versão impressa ISSN 0047-2085versão On-line ISSN 1982-0208
J. bras. psiquiatr. vol.68 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2019 Epub 13-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000222
To estimate psychometric properties of the Depression Anxiety and Stress Scale (DASS-21) among Brazilian university students and to compare the prevalence of depression, anxiety, and stress between men and women.
The DASS-21's fit was evaluated by confirmatory factor analysis using the chi-square per degrees of freedom ratio (χ2/df), Comparative Fit Index (CFI), Tucker-Lewis Index (TLI) and Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA). A second-order hierarchical model was tested (Negative Affectivity). The prevalence of depression, anxiety, and stress was calculated and compared by sex.
Participants comprised 1,042 university students [aged 18 to 35 years (mean = 21.13; standard deviation = 2.81 years) 65.7% women]. The DASS-21's goodness of fit was adequate (χ2/df = 5.83; CFI = 0.96; TLI = 0.97; RMSEA = 0.07). However, item 2 presented low factorial weight and was excluded (χ2/df = 6.05; CFI = 0.98; TLI = 0.97; RMSEA = 0.07). The study verified that 4.7%, 1.7%, and 4.5% of students presented moderate to extremely severe scores of depression, anxiety, and stress, respectively. There was no significant difference between men and women in the prevalence of the emotional aspects assessed.
The DASS-21 demonstrated adequate validity and reliability in a sample of university students. The prevalence of depression, anxiety, and stress did not differ significantly between men and women, which points to the need for an egalitarian view in the investigation of these emotional states.
Keywords Depression; anxiety; psychological stress; psychometrics; students
A afetividade negativa representa a tendência individual em vivenciar experiências emocionais caracterizadas por estados aversivos como, por exemplo, angústia, tristeza, raiva, culpa, medo, desgosto, depressão, ansiedade e estresse1. Embora esse conceito possa ser composto por diversos aspectos tais como humor negativo, cognição distorcida e baixa autoestima, Watson e Clark1 destacam que a estrutura conceitual geral é a afetividade negativa, a qual envolve, principalmente, estados emocionais como a depressão, a ansiedade e o estresse, os quais podem exercer papel prejudicial à saúde física e mental dos indivíduos2.
No que diz respeito à afetividade negativa e aos conceitos de depressão, ansiedade e estresse, deve-se destacar que são características latentes, ou seja, não mensuráveis diretamente. Assim, para o rastreamento dessas condições, têm sido utilizados instrumentos psicométricos. Lovibond e Lovibond3 propuseram a Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS) com o objetivo de apresentar um instrumento adequado sob a ótica psicométrica e com a capacidade de mensurar simultaneamente e distinguir a depressão, a ansiedade e o estresse.
Em relação à depressão, a literatura3–6 aponta que se trata de uma psicopatologia com etiologia complexa e que envolve diversos sintomas, por exemplo, a diminuição da autoestima e a presença de anedonia, geralmente com perda do significado atribuído à vida7. A ansiedade, por sua vez, é caracterizada por antecipação, em longo prazo, de eventos negativos3, que pode ocorrer quando o indivíduo enfrenta incertezas, ameaças existenciais ou perigos potenciais/reais5,7. A ansiedade pode ocorrer de maneira adaptativa ou como transtorno psicológico, e a severidade dessa condição e o tempo de permanência desse estado determinam a diferença entre essas ocorrências7. Embora haja clara distinção entre a ansiedade e a depressão, os sintomas apresentados pelos indivíduos nem sempre são característicos apenas da condição depressiva ou ansiosa, podendo ocorrer de maneira inespecífica e sobreposta4.
Partindo da proximidade entre a depressão e ansiedade, Clark e Watson4 propuseram um modelo tripartido para avaliação de dados referentes a essas condições. Esse modelo engloba os sintomas específicos da depressão e da ansiedade em fatores separados e agrupa num único fator os sintomas compartilhados em ambas as condições (sintomas inespecíficos). Esses autores4 ressaltam a necessidade e a importância de identificar os casos em que a depressão e a ansiedade aparecem de maneira mista, a fim de contribuir para o desenvolvimento de um tratamento condizente com as duas condições psicofisiológicas. Assim, o modelo tripartido ficou composto por dois fatores específicos (depressão e ansiedade) e um fator de sobreposição (misto), denominado distress factor. O desenvolvimento da DASS3 seguiu a premissa teórica do modelo tripartido, uma vez que alguns itens que não representavam especificamente a depressão e a ansiedade foram alocados em outro fator, denominado “estresse”. Esse fator é considerado distinto dos demais, porém empiricamente relacionado3, visto a proximidade conceitual existente entre a depressão, a ansiedade e o estresse.
No que se refere ao estresse especificamente, esse tem sido descrito3,5,6,8 como um estado de excitação/tensão excessiva, crônica, não específica, resultante da ineficácia ou esgotamento das estratégias de enfrentamento. Essa condição, geralmente, conduz o indivíduo a apresentar baixa tolerância às frustrações e desilusões8.
Deve-se mencionar ainda que a ansiedade e o estresse são avaliados, em geral, considerando a permanência e a severidade de suas ocorrências7,9. De acordo com esses parâmetros, tanto a ansiedade quanto o estresse podem apresentar valência positiva, quando ocorrem de maneira adaptativa, ou seja, como uma resposta fisiológica a algum evento estressor, ou podem se configurar como transtornos psicológicos (de valência negativa), quando a duração e a intensidade superam os níveis adaptativos, em situações em que as estratégias psíquicas de enfrentamento não são efetivas. O efeito dos afetos negativos9 sobre a percepção de eventos estressores também deve ser considerado, uma vez que indivíduos com maior tendência em vivenciar experiências emocionais negativas, em geral, superestimam o potencial estressor desses eventos, o que pode culminar em maior estresse e ansiedade. Nesse sentido, investigar a afetividade negativa torna-se relevante.
Como relatado anteriormente, a DASS permite rastrear essas afetividades, o que pode fornecer indícios para auxiliar o planejamento de estratégias de prevenção e/ou futuras intervenções.
A DASS foi, originalmente, desenvolvida em língua inglesa com 42 itens distribuídos em três fatores. Contudo, considerando a ocorrência de situações em que uma versão mais curta do instrumento é desejável, os autores3 apresentaram uma versão reduzida da DASS com 21 itens, denominada DASS-21. Essa versão do instrumento tem sido aplicada em diferentes países6,8,10–20, incluindo o contexto luso-brasileiro5,6,8,14,19. No Brasil, Vignola e Tucci6 e Patias et al.14 aplicaram a DASS-21 em indivíduos adultos, idosos e adolescentes, respectivamente, no intuito de investigar as medidas de validade e confiabilidade desse instrumento. Os autores verificaram a adequação do modelo de três fatores às amostras6. Na comparação dos escores de depressão, ansiedade e estresse segundo o sexo, Patias et al.14 verificaram que adolescentes do sexo feminino apresentaram maiores médias para os três estados emocionais. Em Portugal, Pais-Ribeiro et al.8, Apóstolo et al.5 e Vasconcelos-Raposo et al.19 avaliaram e atestaram as propriedades psicométricas da DASS-21 após adaptação cultural do instrumento para o contexto português5,8. Nesses estudos não foram investigadas prevalências ou realizadas comparações entre médias.
Outro aspecto que pode ser destacado no tocante à utilização da DASS, é sua aplicação em estudantes universitários8,11–13,15,20,21. Essa pode ser justificada pelo fato dessa população ser apontada13,15 como suscetível a estados emocionais aversivos. Essa suscetibilidade pode ocorrer devido ao aumento da exposição desses indivíduos a estressores, já que o ingresso à universidade é marcado por alterações marcantes na vida dos estudantes, os quais devem se adaptar às crescentes demandas pessoais, sociais e acadêmicas enquanto se preparam para suas futuras carreiras profissionais15. Em geral, o ingresso à universidade coincide com o período de adultez emergente (18 a 25 anos)22,23, no qual os indivíduos enfrentam diversos desafios, tanto no campo pessoal quanto profissional. Apesar de o adulto emergente nem sempre vivenciar a saída da residência familiar durante sua graduação é, geralmente, nesse período que o indivíduo começa a desenvolver autonomia22, apresentando experiências de maior independência em relação à família. Nesse contexto, essa é marcada pela expressão da individualidade22, com maior exposição a demandas em diferentes âmbitos da vida. O enfrentamento negativo dessas demandas pode resultar no desenvolvimento de condições afetivas negativas. Visto que essa etapa da vida pode ser considerada uma etapa de transição, investigar o estado emocional vivenciado por essa população pode fornecer informações relevantes que podem ser utilizadas na elaboração de estratégias educativas e preventivas para evitar o desenvolvimento de comportamentos prejudiciais no futuro.
É importante enfatizar, no entanto, que a maioria dos estudos que buscam investigar a depressão, a ansiedade e o estresse em universitários está voltada para os estudantes de medicina11–13, sendo escassos os trabalhos que envolvem os alunos das demais áreas da Saúde e das Ciências Humanas e Exatas. Apesar de haver uma cobrança diferenciada em relação ao curso de Medicina, não se deve desconsiderar os estudantes de outros cursos de graduação. Em vista disso, uma investigação da afetividade negativa focada nos estados de depressão, ansiedade e estresse em universitários de todas as áreas do conhecimento torna-se relevante.
Alguns pesquisadores10,12,13,15 relatam, ainda, maior prevalência10 e escores médios12,13,15 de depressão, ansiedade e estresse entre as mulheres, o que pode ser atribuído a fatores sociais, biológicos ou psicológicos15 e ao fato de as mulheres exprimirem suas emoções mais facilmente do que os homens12. Dessa forma, a avaliação e a comparação da prevalência de depressão, ansiedade e estresse entre homens e mulheres pode ser relevante para direcionar o planejamento de estratégias visando ao cuidado com a saúde mental.
Assim, o objetivo deste estudo foi estimar as características psicométricas da DASS-21 quando aplicada em uma amostra de estudantes universitários brasileiros e comparar a prevalência de depressão, ansiedade e estresse observada entre homens e mulheres.
Trata-se de estudo observacional transversal com delineamento amostral não probabilístico por conveniência. Foram convidados a participar os estudantes matriculados nos cursos de graduação da Faculdade de Ciências e Letras (Pedagogia, Administração, Ciências Econômicas, Ciências Sociais e Letras) e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (Farmácia-Bioquímica e Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) – campus de Araraquara.
Foram incluídos no estudo apenas os estudantes com idade entre 18 e 35 anos, que responderam a todos os itens da DASS-21.
O tamanho amostral mínimo foi calculado com base na recomendação de Hair Jr et al.24 de 10 indivíduos por parâmetro do modelo a ser estimado. No presente estudo, foi testado o modelo da DASS-21, que possui 45 parâmetros, resultando num tamanho amostral mínimo de 450 participantes. Considerando uma taxa de perda de 20%, o tamanho amostral necessário foi corrigido para 563 participantes.
Foram coletadas informações como sexo, idade, ano, área e período do curso de graduação, presença de atividade laboral e estrato econômico para caracterização da amostra. Para estimar o estrato econômico, utilizou-se o Critério de Classificação Econômica Brasil25.
Como variáveis de estudo, foram investigados a depressão, a ansiedade e o estresse utilizando a DASS-21.
Foi utilizada a versão reduzida da Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21)3, cujos itens encontram-se divididos em três fatores (Itens Depressão: 3, 5, 10, 13, 16, 17, 21; Ansiedade: 2, 4, 7, 9, 15, 19, 20; Estresse: 1, 6, 8, 11, 12, 14, 18). A escala de resposta aos itens é do tipo Likert de quatro pontos variando de 0 (não se aplicou de maneira alguma) a 3 (aplicou-se muito ou na maioria do tempo). No presente estudo, utilizou-se a versão em português da DASS-21 proposta em 2014 por Vignola e Tucci6.
Antes da avaliação das características psicométricas, foi conduzida uma validação de face/conteúdo do instrumento a fim de avaliar a adequação cultural da escala. A DASS-21 está apresentada na literatura nas versões original3, portuguesa5,8 e brasileira6. Assim, essas versões foram consideradas com o intuito de utilizar um instrumento unificado em português. Destaca-se, ainda, que esse instrumento foi analisado também em consonância com o acordo ortográfico estabelecido em 2009 entre os países de língua portuguesa, buscando possibilitar sua utilização em diferentes contextos de língua portuguesa, aumentando, assim, sua abrangência. Foram convidados para participar desse processo quatro especialistas (dois portugueses e dois brasileiros) nas áreas de Psicometria e Saúde. Esses especialistas verificaram a adequação cultural e auxiliaram no processo de uniformização da linguagem para possibilitar o entendimento da DASS-21 em diferentes contextos culturais. Desse modo, a versão conciliada do instrumento refere-se à proposta de Vignola e Tucci6 com pequenas adaptações culturais. Apresenta-se na tabela 1 a versão proposta por Vignola e Tucci e a versão conciliada em português da DASS-21.
Tabela 1 Versões em português da Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse considerando a proposta de Vignola* e a versão conciliada no presente estudo
Item | Versão de Vignola* | Versão conciliada |
---|---|---|
1 | Achei difícil me acalmar. | Tive dificuldade em acalmar-me. |
2 | Senti minha boca seca. | Estava consciente de que minha boca estava seca. |
3 | Não consegui vivenciar nenhum sentimento positivo. | Parecia não conseguir ter nenhum sentimento positivo. |
4 | Tive dificuldade em respirar em alguns momentos (ex.: respiração ofegante, falta de ar sem ter feito nenhum esforço físico). | Senti dificuldade em respirar (ex. respiração excessivamente rápida, falta de ar, na ausência de esforço físico). |
5 | Achei difícil ter iniciativa para fazer as coisas. | Tive dificuldade em tomar iniciativa para fazer as coisas. |
6 | Tive a tendência de reagir de forma exagerada às situações. | Tive a tendência de reagir de forma exagerada a situações. |
7 | Senti tremores (ex.: nas mãos). | Senti tremores (ex.: nas mãos). |
8 | Senti que estava sempre nervoso. | Senti que estava geralmente muito nervoso. |
9 | Preocupei-me com situações em que eu pudesse entrar em pânico e parecesse ridículo(a). | Preocupei-me com situações em que eu pudesse entrar em pânico e parecesse ridículo(a). |
10 | Senti que não tinha nada a desejar. | Senti que não tinha nada a esperar do futuro. |
11 | Senti-me agitado. | Senti que estava agitado. |
12 | Achei difícil relaxar. | Tive dificuldade em relaxar. |
13 | Senti-me depressivo(a) e sem ânimo. | Senti-me desanimado e deprimido. |
14 | Fui intolerante com as coisas que me impediam de continuar o que eu estava fazendo. | Fui intolerante com as coisas que me impediam de continuar o que eu estava fazendo. |
15 | Senti que ia entrar em pânico. | Senti que ia entrar em pânico. |
16 | Não consegui me entusiasmar com nada. | Não consegui me entusiasmar com nada. |
17 | Senti que não tinha valor como pessoa. | Senti que não tinha muito valor como pessoa. |
18 | Senti que estava um pouco emotivo/sensível demais. | Senti que estava sensível. |
19 | Sabia que meu coração estava alterado mesmo não tendo feito nenhum esforço físico (ex.: aumento da frequência cardíaca, disritmia cardíaca). | Eu estava consciente do funcionamento/batimento do meu coração na ausência de esforço físico (ex.: sensação de aumento da frequência cardíaca, disritmia cardíaca). |
20 | Senti medo sem motivo. | Senti-me assustado sem ter uma boa razão. |
21 | Senti que a vida não tinha sentido. | Senti que a vida estava sem sentido. |
*Vignola e Tucci (2014)6.
Ao fim da etapa de validação de face/conteúdo, as características psicométricas da DASS-21 (validade de construto – fatorial, convergente, discriminante, invariância fatorial e confiabilidade) foram avaliadas.
A validade fatorial foi estimada utilizando análise confirmatória (AFC) com o método de estimação robusto de mínimos quadrados ponderados ajustados para média e variância (WLSMV). Avaliou-se a qualidade do ajustamento do modelo aos dados utilizando os índices razão de qui-quadrado pelos graus de liberdade (χ2/gl), Comparative Fit Index (CFI), Tucker-Lewis Index (TLI) e Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA) com intervalo de confiança de 90%. O ajustamento foi considerado adequado quando χ2/gl ≤ 2,0, CFI e TLI ≥ 0,90 e RMSEA ≤ 0,1026,27. Os pesos fatoriais (λ) dos itens da DASS-21 foram avaliados e considerados adequados se λ ≥ 0,50. Os índices de modificação maiores que 11 (p < 0,001)27 calculados a partir do método dos Multiplicadores de Lagrange (ML) foram inspecionados. Após ajustamento do modelo aos dados, foi testado também um modelo hierárquico de segunda ordem (MHSO), que propõe um fator geral denominado “Afetividade Negativa”.
Para investigar a invariância fatorial dos modelos entre amostras independentes, realizou-se análise multigrupos aplicando o teste da diferença de CFI (ΔCFI). Nessa etapa, a amostra foi dividida de maneira aleatória em duas subamostras28, denominadas “Teste” (n = 525) e “Validação” (n = 523). Além disso, também foi investigada a invariância fatorial segundo o sexo (homens: n = 357 e mulheres: n = 685). Foram considerados os valores de CFI dos modelos configuracional, métrico e escalar, respectivamente. Para que o modelo seja considerado invariante, a redução do CFI deve ser inferior a 0,01.
A validade convergente foi investigada no intuito de avaliar se os itens que compõem cada fator do instrumento realmente convergem para esse fator. Essa análise foi realizada a partir do cálculo da variância extraída média (VEM), que foi considerada adequada se ≥ 0,5029. Já a validade de construto discriminante procura verificar se os itens que convergem para um determinado fator não se correlacionam com outros fatores. Essa avaliação foi realizada a partir de análise correlacional entre fatores, sendo classificada como adequada se VEMi e VEMj ≥ rij2,29.
A confiabilidade do instrumento foi analisada para verificar a consistência das informações obtidas com a DASS-21 e foi estimada a partir da Confiabilidade Composta (CC)29 e do coeficiente alfa ordinal (α). Valores de CC e α ≥ 0,70 foram indicativos de adequada confiabilidade. Para cômputo do coeficiente alfa, ordinal utilizou-se o programa R (R Core Team, 2016) com os pacotes “lavaan”30 e “semTools”31.
Para a realização das análises fatoriais, utilizou-se o programa MPLUS 7.2 (Muthén e Muthén, Los Angeles, CA).
Após atestada a validade e a confiabilidade do modelo da DASS-21 para a amostra, os escores médios de depressão, ansiedade e estresse foram calculados. Baseados nesses escores, os indivíduos foram agrupados, considerando a severidade de depressão, ansiedade e estresse, utilizando pontos de corte propostos pelo autor da escala original3 para cômputo da prevalência dessas condições na amostra. As prevalências foram calculadas por ponto e por intervalo de confiança de 95% (IC 95%) e comparadas segundo o sexo. Esses pontos de corte foram obtidos a partir dos percentis da escala de resposta aos itens da DASS-21 e estão apresentados na tabela 2.
Tabela 2 Pontos de corte (escore médio) obtidos a partir dos percentis da escala de resposta aos itens da Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21), propostos por Lovibond e Lovibond
Fator DASS | Percentil | Escore médio | Classificação |
---|---|---|---|
Depressão Ansiedade Estresse |
< P78 | < 2,34 | Normal |
P78 |— P87 | 2,34 |— 2,61 | Leve | |
P87 |— P95 | 2,61 |— 2,85 | Moderada | |
P95 |— P98 | 2,85 |— 2,94 | Severa | |
≥ P98 | ≥ 2,94 | Extremamente severa |
Lovibond e Lovibond3.
Os estudantes foram convidados a participar do estudo em sala de aula, em horários habituais de atividades. O docente responsável pela disciplina autorizou a coleta de dados em sala de aula. O objetivo da pesquisa e o fato de a participação ser voluntária e anônima foram informados aos indivíduos, antes do preenchimento dos instrumentos. Os alunos que concordaram em participar preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, um questionário para caracterização demográfica e a DASS-21.
A condução do presente estudo foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp – campus de Araraquara (CAAE: 63553516.4.0000.5426).
Dos estudantes convidados, 1.159 concordaram em participar e 1.042 preencheram a DASS-21 completamente, sendo a composição da amostra final. A média de idade dos participantes foi de 21,13 (desvio-padrão = 2,81) anos e 65,7% eram do sexo feminino. As informações demográficas da amostra estão apresentadas na tabela 3.
Tabela 3 Caracterização da amostra de estudo
Característica | n (%) |
---|---|
Área do curso | |
Ciências Humanas e Sociais | 704 (67,6) |
Ciências Exatas | 93 (8,9) |
Ciências Biológicas e da Saúde | 245 (23,5) |
Ano do curso | |
1º Ano | 288 (27,8) |
2º Ano | 301 (29,1) |
3º Ano | 209 (20,2) |
4º Ano | 185 (17,9) |
5º Ano | 52 (5,0) |
Turno das aulas | |
Manhã | 169 (17,3) |
Tarde | 160 (16,4) |
Noite | 343 (35,2) |
Integral | 303 (31,1) |
Você trabalha? | |
Sim | 251 (24,4) |
Não | 777 (75,6) |
Estrato econômico (renda média familiar estimada) | |
A (R$ 20.888,00) | 271 (26,8) |
B (R$ 7.053,00) | 580 (57,4) |
C (R$ 2.165,00) | 156 (15,4) |
D-E (R$ 768,00) | 4 (0,4) |
Observou-se que a maioria dos participantes estava cursando graduação na área de Ciências Humanas e Sociais, estava matriculada no primeiro e segundo ano do curso (56,9%), estudava no período diurno (manhã/tarde/integral – 64,8%), não possuía atividade laboral e pertencia aos estratos econômicos A e B (84,2%).
O ajustamento do modelo da DASS-21 aos dados, bem como a análise confirmatória das subamostras “Teste” e “Validação” e o teste da diferença de CFI (ΔCFI) entre amostras independentes, estão apresentados na tabela 4.
Tabela 4 Indicadores psicométricos da Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21) para a amostra de estudantes universitários
Modelo | n | AFC## | IE | r | s²(D/A/E) | VEM** | Confiabilidade | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
λ/β | χ²/gl | CFI | TLI | RMSEA | IC90% RMSEA | CC*** | α## | ||||||
Completo (M) | 1.042 | 0,40–0,91 | 5,83 | 0,96 | 0,97 | 0,07 | 0,064–0,072 | – | 0,81–0,91 | 0,77/0,16/0,65 | 0,53–0,73 | 0,88–0,95 | 0,88–0,95 |
Refinado (Mr) | 1.042 | 0,63–0,94 | 6,05 | 0,98 | 0,97 | 0,07 | 0,066–0,074 | 2 | 0,81–0,91 | 0,77/0,43/0,65 | 0,59–0,73 | 0,89–0,95 | 0,90–0,95 |
MrHSO* | 1.042 | 0,85–0,96 | 6,05 | 0,98 | 0,97 | 0,07 | 0,066–0,074 | 2 | – | 0,56 | 0,59–0,73 | 0,89–0,95 | 0,90–0,95 |
Mr (Amostra Teste) | 523 | 0,65–0,94 | 3,56 | 0,98 | 0,98 | 0,07 | 0,064–0,076 | 2 | 0,82–0,91 | 0,76/0,47/0,64 | 0,59–0,75 | 0,89–0,95 | 0,89–0,95 |
Mr (Amostra Validação) | 519 | 0,61–0,94 | 3,65 | 0,97 | 0,97 | 0,07 | 0,065–0,078 | 2 | 0,79–0,93 | 0,76/0,39/0,66 | 0,58–0,70 | 0,89–0,94 | 0,87–0,94 |
Invariância | |||||||||||||
Amostra Teste x Validação ΔCFImétrico-configuracional: 0,001; ΔCFIescalar-métrico: 0,002 |
Mr: modelo refinado;
*MrHSO: modelo hierárquico de segunda ordem; #AFC: Análise Fatorial Confirmatória; λ: pesos fatoriais; β: trajetórias hipoteticamente causais do MrHSO; χ²/gl: razão de qui-quadrado por graus de liberdade; CFI: Comparative Fit Index; TLI: Tucker-Lewis Index; RMSEA: Root Mean Square Error of Approximation; RMSEA - IC90%: intervalo de confiança de 90%; IE: itens excluídos; s²: variância explicada dos fatores Depressão, Ansiedade e Estresse;
**VEM: Variância Extraída Média;
***CC: Confiabilidade Composta;
##α: coeficiente alfa ordinal; ΔCFI: diferença de CFI.
Verificou-se que, apesar do ajustamento adequado do modelo completo da DASS-21 à amostra, o item 2 do fator ansiedade apresentou peso fatorial insatisfatório. Além disso, destaca-se que a permanência desse item no modelo prejudica significativamente a variância explicada (s²) do fator. Dessa forma, optou-se pela exclusão desse item, o que resultou num modelo refinado (Mr) cujo ajustamento e pesos fatoriais (Figura 1) foram adequados. O ajustamento do modelo hierárquico de segunda ordem também foi adequado (Figura 1). Para as amostras independentes, foram verificadas e atestadas as invariâncias configuracional (modelo estrutural igual) e estrita (forte). A validade convergente foi adequada, bem como a confiabilidade. No entanto, observou-se ausência de validade de construto discriminante entre a depressão, ansiedade e estresse para a amostra.
Figura 1 Modelos da Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21) aplicada a estudantes universitários.À esquerda: Modelo trifatorial oblíquo refinado. À direita: Modelo hierárquico de segunda ordem.
O ajustamento da DASS-21 foi adequado em ambos os sexos (Homens – λ: 0,520–0,922; χ2/gl: 2,61; CFI: 0,972; TLI: 0,968; RMSEA: 0,067; Mulheres – λ: 0,630–0,941; χ2/gl: 4,37; CFI: 0,977; TLI: 0,974; RMSEA: 0,070). Observou-se invariância do modelo refinado entre os sexos (ΔCFImétrico-configuracional = −0,003 ΔCFIescalar-métrico = 0,001).
A prevalência de depressão, ansiedade e estresse entre os estudantes está apresentada na tabela 5.
Tabela 5 Prevalências de estudantes agrupados segundo as classificações de severidade da depressão, ansiedade e estresse
Fator DASS-21 | Classificação | Sexo | Amostra total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Homem | Mulher | ||||||
n (%) | IC 95% | n (%) | IC 95% | n (%) | IC 95% | ||
Depressão | Normal | 335 (93,9) | 91,4-96,4 | 623 (90,9) | 88,7-93,1 | 958 (92,0) | 90,4-93,6 |
Leve | 9 (2,5) | 0,9-4,1 | 25 (3,6) | 2,2-5,0 | 34 (3,3) | 2,1-4,3 | |
Moderada | 4 (1,1) | 0,0-2,2 | 10 (1,5) | 0,6-2,4 | 14 (1,3) | 0,6-2,0 | |
Severa | 4 (1,1) | 0,0-2,2 | 17 (2,5) | 1,3-3,7 | 21 (2,0) | 1,2-2,8 | |
Extremamente Severa | 5 (1,4) | 0,2-2,6 | 10 (1,5) | 0,6-2,4 | 15 (1,4) | 0,7-2,1 | |
Ansiedade | Normal | 353 (98,9) | 97,8-100,0 | 663 (96,8) | 95,5-98,1 | 1016 (97,4) | 96,4-98,4 |
Leve | 3 (0,8) | 0,0-1,7 | 6 (0,9) | 0,2-1,6 | 9 (0,9) | 0,3-1,5 | |
Moderada | – | – | 5 (0,7) | 0,1-1,3 | 5 (0,5) | 0,1–0,9 | |
Severa | – | – | 7 (1,0) | 0,3-1,7 | 7 (0,7) | 0,2-1,2 | |
Extremamente Severa | 1 (0,3) | 0,0–0,9 | 4 (0,6) | 0,0-1,2 | 5 (0,5) | 0,1–0,9 | |
Estresse | Normal | 336 (94,0) | 91,5-96,5 | 609 (88,9) | 86,5-91,3 | 945 (90,7) | 88,9-92,5 |
Leve | 7 (2,0) | 0,5-3,5 | 43 (6,3) | 4,5-8,1 | 50 (4,8) | 3,5-6,1 | |
Moderado | 7 (2,0) | 0,5-3,5 | 13 (1,9) | 0,9-2,9 | 20 (1,9) | 1,1-2,7 | |
Severo | 5 (1,4) | 0,2-2,6 | 6 (0,9) | 0,2-1,6 | 11 (1,1) | 0,5-1,7 | |
Extremamente Severo | 2 (0,6) | 0,0-1,4 | 14 (2,0) | 1,0-3,0 | 16 (1,5) | 0,8-2,2 |
DASS-21: Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse com 21 itens; IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Nota-se que a maioria dos estudantes foi classificada como “normal” tanto com relação à depressão quanto à ansiedade e estresse, contudo 4,7%, 1,7% e 4,5% dos estudantes apresentaram, respectivamente, escores moderados a extremamente severos dessas condições. Não houve diferença significativa nas prevalências segundo o sexo.
O presente estudo confirmou a validade e confiabilidade da DASS-21 para avaliação da afetividade negativa em estudantes universitários.
O ajustamento adequado da DASS-21 aos dados corrobora os resultados apresentados para amostras em diferentes contextos na literatura14,19,32. É importante destacar que, para esse ajustamento, foi necessária a remoção do item 2 (do fator ansiedade) devido ao baixo peso fatorial apresentado. Esse resultado também foi encontrado em outros estudos10,14,17,32 e, portanto, nossa decisão em excluí-lo vai ao encontro da literatura. A presença do item 2 gerou redução da variância explicada pelo fator Ansiedade e prejudicou a validade convergente desse fator, o que pode ser explicado pela significativa relação teórica do conteúdo desse item com os fatores Depressão e Estresse, e não apenas com o fator Ansiedade. Esse fato já foi reportado por Sinclair et al.17 Assim, a exclusão do item 2 possibilitou aumento considerável da variância explicada e da validade convergente do fator Ansiedade, propiciando, portanto, maior qualidade da informação obtida.
Em relação à falta de validade de construto discriminante entre a depressão, ansiedade e estresse, outros autores8,14, também reportaram esse resultado. Esse achado está relacionado à existência de alta correlação entre esses fatores. A proposta original do modelo teórico da DASS-213 enfatiza a existência de sobreposição clínica entre a depressão, ansiedade e estresse e, portanto, a presença de alta correlação entre os fatores é esperada. Essa sobreposição pode justificar a falta de validade discriminante observada no presente estudo e representa um embasamento teórico, que também permite a inserção do fator de segunda ordem “afetividade negativa”.
Com relação à invariância do modelo de medida da DASS-21 entre homens e mulheres, esse resultado vai ao encontro do apresentado por Gomez et al.33 e Lu et al.20, que verificaram invariância forte da DASS quando aplicada a homens e mulheres da comunidade de dois estados da Austrália e em universitários chineses. Esse fato permite sua utilização em ambos os sexos e viabiliza a realização de comparações diretas (escores médios ou prevalências). Apesar disso, destaca-se a necessidade de condução do processo de validação dos instrumentos psicométricos sempre que houver alteração das características amostrais, pois a validade e a confiabilidade não são propriedades do instrumento por si só, mas dos dados obtidos considerando diferentes contextos/amostras34.
Em relação aos graus de severidade da depressão, ansiedade e estresse, observou-se maior prevalência de estudantes classificados como “normais”. Esse resultado está em consonância com o trabalho de Beiter et al.35 com universitários norte-americanos, que verificou maior prevalência de grau de severidade normal para depressão [67% (IC 95% = 66,8-67,2)], ansiedade (60% (IC 95% = 59,7-60,3)] e estresse [62% (IC 95% = 61,7-62,3)] a partir dos escores da DASS-21. Contudo, pôde-se notar que essa prevalência foi significativamente maior em nosso estudo, apontando uma melhor condição da população universitária brasileira. Esse aspecto pode estar relacionado às diferenças entre as características culturais e demográficas das amostras. No tocante às amostras, é importante salientar que nosso estudo foi conduzido considerando a inclusão de universitários de diferentes áreas do conhecimento, o que não é visto nos estudos que utilizam a DASS-21, pois esses avaliaram majoritariamente os estudantes de Medicina11,12 e revelaram maior distribuição de indivíduos com algum grau de depressão, ansiedade e estresse, o que pode ter ocorrido devido às demandas e pressões relacionadas à formação médica. No entanto, apesar da alta prevalência de estudantes classificados na categoria “normal” verificada em nosso estudo, não se deve desconsiderar que o instrumento identificou indivíduos com escores severos e extremamente severos tanto para a depressão quanto para a ansiedade e o estresse, o que fornece indícios de que esses estudantes também podem estar vivenciando estados emocionais que podem resultar em alta afetividade negativa, bem como observado entre os estudantes de Medicina11. Nesse contexto, é importante destacar que o rastreamento desses estados emocionais pode contribuir para o planejamento de estratégias de prevenção e/ou intervenção para a manutenção da saúde física e mental envolvendo todos os estudantes, independentemente do curso de graduação e, portanto, trata-se de uma estratégia interessante.
A prevalência de depressão, ansiedade e estresse foi semelhante entre homens e mulheres, apontando, portanto, para a necessidade de um olhar igualitário na investigação desses estados emocionais entre os indivíduos. Esse achado difere do resultado apresentado por Camacho et al.10 em estudo conduzido com universitários latinos residentes nos Estados Unidos.
Deve-se mencionar, ainda, que o presente estudo apresenta algumas limitações quanto ao desenho de estudo do tipo transversal, que não permite estabelecer relações de causa e efeito entre as variáveis, em relação à amostragem não probabilística por conveniência, que pode dificultar a generalização dos resultados para a população. No entanto, com o intuito de amenizar essas limitações, utilizamos uma amostra alargada para sustentar a representatividade de nossos resultados. Vale destacar que este é um estudo de rastreamento que não visa apontar um diagnóstico único e decisivo dos estágios de depressão, ansiedade e estresse, e sim alertar sobre as prevalências dessas condições na amostra de estudantes universitários. Assim, acredita-se que os resultados obtidos neste estudo podem representar um avanço na investigação da afetividade negativa entre estudantes universitários, uma vez que a DASS-21 foi aplicada em estudantes de diferentes áreas do conhecimento, fato que tem sido pouco considerado na literatura atual e pode contribuir para alertar as instituições de ensino em relação a seus estudantes e auxiliar na elaboração de estratégias visando à prevenção e à manutenção da saúde mental desses indivíduos.
O modelo refinado da DASS-21 apresentou adequada validade, confiabilidade e invariância fatorial entre amostras independentes e segundo sexo para a amostra de estudantes universitários. Apesar da alta prevalência de indivíduos com escores normais de depressão, ansiedade e estresse, verificou-se a existência de indivíduos acometidos por essas condições. Não houve diferença significativa entre as prevalências das afetividades negativas segundo sexo, o que evidencia a importância e a necessidade de um olhar igualitário na investigação desses estados emocionais nesses indivíduos.