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Estadiamento do câncer de pulmão: uma visão epidemiológica brasileira

Estadiamento do câncer de pulmão: uma visão epidemiológica brasileira

Autores:

Juliana Pereira Franceschini,
Ilka Lopes Santoro

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.46 no.1 São Paulo 2020 Epub 02-Mar-2020

http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20190412

O câncer de pulmão é sabidamente o primeiro tipo de câncer tanto em incidência como em mortalidade no mundo.1 O tabagismo é o principal fator de risco prevenível para o desenvolvimento do câncer de pulmão.2

O Brasil tem se destacado nas ações contra o tabagismo, fato que tem contribuído para a diminuição da prevalência do tabagismo entre os brasileiros nas últimas décadas. Contudo, apesar de todos os esforços para o controle do consumo de tabaco no país, o câncer de pulmão tem um grande período de latência, o que tem relação tanto com a incidência da doença quanto com a mortalidade.3 Malta et al.4 demonstraram uma queda discreta na taxa de mortalidade por câncer de pulmão em homens no Brasil entre os anos de 1996 e 2011, o que ainda não foi observado nas mulheres.

No presente número do JBP, Costa et al.5 publicaram um estudo epidemiológico retrospectivo, no qual caracterizaram o perfil de 73.167 pacientes diagnosticados com câncer de pulmão no Brasil entre 2000 e 2014, estratificados nos diferentes estádios da doença. Esse estudo é de extrema importância e apresentou resultados relevantes para serem analisados, o que ajudará a repensar a política de saúde nacional para o câncer de pulmão.

Costa et al.5 obtiveram os dados por meio do cadastro existente no integrador do Sistema de Registro Hospitalar de Câncer do Instituto Nacional do Câncer, localizado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), e de registros hospitalares de câncer da Fundação Oncocentro de São Paulo, na cidade de São Paulo (SP). Uma vez que a análise foi retrospectiva e realizada a partir de dados de hospitais terciários especializados em câncer e localizados em grandes capitais brasileiras, torna-se necessário considerar os vieses inerentes ao delineamento do estudo. Primeiro, há dificuldades na generalização dos resultados, que podem não refletir o vasto cenário nacional quando pensamos nas diferenças geográficas, culturais e de acesso aos serviços de saúde. Nesse sentido, Kaliks et al.6 demonstraram diferenças significativas nos tratamentos sistêmicos do câncer no Brasil, tanto em relação às medicações disponibilizadas como aos protocolos para tratamento, e atribuíram essas diferenças à falta de amplas discussões sobre o tema, envolvendo governo, sociedade médica e sociedade civil.

É também importante ressaltar que, durante o período estudado, novas tecnologias foram incorporadas na prática diária, tanto para o diagnóstico como para o tratamento do câncer de pulmão. Dentre elas, destacamos a tomografia por emissão de pósitrons/CT, a qual foi incorporada à rotina clínica no Instituto Nacional do Câncer em 2013, embora já estivesse sendo utilizada em ensaios clínicos desde 2010. Esse método contribui para o refinamento do estadiamento clínico de câncer de pulmão e, consequentemente, pode ter influenciado e explicar, em parte, as curvas de distribuição dos estádios da doença especialmente a partir de 2010.

O estudo de Costa et al.5 confirmou que, no Brasil, assim como na maioria dos países, o câncer de pulmão é diagnosticado em estádios avançados da doença (III e IV) em aproximadamente 70% dos casos, apresentando baixas taxas de sobrevida e gerando um maior comprometimento da qualidade de vida e maiores custos relacionados ao tratamento.7

Outro aspecto a ser destacado é que, no período estudado, o estadiamento tumor-nódulo-metástase para o câncer de pulmão foi atualizado por duas vezes (5ª, 6ª e 7ª edições).8 Assim, deve-se levar em consideração importantes mudanças nos descritores, especialmente a respeito dos componentes tumor e metástase e, por conseguinte, do estadiamento clínico ao longo do tempo, pois não há homogeneidade na definição dos descritores intraestádios.

Em conformidade com a literatura vigente, o estudo de Costa et al.5 também demonstrou o aumento da prevalência de adenocarcinoma e a redução da prevalência de carcinoma de células escamosas na amostra estudada.9,10

Ressaltamos o mérito da existência de um registro nacional de câncer para estimular o delineamento de estudos populacionais sobre o tema, os quais são de suma importância para estabelecer políticas públicas para o câncer de pulmão em todas as etapas, desde o diagnóstico até a terapêutica. Concordamos com os autores que é crucial a capacitação de profissionais da saúde da atenção primária e secundária, bem como o alinhamento dos serviços de saúde, no sentido de conceber uma linha de cuidado e, com isso, otimizar tempo e recursos para o diagnóstico precoce e assim realizar o tratamento com intuito curativo.

REFERÊNCIAS

1 Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):394-424.
2 Inoue-Choi M, Liao LM, Reyes-Guzman C, Hartge P, Caporaso N, Freedman ND. Association of Long-term, Low-Intensity Smoking With All-Cause and Cause-Specific Mortality in the National Institutes of Health-AARP Diet and Health Study. JAMA Intern Med. 2017;177(1):87-95.
3 Cantley LC, Dalton WS, DuBois RN, Finn OJ, Futreal PA, Golub TR, et al. AACR Cancer Progress Report 2012. Clin Cancer Res. 2012;18(21 Suppl):S1-S100.
4 Malta DC, Abreu DM, Moura Ld, Lana GC, Azevedo G, França E. Trends in corrected lung cancer mortality rates in Brazil and regions. Rev Saude Publica. 2016;50:33.
5 Costa GJ, Mello MJG, Bergmann A, Ferreira CG, Thuler LCS. Tumor-node-metastasis staging and treatment patterns of 73,167 patients with lung cancer in Brazil. J Bras Pneumol. 2020;46(1)e20180251.
6 Kaliks RA, Matos TF, Silva VA, Barros LHC. Differences in systemic cancer treatment in Brazil: my Public Health System is different from your Public Health System. Braz J Oncol. 2017;13(44):1-12.
7 Araujo LH, Baldotto C, Castro G Jr, Katz A, Ferreira CG, Mathias C, et al. Lung cancer in Brazil. J Bras Pneumol. 2018;44(1):55-64.
8 Chheang S, Brown K. Lung cancer staging: clinical and radiologic perspectives. Semin Intervent Radiol. 2013;30(2):99-113.
9 Tsukazan MTR, Vigo Á, Silva VDD, Barrios CH, Rios JO, Pinto JAF. Lung cancer: changes in histology, gender, and age over the last 30 years in Brazil. J Bras Pneumol. 2017;43(5):363-367.
10 Costa G, Thuler LC, Ferreira CG. Epidemiological changes in the histological subtypes of 35,018 non-small-cell lung cancer cases in Brazil. Lung Cancer. 2016;97:66-72.