versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.2 Rio de Janeiro fev. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018232.08562016
The scope of this systematic review was to compare the food insecurity scales validated and used in the countries in Latin America and the Caribbean, and analyze the methods used in validation studies. A search was conducted in the Lilacs, SciELO and Medline electronic databases. The publications were pre-selected by titles and abstracts, and subsequently by a full reading. Of the 16,325 studies reviewed, 14 were selected. Twelve validated scales were identified for the following countries: Venezuela, Brazil, Colombia, Bolivia, Ecuador, Costa Rica, Mexico, Haiti, the Dominican Republic, Argentina and Guatemala. Besides these, there is the Latin American and Caribbean scale, the scope of which is regional. The scales ranged from the standard reference used, number of questions and diagnosis of insecurity. The methods used by the studies for internal validation were calculation of Cronbach's alpha and the Rasch model; for external validation the authors calculated association and /or correlation with socioeconomic and food consumption variables. The successful experience of Latin America and the Caribbean in the development of national and regional scales can be an example for other countries that do not have this important indicator capable of measuring the phenomenon of food insecurity.
Key words Food and nutrition security; Validation studies; Latin America
A segurança alimentar e nutricional (SAN) pode ser definida como o direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais e que respeitem a diversidade cultural, sendo ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis1,2.
A abrangência desse conceito torna complexo sua mensuração e monitoramento, sendo necessária a utilização de diferentes indicadores, com comprovada validade e equivalência internacional, que contemplem as dimensões relacionadas a SAN, sendo elas, a da disponibilidade do alimento, do acesso físico e econômico, da utilização biológica do alimento/nutriente e da estabilidade que se refere ao elemento temporal das três dimensões citadas3,4.
Entre os indicadores comumente utilizados no meio científico de avaliação da SAN, destacam-se as escalas de percepção da insegurança alimentar, os de produção e consumo de alimentos, os antropométricos, socioeconômicos, bioquímicos e clínicos4. Esses indicadores devem, sempre que possível, serem utilizados de maneira complementar, uma vez que nenhum utilizado isoladamente será capaz de abarcar todas as dimensões que compõem o conceito de SAN3,4.
As escalas de percepção da insegurança alimentar, em relação aos outros indicadores de avaliação, sobressaem-se por possibilitar diagnóstico direto da situação de SAN, e classificação da gravidade da insegurança, que pode evoluir do nível mais leve (ausência da fome) até de maior gravidade (presença da fome)3,4.
Essas escalas são ferramentas importantes para mensuração da dimensão do acesso aos alimentos e vêm ganhando notoriedade internacional. Algumas características como ser de fácil aplicação, baixo custo, e basear-se na experiência vivenciada e percebida pelas famílias, reforçam sua utilização e aplicação em estudos de avaliação e monitoramento da insegurança alimentar5,6.
O Estados Unidos foi pioneiro no desenvolvimento de escala de percepção para avaliação da insegurança (experience - based food security scales)5. Muitos países, em especial os da América Latina e Caribe, a partir da exitosa experiência americana, passaram a desenvolver estudos de validação, para dispor de instrumentos adequados que pudessem ser utilizados em suas populações. Essas experiências de validação no continente americano inspiraram iniciativas regionais, apoiadas pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que culminaram na elaboração da Escala Latino -americana e Caribenha de Segurança Alimentar (ELCSA)6,7.
Na América Latina e Caribe muitos estudos fazem uso de escalas validadas de percepção da insegurança alimentar para avaliação e monitoramento desse fenômeno, sendo a única região do mundo a apresentar escala de abrangência regional (ELCSA)6,7,8. Isso reflete o compromisso da comunidade latino-americana e caribenha em identificar e monitorar a população em insegurança alimentar, o que pode servir como exemplo para outras regiões do mundo7,8.
Diante disso, o objetivo desta revisão sistemática foi comparar as escalas de percepção da insegurança alimentar validadas e utilizadas nos países da América Latina e Caribe, assim como analisar os métodos empregados nos estudos de validação das mesmas.
A pergunta norteadora para realização desta revisão sistemática foi: “Quais países da América Latina e Caribe possuem escalas de percepção para diagnóstico da insegurança alimentar validadas, e quais foram os métodos empregados nos estudos de validação das mesmas?”
Foram analisados estudos originais, realizados na América Latina e Caribe, e indexados nas bases de dados: SciELO, Science Direct e PubMed (Lilacs e Medline), além de materiais oficiais referentes ao processo de validação e utilização dessas escalas em seus respectivos países. Consultou-se também as listas de referências dos artigos (busca reversa), a fim de localizar outros estudos publicados e não identificados na busca inicial.
Incluiu-se estudos que utilizavam escalas de percepção para diagnóstico da insegurança alimentar e que explicitavam o processo de validação dessas escalas nos países latino-americanos e caribenhos. Não se limitou o período e o idioma de publicação. Os estudos que não atenderam aos critérios de inclusão foram excluídos, assim como artigos de revisão, dissertações ou teses.
Os termos indexadores utilizados, de forma combinada, foram: segurança alimentar, segurança alimentar e nutricional, estudos de validação, escala e percepção, assim como seus respectivos vocábulos em inglês (food security, food and nutrition security, validation studies, scale e perception) e em espanhol (seguridad alimentaria, seguridad alimentaria y nutricional, estudios de validación, escala e percepción).
A busca eletrônica em base de dados identificou incialmente 16.325 artigos. A partir da leitura do título realizou-se o primeiro refinamento da pesquisa, onde excluiu-se 16.259 estudos que não abordavam o tema dessa revisão (trabalhos que utilizavam escalas não validadas, ou que propunham novos instrumentos de avaliação da insegurança alimentar, artigos de revisão, e estudos repetidos) (Figura 1).
Selecionou-se 66 estudos para leitura do resumo, e outros 4 identificados na lista de referências dos mesmos. A partir da leitura dos resumos, realizou-se o segundo refinamento, excluindo 50 do total. Incluiu-se 20 artigos na última etapa de seleção, que foram analisados na íntegra. O último refinamento excluiu 6 estudos, devido, principalmente, aos procedimentos metodológicos empregados, que não possibilitavam compreender o processo de validação das escalas de percepção.
A partir das três etapas de refinamento, utilizou-se, para realização desta revisão sistemática, 14 estudos, sendo que desses, 9 são artigos originais e 5 referem-se a materiais científicos sobre as escalas da República Dominicana, Argentina, México, Guatemala e ELCSA.
Os trabalhos foram agrupados e analisados de acordo com o país e ano de validação da escala, número de questões do instrumento, critérios de classificação propostos para diagnóstico da insegurança alimentar, assim como os padrões de referência e métodos utilizados para validação dos instrumentos.
Foram encontradas, nesta revisão: 12 escalas de insegurança alimentar validadas. Os países que apresentavam essas escalas foram Venezuela9, Brasil (nas versões longa e reduzida)10,11, Colômbia12, Bolívia13, Equador14, Costa Rica15, México16, Haiti17, República Dominicana18, Argentina19 e Guatemala20. Ressalta-se, além das escalas específicas por país, a América Latina e o Caribe possuem escala própria, denominada Escala Latino-americana e Caribenha de Segurança Alimentar21,22 (Quadro 1).
Quadro 1 Características das escalas de percepçao de insegurança alimentar utilizadas nos países latino-americanos e caribenhos.
Escala e ano de elaboração | Países que utilizam | Número de questões | Classificação, segundo pontuação (Respostas afirmativas as perguntas) |
---|---|---|---|
Escala de Seguridad Alimentaria Percibida, 20009 | Venezuela |
–. 12 questões, quando presença de menor de 10 anos –. 7 questões, quando não presença de menor de 10 anos –. Para cada item a pessoa responde sim ou nao. Quando há resposta afirmativa, pergunta-se se isto ocorre sempre (3 pontos), algumas vezes (2 pontos), ou raramente (1 ponto), somando máximo de 36 pontos. |
–. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-12; Insegurança alimentar moderada = 13-24; Insegurança alimentar grave = mais do que 25 pontos. –. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-7; Insegurança alimentar moderada = 8-14; Insegurança alimentar grave = mais do que 15 pontos. |
Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), 200410 - versao longa | Brasil |
–. 15 questões, quando presença de menor de 18 anos –. 8 questao, quando não presença de menor de 18 anos |
–. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-5; Insegurança alimentar moderada = 6-10; Insegurança alimentar grave = 11-15. –. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-3; Insegurança alimentar moderada = 4-6; Insegurança alimentar grave = 7-8. |
Escala de Percepción de Seguridad Alimentaria (EPSA), 200612 | Colômbia | Idem Venezuela | Idem Venezuela |
U.S. Household Food Security Supplemental Module (HFSSM) version, 200613 | Bolívia |
–. 9 questões –. Para cada item a pessoa responde sim ou não. Quando há resposta afirmativa, pergunta-se a frequência de ocorrência (muitas vezes, às vezes, ou raramente). Para respostas afirmativas e frequência de ocorrência “muitas vezes” ou “às vezes”, pontuase 1; para as respostas negativas, ou para frequência “raramente” pontua- se 0. |
- Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-2; Insegurança alimentar moderada = 3-5; Insegurança alimentar grave = 6-9. *Tempo de referência: últimos 12 meses |
Adult and Children Food Security Survey, 200714 | Equador |
–. 8 questões, quando presença de menor de 18 anos –. 7 questões, quando não presença de menor de 18 anos |
–. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar sem fome = 1-3; Insegurança com fome=4-8. –. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar com fome = 1-3; Insegurança sem fome=4-7. |
Escala Latinoamericana e Caribenha para a Medição da Segurança Alimentar (ELCSA), 200721,22 | Países da América Latina e Caribe |
–. 15 questões, quando presença de menor de 18 anos –. 8 questão, quando não presença de menor de 18 anos |
–. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-5; Insegurança alimentar moderada = 6-10; Insegurança alimentar grave = 11-15. –. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-3; Insegurança alimentar moderada = 4-6; Insegurança alimentar grave = 7-8. |
Food insecurity of household questionnaire, 200815 | Costa Rica |
–. 14 questões, quando presença de menor de 15 anos –. 9 questões, quando não presença de menor de 15 anos |
–. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-4; Insegurança alimentar moderada = 5-9; Insegurança alimentar grave = 10-14. –. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-4; Insegurança alimentar moderada = 5-7; Insegurança alimentar grave = 8-9. |
Escala Mexicana de Seguridad Alimentaria (EMSA), 200816 | México |
–. 12 questões, quando presença de menor de 18 anos –. 6 questões, quando não presença de menor de 18 anos |
–. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-3; Insegurança alimentar moderada = 4-7; Insegurança alimentar grave = 8-12. –. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-2; Insegurança alimentar moderada = 3-4; Insegurança alimentar grave = 5-6. |
Escala Latinoamericana e Caribenha para a Medição da Segurança Alimentar (ELCSA) no Haiti, 200817 | Haiti |
–. 16 questões, quando presença de menor de 18 anos –. 9 questão, quando não presença de menor de 18 anos |
–. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-5; Insegurança alimentar moderada = 6-10; Insegurança alimentar grave = 11-16. –. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-3; Insegurança alimentar moderada = 4-6; Insegurança alimentar grave = 7-9. |
Dominican Republic Household Food Security Survey Module, 200818 | República Dominicana |
–. 16 questões, quando presença de menor de 18 anos –. 8 questões, quando não presença de menor de 18 anos |
–. Segurança alimentar = 0; Insegurança sem fome = 1-2; Insegurança com fome = 3-16. –. Segurança alimentar = 0; Insegurança sem fome = 1-2; Insegurança com fome = 3-8. |
Del Módulo de Inseguridad Alimentaria Encuesta de la Deuda Social (EDSA) Bicentenario, 201019 | Argentina |
–. 5 questões, quando presença de menor de 17 anos –. 3 questões, quando não presença de menor de 17 anos |
–. Segurança alimentar = 0-3; Insegurança alimentar moderada = 4-7; Insegurança alimentar grave = 8-12. –. Segurança alimentar = 0-2; Insegurança alimentar moderada = 3-4; Insegurança alimentar grave = 5. |
Escala Latinoamericana e Caribenha para a Medição da Segurança Alimentar (ELCSA) na Guatemala, 201020 | Guatemala |
–. 15 questões, quando presença de menor de 18 anos –. 8 questão, quando não presença de menor de 18 anos |
–. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-5; Insegurança alimentar moderada = 6-10; Insegurança alimentar grave = 11-15. –. Segurança alimentar = 0; Insegurança alimentar leve = 1-3; Insegurança alimentar moderada = 4-6; Insegurança alimentar grave = 7-8. |
Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), 201411 -versão curta | Brasil |
–. 1ᵃ proposta: 7 questões, independente da presença de menor de 18 anos –. 2a proposta: 5 questões, independente da presença de menor de 18 anos |
–. Escala de 7 questões: Segurança alimentar=0; Insegurança alimentar = 1-7. –. Escala de 5 questões: Segurança alimentar=0; Insegurança alimentar = 1-5. |
Os estudos de validação dessas escalas, nos países latino-americanos e caribenhos, surgiram a partir da década de 2000. A “Escala de Seguridad Alimentaria Percibida” foi o primeiro instrumento validado, em 2000, na Venezuela9, sendo utilizada com as mesmas características na Colômbia, a partir de 200612.
Em relação ao número de questões presentes nas escalas, observou-se variação entre 5 a 16 itens. Escalas com 5 perguntas são utilizadas na Argentina19 e no Brasil11, sendo que nesse último caso, trata-se da versão reduzida da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). As escalas com 16 itens são usadas no Haiti17 e República Dominicana18.
A maioria dos instrumentos possui perguntas adicionais específicas, quando há no domicílio presença de crianças ou jovens, exceto a da Bolívia13 e a versão curta da EBIA, no Brasil20. O tempo de referência também variou entre os instrumentos (30 dias; 3, 6 e 12 meses). Em relação a pontuação, na sua maioria, respostas afirmativas as questões contabilizam um ponto, e os critérios de diagnóstico possibilitam determinar os níveis de gravidade da insegurança (leve, moderada e grave; insegurança alimentar sem fome e insegurança alimentar com fome). As escalas da Venezuela9, Colômbia12, Bolívia13, Equador14 e Argentina19 abordam também a frequência de ocorrência do evento em questão (sempre/muitas vezes; algumas vezes/as vezes; raramente).
Em relação às características dos estudos de validação das escalas de percepção da insegurança alimentar (Quadro 2), a maioria utilizou como padrão de referência instrumentos desenvolvidos e utilizados nos Estados Unidos, para avaliação desse fenômeno, sendo eles Community Childhood Hunger Identification Project (CCHIP)9 e Household Food Security Supl.emental Module (HFSSM)10,13,14,15,18. México16, Haiti17, Argentina19 e Guatemala20 utilizaram a ELCSA como padrão de referência para o desenvolvimento de suas escalas.
Quadro 2 Características dos estudos que validaram as escalas de percepçao em países latino-americanos e caribenhos.
Referência | Escala | País, ano | Padrão de referência para validação | Método de validação e amostra utilizada | Principais resultados |
---|---|---|---|---|---|
Dellohain e Sanjur9 | Escala de Seguridad Alimentaria Percibida | Venezuela, 2000 | Community Childhood Hunger Identification Project (CCHIP - EUA) |
–. Calculou-se o alfa de Cronbach para validaçao interna; realizou-se análise de regressao múltipla relacionando possíveis determinantes, econômicos, sociais e comportamentais com o nível de insegurança alimentar medido pela escala –. Primeira etapa do processo de validaçao foi um estudo piloto para testar a adaptaçao e a confiabilidade da nova escala com 65 mulheres. A segunda etapa foi um estudo de campo envolvendo 238 famílias |
- Valor do alfa de Cronbach foi de 0,87; variáveis preditoras, suficiência energética, renda mensal per capita, classe social e número de filhos no domicílio, associaram-se, em direçao esperada, com a escala de insegurança (R2 = 0,343) |
Pérez- Escamilla et al.10 | Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) | Brasil, 2004 | U.S. Household Food Security Supplemental Module (HFSSM) |
–. Realizaçao de grupos focais para avaliaçao qualitativa; Calculou- se alfa de Cronbach para validaçao interna; relacionou-se a insegurança com a renda familiar e frequência de consumo diário de alimentos –. Inquérito populacional em 4 cidades brasileiras, totalizando: 717 famílias urbanas e 1.150 rurais |
- Alfa de Cronbach variou de 0,91 a 0,94; famílias consideradas inseguras possuíam menor renda, menor consumo diário de carne, derivados de leite, frutas e verduras (p < 0,01) |
Álvarez et al.12 | Escala de Percepción de Seguridad Alimentaria (EPSA) | Colômbia, 2006 | Escala de Seguridad Alimentaria Percibida (Escala venezuelana) |
–. Realização de grupos focais para avaliação qualitativa; Aplicação da escala revisada nos domicílios; validação interna pelo modelo Rasch e análise de correlação com outras variáveis. –. Participaram 1.624 domicílios com crianças menores de 10 anos |
- Valores de ajuste (infit) para cada um dos itens no modelo Rasch foram adequados; a escala apresentou correção inversa (r = −0,650, p < 0,000) com a disponibilidade de alimentos no domicílio |
Melgar- Quinonez et al.13 | 9-item U.S. Household Food Security Supplemental Module (HFSSM) version | Bolívia, 2006 | U.S. Household Food Security Supplemental Module (HFSSM) |
–. Utilizou-se ANOVA e análise de correlação –. 327 domicílios |
- Os domicílios seguros, em comparação aos inseguros, tiveram maior gasto diário (p < 0,01) com os grupos alimentares analisados; a insegurança alimentar foi inversamente correlacionada (r = −0,39; p=0,001) com o gasto com os alimentos |
Hackett et al.14 | Adult and Children Food Security Survey | Equador, 2007 | U.S. Household Food Security Supplemental Module (HFSSM) |
–. Validação interna pelo Modelo Rasch; ANOVA para comparação das médias de aquisição de alimentos, entre os diferentes níveis de insegurança alimentar |
-Os resultados indicaram que quanto maior o nível de insegurança alimentar, menor a quantidade de alimentos adquirida (p = 0,003); A maioria das perguntas (> 75%) apresentaram valores de infit apropriados segundo o Modelo Rasch |
Álvarez et al.21, Pérez-Escamilla et al.22, | Escala Latinoamericana e Caribenha para a Medição da Segurança Alimentar (ELCSA) | Colômbia, 2008; México e Uruguai, 2011; | U.S. Household Food Security Supplemental Module (HFSSM); Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA); Escala de Percepción de Seguridad Alimentaria (EPSA) |
–. Para validação interna da ELCSA os estudos calcularam o coeficiente alfa de Cronbach –. Colômbia: 13.602 domicílios –. México: 1.544 –. Uruguai: 700 |
–. Valores de alfa de Cronbach: –. Colômbia: 0,96 –. México: 0,91 –. Uruguai: 0,93 |
González et al.15 | Food insecurity of household questionnaire | Costa Rica, 2008 | U.S. Household Food Security Supplemental Module (HFSSM) |
–. Calculou-se alfa de Cronbach para validação interna |
- Valor de alfa de Cronbach foi de 0,89 |
Melgar-Quinonez et al.20 | Escala Mexicana de Seguridad Alimentaria (EMSA) | México, 2008 | Escala Latinoamericana e Caribenha para a Medição da Segurança Alimentar (ELCSA) |
–. Modelo Rasch para validação interna –. 1.511 domicílios |
- Valores de ajuste próximos (infit) apresentaram resultados adequados |
Pérez-Escamilla et al.17 | Latin American and Caribbean Household Food Security Scale no Haiti | Haiti, 2008 | Escala Latinoamericana e Caribenha para a Medição da Segurança Alimentar (ELCSA) |
–. Calculou-se alfa de Cronbach; Modelo Rasch; e análises de correlação –. 153 domicílios |
- Valor do alfa de Cronbach foi de 0,92; Valores de ajuste próximos (infit) apresentaram resultados adequados; correlação da insegurança alimentar com ausência de energia elétrica, falta de acesso à terra, e domicílios chefiados por mulheres |
Bezuneh et al.18 | Dominican Republic Household Food Security Survey Module | República Dominicana, 2008 | U.S. Household Food Security Supplemental Module (HFSSM) |
–. Grupo focal para avaliação qualitativa; Modelo Rasch para validação interna –. 110 domicílios |
- Valores de ajuste próximos (infit) apresentaram resultados adequados |
Salvia etl al.19 | Del Módulo de Inseguridad Alimentaria Encuesta de la Deuda Social (EDSA) Bicentenario | Argentina, 2010 | Escala Latinoamericana e Caribenha para a Medição da Segurança Alimentar (ELCSA) | -Calculou-se a prevalência de insegurança alimentar e sua distribuição segundo indicadores socioeconómicos - 5.712 domicílios | - A insegurança alimentar foi mais prevalente em domicílios de menor renda, maior número de morados e cujos chefes encontravam-se desempregados (p < 0,05) |
Melgar-Quinonez20 | Escala Latinoamericana e Caribenha para a Medição da Segurança Alimentar (ELCSA) na Guatemala | Guatemala, 2010 | Escala Latinoamericana e Caribenha para a Medição da Segurança Alimentar (ELCSA) |
–. Modelo Rasch para validação interna; associação com variáveis socioeconómicas (validação externa) –. 265.212 domicílios urbanos e rurais |
–. Valores de ajuste (infit) para cada um dos itens no modelo Rasch foram adequados –. Associou-se à pobreza, condições de vida, acesso a serviços públicos e posse de bens |
Santos et al.11 | Escala Brasileira de Insegurança Alimentar - versão curta | Brasil, 2014 | Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) - versão longa |
–. Calculou-se sensibilidade, especificidade, acurácia e concordância (teste de kappa) entre os dois instrumentos. –. Os autores utilizaram duas amostras para testar os resultados (230 famílias de baixa renda de Pelotas-RS e 15.575 mulheres da PNDS) |
- Valor de sensibilidade da escala de cinco questões foi de 95,7% e 99,5% na amostra de Pelotas e da PNDS, respectivamente. O resultado do teste de kappa foi de 95%, na amostra de Pelotas, e 99% na amostra da PNDS |
Nota: PNDS: Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (2006).
Para elaboração da ELCSA foram utilizadas como padrão de referência as escalas da Venezuela9, Brasil10 e Colômbia12. Os primeiros estudos que utilizaram essa escala para confirmar sua validade foram realizados por Álvarez et al.21 (2008), na Colômbia, e Pérez-Escamilla et al.22 (2011), no México e Uruguai.
O tamanho amostral dos estudos variou de 52 domicílios, no Equador14, até 265.212, na Guatemala20. O processo de validação interna envolveu, especialmente, o modelo matemático Rasch12,14,16,17,18,20 e o cálculo do Coeficiente Alfa de Cronbach9,10,21,22,15,17, sendo que os valores apresentados foram satisfatórios para ambos os testes (valores de infit entre 0,8 a 1,2 no modelo Rasch e coeficiente alfa de Cronbach maior que 0,85).
Em alguns países, como na Bolívia13 e Argentina19 os estudos não apresentaram metodologia e resultados acerca da validação interna das escalas. Para testar a validade da versão curta da EBIA, no Brasil, os autores optaram por calcular sensibilidade, especificidade e coeficiente de Kappa11.
Em relação a validação externa, que analisa a validade preditiva das escalas, os métodos empregados foram, principalmente, análises de correlação e/ou associação com variáveis socioeconômicas, enfatizando aquelas relacionadas a pobreza, como, por exemplo, renda familiar, e indicadores do consumo alimentar.
A abrangência dos estudos, em determinados países, envolveu apenas domicílios de áreas urbanas, como foi o caso da Venezuela9, Costa Rica15 e Argentina19, ou apenas domicílios rurais, que foi o caso do Equador14, Haiti17 e República Dominicana18. Nos demais estudos a abrangência envolveu domicílios urbanos e rurais.
A utilização de escalas psicométricas como indicador direto de avaliação e monitoramento da insegurança alimentar representa importante avanço para compreensão desse fenômeno multidimensional e a possibilidade de determinação de grupos populacionais vulneráveis a violação do direito humano à alimentação adequada e saudável (DHAA)23.
Indicadores indiretos, especialmente os relacionados a disponibilidade de alimentos, vêm sendo historicamente utilizados para avaliação da insegurança. No entanto, esses indicadores, de maneira geral, refletem mais os determinantes da insegurança alimentar e suas consequências para saúde, do que de fato as dificuldades vivenciadas pelas famílias em relaçao ao acesso a alimentaçao adequada e saudável23,24.
Os primeiros estudos de validação de escalas de percepção da insegurança alimentar na América Latina e Caribe utilizaram como padrão de referência escalas desenvolvidas no Estados Unidos (EUA), que foi pioneiro no desenvolvimento desses instrumentos5,25.
A partir do estudo de Radimer/Cornell5 e a da Community Childhood Hunger Identification Project - CCHIP26, pesquisadores reunidos pelo United States Department of Agriculture (USDA) desenvolveram uma escala válida para aplicação em âmbito nacional, denominada Household Food Security Survey Module - HFSSM, composta por 18 itens. A partir de 1995, esse instrumento passou a ser utilizado em pesquisas americanas, como por exemplo, a National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES)25.
A extensão da HFSSM limitava sua utilização em pesquisas americanas, principalmente aquelas com restrições financeiras e de menor duração. Em decorrência disso, Blumber et al.27 desenvolveram uma versão curta de seis itens, que apresentou boa concordância com a escala longa, podendo ser usada como screening na avaliação da insegurança alimentar.
Semelhante aos EUA, o Brasil também possui versão curta da EBIA, publicada em 201411, tornando-o pioneiro em relação aos outros países latino-americanos e caribenhos. Além da nova proposta de versão curta, a EBIA sofreu modificação em 2009, com exclusão de uma questão que se referia a perda de peso entre os moradores do domicílio, logo, a EBIA utilizada atualmente no Brasil, contêm 14 questões28. Isso aconteceu em decorrência do processo de transição nutricional vivenciado pelo país, onde a prevalência de excesso de peso vem se tornando cada vez maior, inclusive entre as famílias de baixa renda29.
Os estudos de validação apresentados, de maneira geral, utilizaram de metodologias que foram além da simples tradução do padrão de referência para o idioma do país ao qual se pretendia desenvolver a escala. Além do processo de tradução, os estudos realizaram validação interna do instrumento, analisada pelo coeficiente alfa de Cronbach e Modelo Rasch, ambos recomendados para esse tipo de análise30,31; e validação externa que envolveu a aplicação da escala em inquéritos populacionais e o uso de métodos de associação e correlação com variáveis socioeconômicas e de consumo alimentar.
Alguns estudos não apresentaram resultados de validação interna das escalas, como foi o caso da Bolívia e Argentina. Em relação a validação da versão curta da EBIA no Brasil, os autores optaram pela utilização de testes de diagnóstico (avaliação da sensibilidade e especificidade do instrumento) e testes de concordância (coeficiente de Kappa).
O processo de validação interna de um instrumento, como no caso de escalas psicométricas, é essencial para garantir confiabilidade e adequabilidade do mesmo. O coeficiente alfa de Cronbach permite avaliar a consistência interna das respostas aos itens da escala e indicar se as mesmas estavam correlacionadas entre si, sendo o valor mínimo aceitável de 0,730. Conforme os resultados do Quadro 2, todos os estudos que avaliaram validade pelo alfa de Cronbach, apresentaram boa consistência interna das escalas.
O modelo Rasch, dentre outros objetivos, pode ser utilizado para verificação da unidimensionalidade do instrumento, isto é, se todos os itens presentes estão mensurando um único constructo ou fator, que no caso seria a insegurança alimentar. No modelo, espera-se que famílias que não vivenciam a insegurança tenham menor probabilidade de responder positivamente aos itens, enquanto que, aquelas que vivenciam respondam mais positivamente. Como as escalas avaliadas mensuravam apenas um constructo (insegurança alimentar), elas foram analisadas segundo os valores de ajuste (Infit), sendo que todas que utilizaram este modelo para validação apresentaram valores adequados (0,8 a 1,2)31.
A FAO recomenda que nos estudos de validação de escalas psicométricas sejam calculados o coeficiente de alfa de Cronbach e o modelo de Rasch para garantir maior confiabilidade dos novos instrumentos propostos32. A maioria dos estudos de validação das escalas utilizadas nos países latino-americanos e caribenhos, analisados nesta revisão, seguiram essa recomendação da FAO.
Ressalta-se que no Brasil10,11, Colômbia12, Bolívia13, México16 e Guatemala20, o processo de validação envolveu domicílios da zona urbana e rural dos respectivos países. A participação na amostra de domicílios urbanos e rurais é importante, uma vez que, os mesmos representam distintos contextos culturais, sociais e econômicos que podem influenciar a ocorrência da insegurança alimentar. Além disso, o país poderá dispor de um instrumento único que poderá ser aplicado independentemente da situação dos domicílios (urbano ou rural).
A exitosa experiência no processo de validação das escalas de insegurança alimentar, especialmente na Venezuela, Colômbia e Brasil, foram referência para elaboração da ELCSA, que contou com o apoio da FAO21,22,32. A ELCSA representa importante ferramenta para compreensão da distribuição, causas e consequências da insegurança alimentar na América Latina e Caribe. Desde sua publicação em 2007, a ELCSA vem sendo utilizada em estudos sobre segurança alimentar, pesquisas nacionais e em avaliações de políticas e programas sociais32. Análises recentes confirmam a confiabilidade e a validade dessa escala, que somado ao seu baixo custo, a fácil aplicação e uniformidade em toda América Latina e Caribe, a tornou importante indicador regional21,22.
A ELCSA apresenta tempo de referência de três meses para as questões da escala, semelhante à EBIA10 e Escala Mexicana de Seguridad Alimentaria16; 15 questões sobre a percepção do indivíduo em relação ao alimento, sendo que os itens 9 a 15 são específicos para domicílios com presença de menor de 18 anos.
Com a ELCSA, países latino-americanos e caribenhos que ainda não dispunham de escalas validadas para sua população poderão utilizar essa ferramenta, assim como aqueles que validaram suas escalas utilizando padrões de referência dos EUA, poderão usufruir de um indicador mais condizente com realidade regional. A utilização de um mesmo indicador para toda a região possibilitará comparabilidade entre países, o que poderá contribuir para tomada de decisões políticas.
A experiência mundial com o uso de escalas de insegurança alimentar, em especial a EL-CSA, levou a FAO, por meio do projeto “Vozes da Fome” a desenvolver a Escala de Vivência da Insegurança Alimentar (FIES - Food Insecurity Experience Scale)33. Tradicionalmente, a FAO monitora a situação de insegurança alimentar mundial através das folhas de balanço de alimentos, que são utilizadas para o cálculo da disponibilidade de energia em mais de 150 países. Essa metodologia possibilita o cálculo da prevalência de subalimentação que representa a proporção de indivíduos que não possuem suas necessidades energéticas atendidas34.
A FAO, por meio da FIES, poderá monitorar e assegurar comparabilidade global da vivência da insegurança alimentar. Esse novo indicador constitui ferramenta eficaz para avaliar as novas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)35, que se referem especificamente ao acesso a alimentos seguros e saudáveis, além de sedimentar a importância da avaliação da insegurança alimentar através de escalas de vivência que possibilitam dimensionar esse fenômeno.
Sendo a segurança alimentar e nutricional um fenômeno complexo, nenhum indicador isolado é capaz de mensurar todos seus componentes. Os países da América Latina e Caribe, além das suas escalas nacionais, contam com indicador regional a ELCSA, que possibilitará comparabilidade dos resultados entre os países. A análise desses resultados fornecerá informações para tomada de decisão e criação de políticas adequadas para o fortalecimento do direito humano a alimentação adequada.
A insegurança alimentar é um problema que afeta milhares de pessoas em todo mundo. Conhecer com exatidão sua localização, distribuição, determinantes e consequências é essencial para seu controle. Diante disso, destaca-se a importância da utilização de indicadores válidos, confiáveis e internacionalmente aceitos, em especial os que possibilitam dimensionar a magnitude desse fenômeno.
A experiência acumulada, desde a publicação das primeiras escalas de insegurança nos Estados Unidos, demostrou a importância desse instrumento e gerou o interesse de outros países para validação dessas escalas, em especial os da América Latina e Caribe. A exitosa experiência dos países latino-americanos e caribenhos, no desenvolvimento de escalas nacionais e uma regional, pode fortalecer o interesse dos países dessa região, e de outras partes do mundo, que ainda não possuem escalas de insegurança alimentar validadas para sua população.