versão impressa ISSN 1809-2950
Fisioter. Pesqui. vol.21 no.2 São Paulo abr./jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/41121022014
O diabetes mellitus (DM) é um problema de Saúde Pública, com prevalência global prevista para 2025 de 300 milhões de pessoas, devido ao envelhecimento populacional crescente, além das modificações no estilo de vida que geram fatores de risco para essa doença, como estresse, sedentarismo e obesidade. O Brasil é o sexto país no mundo em número de pessoas com DM, com cerca de 11,3 milhões de casos notificados1 - 3.
O DM exerce vários efeitos deletérios. Um deles é o desenvolvimento da neuropatia diabética (NPD), afecção que ataca o sistema nervoso periférico (SNP), com acometimento geralmente simétrico e distal, que leva à insensibilidade plantar, fraqueza muscular (principalmente dos músculos intrínsecos dos pés) e diminuição de amplitude de movimento (ADM), contribuindo para a diminuição das aferências do sistema proprioceptivo, instabilidade postural e risco de quedas4 - 6.
A ocorrência de quedas em idosos é um dos principais fatores de morbidade e mortalidade nessa população, porque acarreta perda de mobilidade, restrição social, dependência para realização de atividades de vida diária (AVD) e perda da autonomia, especialmente entre os diabéticos que não apresentam controle glicêmico adequado7 - 10.
Estudo anterior feito por Bretan et al. evidenciou correlação positiva entre alterações da sensibilidade cutânea plantar e distúrbios do equilíbrio em idosos brasileiros com DM. Os autores também observaram que a perda da sensibilidade cutânea plantar está associada ao risco de quedas11.
Estudos preliminares mostraram que a fisioterapia em indivíduos com NPD é eficaz na atenuação de alguns sintomas, como dormência, formigamento e queimação, além de contribuir para a mobilidade e prevenção de limitações de função muscular, melhora na estabilidade postural e força muscular12 - 14. Morrison et al. observaram que o declínio funcional em idosos diabéticos com história prévia de quedas está associado à NPD, que leva à redução de reações de proteção e medo de cair. Tais autores demonstraram ainda que o treinamento de força muscular pode gerar efeitos positivos nesses indivíduos15.
Apesar de haver dados na literatura abordando esse assunto, ainda são escassos os estudos que analisaram a estabilidade postural por meio da plataforma de pressão em idosos com NPD e são poucos os trabalhos que observaram o desempenho físico entre os pacientes que estavam sob tratamento fisioterapêutico.
Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi analisar a estabilidade postural, o risco de quedas e o medo de cair em idosos com NPD que praticavam exercícios terapêuticos.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UCB sob protocolo nº 46/2010. Todos os voluntários receberam informações detalhadas a respeito dos objetivos e procedimentos do trabalho e participaram do estudo após assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TLCE).
Foi realizado um estudo transversal, com amostra de conveniência. Foram analisados todos os prontuários dos pacientes atendidos em dois serviços públicos de saúde do setor de geriatria do Distrito Federal entre janeiro e junho de 2011, um total de 250 pacientes. Foram selecionados para triagem aqueles que tinham idade igual ou superior a 60 anos e DM tipo 2.
Foram excluídos do estudo indivíduos que possuíam DM do tipo 1, idosos gravemente debilitados, acamados, que apresentassem síndromes demenciais, sequelas motoras de acidente vascular encefálico, úlceras plantares, amputados e aqueles que utilizavam dispositivos de auxílio à marcha na ocasião da avaliação.
A coleta dos dados foi realizada na Clínica Escola de Fisioterapia da UCB em um único momento, com duração média de uma hora, durante o mês de julho de 2011.
Foi realizada triagem para investigar a presença de NPD por meio dos instrumentos Escore de Sinto- mas Neuropáticos (ESN) e Escore de Comprometimento Neuropático (ECN), ambos traduzidos e validados para a população brasileira por Moreira et al., tendo, portanto, boa confiabilidade e reprodutibilidade para diagnóstico de NPD; uma vez não confirmada a neuropatia, o idoso era excluído do estudo16.
Após a triagem, os idosos selecionados responderam a questões sobre a realização exercícios terapêuticos: que exercícios realizavam, por quanto tempo e problemas de saúde associados. Com base nessas informações, foram formados dois grupos, sendo o grupo 1 (G1) composto pelos indivíduos que realizavam exercícios terapêuticos há, pelo menos, três meses e o grupo 2 (G2), pelos indivíduos que não realizavam atendimento exercício algum.
Os exercícios terapêuticos, que eram realizados pelo G1, foram prescritos pelos fisioterapeutas das unidades onde os idosos eram atendidos e eram baseados nas queixas dos pacientes no momento da admissão. Os exercícios eram realizados com frequência de 3 vezes por semana, com duração de 50 minutos. O programa era constituído de exercícios aeróbicos, realizados em bicicleta estacionada, exercícios resistidos para membros inferiores (MMII) e membros superiores (MMSS), treino proprioceptivo e exercícios de alongamento com o objetivo de prevenir complicações decorrentes do DM.
Para a aquisição dos dados da estabilidade postural utilizou-se a plataforma de pressão F-Scan, modelo F-Mat (marca Tekscan(r), versão 4.21, modelo 3100), com frequência de amostragem de 100 Hz, calibrada de acordo com a metodologia proposta pelo fabricante.
O protocolo de captação do sinal estabilométrico utilizado foi o proposto por Regolin e Carvalho17. A partir da utilização desse modelo, o participante foi orientado a subir na plataforma de pressão e permanecer em posição ortostática durante 30 segundos, mantendo posição confortável e distribuindo o peso igualmente entre cada pé (Figura 1); foram realizadas três coletas com olhos abertos (OA) e três com os olhos fechados (OF), com intervalo de um minuto entre cada avaliação. Caso houvesse necessidade, o participante poderia fazer correção visual por meio de óculos.
Os dados referentes às oscilações do centro de pressão (CP) dentro da base de suporte, obtidos por meio do sensor F-Mat, foram exportados para o programa Microsoft (r) Office Excel no formato ASCII, passaram por um filtro digital Butterworth passa-baixos de quarta ordem, com fase zero, frequência de corte de 05 Hz desenvolvido em software MATLAB. Em seguida, passaram por processamento utilizando uma planilha do Microsoft(r) Office Excel, no qual, segundo a metodologia recomendada por Tookuni et al.18, foram excluídos os primeiros 10 segundos de cada coleta e calculados os parâmetros estabilométricos relacionados ao comprimento total da trajetória (CT) do deslocamento do CP, a amplitude dos deslocamentos do CP nos sentidos anteroposterior (AP) e médio-lateral (ML) e a velocidade máxima (VM) atingida pelo CP.
Para avaliar o risco de quedas foi utilizada a Escala de Equilíbrio de Berg (EEB)19, composta por 14 itens envolvendo tarefas funcionais específicas em diferentes bases de apoio, com pontuação variando entre 0 a 56. Cada item possui uma escala ordinal com cinco alternativas de 0 a 4 pontos, na qual 0 indica que o indivíduo não foi capaz de realizar a tarefa e 4 que o indivíduo foi capaz de realizar a tarefa sem dificuldade; no somatório, valores iguais ou inferiores a 45 indicam risco de cair, conforme o ponto de corte proposto por Berg et al.20.
A Escala de Eficácia de Quedas (FES-I) foi aplicada para medir o medo de cair em idosos, sendo esta escala traduzida e validada para a população brasileira por Camargos et al., que descreveram ainda que uma pontuação >23 sugere associação com histórico de queda esporádica, ao passo que uma pontuação >31 enseja uma associação com quedas recorrentes21.
A análise estatística foi realizada por meio do programa SPSS versão 20. Primeiramente, realizou-se análise estatística descritiva (média e desvio-padrão). O teste Kolmogorov-Smirnov foi usado para testar a normalidade dos dados, e seguiu-se com a análise dos dados como paramétricos.
Os valores obtidos nas variáveis estabilométricas, EEB e FES-I foram comparados entre os grupos G1 e G2 utilizando o teste t de Student; a probabilidade de erro tipo I foi estabelecida em 5% para todos os testes (p<0,05).
Os 50 idosos com NPD que participaram do estudo foram divididos em dois grupos: o G1, composto por 24 idosos (sendo 20 mulheres) que estavam realizando exercícios terapêuticos orientados pelos fisioterapeutas dos serviços por, no mínimo, 3 meses, e o G2, por 26 idosos (sendo 21 mulheres) que não realizavam exercício algum. As características dos participantes podem ser observadas na Tabela 1.
G1 | G2 | |
---|---|---|
Sujeitos | 24 | 26 |
Idade (anos)* | 67,8±7,0 | 65,5±4,9 |
Tempo de DM (anos)* | 15,7±9,1 | 15,7±9,1 |
História de quedas nos últimos seis meses | 15 | 20 |
Relato de medo de cair | 13 | 17 |
DM: diabetes mellitus
G1: realizam exercícios terapêuticos
G2: grupo controle
*média±desvio padrão
Na Tabela 2 são observadas as variáveis estabilométricas da plataforma de pressão comparando os grupos, sendo que os idosos com NPD que não realizavam exercícios terapêuticos tiveram pior desempenho nos parâmetros trajetória do deslocamento com olhos fechados (CTOF) e deslocamento médio-lateral com olhos fechados (MLOF), com diferença estatisticamente significativa (p=0,01 e p=0,004, respectivamente).
G1Média±DP | G2Média±DP | Valor p | |
---|---|---|---|
CTOA | 185,02±62,84 | 167,87±46,64 | 0,10 |
APOA | 0,43±0,18 | 0,43±0,17 | 0,85 |
MLOA | 0,69±0,69 | 0,68±0,68 | 0,36 |
VMOA | 40,11±15,43 | 38,37±15,08 | 0,57 |
CTOF | 191,42±72,70 | 162,74±46,51 | 0,01* |
APOF | 0,42±0,16 | 0,39±0,18 | 0,91 |
MLOF | 0,73±16,89 | 0,60±17,12 | 0,004* |
VMOF | 40,10±20,53 | 35,05±13,41 | 0,43 |
CTOA: trajetória do deslocamento com olhos abertos
APOA: deslocamento anteroposterior com olhos abertos
MLOA: deslocamento médio-lateral com olhos abertos
VMOA: velocidade média com olhos abertos
CTOF: trajetória do deslocamento com olhos fechados
APOF: deslocamento anteroposterior com olhos fechados
MLOF: deslocamento médio-lateral com olhos fechados
VMOA: velocidade média com olhos fechados
*p<0,01
G1: realizam exercícios terapêuticos
G2: grupo controle
DP: desvio padrão
Na Tabela 3 são observados os valores da EEB e do FES-I entre os grupos G1 e G2. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, evidenciando que o grupo que realizou o protocolo de exercícios terapêuticos não foi eficaz para minimizar o risco e o medo de cair na população de idosos com NPD.
G1Média±DP | G2Média±DP | Valor p | |
---|---|---|---|
EEB | 50,25±4,13 | 46,92±7,27 | 0,16 |
FES-I | 30,41±8,39 | 28,11±10,45 | 0,15 |
EEB: Escala de Equilíbrio de Berg
FES-I: Escala de Eficácia de Quedas
G1: realizam exercícios terapêuticos
G2: grupo controle
DP: desvio padrão
No presente estudo foi encontrada diferença significativa entre o grupo que realizava exercícios terapêuticos e o que não realizava por meio da plataforma de pressão nos parâmetros CTOF e MLOF.
Centomo et al. avaliaram a estabilidade postural entre idosos com DM tipo 2 com e sem NPD, também utilizando a plataforma de força, e não observaram diferenças entre os grupos corroborando com o presente estudo; uma justificativa dada pelos autores é que, mesmo não tendo diagnóstico de NPD, os diabéticos já apresentam alterações nas respostas posturais que podem influenciar no equilíbrio, por isso não houve diferenças entre os grupos22.
Corriveaux et al. verificaram que idosos com NPD apresentaram aumento significativo das oscilações AP e ML, quando comparados ao grupo de idosos sem NPD, tanto com OA como com OF, comprovando que esses idosos são menos estáveis e têm risco de queda aumentado23. No presente estudo não houve grupo controle de pacientes sem DM, o que impossibilitou observar se tal aumento da oscilação de AP e ML também ocorreria na população estudada; contudo, houve diferença entre os grupos com e sem história de queda no tocante às variáveis CTOF e MLOF.
Nesta pesquisa foi observada diferença significativa entre os grupos nas variáveis CTOF e MLOF, o que pode ser justificado por uma melhor ativação da estratégia de tornozelo para a manutenção da estabilidade postural.
No estudo de Cenci et al., os idosos diabéticos foram avaliados a partir da utilização do sistema F-Scan, da estesiometria e da EEB, e tiveram as alterações do equilíbrio verificadas por meio deste sensor e pela EEB, ou seja, os indivíduos avaliados encontram-se fora do risco de queda, mesmo com a diminuição ou ausência da sensibilidade protetora plantar, mostrando, neste caso, que a intervenção fisioterapêutica, por meio sobretudo de exercícios terapêuticos, foi benéfica para a manutenção e/ou melhora do equilíbrio corporal, reduzindo, assim, o risco de quedas e aumentando a independência nas AVD24. Tal achado corrobora o presente, ratificando que o grupo que realizava exercícios terapêuticos obteve melhores valores nos parâmetros CTOF e MLOF na plataforma de pressão.
Apesar de a plataforma de força ser o instrumento mais utilizado para a avaliação postural, não há consenso sobre as variáveis do CP utilizadas na aferição da estabilidade postural dos pacientes em teste, o que pode dificultar a comparação de resultados entre estudos, além da carência de pesquisas utilizando a plataforma de força nessa população25. No presente estudo, os parâmetros CTOF e MLOF apresentaram diferenças significativas entre os grupos G1 e G2, mas não há como confirmar na literatura se tais parâmetros teriam a sensibilidade e a especificidade para indicar o risco de cair.
A melhora no desempenho físico pode ser alcançada por meio de variações nos padrões de prescrição de exercícios pensando na questão dose e efeito, na qual os aspectos frequência semanal, número de séries e repetições, velocidade de execução e descanso periódico devem ser considerados, permitindo uma melhor relação entre estresse/recuperação voltada para aumentar a massa muscular e gerar efeitos na prevenção de quedas26 - 28. No presente estudo, apesar de não ter sido levada em consideração a padronização do protocolo de exercícios realizados, houve diferença entre os grupos nos parâmetros estabilométricos, porém não foram observadas diferenças significativas nos valores da EEB entre G1 e G2, considerando o ponto de corte inferior a 45 pontos como indicador de risco de quedas.
Em relação à pontuação da EEB, Bretan et al.11 propuseram pontos de corte diferentes do preconizado por Berg et al.18, que é 45 para risco de quedas; esses autores compararam a EEB com o monofilamento de 10 g e, por meio da construção de uma curva ROC, sugeriram novo ponto de corte de 48 ou 49 para a EEB, considerando o DM como um fator de risco para quedas em idosos. Com base nesse ponto de corte foi possível notar que o G1 obteve pontuação aproximada do novo ponto de corte e o G2 obteve pontuação inferior ao ponto de corte da EEB, sugerindo que a NPD é um fator preponderante para a instabilidade postural dessa população, especialmente entre os idosos que não realizavam o exercício terapêutico.
Kanade et al. observaram, em seu estudo, que o equilíbrio estático é afetado diretamente pelas complicações decorrentes da NPD e que o treino de equilíbrio deve fazer parte do programa de reabilitação desses indivíduos29, ratificando a diferença encontrada no presente estudo, em que os parâmetros CTOF e MLOF foram melhores nos pacientes com história de atividade física regular.
No que se refere ao medo de cair, aproximadamente de 20 a 60% dos pacientes já experimentaram medo de cair, mesmo sem ter ocorrido o episódio da queda e, a frequência é maior em mulheres, principalmente quando são sedentárias ou quando apresentam história de depressão30 , 31, contudo não foram observadas associações entre medo de cair e exercícios terapêuticos no presente estudo.
O presente estudo apresenta como limitações os seguintes aspectos: o número amostral, padronização do grupo de intervenção e levantamento de aspectos neurocognitivos, como nível de escolaridade, depressão e a autoeficácia, fatores que talvez poderiam influenciar na resposta dos voluntários em relação ao medo de queda.
Idosos com NPD que realizam exercícios terapêuticos apresentam diferenças na estabilidade postural, avaliada pela plataforma de pressão com OF nos parâmetros CT e estabilidade ML do sinal estabilométrico. Não foi observada diferença no risco de quedas e medo de cair entre os grupos avaliados no presente estudo.