Compartilhar

Escores de nasalância de falantes do Português Brasileiro aos cinco anos de idade

Escores de nasalância de falantes do Português Brasileiro aos cinco anos de idade

Autores:

Débora Natália de Oliveira,
Ana Claudia Martins Sampaio-Teixeira,
Bianca Gonçalves Alvarenga,
Ana Paula Fukushiro,
Renata Paciello Yamashita,
Inge Elly Kiemle Trindade

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.29 no.3 São Paulo 2017 Epub 22-Maio-2017

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016197

INTRODUÇÃO

Na produção da fala normal, a separação entre as cavidades nasal e oral é feita pelo movimento sincronizado do palato mole, paredes laterais e parede posterior da faringe. A ação conjunta dessas estruturas, que compõem o chamado mecanismo velofaríngeo, é responsável pela distribuição do fluxo aéreo expiratório e das vibrações acústicas para a cavidade oral, na produção dos sons orais, e, para a cavidade nasal, na produção dos sons nasais(1).

Falhas anatômicas nesse mecanismo, condição denominada insuficiência velofaríngea (IVF), afetam a produção da fala, levando à hipernasalidade, emissão de ar nasal (audível ou não) e distúrbios articulatórios compensatórios. A hipernasalidade, em particular, é a manifestação clínica mais marcante da IVF e corresponde a um excesso de ressonância nasal acompanhando sons normalmente não nasalizados(2).

O julgamento perceptivo-auditivo realizado por fonoaudiólogos experientes é ferramenta essencial para o diagnóstico da hipernasalidade. Contudo, de forma a minimizar a subjetividade desse tipo de abordagem e, principalmente, permitir comparações entre estudos, nas últimas décadas, passou-se a utilizar, adicionalmente, a nasometria.

A técnica nasométrica permite estimar a ressonância da fala por meio da medida da nasalância, uma grandeza física que corresponde à quantidade relativa de energia acústica nasal na fala(3-5). A técnica parte do pressuposto de que um aumento da nasalância na produção de amostras de fala contendo exclusivamente sons orais é sugestivo de hipernasalidade(1). A nasalância é calculada pela razão numérica entre a energia acústica nasal e a energia acústica total durante a fala (soma da energia acústica nasal e oral), expressa em porcentagem. Estudos demonstraram boa correlação entre a nasalância e a nasalidade(6,7). Em outras palavras, a nasalância é o correlato acústico da nasalidade, que, por sua vez, corresponde à percepção subjetiva que um ouvinte tem do componente nasal da fala. Deste modo, a nasometria complementa o que se percebe e ouve na avaliação perceptivo-auditiva da fala e o que se vê nos métodos instrumentais diretos.

O primeiro nasômetro, denominado Tonar, foi desenvolvido por Samuel Fletcher(8), em 1970, que, após atualização do sistema, passou a ser designado como Tonar II. Estes foram, portanto, os primeiros instrumentos a fornecer dados objetivos sobre o produto acústico da fala, em termos de ressonância. Em função de certas limitações técnicas, o Tonar foi substituído, a partir de 1987, pelo sistema denominado Nasometer, primeiramente fabricado pela Kay Elemetrics Corporation e mais recentemente pela Kay Pentax. O uso do nasômetro em diferentes países veio a demonstrar uma das limitações encontradas na análise instrumental da ressonância de fala: a constatação de que a nasalância varia com a língua falada(9-13). Estudos em falantes do Português Brasileiro, incluindo crianças, demonstraram que a nasalância também pode variar de acordo com a idade, o gênero ou com o tipo de emissão (sílabas e/ou sentenças)(14,15), confirmando observações de estudos em outras línguas(13,16-22).

Visto que o nasômetro é uma importante ferramenta na avaliação da ressonância da fala da população em geral, e da população de indivíduos com fissura palatina, em particular, e que as medidas de nasalância diferem entre diferentes línguas e gêneros, estudos foram desenvolvidos no Laboratório de Fisiologia do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP) a fim de estabelecer valores normais de nasalância, por meio da técnica nasométrica, na população falante do Português Brasileiro.

No primeiro estudo, realizado na década de 1990, em parceria com Rodger Dalston, fonoaudiólogo do Centro Craniofacial da Universidade da Carolina do Norte – USA, um dos pioneiros do uso da nasometria na prática clínica das anomalias craniofaciais, foram estabelecidos os valores de nasalância para crianças (6-10 anos), adolescentes (11-17 anos) e adultos (18-35 anos) falantes do Português Brasileiro, não portadores de fissura de lábio ou palato, durante a leitura de sentenças padronizadas(14). Para tanto, empregou-se, pela primeira vez no Brasil, o nasômetro produzido pela Kay Elemetrics. Esses valores normativos passaram a ser referenciais nacionais e, também, internacionais(12,22).

Em anos seguintes, tendo em vista que a nasalância varia de acordo com a língua falada, pesquisadores de diferentes países europeus, dedicados a investigar os resultados de fala da cirurgia reparadora do palato em crianças com fissura (projeto SCANDCLEFT), propuseram nova metodologia de avaliação translinguística da fala, a Análise de Consoantes em Unidades de Fala Foneticamente Similares entre Línguas em gravações de áudio e vídeo. Tinham por propósito não só caracterizar e acompanhar as variações da nasalidade induzidas pela cirurgia nas cinco línguas faladas pelos participantes, mas também possibilitar futuras comparações entre diferentes estudos(23). Da experiência adquirida, resultou a elaboração de um site interativo (CLISPI- Cleft Palate International Speech Issues)(24) que oferece treinamento no uso da técnica para falantes de diferentes línguas, inclusive do Português Brasileiro, esta padronizada por pesquisadores do Laboratório de Fisiologia do HRAC-USP (APF, RPY e IEKT).

Essa metodologia de Análise de Consoantes em Unidades de Fala Foneticamente Similares entre Línguas vem sendo utilizada para a avaliação da fala, em um outro estudo multicêntrico internacional denominado Timing of Primary Surgery in Cleft Palate (TOPS), que incluiu o HRAC-USP e do qual participam os autores do presente estudo (IEKT, APF, RPY), cujo desfecho primário, entre outros, será a nasalância de crianças aos 5 anos de idade operadas aos 6 meses ou 12 meses de idade, utilizando parte da amostra de fala padronizada no CLISPI.

Assim sendo, considerando os 5 anos de idade como um momento-chave para se avaliar a nasalidade em crianças com ou sem fissura de palato, o presente estudo teve por objetivo primário determinar a ressonância da fala em crianças sem fissura, aos 5 anos de idade, falantes do Português Brasileiro, por meio da medida da nasalância aferida por nasometria, e, como objetivos secundários, verificar se a nasalância difere entre tipos de emissão e entre os gêneros.

MÉTODO

O estudo foi desenvolvido após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do HRAC-USP (Parecer nº 768.206), no Laboratório de Fisiologia do HRAC-USP e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos pais ou responsáveis pelas crianças.

Casuística

A seleção da amostra partiu de um universo de 75 escolares, sendo a amostra final definida pelo número de consentimentos obtidos. Assim, foram avaliadas 20 crianças, de qualquer etnia, sendo 9 do gênero feminino e 11 do gênero masculino, com a média de idade de 5 anos (mínimo: 4 anos e 10 meses; e máximo: 5 anos e 11 meses), todas falantes do Português Brasileiro, residentes, desde o nascimento, no interior do Estado de São Paulo e com sotaque característico da região, conforme avaliação do fonoaudiólogo principal do projeto. Foram convidadas a participar do estudo, crianças de um único estabelecimento de ensino da rede privada, da cidade de Bauru-SP, utilizando uma carta de informação explicativa dirigida aos pais ou responsáveis.

Não foram incluídas no estudo, crianças com histórico ou queixas de obstrução nasal crônica, alterações da voz, fala, audição e linguagem ou em tratamento fonoaudiológico. Para o levantamento dessas informações, os pais ou responsáveis responderam a um questionário especialmente elaborado para este fim, por ocasião do convite para participar do estudo. Foi, ainda, considerado como critério de exclusão, a observação de outras alterações ao exame clínico realizado pelo fonoaudiólogo responsável pela execução do estudo, não mencionadas pelos responsáveis. O exame constou de nomeação de figuras para identificação de distúrbios de fala evidentes e de avaliação morfofuncional com vistas à identificação de comprometimento evidente da integridade das estruturas orofaciais e eventual uso de aparelho ortodôntico, utilizando roteiro pré-determinado.

Procedimentos

O exame nasométrico foi realizado na escola de origem das crianças, em sala utilizada exclusivamente para esta finalidade, reunindo condições adequadas para a calibração do equipamento e realização do exame, distante do local de maior ruído da escola.

A nasalância foi determinada utilizando um nasômetro portátil (Nasometer II, Modelo 6450-KayPENTAX, Montvale, NJ, USA), acoplado a um notebook Dell Latitude. O sistema é composto por dois microfones, posicionados um de cada lado de uma placa de separação sonora, apoiada sobre o lábio superior do indivíduo. O conjunto é mantido em posição por um capacete (Figura 1). Durante a leitura ou repetição de amostras de fala, apresentadas na tela do computador, o microfone superior capta os sinais do componente nasal da fala e o inferior, os sinais do componente oral, os quais são filtrados, digitalizados e analisados por um software específico. A nasalância é, então, calculada pela razão numérica entre a quantidade de energia acústica nasal e energia acústica total (soma da energia acústica nasal e oral), multiplicada por 100, podendo variar de 0% (ausência de som pelo nariz) a 100% (todo som emergente pelo nariz). A calibração do sistema foi realizada antes de cada período de exames, utilizando uma fonte geradora de som do próprio equipamento, mantendo o microfone perpendicular ao nasômetro, a uma distância de 30 cm, e ajustando o balanceamento entre os dois microfones em 50%.

Fonte: Trindade et al.(1)

Figura 1 Esquema representativo da instrumentação para a medida da nasalância. 

O exame foi realizado em dois contextos de fala diferentes: produção de oito sílabas isoladas compostas por sons oclusivos, fricativos, líquidos e nasais; e nomeação de nove vocábulos, contendo consoantes alvo e vogais altas em posição tônica, foneticamente equivalentes às usadas na língua inglesa e nas línguas escandinavas no desenvolvimento do projeto TOPS, conforme segue: 1) Sílabas: pa, pi, sa, si, la, li, ma, mi: Cada sílaba foi repetida seis vezes, em sequência (por exemplo, pa, pa, pa, pa, pa, pa) a uma velocidade de uma sílaba por segundo, aproximadamente, de modo que todas ocupassem uma única tela do computador, sendo o tempo de registro ajustado para oito segundos, de modo a uniformizar a velocidade de emissão entre as crianças. Para fins de ilustração, uma série de seis sílabas /pa/ é mostrada na Figura 2. Cada série de sílabas /pa/ era repetida por três vezes, em três diferentes telas, sendo, então, calculado o valor médio da nasalância das três séries. Este procedimento foi realizado para todas as sílabas estudadas (/pa/, /pi/, /sa/, /si/, /ma/, /mi/, /la/, /li/); 2) Vocábulos: pipa, bis, burro, tatu, pilha, cuca, gui, fila, luz (www.clispi.org): os nove vocábulos foram produzidos em série (um após o outro), a uma velocidade de um vocábulo a cada dois segundos, aproximadamente, de modo que todos ocupassem uma única tela, sendo o tempo de registro ajustado para 16 segundos (nove vocábulos por tela, uma tela). Os vocábulos eram eliciados pela apresentação de figuras desenhadas em cartões. Nos casos em que a criança não reconhecia a imagem ou não nomeava a figura corretamente, era instruída a repetir o vocábulo após o modelo verbal do examinador. Os vocábulos utilizados atenderam ao critério definido por Lohmander et al.(23), para comparações translinguísticas, ou seja, uso de número restrito de unidades de fala foneticamente similares entre línguas e vulneráveis à presença de uma fissura no palato, foco de atenção de estudos do nosso grupo.

Figura 2 Ilustração de um registro da nasalância na produção de seis sílabas /pa/ utilizando o sistema Nasometer II, Model 6450. KayPENTAX, 2010 

No decorrer do exame, o posicionamento da placa de separação sonora foi sistematicamente monitorizado a fim de garantir a obtenção de registros fidedignos. Para fins de análise foram considerados apenas os registros tecnicamente aceitáveis, ou seja, produzidos sem erros e dentro do limite de intensidade aceitável do instrumento.

Este protocolo foi assim definido visando uniformizar a produção das amostras de fala entre os participantes e para comparações futuras com dados de outros estudos.

Análise dos resultados

A nasalância está expressa em porcentagem (%). Valores médios foram calculados para cada conjunto de sílabas e para o conjunto de vocábulos. Para a análise estatística utilizou-se o programa SigmaPlot 12.0. A significância das diferenças entre os tipos de emissões foi verificada pelo Teste de Friedman (ANOVA não paramétrica). Quando constatada significância estatística, utilizou-se o Teste de Tukey para comparações múltiplas. A significância das diferenças entre os gêneros para cada tipo de emissão foi verificada pelo Teste de Mann-Whitney. Adotou-se como nível de significância um p<0,05.

RESULTADOS

Na Tabela 1, são mostrados os valores médios da nasalância (± desvio padrão) e os respectivos valores mínimos e máximos observados no contexto das sílabas e dos vocábulos. Foi possível constatar que as sílabas nasais apresentaram valores elevados de nasalância relativamente às sílabas orais (com vogal neutra ou alta) e que as sílabas orais de vogal alta apresentaram valores elevados de nasalância relativamente às sílabas orais de vogal neutra. Conforme mostrado na Tabela 2, as diferenças foram estatisticamente significantes entre: 1) sílabas nasais e sílabas orais com vogal alta: /ma/>/pi/; /mi/>/pi/; /mi/>/si/; /mi/>/li/; 2) sílabas nasais e sílabas orais com vogal neutra: /ma/>/pa/; /ma/>/sa/; /ma/>/la/; /mi/>/pa/; /mi/>/sa/; /mi/>/la/; 3) sílabas orais com vogal alta e sílabas orais com vogal neutra: /li/>/pa/; /li/>/sa/; /li/>/la/; /si/>/pa/; /si/>/sa/; /pi/>/pa/; /pi/>/sa/.

Tabela 1 Medidas de nasalância na produção de sílabas e vocábulos em crianças sem anomalias craniofaciais e alteração de fala 

Consoantes Amostras de fala Média ± DP Mínimo Máximo
Nasais /ma/ 57±11 34 78
/mi/ 73±13 42 86
Orais /pa/ 10±4 5 24
/pi/ 22±7 14 43
/sa/ 11±5 5 29
/si/ 24±11 14 55
/la/ 14±9 8 41
/li/ 25±11 11 52
Vocábulos 20±6 11 35

Tabela 2 Comparação entre as amostras de fala 

/pa/ /pi/ /sa/ /si/ /ma/ /mi/ /la/ /li/
/pa/
/pi/ S
/sa/ NS S
/si/ S NS S
/ma/ S S S NS
/mi/ S S S S NS
/la/ NS NS NS NS S S
/li/ S NS S NS NS S S

Teste de Tukey (p<0,05)

Legenda: S – Diferença estatisticamente significante, NS – Diferença não significante

A comparação entre os gêneros (Tabela 3) mostrou não haver diferença estatisticamente significante entre os valores médios obtidos nos grupos de meninas (n=9) e meninos (n=11), para todos os estímulos utilizados.

Tabela 3 Comparação entre valores médios de nasalância dos gêneros feminino e masculino 

Amostras de fala Média ± DP p
Feminino
(n=9)
Masculino
(n=11)
/ma/ 55±10 58±12 0,761
/mi/ 74±12 71±14 0,649
/pa/ 11±5 9±2 0,761
/pi/ 23±8 21±6 0,447
/sa/ 11±7 11±3 0,517
/si/ 27±12 22±9 0,305
/la/ 14±9 14±9 0,879
/li/ 25±11 24 ±11 0,704
Vocábulos 20±6 20±7 0,493

Teste de Mann-Whitney

DISCUSSÃO

No presente estudo, foram estabelecidos valores de nasalância em crianças com 5 anos de idade, sem anomalias craniofaciais, sem alterações na fala, sem uso de aparelho ortodôntico e sem evidências de obstrução nasal que pudesse comprometer a ressonância da fala no momento do exame. Esta abordagem teve por propósito definir parâmetros de normalidade, não só para verificações sistemáticas dos resultados de fala das cirurgias primárias de fechamento do palato em crianças com fissura labiopalatina como também para outros fins relacionados à investigação da ressonância da fala(25). Tendo em mãos os valores normativos de nasalância definidos no presente estudo, é possível interpretar valores obtidos em populações com suspeita de desvios de nasalidade. O primeiro recurso é a comparação entre as médias das duas populações (crianças sob investigação versus crianças normais). A comparação com os valores mínimos e máximos obtidos na presente amostra é outro recurso. Uma terceira estratégia é discutida mais adiante.

Como se demonstrou, a nasometria consiste de técnica instrumental que estima indiretamente a função velofaríngea pela medida da nasalância, que é uma grandeza física que representa a quantidade relativa (percentual) de energia acústica que emerge da cavidade nasal durante a fala. É considerado um método indireto, pois não permite a visualização das estruturas velofaríngeas(2), mas se mostra uma ferramenta valiosa na avaliação da hipernasalidade, especialmente em crianças, visto que podem mostrar comportamento não cooperativo durante a avaliação perceptiva(18).

Em amostra composta por 20 crianças com idade média de 5 anos, foi possível constatar, de modo geral, que as sílabas nasais apresentaram valores maiores que as sílabas orais com vogal neutra ou alta e que sílabas orais com vogal alta apresentaram valores maiores que as sílabas orais com vogal neutra. Trata-se de resultado esperado, confirmando a eficácia da nasometria na avaliação indireta da nasalidade.

Resultados similares foram encontrados em estudo anterior(14), no qual a nasometria foi realizada em crianças na faixa etária de 6-10 anos de idade, falantes do Português Brasileiro, com sotaque característico da região de São Paulo, em contexto diferente ao do presente estudo. Naquele estudo, foram utilizados quatro textos: ZOO-BR, composto por cinco sentenças com consoantes orais de alta pressão; ZOO2-BR, composto por cinco sentenças com consoantes líquidas de baixa pressão; NASAL-BR, composto por cinco sentenças nasais com consoantes de alta pressão; e NASAL2-BR, composto por cinco sentenças nasais desprovidas de consoantes de alta pressão. Como no presente estudo, nos textos nasais, os valores médios de nasalância (Nasal-BR=48±7% e Nasal2-BR=51±7%) foram maiores que aqueles observados nos textos orais contendo consoantes de alta pressão (ZOO-BR=10±6%) e consoantes líquidas (ZOO2-BR=12±9%). Esses valores se equiparam aos presentemente observados em emissões silábicas correlatas. Por exemplo, a sílaba nasal /ma/ teve como média de nasalância, o valor de 57%; já nas sentenças nasais correspondentes, daquele estudo, a média de nasalância foi de 51%. Vale ressaltar que diferenças menores que 8% não são consideradas significativas para o método(1). Estudo em que a nasometria foi realizada em 70 crianças irlandesas, sendo 36 meninas e 34 meninos, com idade entre 4 e 13 anos, sem alterações de fala, articulação, ressonância e voz, também teve o propósito de obter valores normativos de nasalância. Os autores utilizaram um conjunto de sentenças com consoantes de alta pressão, outro com consoantes de baixa pressão, um terceiro com consoantes nasais e, um quarto, com todos os tipos de estímulo. Mesmo avaliando uma língua diversa do Português Brasileiro, os autores também observaram que a nasalância nas sentenças com consoantes nasais foi maior que nas demais e que não houve diferença significante entre sentenças com consoantes de alta pressão e consoantes de baixa pressão(17).

Com relação às diferenças observadas entre tipos de emissões contendo vogal alta /i/ e vogal neutra /a/, sendo os valores de nasalância mais elevados para as emissões com vogal alta, resultados semelhantes foram encontrados em crianças falantes da língua húngara e coreana(26,27), assim como numa população normal de falantes do Português Brasileiro, compreendendo crianças, adolescentes, adultos jovens e adultos(15). A menor nasalância verificada na produção da vogal neutra está relacionada com a posição da língua (mais baixa) e o tamanho da cavidade oral (maior); em outras palavras, estes fatores reduzem a participação da cavidade nasal na ressonância na produção da vogal neutra comparativamente ao que ocorre na produção da vogal alta(15).

Particularmente com relação aos vocábulos, ainda não utilizados em estudos de língua portuguesa, seu uso veio demonstrar a importância de se utilizar estímulos específicos e controlados. Isto porque, se compararmos, a título de especulação, o valor de nasalância (10±6%) do conjunto de sentenças orais utilizado no estudo anterior do nosso grupo (texto ZOO-BR)(14) e o valor de nasalância obtido na produção da série de vocábulos utilizados no presente estudo (20±6%), com conteúdo de consoantes equivalentes, observa-se valor médio expressivamente maior para os vocábulos, o que talvez se explique pelo fato de que nesta série predominam vogais altas e, no texto ZOO-BR, predominam vogais neutras.

Em relação ao gênero, no presente estudo, não se demonstrou diferença estatisticamente significante entre os grupos de meninas e meninos para todos os estímulos utilizados. Em estudo(28) que determinou os valores normais de nasalância em crianças australianas de 4 a 9 anos de idade, foram utilizadas como amostras de fala, sentenças nasais e o texto Zoo Passage, destituído de sons nasais. Confirmando nossos achados, não houve diferença estatisticamente significante entre os gêneros para os dois estímulos. O mesmo foi observado por diversos outros autores(16-19). Esse resultado está relacionado, de alguma forma, ao fato de a frequência fundamental das meninas e dos meninos serem semelhantes até a puberdade(29). Por outro lado, diferentemente do resultado aqui encontrado, diferenças entre gêneros foram constadas para línguas faladas da Malásia, Turquia e Arábia, sendo que, em geral, a nasalância foi maior em meninas(13,20,21). No conjunto, esses dados sugerem que as diferenças entre gêneros talvez se manifestem em algumas línguas e em outras não. De qualquer modo, as diferenças entre línguas serão ainda melhor exploradas em estudos posteriores.

Ainda que não seja do escopo do presente estudo, é relevante um comentário final acerca dos valores de nasalância obtidos nas crianças com 5 anos de idade comparativamente aos observados em crianças de 6 a 10 anos em um estudo piloto desenvolvido no Laboratório de Fisiologia do HRAC-USP(30), no qual se constatou que, no Português Brasileiro, não parecem existir diferenças quanto à idade, na faixa etária estudada, ao menos quando sílabas são comparadas, o que coincide com os achados em estudo realizado na língua sueca(16). As diferenças entre idades estão sendo avaliadas em profundidade em estudo em andamento no nosso laboratório, para uma amostra significativa de participantes. Este estudo permitirá, inclusive, lançar mão de recursos como o cálculo do limite superior de normalidade da nasalância, adicionando 1.654 desvios padrão à média do grupo “normal”, para a definição de limites de normalidade de diferentes tipos de emissões.

Por fim, é preciso salientar que o presente estudo apresenta três importantes limitações que merecem menção: o número reduzido de participantes, a inclusão de crianças residentes em uma única cidade do Estado de São Paulo e, ainda, eventuais diferenças dialetais, não controladas. Todos esses fatores podem limitar o uso dos valores de nasalância aqui reportados como dados normativos; contudo, podem servir como referenciais em estudos de mesma natureza, desde que tomada a devida cautela na interpretação dos achados.

CONCLUSÃO

No presente estudo, foram definidos valores normais de nasalância do Português Brasileiro para a idade de 5 anos, a serem utilizados, para fins comparativos, em avaliações clínicas de casos com suspeita de disfunção velofaríngea e no acompanhamento do processo terapêutico. Demonstrou-se não haver diferença entre os gêneros, na idade analisada, e que o tipo de emissão tem influência sobre os valores de nasalância aferidos pela nasometria, o que deve ser levado em consideração quando do uso da técnica como recurso diagnóstico dos desvios de nasalidade determinados pela fissura palatina e em outras condições.

REFERÊNCIAS

1 Trindade IEK, Yamashita RP, Gonçalves CGAB. Diagnóstico instrumental da disfunção velofaríngea. In: Trindade IEK, Silva OG Fo, organizadores. Fissuras labiopalatinas: uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Santos; 2007. p. 123-43.
2 Kummer AW. Cleft palate and craniofacial anomalies: the effects on speech and resonance. 2nd ed. New York: Thomson Delmar Learning; 2008.
3 Fletcher SG, Adams LE, McCutcheon MJ. Cleft palate speech assessment through oral-nasal acoustic measures. In: Bzoch KR, editor. Communicative disorders related to cleft lip and palate. 3rd ed. Boston: Little-Brown; 1989. p. 246-57.
4 Dalston RM, Seaver EJ. Relative values of various standardized passages in the nasometric assessment of patients with velopharyngeal impairment. Cleft Palate Craniofac J. 1992;29(1):17-21. PMid:1547246. .
5 Genaro KF, Yamashita RP, Trindade IEK. Avaliação clínica e instrumental da fala na fissura labiopalatina. In: Fernandes FDM, Mendes BCA, Navas ALPGP, organizadores. Tratado de fonoaudiologia. 2. ed. São Paulo: Roca, 2010. p. 488-491.
6 Watterson T, Lewis KE, Deutsch C. Nasalance and nasality in low pressure and high pressure speech. Cleft Palate Craniofac J. 1998;35(4):293-8. PMid:9684765. .
7 Fukushiro AP, Ferlin F, Yamashita RP, Trindade IE. Influence of pharyngeal flap surgery on nasality and nasalance scores of nasal sounds production in individuals with cleft lip and palate. CoDAS. 2015;27(6):584-7. PMid:26691623. .
8 Fletcher SG. Theory and instrumentation for quantitative measurement of nasality. Cleft Palate J. 1970;7:601-9. PMid:5270509.
9 Dalston RM, Neiman GS, González-Landa G. Nasometric sensitivity and specificity: a cross-dialect and cross-culture study. Cleft Palate Craniofac J. 1993;30(3):285-91. PMid:8338858. .
10 Okalidou A, Karathanasi A, Grigoraki E. Nasalance norms in Greek adults. Clin Linguist Phon. 2011;25(8):671-88. PMid:21668367. .
11 Abou-Elsaad T, Quriba A, Baz H, Elkassaby R. Standardization of nasometry for normal Egyptian Arabic speakers. Folia Phoniatr Logop. 2012;64(6):271-7. PMid:23328484. .
12 Lee A, Browne U. Nasalance scores for typical Irish English speaking adults. Logoped Phoniatr Vocol. 2013;38(4):167-72. PMid:22577843. .
13 El-Kassabi RM, Hassan S, Mesallam TA, Malki KH, Farahat M, Alfaris A. Standardization of nasalance scores in normal Saudi speakers. Logoped Phoniatr Vocol. 2014;40(2):77-85. PMid:24854781. .
14 Trindade IEK, Genaro KF, Dalston RM. Nasalance scores of normal Brazilian Portuguese speakers. Braz J Dysmorphol Speech Disord. 1997;1(1):23-34.
15 Marino VCC, Cardoso VM, Ramos RG, Dutka JCR. Valores de nasalância para sílabas produzidas por falantes do Português Brasileiro. CoDAS. 2016;28(3):278-83. .
16 Brunnegard K, Van Doorn J. Normative data on nasalance scores for Swedish as measured on the Nasometer: Influence of dialect, gender, and age. Clin Linguist Phon. 2009;23(1):58-69. PMid:19148813. .
17 Sweeney T, Sell D, O’Regan M. Nasalance score for normal-speaking Irish children. Cleft Palate Craniofac J. 2004;41(2):168-74. PMid:14989687. .
18 Van Der Heijden P, Hobbel HHF, Van der Laan BFAM, Korsten-Meijer AGW, Goorhuis-Brouwer SM. Nasometry normative data for young Dutch children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011;75(3):420-4. PMid:21242004. .
19 Bettens K, Wuyts FL, Graef C, Verhegge L, Van Lierde KM. Effects of age and gender in normal-speaking children on the nasality severity index: an objective multiparametric approach to hypernasality. Folia Phoniatr Logop. 2013;65(4):185-92. PMid:24356338. .
20 Ibrahim HM, Reilly S, Kilpatrick N. Normative nasalance scores for the Malay language. Cleft Palate Craniofac J. 2012;49(5):e61-3. PMid:21787239. .
21 Karakoc O, Akcam T, Birkent H, Arslan HH, Gerek M. Nasalance scores for normal-speaking Turkish population. J Craniofac Surg. 2013;24(2):520-2. PMid:23524731. .
22 Watterson T, Lewis KE, Murdock T, Cordero KN. Reliability and validity of nasality ratings between a monolingual and bilingual listener for speech samples from English-Spanish-Speaking Children. Folia Phoniatr Logop. 2013;65(2):91-7. PMid:24157638. .
23 Lohmander A, Willadsen E, Persson C, Henningsson G, Bowden M, Hutters B. Methodology for speech assessment in the Scandcleft project - an international randomized clinical trial on palatal surgery: experiences from a pilot study. Cleft Palate Craniofac J. 2009;46(4):347-62. PMid:19642772. .
24 CLISPI: Cleft Palate International Speech Issues [Internet]. About CLISPI. Stockholm: Karolinska Institutet; 2016 [cited 2016 Sept 27]. Available from: .
25 Tuzuner A, Demirci S, Akkoc A, Arslan E, Arslan N, Samim EE. Nasalance scores in pediatric patients after adenoidectomy. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2014;78(4):610-3. PMid:24507662. .
26 Hirschberg J, Bók S, Juhász M, Trenovszki Z, Votisky P, Hirschberg A. Adaptation of nasometry to Hungarian language and experiences with its clinical application. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2006;70(5):785-98. PMid:16246433. .
27 Ha S, Cho S. Nasalance scores for normal Korean-speaking adults and children: effects of age, vowel context, and stimulus length. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2015;79(8):1235-9. PMid:26089139. .
28 Van Doorn J, Purcell A. Nasalance levels in the speech of normal Australian children. Cleft Palate Craniofac J. 1998;35(4):287-92. PMid:9684764. .
29 Behlau M, Azevedo R, Pontes P. Conceito de voz normal e classificação das disfonias. In: Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2008. v. 1, cap. 2, p. 57-62.
30 Koos MCT, Andreoli ML, Oliveira DN, Ramos FS, Rodrigues E, Eggert J, et al. Speech ressonance values for children and adults in Tennessee, Iowa and Brazil. In: ASHA Convention - The Magic of Teamwork: Science and Service Delivery; 2013 Nov 13; Chicago. Rockville: ASHA; 2013. Paper presentation.