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Escala de Borg: um novo método para avaliação da hipernasalidade de fala

Escala de Borg: um novo método para avaliação da hipernasalidade de fala

Autores:

Francine Santos Ramos-Favaretto,
Ana Paula Fukushiro,
Rafaeli Higa Scarmagnani,
Renata Paciello Yamashita

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.31 no.6 São Paulo 2019 Epub 02-Dez-2019

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018296

INTRODUÇÃO

A hipernasalidade é uma das mais importantes variáveis na determinação dos resultados de fala do tratamento da fissura palatina(1). A identificação e a classificação deste importante sintoma são feitas, principalmente, por meio da avaliação perceptivo-auditiva, método considerado “padrão ouro” na avaliação dos sintomas de fala(1-3). Considerando o princípio de que um tratamento só deve ser indicado quando o problema é percebido, a avaliação perceptivo-auditiva da fala continua sendo a principal ferramenta para a tomada de decisões clínicas. Além disso, tem a vantagem de ser conveniente e econômico. Contudo, por ser um método subjetivo, que depende da percepção do ouvinte, o método é passível de erros e vieses, mesmo quando realizada por profissionais experientes. Conhecer as limitações que podem por em risco sua validade e confiabilidade é fundamental no uso de métodos perceptivos de avaliação(1,2).

Especificamente no que se refere à nasalidade, o desafio é ainda maior. Este sintoma de fala foi considerado, dentre todas as dimensões perceptivas, o mais difícil de julgar de modo confiável, devido às suas características psicofísicas(4). Vários pesquisadores defendem a teoria de que a nasalidade é uma sensação mentalmente processada como uma dimensão protética, ou seja, que difere em termos de mudanças de grau, de quantidade(1,3-6). Assim, o uso de escalas de classificação apropriadas para as características da nasalidade pode melhorar a confiabilidade da avaliação perceptivo-auditiva deste sintoma, tornando-a menos suscetível a erros e, assim, reduzindo as variações de diferentes julgamentos perceptivos(1,3,6,7).

Historicamente, a escala ordinal é a mais utilizada para a classificação da hipernasalidade, tanto em pesquisas como na prática clínica(8-10), por ser um método mais apropriado ao contexto clínico. Adicionalmente, as classificações obtidas são relativamente fáceis de serem comparadas entre diferentes escalas e avaliadores(9,11). Na escala ordinal, o avaliador atribui uma nota ao sintoma avaliado em uma escala linear, indicando o seu nível de gravidade em uma ordem de classificações nominais, sendo que a menor categoria representa a ausência do sintoma e a maior, o grau máximo do sintoma(7,8). No entanto, a escala ordinal separa as diferentes categorias do sintoma de fala sem quantificar a magnitude da diferença entre cada categoria. Ocorre que os ouvintes tendem a subdividir, especialmente a extremidade inferior da escala, em intervalos menores(5). Desta forma, a natureza psicofísica da nasalidade sugere que sua classificação seria favorecida e, melhores índices de concordância entre diferentes avaliadores seriam alcançados, utilizando-se escalas baseadas em proporção(6,8).

Nas escalas baseadas em proporção, os ouvintes atribuem livremente um número que representa a magnitude sensorial do estímulo julgado. Exemplos de escala de proporção são a Escala de Magnitude Direta e a Escala Visual Analógica(1,7).

Outro exemplo de escala baseada em proporção é a escala Borg centiMax(12,13). A primeira escala de Borg foi criada nos anos 1960 pelo fisiologista Gunnar Borg e foi denominada CR10. Tinha como finalidade a classificação da percepção subjetiva do esforço físico. Com o passar dos anos, essa escala foi sendo modificada pelo próprio autor (G. Borg) e por seus colaboradores estudiosos do assunto, dentre eles, Elisabet Borg, criadora da escala Borg centiMax, também conhecida como escala de Borg, empregada no presente estudo. A escala de Borg, em todas as suas variações, associa as vantagens das escalas de proporção com as vantagens das escalas de categorias para classificação dos graus de um sintoma. As categorias verbais são posicionadas na escala de acordo com os números, obedecendo a uma proporção que cobre uma faixa de intensidade biologicamente natural, de tal modo que, para cada categoria, exista um valor em uma sequência numérica. Um dos princípios básicos das escalas de Borg é, portanto, obter coerência entre uma categoria e sua proporção na escala. Desse modo, as escalas de Borg fornecem ao indivíduo âncoras verbais para que possam fazer seus julgamentos quanto à intensidade de um estímulo. O ponto “máximo” (100, no caso da escala Borg centiMax) representa “a intensidade máxima daquele estímulo já anteriormente percebida pelo indivíduo”. É possível, ainda, perceber o estímulo como ainda mais forte do que o máximo, denominado na escala como “máximo absoluto”, posicionado mais acima, sem, contudo, ser representado por um valor, mas sim por um ponto “•”.

Desde a sua criação, a escala de Borg foi utilizada em diferentes contextos para avaliar diferentes percepções sensoriais, experiências e sentimentos, incluindo cores, gosto, odor, esforço físico, loudness, ruído e facilidade para perceber símbolos(6,14,15). Sua confiabilidade e validade foram demonstradas em diferentes estudos e sua aplicação foi também testada no diagnóstico clínico de dores e na determinação do esforço percebido, incluindo dificuldades respiratórias e fadiga, especialmente em relação a testes de treinamento e reabilitação(13,16).

Na área da fonoaudiologia a escala de Borg foi recentemente empregada para a medida do esforço vocal(17). Neste estudo, as autoras investigaram se a escala de Borg CR10 poderia ser utilizada como medida do esforço vocal percebido pelo próprio paciente na terapia de voz e a correlacionaram com outra medida de percepção de esforço vocal, o item 14 do Voice Handicap Index (VHI). As autoras concluíram que a CR10 foi uma ferramenta clínica fácil de usar para a percepção da redução do esforço vocal e que as duas escalas se complementam, pois, enquanto o item 14 do VHI indicou a frequência do maior esforço percebido, a escala CR10 mostrou o grau de severidade do esforço.

Considerando que a hipernasalidade é definida como uma sensação, é coerente supor que a escala de Borg centiMax pode ser uma boa alternativa para a classificação deste sintoma. Em um estudo realizado no Instituto Karolinska, em Estocolmo, Suécia, em que esta escala foi utilizada pela primeira vez na classificação da hipernasalidade, os autores mostraram que a escala de Borg foi o método mais confiável dentre os três métodos estudados. Neste estudo, a hipernasalidade foi julgada em amostras de fala da língua sueca e o grupo de avaliadoras envolveu fonoaudiólogas brasileiras e suecas. Segundo esses autores, a escala de Borg permitiu ao avaliador a segmentação das diferentes categorias de hipernasalidade em muitos graus, o que foi útil para identificar diferenças de graduação do sintoma em uma mesma categoria, como “nasalidade leve”, por exemplo(6).

Tendo em vista a busca na literatura por um tipo de escala de classificação de hipernasalidade que apresente resultados mais confiáveis, a contribuição deste estudo para a área é a introdução de um novo método de avaliação perceptiva deste sintoma, considerado um dos mais característicos da fissura palatina.

Desta forma, o objetivo deste estudo foi investigar a confiabilidade da escala de Borg (Borg centiMax) comparando os índices de concordância intra e interavaliadores obtidos com a escala Borg centiMax com a escala ordinal de 5 pontos, utilizada de rotina no HRAC-USP, no julgamento perceptivo da hipernasalidade. Como objetivo secundário, pretendeu-se investigar a influência do tipo de amostra de fala (vocábulos ou sentenças) sobre a confiabilidade de ambas as escalas.

MÉTODO

Amostras de fala

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos da instituição (CAAE: 71041917.7.0000.5441). Todos os pacientes ou os seus responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para compor a casuística do presente estudo, um total de 120 amostras de fala foram gravadas. Destas gravações, 20 foram excluídas por terem sido utilizadas no treinamento das avaliadoras e 20 foram excluídas por não apresentarem boa qualidade de áudio. Deste modo, foram incluídas no estudo 80 amostras de fala gravadas em áudio (40 contendo vocábulos e 40 contendo sentenças) de 40 pacientes com fissura de palato operada, associada ou não à fissura de lábio, falantes do Português Brasileiro, de ambos os gêneros, com idade entre 10 e 45 anos (média de 24 anos). As amostras foram compostas por uma sequência de 12 vocábulos e por uma sequência de 12 sentenças, contendo sons exclusivamente orais acompanhados de vogais altas e baixas.

Procedimentos

A captação de áudio foi realizada em sala silenciosa com equipamentos de boa qualidade e essas gravações foram então armazenadas, editadas e, posteriormente, analisadas perceptivamente para a classificação da hipernasalidade de fala. Foram incluídas no estudo apenas as gravações com boa qualidade de áudio.

Classificação da hipernasalidade

A hipernasalidade foi analisada por quatro fonoaudiólogas com experiência na avaliação de indivíduos com fissura palatina. Cada avaliadora julgou as amostras, utilizando duas escalas distintas: escala ordinal de 5 pontos, sendo, 1=equilibrada; 2=leve aceitável; 3=leve não aceitável; 4=moderada; 5=grave, e a escala de Borg centiMax (Figura 1). Em ambas as escalas, as avaliadoras classificaram a hipernasalidade de acordo com seus critérios individuais. Foi recomendado que as análises fossem feitas individualmente, em ambiente silencioso, utilizando seu próprio computador e fones de ouvidos estéreo, da marca AKG, modelo K240 MK II (disponibilizados pelo estudo). As avaliadoras foram orientadas a escutar as gravações quantas vezes julgassem necessárias e enfatizou-se a importância de obedecerem a períodos de descanso durante a avaliação, a fim de evitar fadiga.

Legenda: Os gráficos box plots mostram os valores de média (representado pelo ponto branco dentro da caixa), mediana (representado pela linha que secciona a caixa), primeiro e terceiro quartis (limites de altura da caixa que representam o desvio padrão da distribuição), mínimo e máximo (representados pelas semirretas distantes da caixa) e valor discrepante (outlier-representado pelo ponto vermelho no gráfico B)

Figura 1 Borg CR Scale (CR100, centiMax)(12,13) 

Cada avaliadora analisou 80 amostras de fala (40 de vocábulos e 40 de sentenças) com cada uma das escalas. Para o cálculo da concordância intra-avaliador, 20% do total de amostras foi duplicado (16 amostras) e foi analisado duas vezes por cada avaliadora em cada uma das escalas. Desta forma, as avaliadoras analisaram um total de 192 amostras. As amostras foram disponibilizadas às avaliadoras utilizando-se o serviço de disco virtual da Google, Google Drive, respeitando-se um intervalo de 10 dias entre cada análise.

Forma de análise dos resultados

Foram estabelecidos os índices de concordância intra e interavaliadores para ambas as escalas e para os dois tipos de amostras de fala. Para o cálculo da concordância intra-avaliador, 20% (16) da amostra foi duplicada e analisada uma segunda vez pelas avaliadoras. Para o cálculo da concordância interavaliador, as quatro avaliadoras foram comparadas duas a duas em cada uma das escalas. Os índices de concordância intra e interavalidores para a escala ordinal foram determinados utilizando-se o coeficiente Kappa ponderado e, para a escala Borg centiMax, a concordância foi determinada pelo Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCI), considerando-se, para ambas as escalas, a seguinte interpretação: abaixo de 0,40=concordância pobre; de 0,40 a 0,59=concordância moderada; de 0,60 a 0,74=concordância boa; de 0,75 a 1,00=concordância excelente(18).

Foi estabelecido, ainda, o coeficiente de correlação entre as duas escalas para os dois tipos de amostras de fala analisadas, por meio do coeficiente de correlação de Spearman e levando em conta a seguinte interpretação: 1,00 a 0,90 correlação muito alta, 0,90 a 0,70 correlação alta, 0,70 a 0,50 correlação moderada, 0,50 a 0,30 correlação baixa e 0,30 a 0,00 correlação insignificante(19).

A comparação entre as duas escalas foi feita analisando-se, de forma descritiva, os índices de concordância intra e interavaliadores obtidos para cada uma delas.

A comparação entre os dois tipos de amostra de fala foi calculada verificando-se os índices de concordância intra e interavaliadores obtidos para as amostras de vocábulos e para as sentenças, em ambas as escalas, utilizando-se o teste Z. No cálculo intra-avaliadores, as classificações das quatro avaliadoras foram agrupadas totalizando 32 amostras e, no cálculo interavaliadores, as classificações dos seis pares de avaliadoras foram agrupadas resultando em 240 amostras. Para todas as comparações, foi considerado como significante p<0,05.

RESULTADOS

Concordância intra-avaliador

Na escala ordinal, verificou-se, para a amostra de vocábulos, que o índice de concordância intra-avaliadores quanto ao grau de hipernasalidade variou de pobre a excelente, enquanto que, para a amostra de sentenças, foi excelente para todas as avaliadoras. Já na escala de Borg, o índice de concordância variou de bom a excelente para a amostra de vocábulos e de moderado a excelente para amostras de sentenças, conforme demonstrado na Tabela 1.

Tabela 1 Concordância intra-avaliador na classificação das amostras de vocábulos e sentenças utilizando a escala ordinal (índice Kappa e sua interpretação) e a escala Borg centiMax (CCI e sua interpretação) 

CONCORDÂNCIA INTRA-AVALIADOR
AMOSTRA DE FALA AVALIADORA ESCALA ORDINAL BORG CentiMax
Kappa Ponderado Interpretação CCI Interpretação
VOCÁBULOS 1 1,00 Excelente 1,00 Excelente
2 0,68 Bom 0,97 Excelente
3 0,80 Bom 0,99 Excelente
4 0,38 Pobre 0,73 Bom
SENTENÇAS 1 1,00 Excelente 0,42 Moderado
2 0,81 Excelente 0,95 Excelente
3 0,82 Excelente 0,99 Excelente
4 0,83 Excelente 0,93 Excelente

Legenda: CCI = Coeficiente de Correlação Intraclasse

Concordância interavaliador

Na escala ordinal, verificou-se, para ambos os tipos de amostras analisadas, que o índice de concordância interavaliadores variou de pobre a moderado. Já na escala de Borg, o índice de concordância variou de moderado a excelente para a amostra de vocábulos, e de moderado a bom para as amostras de sentenças (Tabela 2).

Tabela 2 Concordância interavaliadores na classificação das amostras de vocábulos e sentenças utilizando a escala ordinal (índice Kappa e sua interpretação) e a escala Borg centiMax (CCI e sua interpretação) 

CONCORDÂNCIA INTERAVALIADOR
AMOSTRA DE FALA AVALIADORA ESCALA ORDINAL BORG CentiMax
Kappa ponderado Interpretação CCI Interpretação
VOCÁBULOS 1 vs 2 0,33 Pobre 0,68 Bom
1 vs 3 0,47 Moderada 0,60 Bom
1 vs 4 0,32 Pobre 0,51 Moderado
2 vs 3 0,50 Moderada 0,89 Excelente
2 vs 4 0,33 Pobre 0,73 Bom
3 vs 4 0,48 Moderada 0,71 Bom
SENTENÇAS 1 vs 2 0,53 Moderada 0,63 Bom
1 vs 3 0,20 Pobre 0,43 Moderada
1 vs 4 0,25 Pobre 0,40 Moderada
2 vs 3 0, 31 Pobre 0,71 Bom
2 vs 4 0,33 Pobre 0,74 Bom
3 vs 4 0,10 Pobre 0,56 Moderada

Legenda: CCI = Coeficiente de Correlação Intraclasse

Comparação entre as duas escalas

Estabeleceu-se a correlação entre as duas escalas considerando as amostras separadamente e correlacionando os valores atribuídos pelas quatro avaliadoras para as quatro avaliações (40 amostras avaliadas quatro vezes pelas quatro avaliadoras), utilizando-se os valores da mediana para a escala ordinal e os valores da média para a escala de Borg. O coeficiente de correlação para as amostras de vocábulos foi de 0,93 (p<0,001) e, para a amostra de sentenças, foi de 0,94 (p<0,001), revelando que houve correlação muito alta e estatisticamente significante entre as duas escalas. A Figura 2 mostra a coerência entre os julgamentos feitos para ambas as escalas e ambas as amostras.

Figura 2 Correlação entre a escala Borg centiMax (com base na média) e a escala ordinal (com base na mediana) dos escores de hipernasalidade atribuídos pelas quatro avaliadoras para: (A) amostra de vocábulos (40 amostras avaliadas duas vezes pelas quatro avaliadoras); (B) amostra de sentenças (40 amostras avaliadas duas vezes pelas quatro avaliadoras) 

Comparação entre as duas amostras

Verificou-se, para a escala ordinal, diferença estatisticamente significante entre as duas amostras analisadas apenas para a comparação interavaliadores. Para a escala Borg centiMax, houve diferença estatisticamente significante entre as duas amostras tanto para os índices intra quanto interavaliadores (Tabela 3).

Tabela 3 Comparação entre as amostras de vocábulos e sentenças para a escala ordinal e a escala Borg centiMax 

Escala Ordinal p Borg centiMax p
Vocábulos Sentenças Vocábulos Sentenças
Coeficiente Kappa CCI
Intra-avaliador 0,70 0,88 0,150 0,96 0,68 0,011*
Interavaliador 0,40 0,28 0,007* 0,67 0,57 0,025*

Teste Z

*p<0,05 Diferença estatisticamente significante

DISCUSSÃO

A proposta deste estudo foi investigar a confiabilidade da escala de Borg no julgamento perceptivo da hipernasalidade de indivíduos com fissura palatina reparada, falantes do Português Brasileiro e, ainda, investigar a influência do tipo de amostra de fala sobre a confiabilidade dos julgamentos. Para tanto, os resultados obtidos com a escala de Borg foram comparados aos obtidos com a escala ordinal de 5 pontos, utilizada de rotina no serviço.

O presente estudo mostrou melhores índices de concordância intra-avaliadores e interavaliadores na escala de Borg, em comparação à escala ordinal de 5 pontos, para ambos os tipos de amostras de fala (vocábulos e sentenças), à exceção, apenas, do índice de concordância intra-avaliadores no julgamento de sentenças.

Altos índices de concordância intra-avaliadores comprovam a estabilidade e a coerência dos julgamentos de um mesmo ouvinte. As avaliadoras que participaram do presente estudo são estáveis e consistentes em seus julgamentos, e mostraram padrões internos bem definidos, resultado, provavelmente, da experiência adquirida na avaliação perceptiva de sintomas de fala característicos da fissura palatina durante os anos.

A literatura já comprovou que a experiência do ouvinte é fator determinante para se obterem resultados mais confiáveis nos julgamentos percptivos(2,7,20).

De modo geral, bons índices de concordância intra-avaliadores também foram relatados em outros estudos realizados na instituição e na literatura internacional, com amostra de fala semelhante à utilizada no presente estudo(11,20-24).

Não obstante, padrões internos bem definidos, que conferem a estabilidade em seus próprios julgamentos, não parecem ser suficientes para garantir resultados confiáveis entre diferentes avaliadores. Alcançar altos índices de concordância entre diferentes avaliadores no julgamento perceptivo da hipernasalidade ainda é um desafio(25) e a dificuldade se torna ainda maior quando o julgamento da hipernasalidade é feito utilizando escala ordinal(1,7). No presente estudo, o índice interavaliadores utilizando a escala ordinal variou de pobre a moderado para os dois tipos de amostras de fala analisadas.

Esses resultados corroboram a literatura que também relata reduzidos índices de concordância interavaliadores nos estudos que utilizaram escala ordinal, como método de avaliação. Estudos realizados na instituição mostraram coeficientes que variaram de regular a moderado para diversas amostras de fala, incluindo a conversa espontânea(10,22,23), e na literatura internacional, índices moderados de concordância interavaliadores foram verificados(26,27). De acordo com alguns autores, este é um dado preocupante no que se refere à avaliação da fala de indivíduos com fissura, tendo em vista a importância da ressonância de fala como norteador de decisões clínicas(28).

Ainda que se tenham empregado no presente estudo amostras de fala padronizadas, elaboradas segundo critérios internacionais e analisadas por profissionais experientes, a concordância quanto ao grau de hipernasalidade obtida entre as avaliadoras foi reduzida.

Por outro lado, resultado diferente foi obtido com a escala de Borg. Os resultados mostraram que o coeficiente de concordância interavaliadores variou de moderado a excelente para ambas as amostras analisadas, com a escala de Borg. Neste caso, o menor índice de concordância foi 0,40 e o mais alto foi 0,89.

A escala de Borg foi utilizada pela primeira vez para classificar a hipernasalidade em estudo realizado na Suécia(6). Nesse estudo, utilizando amostra de vocábulos produzidos por crianças com fissura palatina reparada, falantes da língua sueca, os resultados mostraram que a escala de Borg foi o método mais confiável quando comparado aos outros dois analisados no estudo.

No presente estudo, utilizando dois tipos de amostras de fala padronizadas de indivíduos com fissura de palato reparada, incluindo crianças e adultos, falantes do Português Brasileiro, comprovou-se que a escala de Borg foi o método mais confiável quando comparada com a escala ordinal.

Ressalte-se que a variável idade dos pacientes, assim como outras variáveis − como, sexo, tipo de fissura e realização de fonoterapia prévia − não foram controladas, pois o objetivo principal do estudo foi investigar a confiabilidade da escala de Borg como um método de avaliação perceptiva da nasalidade. O foco deste estudo foi a comparação dos julgamentos perceptivos obtidos com este novo método e aqueles obtidos com a escala utilizada de rotina no serviço, realizados por diferentes avaliadores em dois tipos de amostras de fala, não importando, neste caso, a condição do paciente.

A escolha da escala de classificação pode influenciar a habilidade do avaliador em discriminar diferenças de um dado sintoma e a validade das diferentes escalas depende da natureza psicofísica do sintoma que está sendo avaliado(8). Considerando a hipernasalidade uma sensação protética, escalas de medidas que utilizam a repartição ou subdivisão do sintoma, como é o caso da escala ordinal, podem não ser apropriadas para classificar, de modo confiável, a nasalidade(5). Os melhores resultados obtidos com a escala de Borg, no presente estudo, comprovaram que a hipernasalidade é mais bem classificada utilizando-se escalas de proporção, corroborando outros estudos(1,6).

A explicação para esse resultado é, provavelmente, o fato de a escala de Borg ser um método que incorpora os benefícios da escala de proporção combinado a uma escala de categorias, além de a sua escala de medidas ser baseada em aspectos psicofísicos da percepção humana. O uso de uma sequência numérica de 0 a 100 permite aos ouvintes classificar a hipernasalidade e, ainda, identificar diferentes graus dentro de uma mesma categoria. O exemplo mais clássico disso é a categoria “hipernasalidade leve”(5,6). Ouvintes sistematicamente tendem a subdividir as categorias inferiores da escala (como a categoria “leve”) em intervalos menores do que as categorias superiores. A escala de Borg permite a segmentação da hipernasalidade, de modo que um dado estímulo de fala classificado como “hipernasal leve” pode ser considerado como “leve aceitável”, ou seja, aceitável dentro do padrão de normalidade para a maioria dos ouvintes, o que difere, na percepção do ouvinte, da nasalidade leve “perceptível”. Na escala ordinal, esse mesmo estímulo supostamente seria classificado como “hipernasal leve”, sem a possibilidade de diferenciá-lo. A escala de intervalos, como é o caso da escala ordinal, não permite que os avaliadores expressem plenamente sua percepção auditiva, limitando as possibilidades de classificação(7).

No que se refere à influência do tipo de amostra de fala sobre a confiabilidade das escalas, os resultados mostraram que os coeficientes de concordância foram melhores para as amostras com vocábulos em comparação às amostras de sentenças, na maioria das comparações realizadas. A amostra de fala contendo uma sequência de 12 vocábulos, embora mais curta, favoreceu a confiabilidade dos julgamentos da hipernasalidade, especialmente quando o julgamento foi feito com a escala de Borg.

A amostra de vocábulos utilizada no presente estudo foi composta por uma sequência de vocábulos, ou single word string, em inglês. Essa modalidade de amostra de fala foi utilizada no projeto multicêntrico internacional Scandcleft, para avaliar a fala de crianças(3,6,29). A amostra é composta pela produção de uma sequência de 12 vocábulos isolados, contendo somente sons orais, apresentados como um único estímulo de fala, o que a torna semelhante a uma sentença curta (de aproximadamente 15 segundos), facilitando a classificação de diferentes graus de hipernasalidade(29).

A melhor confiabilidade obtida com a amostra de vocábulos, no presente estudo, pode ser justificada pela extensão do estímulo de fala. Especula-se que o fato de as sequências de vocábulos serem mais curtas do que a sequência de sentenças pode ter evitado a influência de outros erros passivos e ativos de fala coexistentes, como, por exemplo, a emissão de ar nasal ou a articulação compensatória. Segundo a literatura, na presença de outros sintomas de fala, torna-se difícil para o ouvinte isolar a hipernasalidade, levando, muitas vezes, à sua classificação como mais grave(2,24,29,30).

Uma proposta de parâmetros universais(30) para a documentação dos resultados de fala de indivíduos com fissura palatina recomendou o uso de repetição de sentenças e de palavras isoladas para o julgamento perceptivo da hipernasalidade. Os autores sugeriram que, para avaliar a hipernasalidade utilizando vocábulos, as amostras deveriam conter apenas vogais altas e que todos os vocábulos da lista deveriam conter apenas um tipo de consoante de pressão por vocábulo. E, ainda, para ser representativo do sistema fonético, todas as consoantes de pressão deveriam aparecer em todas as posições de ocorrência na língua. As amostras de sentenças deveriam conter consoantes de pressão, não incluir consoantes nasais e incluir todos os tipos de vogais relevantes para o idioma. As sentenças deveriam conter um único som de pressão e este deveria ocorrer em todas as posições apropriadas para o idioma.

As amostras utilizadas no presente estudo foram propostas pela força tarefa “Brasil Cleft” e foram elaboradas com base nessas orientações(30), de modo a abranger todo o quadro fonético do Português Brasileiro.

O presente estudo contribuiu para a divulgação da escala de Borg como um método confiável de avaliação da hipernasalidade. Os resultados deste estudo comprovaram altos índices de concordância entre diferentes avaliadores com a escala de Borg, o que aumenta a confiabilidade da avaliação perceptivo-auditiva da fala, método este que continua sendo o principal indicador da significância clínica dos sintomas de fala.

CONCLUSÃO

A escala Borg centiMax mostrou resultados mais confiáveis de concordância intra e interavaliadores do que a escala ordinal. Adicionalmente, a amostra de fala contendo vocábulos favoreceu a confiabilidade apresentando melhores índices de concordância intra e interavaliadores na maioria das comparações, em ambas as escalas.

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