realização é essencial para que o questionário traduzido possa ser realmente incorporado à uma nova cultura e aplicado à população da língua em questão. É durante a adaptação cultural que as modificações em termos, expressões e questões devem ser realizadas. Tais adequações são essenciais e devem ocorrer antes da aplicação final na população.

Pouco se sabe sobre a concordância entre pais e filhos em relação ao problema de voz. A literatura aponta índices que variam de 33,3% a 100%(8) e a esfera sociofuncional como a de maior concordância(7). O QSV-P é um importante recurso para avaliação, diagnóstico e reavaliação vocal dos quadros de disfonia infantil(9). Os dados decorrentes do processo de validação brasileira do QSV-P possibilitarão a melhor compreensão dos sintomas vocais na infância/adolescência e da concordância pais e filhos na clínica vocal pediátrica.

CONCLUSÃO

Há equivalência cultural do Questionnaire des Symptômes Vocaux para o português brasileiro na versão intitulada Questionário de Sintomas Vocais Pediátrico. A validação brasileira do QSV-P está em andamento.

REFERÊNCIAS

1 Oliveira IB. Avaliação fonoaudiológica da voz: reflexões sobre condutas com enfoques à voz profissional. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCD. Tratado de fonoaudiologia. 2. ed. São Paulo: Roca; 2010. p. 734-745.
2 Sapir S, Keidar A, Mathers-Schmidt B. Vocal attrition in teachers: survey findings. Eur J Disord Commun. 1993;28(2):177-85. . PMid:8400489.
3 Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Avaliação de voz. In: Behlau M, organizador. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p. 85-245. v. 1.
4 Paixão CLB, Silvério KCA, Berberian AP, Mourão LF, Marques JM. Disfonia infantil: hábitos prejudiciais à voz dos pais interferem na saúde vocal de seus filhos? Rev. CEFAC. 2012;14(4):705-13. .
5 Tavares ELM, Brasolotto A, Santana MF, Padovan CA, Martins RHG. Epidemiological study of dysphonia in 4-12 year-old children. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;77(6):736-46. . PMid:22183280.
6 Ribeiro LL, Paula KMP, Behlau M. Voice-related quality of life in the pediatric population: validation of the Brazilian version of the Pediatric Voice-Related Quality-of-Life Survey. CoDAS. 2014;26(1):87-95. PMid:24714864.
7 Verduyckt I, Remacle M, Jamart J, Benderitter C, Morsomme D. Voice- Related complaints in the pediatric population. J Voice. 2011;25(3):373-80. . PMid:20359863.
8 Connor NP, Cohen SB, Theis SM, Thibeault SL, Heatley DG, Bless DM. Attitudes of children with dysphonia. J Voice. 2008;22(2):197-209. . PMid:17512168.
9 Verduyckt I, Morsomme D, Ramacle M. Validation and standardization of the Pediatric Voice Symptom Questionnaire: a double-form questionnaire for dysphonic children and their parents. J Voice. 2012;26(4):129-39. .
10 Aaronson N, Alonso J, Burnam A, Lohr KN, Patrick DL, Perrin E, et al. Assessing health status and quality-of-life instruments: attributes and review criteria. Qual Life Res. 2002;11(3):193-205. . PMid:12074258.