versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.4 São Paulo abr. 2019 Epub 15-Abr-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190051
Hipertensão arterial resistente (HAR) é, segundo o Posicionamento Científico da American Heart Association (AHA) realizado em 2018,1 bem como observado no I Posicionamento Brasileiro de HAR em 2012,2 quando a pressão arterial (PA) de um indivíduo permanece elevada acima da meta pressórica, apesar da utilização de três medicamentos anti-hipertensivos de diferentes classes terapêuticas, comumente um antagonista de canais lentos de cálcio di-idropiridínico de longa duração; um bloqueador do sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA), que pode ser um inibidor da enzima conversora da angiotensina II ou bloqueador dos receptores AT1 da angiotensina II) e; um diurético apropriado, todos administrados em doses máximas ou nas maiores doses possíveis toleradas, e respeitados os intervalos de administração prescritos. Estes pacientes são considerados de maior risco para morbidade e mortalidade cardiovascular e renal;3 mais propensos a apresentar eventos adversos em resposta a terapia medicamentosa, geralmente dose relacionados; e é neste grupo de indivíduos que se deve afastar uma causa secundária de hipertensão porque sua prevalência é significantemente maior que na população de hipertensos não resistentes.1,2 Reconhece-se ainda, atualmente, a HAR controlada, como sendo aquela em que pacientes utilizando quatro ou mais medicações encontram-se na meta pressórica; e a HA refratária, entidade com fisiopatologia diversa da HAR, quando mesmo quatro medicamentos não são suficientes para o controle.4 Nesta nova classificação, os pacientes com pseudo-hipertensão devem ser excluídos, ou seja, é obrigatória para confirmação diagnóstica checar aderência e tolerância à medicação; afastar HA do avental branco, portanto é imperiosa a realização de medidas pressóricas sistematizadas fora do ambiente de consultório por meio da monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) ou medida residencial da pressão arterial (MRPA); e, finalmente, utilização de técnica de medida da PA correta e confiável.1,2,4,5
Mesmo na HA primária é reconhecida a existência de processo inflamatório sistêmico, ainda que subclínico, sendo que esta condição tem sido identificada em maior intensidade em doenças cardiovasculares e renais como a HAR e a doença renal crônica.6 Especificamente no caso da HAR, que é uma entidade de etiologia multifatorial e poligênica, frequentemente associada a doenças metabólicas que cursam com resistência insulínica como diabetes e obesidade, processos inflamatórios propiciados por mediadores podem estar envolvidos levando à importante disfunção endotelial da microvasculatura e aumento do estresse oxidativo.7
Biomarcadores, por sua vez, são características quantificáveis dos processos biológicos, que podem ser medidos com acurácia e reprodutibilidade, podendo ou não se correlacionar à sintomatologia clínica.8
Nos últimos anos, a busca por esses mediadores que pudessem estar envolvidos na predição, início, desenvolvimento, diagnóstico, progressão e acompanhamento da eficácia terapêutica da HA tem sido intensa e de grande valor, a medida que se progride em conhecimento. Mesmo no Brasil, recentemente, uma pesquisa mostrou que pacientes portadores de HA grave e sem controle, apresentam disfunção microvascular associada, bem como níveis elevados de proteína C reativa e endotelina (naqueles pacientes sem uso de estatina).9
O artigo Proposta de um Escore Inflamatório de Citocinas e Adipocinas Plasmáticas Associado à Hipertensão Resistente, mas Dependente dos Parâmetros de Obesidade publicado neste volume,10 traz notícias promissoras quanto ao papel de citocinas e adipocinas inflamatórias (TNF-α, IL-6, IL-8, IL-10, leptina e adiponectina) que possam estar implicadas na fisiopatologia da HAR. A partir da dosagem desses biomarcadores, foi possível construir um escore inflamatório que se correlacionou mais com a presença de sobrepeso e obesidade do que da própria hipertensão. A razão para esses achados é possivelmente a produção destas substâncias pelo tecido adiposo visceral que se torna resistente à insulina e leptina provocando respostas imunes que, por sua vez, ativam cascatas inflamatórias, pró-trombóticas e vasoconstritoras com hiperatividade do sistema nervoso simpático, retenção de sódio e ativação do SRAA e, assim, cursando com resistência ao tratamento da HA.11,12
O interesse na dosagem de biomarcadores pode ser de grande utilidade na compreensão de todas as variáveis do fenômeno hipertensivo, particularmente em sua patogênese.7 Deve-se ponderar, no entanto, que esta dosagem ainda não está disponível na prática clínica de forma rotineira, nem sequer nos centros especializados em HA; apresentam custos proibitivos; tem seu uso ainda restrito a pesquisas; ainda não foram testados em larga escala do ponto de vista epidemiológico e; necessitam de expertise técnica para que seus resultados sejam fidedignos. Compreender seus papéis, graus de acurácia e reprodutibilidade, bem como correlação com desfechos cardiovasculares e renais é tarefa que ainda dependerá de estudos futuros.
Apesar das dificuldades expostas, podemos afirmar que estamos nos encaminhando para a dosagem desses biomarcadores de forma sistemática a medida que ganhem credibilidade e disponibilidade. A partir disso, a construção de escores podem auxiliar na detecção de situações de inflamação incipiente em que se poderia atuar precocemente na estratificação de risco com consequentes intervenções tempestivas.
Espera-se assim que, com brevidade, possamos entender melhor a fisiopatogenia da hipertensão resistente na presença de obesidade e os fenômenos biológicos que culminam em estresse oxidativo, inflamação e disfunção microvascular endotelial. A pesquisa publicada neste número colabora qualitativamente para esta compreensão.