versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.3 Rio de Janeiro mar. 2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018243.11192017
Malnutrition is a major factor in the evolution of patients with chronic kidney disease (CKD) on hemodialysis (HD). It is associated with increased frequency and the duration of hospitalizations. The scope of this study was to evaluate the nutritional status of patients with CKD on HD in public or private clinics of the Unified Health System in the Federal District. Sociodemographic, biochemical and anthropometric data were obtained from 96 participants, 35.5% of which were from public clinics. Parameters for evaluation of malnutrition in CKD included Body Mass Index (BMI) < 23 kg/m2, reduced arm muscle circumference (AMC) and serum albumin < 3.8 g/dL. From all participants, 14.6% were classified as malnourished (60 ± 12 years; 57% male; 69% private clinics); 33.3% presented adequate nutritional status (55 ± 14 years; 53% male; 57% private clinics); 52.1% had at least one parameter related to malnutrition. BMI below the recommended parameter was the most prevalent variable (42.7%), followed by reduced AMC (41.7%) and serum albumin (33.3%). Based on these results, it may be concluded that at least one positive variable was related to malnutrition in half of the sample, which reinforces the importance of nutritional assessment in the context of the treatment of CKD.
Key words: Malnutrition; Unified Health System; Chronic kidney disease; Kidney dialysis
A Doença Renal Crônica (DRC) é um problema de saúde pública com impacto econômico e social significativo. Em 1990, a DRC representava a 17a causa de morte no Brasil, enquanto em 2010 já ocupava a 10a colocação. Além disso, observou-se um aumento expressivo na contribuição da DRC como causa de morte prematura em mulheres brasileiras1. A hipertensão e o diabetes seguem como as principais causas de DRC que causam falência dos rins e necessidade de terapia renal substitutiva, o que acarreta em enorme ônus ao sistema de saúde. Dentre os tipos de terapia substitutiva, a hemodiálise (HD) representa a principal escolha, sendo utilizada em 91% dos casos2. O Registro Latino-Americano de Diálise mostra um aumento na prevalência de portadores de DRC em uso de terapia renal substitutiva, em particular nos países que têm uma cobertura universal de saúde pública, sendo o Brasil o país com maior número de pacientes nesta condição3. A taxa real de tratamento renal substitutivo no Brasil continua inferior a encontrada em países como o Chile, Argentina, de alguns países desenvolvidos da Europa e também da norte americana. Entretanto, há grandes variações regionais no Brasil, com valores obtidos nas regiões Sudeste e Sul próximos aos encontrados em países desenvolvidos3.
A depleção do estado nutricional é frequentemente observada à medida que a perda da função renal evolui. A etiologia da desnutrição associada à DRC é multifatorial, sendo quase sempre associada à ingestão alimentar insuficiente e/ou, principalmente, ao hipercatabolismo, além das perdas de nutrientes durante o procedimento hemodialítico4. A desnutrição possui um impacto negativo na evolução dos pacientes em HD pois está associada a um maior número de complicações, como maior risco de infecções, além de maior frequência e duração nas internações hospitalares5. Estudos nacionais apresentam uma ampla variação na prevalência de desnutrição moderada a grave associada a HD, possivelmente em função das diferentes metodologias utilizadas na sua avaliação6,7.
A monitoração periódica do estado nutricional deve fazer parte do acompanhamento de pacientes em diálise, sendo fundamental para prevenir, diagnosticar e tratar a desnutrição. Apesar da importância do estado nutricional na evolução do paciente com DRC em tratamento hemodialítico, apenas em 2010 foi realizado o 1º Censo do Estado Nutricional de Pacientes em HD pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN)8. Dentre os resultados obtidos observou-se que 44,6% dos pacientes avaliados realizavam HD pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os quais apresentaram maior prevalência de eutrofia e níveis adequados de albumina sérica em comparação aos pacientes atendidos por convênio. No entanto, apenas 36 (12%) das 626 Unidades Renais Cadastradas na SBN e ativas concordaram em participar do censo, sendo 17 na região Sudeste, nove na região Sul, cinco na região Centro-Oeste, quatro na região Nordeste e apenas uma na região Norte. Além disso, dados de apenas 50% dos pacientes destas unidades foram enviados e contabilizados no Censo. Em toda a região Centro-Oeste, cinco unidades de diálise responderam ao Censo, totalizando 271 pacientes, ficando apenas à frente da Região Norte (n = 75) em número de pacientes incluídos no estudo, o que reforça a necessidade de estudos que avaliem o perfil nutricional desse grupo nessa região brasileira. Especula-se que os pacientes tratados nos estabelecimentos que não responderam estejam em situação de saúde mais precária, especialmente em algumas regiões menos favorecidas do país. Sendo assim, os resultados apresentados no censo nutricional da SBN demonstram a necessidade premente de informações acerca do estado nutricional de pacientes em HD naquelas regiões brasileiras onde observou-se maior escassez de informação, ou seja, nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte.
Diante deste contexto e considerando que a identificação e o tratamento precoce do déficit nutricional durante o tratamento hemodialítico podem reduzir o risco de infecções e outras complicações, bem como a mortalidade nesses pacientes, o objetivo do presente estudo foi avaliar o estado nutricional de pacientes com DRC em HD em unidades públicas ou privadas vinculadas ao SUS no Distrito Federal.
Trata-se de um estudo transversal com amostra por conveniência. Com base no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde foram selecionados cinco centros de HD do Distrito Federal, de gestão pública ou privada, que prestassem serviço para a população adulta proveniente do SUS, e que concordassem em participar do estudo. Do total de 16 centros de HD cadastrados (11 privados e quatro públicos), um não concordou em participar do estudo; quatro centros de gestão privada não prestavam serviço ao SUS; um centro de gestão pública prestava serviço exclusivamente para pacientes portadores de HIV. Sendo assim, dos 10 centros de HD restantes, cinco foram selecionados para o estudo (três de gestão privada e dois de gestão pública). A escolha pelas clínicas deu-se por conveniência, de forma que, das clínicas elegíveis, fossem aquelas em diferentes regiões administrativas do DF. A opção de estudo dos pacientes exclusivamente do SUS deu-se pelo fato de o número de sessões de HD semanais diferir entre esses pacientes e aqueles atendidos por convênio. Os critérios de inclusão do estudo foram: ter idade igual ou superior a 18 anos e estar em tratamento hemodialítico há pelo menos três meses. Os critérios de exclusão foram: ser portador de patologia que afetasse diretamente o estado nutricional (como síndrome da imunodeficiência adquirida ou câncer) ou estar em uso de outro tipo de terapia renal substitutiva. A coleta de dados ocorreu no período de março a dezembro de 2014. Foram avaliados 96 portadores de DRC que realizaram HD em hospitais públicos ou clínicas privadas conveniadas ao SUS em quatro regiões administrativas do Distrito Federal. Do total de pacientes avaliados 35,5% realizavam HD em hospitais públicos e 64,5% em clínicas de HD privadas. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e pelo Comitê de Ética da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde – FEPECS do Distrito Federal. Todos os participantes foram esclarecidos sobre os procedimentos do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
As informações sociodemográficas foram obtidas por meio de um questionário respondido pelos participantes e incluíram as seguintes informações: raça, procedência, escolaridade, renda e ocupação. Outros dados foram coletados a partir do prontuário médico e incluíram: doença de base, tempo de HD, acesso utilizado na HD e valores mais recentes de albumina sérica (método de verde de bromocresol) e Kt/V (fórmula do Daugirdas II), parâmetro esse de avaliação da eficiência da diálise. Na fórmula do Kt/V, o (K) representa a depuração de ureia do dialisador, que é multiplicada pelo tempo de tratamento (t) e dividida pelo volume de distribuição de ureia do paciente (V). A adequação da diálise é fixada pelas diretrizes do National Kidney Foundation Disease Outcomes Quality Initiative (NKF-DOQI), a qual recomenda que se mantenha um valor de Kt/V superior a 1,29.
Imediatamente após a sessão de HD foi realizada a avalição antropométrica que incluiu as seguintes medidas: peso e altura (PL-200 kg; Filizola®, São Paulo, Brasil), circunferências do braço (CB), cintura (CC) e quadril utilizando fita não elástica e prega cutânea tricipital (PCT) (Plicômetro Científico Classic; Sanny®, São Paulo, Brasil). A pesagem do paciente após a sessão de HD faz parte da rotina clínica, uma vez que esta medida representa o peso seco, ou seja, sem excesso de líquidos corporais que, neste caso, foi eliminado através do procedimento de HD. No momento da avaliação, os participantes foram orientados a usar roupas leves e ficarem descalços e centralizados, eretos, com os braços soltos ao longo do corpo e olhar na linha do horizonte. Todas as medidas foram realizadas por um único profissional nutricionista, seguindo protocolo previamente estabelecido10.
Para a obtenção dos valores de circunferência muscular do braço (CMB) foi utilizada a fórmula CMB (cm) = CB (cm) - (PCT em mm x 0,314). Por haver diferenças entre os valores de referência para homens e mulheres, obteve-se valores de adequação percentual para CB, CMB e PCT. Tais valores foram obtidos pela razão entre o valor da medida realizada e o valor de referência da medida (percentil 50). Os resultados foram classificados segundo Frisancho11. Para o Índice de Massa Corpórea (IMC) foi utilizada a classificação da Organização Mundial de Saúde12 e a de Lipschitz13 para participantes com idade igual ou superior a 60 anos. A medida da circunferência da cintura e a relação cintura/quadril (RCQ) foram categorizadas segundo os parâmetros estabelecidos pela OMS (2000), ou seja, < 80 cm e < 0,85 (mulheres) e < 94 cm e < 0,90 (homens), respectivamente12. Valores superiores aos estabelecidos sugerem um aumento no risco de eventos cardiovasculares.
Para a avaliação da desnutrição proteico energética na DRC foram utilizados os critérios propostos pela International Society of Renal Nutrition and Metabolism14 que incluem: albumina sérica < 3,8 g/dl, IMC < 23 kg/m2 e CMB com redução > 10% em comparação ao percentil 50 da população de referência.
Calculou-se médias e desvios-padrão para variáveis quantitativas e percentuais para variáveis qualitativas de características demográficas, clínicas e antropométricas. Com o objetivo de avaliar se houve diferença nos parâmetros avaliados por gênero, foram realizadas comparações das variáveis por meio de teste t-Student ou teste não paramétrico (para variáveis quantitativas) e por teste Qui-quadrado ou Exato de Fisher (para variáveis qualitativas). Coeficientes de correlação de Pearson foram estimados entre variáveis quantitativas. Resultados de testes com p-valor inferior a 0,05 foram consideradas estatisticamente significantes. Todas as análises estatísticas foram implementadas no software R (versão 3.2.0).
A hipertensão arterial, isoladamente, foi a doença de base mais prevalente, seguida pelo diabetes. Apenas 14% dos pacientes avaliados eram diabéticos e hipertensos. O perfil mais comum da amostra foi de indivíduos pardos, oriundos da região Nordeste, com baixo nível de escolaridade e renda mensal de até dois salários mínimos. As demais características sociodemográficas dos participantes são apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1 Características gerais, sócio-demográficas e relacionadas à doença renal em portadores de insuficiência renal crônica em hemodiálise.
Variável | Todos (n=96) | Feminino* (n= 41) | Masculino* (n= 55) |
---|---|---|---|
Clínicas (Tipo/Localidade),% | |||
Público/Asa Norte | 16,7 | 17,1 | 14,5 |
Público/Taguatinga | 18,8 | 24,4 | 16,4 |
Privado/Asa Sul | 8,3 | 4,9 | 23,6 |
Privado/Ceilândia | 22,9 | 22,0 | 34,6 |
Privado/Samambaia | 33,3 | 31,6 | 10,9 |
Doença de Base,% | |||
HAS | 43,7 | 43,8 | 43,6 |
Diabetes | 27,1 | 29,3 | 25,5 |
Glomerulonefrite | 9,4 | 4,9 | 12,7 |
Outras causas | 19,8 | 22,0 | 18,2 |
Idade, média (D.P.) | 54,2(15,0) | 54,4(16,1) | 54,1 (14,2) |
> 60 anos, % | 37,5 | 43,9 | 32,7 |
Raça, % | |||
Parda | 54,2 | 48,9 | 58,2 |
Branca | 20,8 | 26,8 | 10,9 |
Negra | 17,7 | 19,5 | 21,8 |
Indígena | 4,2 | 2,4 | 5,5 |
Não informado | 3,1 | 2,4 | 3,6 |
Região de Origem, % | |||
Nordeste | 54,2 | 61,0 | 49,1 |
Centro-Oeste | 31,2 | 29,2 | 32,7 |
Sudeste | 14,6 | 9,8 | 18,2 |
Escolaridade, % | |||
Analfabeto | 13,5 | 14,6 | 12,7 |
Lê e escreve | 1,0 | 2,4 | 0,0 |
Fundamental incompleto | 35,5 | 36,7 | 34,5 |
Fundamental completo | 12,5 | 14,6 | 10,9 |
Médio incompleto | 13,5 | 12,2 | 14,5 |
Médio completo | 16,7 | 17,1 | 16,4 |
Superior incompleto | 4,2 | 2,4 | 5,5 |
Superior completo | 3,1 | 0,0 | 5,5 |
Renda, % | |||
< 2 salários mínimos | 86,4 | 95,2 | 80,0 |
3-4 salários mínimos | 6,3 | 2,4 | 9,1 |
> 5 salários mínimos | 7,3 | 2,4 | 10,9 |
Notas: *As porcentagens das terceira e quarta colunas foram calculadas com base nos totais de participantes dos sexos feminino e masculino, respectivamente. Não houve diferença estatisticamente significante entre os gêneros para nenhuma das variáveis apresentadas nesta tabela.
HAS - Hipertensão Arterial Sistêmica.
A média de tempo em HD foi de 3 anos e 11 meses (mínimo: 3 meses; máximo: 21 anos), sendo a fistula arteriovenosa o principal tipo de acesso utilizado para o procedimento (83% vs. 17% cateter). Quanto ao Kt/V, dos 96 pacientes avaliados somente 58 (60%) dispunham de algum valor desta variável registrado em prontuário no período da coleta de dados (54 ± 15 anos; 57% masculino; Kt/V = 1,3 ± 0,3). Os resultados encontrados acima do limite preconizado se justificam em função de valores superiores em mulheres quando comparado aos homens (1,5 ± 0,3 vs. 1,2 ± 0,2 em homens; P = 0,004). No entanto, 35% dos pacientes desta sub-amostra apresentaram valor de Kt/V inferior ou igual a 1,2 (n = 18; 53 ±11 anos; 72% masculino).
A Tabela 2 apresenta os resultados das variáveis relacionadas ao estado nutricional. No que se refere à avaliação antropométrica, observou-se que entre os participantes adultos, a maior parte (53%) enquadrou-se nos padrões de eutrofia estabelecidos pela OMS12, seguidos por participantes com sobrepeso/obesidade e com magreza. Não foram observadas diferenças na média ou na distribuição percentual dos grupos de IMC entre os gêneros. Resultados semelhantes foram encontrados quando os pacientes idosos foram analisados separadamente segundo a classificação para a faixa etária igual ou superior a 60 anos (n = 36; 69 ± 5 anos; 50% masculino)13.
Tabela 2 Caracterização do estado nutricional de portadores de insuficiência renal crônica em hemodiálise.
Variável | Todos (n = 96) | Feminino (n = 41) | Masculino (n = 55) | p-valor |
---|---|---|---|---|
Albumina (g/dl), mediana (D.I.) | 3,9 (0,5) | 3,8 (0,5) | 4,0 (0,5) | 0,006 w |
Critérios de desnutrição da ISRNM | ||||
Albumina < 3,8g/dl, % | 33,3 | 43,9 | 25,5 | 0,09 q |
IMC < 23, % | 42,7 | 26,8 | 52,7 | 0,02 q |
CMB limite negativo, % | 41,7 | 43,9 | 41,8 | 0,99 q |
Atendem aos 3 critérios, % | 14,6 | 14,6 | 14,5 | 0,99 q |
IMC (kg/m2), média (D.P.) | 24,4 (4,6) | 24,0 (4,8) | 24,7 (4,5) | 0,44 t |
IMC categorizado OMS, % | 0,67 f | |||
Magreza | 6,3 | 9,8 | 3,6 | |
Eutrofia | 53,1 | 53,6 | 52,8 | |
Sobrepeso | 28,1 | 24,4 | 30,9 | |
Obesidade | 12,5 | 12,2 | 12,7 | |
IMC categorizado por idade*, % | 0,75 q | |||
Magreza | 13,5 | 14,6 | 12,7 | |
Eutrofia | 48,0 | 51,3 | 45,5 | |
Sobrepeso/Obesidade | 38,5 | 34,1 | 41,8 | |
Circunferência de Cintura Adequada, % | 53,1 | 35,9 | 67,3 | 0,005 q |
RCQ Adequada, % | 42,7 | 23,1 | 58,2 | 0,002 q |
Adequação de PCT, mediana (D.I.*) | 76,9 (38,75) | 75,0 (51,7) | 79,2 (26,1) | 0,66 w |
Adequação de PCT, % | 0,20 q | |||
Desnutrição Grave (< 70%) | 41,7 | 46,4 | 38,2 | |
Desnutrição Moderada (70 a 80%) | 13,5 | 14,6 | 12,7 | |
Desnutrição Leve (80 a 90%) | 17,7 | 7,3 | 25,5 | |
Eutrofia (90 a 110%) | 12,5 | 12,2 | 12,7 | |
Sobrepeso (110 a 120%) | 0,0 | 0,0 | 0,0 | |
Obesidade (>120%) | 14,6 | 19,5 | 10,9 | |
Adequação de CB, média (D.P.) | 83,9 (11,5) | 86,7 (13,9) | 83,3 (9,3) | 0,15 t |
Adequação de CB, % | 0,09 f | |||
Desnutrição Grave (< 70%) | 9,4 | 14,6 | 5,5 | |
Desnutrição Moderada (70 a 80%) | 21,9 | 12,2 | 29,1 | |
Desnutrição Leve (80 a 90%) | 39,6 | 36,7 | 41,8 | |
Eutrofia (90 a 110%) | 28,1 | 34,1 | 23,6 | |
Sobrepeso (110 a 120%) | 1,0 | 2,4 | 0,0 | |
Obesidade (>120%) | 0,0 | 0,0 | 0,0 | |
Adequação de CMB, média (D.P.) | 93,7 (14,0) | 96,2 (12,5) | 91,8 (14,8) | 0,13 t |
Adequação de CMB, % | 0,10 q | |||
Desnutrição Grave (< 70%) | 2,1 | 0,0 | 3,6 | |
Desnutrição Moderada (70 a 80%) | 14,6 | 12,2 | 16,4 | |
Desnutrição Leve (80 a 90%) | 25,0 | 14,6 | 32,7 | |
Eutrofia (90 a 100%) | 27,1 | 34,1 | 21,8 | |
Sobrepeso/Obesidade (>100%) | 31,2 | 39,1 | 25,5 |
Notas: IMC – Índice de Massa Corpórea, RCQ – razão cintura-quadril, PCT - Prega Cutânea Triciptal, CB – Circunferência do Braço, CMB –Circunferência Muscular do Braço. Classificação IMC (OMS): magreza (IMC < 18,5 kg/m2); eutrofia (18,5 ≤ IMC < 25 kg/m2); sobrepeso. (25 ≤ IMC < 30 kg/m2); obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2). *Classificação para ≥ 60 anos: magreza (IMC < 22 kg/m2), eutrofia (22 ≤ IMC < 27 kg/m2), sobrepeso/obesidade (IMC ≥ 27 kg/m2). * D.I. representa desvio interquartílico, calculado pela diferença entre o terceiro e o primeiro quartis. w p-valor referente a teste não-paramétrico de Wilcoxon-Mann-Whitney para comparação por sexo. q p-valor referente a teste Qui-quadrado para comparação por sexo. f p-valor referente a teste exato de Fisher para comparação por sexo. t p-valor referente a teste t-Student para comparação por sexo.
Setenta e três por cento dos participantes apresentou algum grau de desnutrição (leve, moderada ou grave), segundo a adequação de PCT. O mesmo padrão de resposta foi observado para CB (70,9% de desnutrição) e, em menor grau, para CMB (41% de desnutrição). Para as medidas CB e CMB, o tipo de desnutrição mais frequente foi a leve, seguido de eutrofia e sobrepeso/obesidade, respectivamente. Já para PCT, a desnutrição grave foi mais frequente. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os gêneros no percentual de adequação obtido para estas medidas. No entanto, foi demonstrado que o percentual de homens com valores adequados de circunferência de cintura e relação cintura/quadril foi superior ao encontrado em mulheres (P<0,05).
Os valores de albumina sérica encontrados foram, em média, ligeiramente superiores ao ponto de corte proposto (3,85 ± 0,43 g/dl), sendo maiores em homens (3,94 ± 0,40 g/dl) do que em mulheres (3,72 ± 0,44 g/dl; P = 0,01). Apesar deste achado, não houve diferença entre o percentual de mulheres e homens que apresentaram um valor de albumina abaixo de 3,8 g/dl, como parte dos critérios de desnutrição sugeridos pela Sociedade Internacional de Nutrição Renal e Metabolismo (ISRNM)14. De acordo com os resultados apresentados na tabela 2, pode-se observar que homens apresentaram IMC < 23 kg/m2 em maior proporção em comparação às mulheres. No entanto, não houve diferença entre os gêneros para o critério referente à CMB.
Ao se considerar conjuntamente os valores de albumina sérica, IMC, e CMB, observou-se que 14,6% dos participantes foram classificados como desnutridos (60±12 anos; 57% masculino; 69% clínicas privadas). A Figura 1 ilustra a distribuição dos participantes quanto à adequação aos três critérios de desnutrição na IRC. Do total de indivíduos avaliados 21,9% atenderam a dois critérios de desnutrição; 30,2% atenderam a um critério e 33,3% não atenderam a nenhum dos critérios, ou seja, apresentaram valores de IMC, CMB e albumina sérica acima dos limites para caracterização de desnutrição (55±14 anos; 53% masculino; 57% clínicas privadas). Ao considerar os pacientes com 0 a 2 critérios positivos para desnutrição, ou seja, não desnutridos, observou-se um padrão de eutrofia para IMC e adequação de CMB e desnutrição leve para adequação CB e PCT em comparação ao grupo desnutrido (P < 0,01).
Figura 1 Diagrama de Venn para o número de participantes que atendem a pelo menos um dos critérios do IRNS que incluem albumina sérica < 3,8 g/dl (Alb < 3,8; n=32), CMB com redução > 10% em comparação ao percentil 50 da população de referência (CMB < 10%; n=40) e IMC < 23 kg/m2 (n=41). Os 33 participantes que não atenderam a nenhum dos 3 critérios não estão incluídos nesse diagrama.
O presente estudo investigou o estado nutricional de portadores de DRC em tratamento hemodialítico pelo SUS no DF. Do total de indivíduos avaliados, 14,6% foram classificados como desnutridos, 33,3% apresentaram estado nutricional adequado e 52,1% apresentaram ao menos uma variável relacionada à desnutrição. Nesse grupo, dentre os parâmetros analisados, o IMC abaixo do recomendado (< 23 kg/m2) foi o mais prevalente.
A DRC é uma enfermidade complexa, com impacto significante na qualidade de vida, longevidade, uso de recursos médicos e gastos em saúde pública15-17. O portador de DRC experimenta uma drástica mudança em sua vida, passando a conviver com muitas limitações que incluem tratamento hemodialítico doloroso, dietoterapia rígida, mudanças no cotidiano familiar, profissional e social e pensamento na morte mais frequente, o que leva o indivíduo a ter uma percepção negativa sobre sua saúde18,19. Estudos que envolvam análise do perfil da DRC no Brasil são de grande importância, de forma que seja possível reunir informações com base na nossa população e no sistema de saúde local, para planejar uma abordagem correta da DRC em termos de políticas públicas20.
No Brasil, a Política Nacional de Atenção ao Portador de Doença Renal21 foi instituída em 2004 tendo como uma de suas principais metas definir critérios técnicos mínimos para o funcionamento e avaliação dos serviços públicos e privados que realizam diálise, bem como os mecanismos de sua monitoração com vistas a diminuir os riscos aos quais fica exposto o portador de doença renal. No âmbito do SUS, as Diretrizes Clínicas para o Cuidado ao Paciente com DRC22 estabelecem a necessidade de acompanhamento por uma equipe multiprofissional nas Unidades Básicas de Saúde e, nos casos que requerem, nas unidades de atenção especializada em DRC para orientações e educação, incluindo aconselhamento e suporte sobre mudança do estilo de vida, avaliação nutricional, orientação sobre o auto-cuidado, entre outros.
O número absoluto de pacientes em diálise tem aumentado 3% ao ano nos últimos três anos. A HD se mantém como o tipo de tratamento mais frequente, com maior prevalência em homens e a hipertensão arterial, como o principal diagnóstico primário, seguido de diabetes2,23,24. O perfil identificado no presente estudo, em que 57% dos avaliados eram homens, 45,5% hipertensos, além de outras características que incluíram baixo nível de escolaridade e renda inferior a dois salários mínimos foi semelhante ao encontrado na literatura2,23. Todos os avaliados eram assistidos pelo SUS, seja em estabelecimentos públicos ou privados conveniados. Zambonato et al.25 observaram uma associação significativa entre o aumento na mortalidade e marcadores de menor status socioeconômico como menor escolaridade, classe econômica C, D ou E e ausência de plano de saúde privado em uma região no Sul do Brasil. Este fato se deve à falta de tratamento das doenças de base (hipertensão e diabetes) e/ou encaminhamento tardio ao nefrologista para inicio do tratamento17,26. No entanto, a análise de sobrevida em uma coorte de 3.082 pacientes em HD demonstrou uma taxa de mortalidade relativamente baixa, justificada pelo fato da população ser mais jovem e com prevalência de diabetes mais baixa do que aquela descrita em países desenvolvidos24.
Numerosos estudos vêm demonstrando a correlação entre a dose de HD e a morbimortalidade de portadores de DRC27,28. Nesse sentido, para avaliar se estes indivíduos estão recebendo o tratamento adequado é necessário mensurar a dose de HD que está sendo administrada além de avaliar sinais clínicos e sintomas associados. O Kt/V (depuração de uréia do dialisador x tempo de tratamento/ volume de distribuição de ureia do paciente) representa um dado de grande importância na avaliação da qualidade e adequação do tratamento dialítico29. Parâmetros internacionais foram estabelecidos para esta variável, em que os valores mínimos de Kt/V recomendados para três sessões por semana devem ser maiores que 1,29. Atualmente há máquinas de diálise que oferecem um monitor on-line da eficiência da diálise e mostram o Kt/V em tempo real na tela. Embora a média dos resultados de Kt/V do grupo avaliado no presente estudo estivesse ligeiramente acima dos parâmetros de referência, apenas 60% dos indivíduos dispunham de algum valor desta variável medida nos meses anteriores, contrariando diretrizes nacionais e internacionais que recomendam o controle da dose de diálise ao menos uma vez por mês.
Assim como a dose inadequada de HD, os níveis de albumina sérica baixos também estão correlacionados a índices de morbimortalidade aumentados nesses pacientes30. Em nosso estudo, 67% dos indivíduos avaliados apresentaram valores de albumina adequados. Dados do 1º Censo do Estado Nutricional de Pacientes em Hemodiálise realizado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia também mostraram valores adequados de Kt/V e albumina sérica em estabelecimentos de HD na região Centro-Oeste, acompanhando a tendência nacional (77,9% dos pacientes com valores superiores a 1,2 e 88,4% com resultados superiores a 3,8 mg/dl, respectivamente)8.
A albumina sérica é o marcador bioquímico mais utilizado para avaliação da desnutrição proteico-calórica na HD14,30,31. Isso se deve ao fato de a desnutrição ser um achado frequente nestes indivíduos, o que torna seu diagnóstico precoce uma ferramenta importante na redução das taxas de morbi-mortalidade. A importância da nutrição no cuidado com a saúde renal ocorre desde o contexto das medidas preventivas, porém, uma vez instalada a patologia renal a nutrição desempenha um papel central na avaliação e no tratamento dessa doença32. A DRC, seja na fase pré-dialítica ou dialítica, impõe desafios clínicos diretamente ligados ao estado nutricional. No entanto, a identificação da desnutrição nos pacientes em diálise em casos menos exuberantes é considerada um desafio em comparação a estágios mais avançados da DRC, podendo surgir controvérsias relacionadas aos parâmetros utilizados para o diagnóstico33. O melhor método de identificação da desnutrição energético-protéica em pacientes em HD ainda se mantém em debate30. Apesar de todo o esforço em se aproximar do diagnóstico nutricional preciso, ainda falta uma normatização dos parâmetros nutricionais a serem aplicados neste caso.
Um comitê internacional (International Society of Renal Nutrition and Metabolism) propôs um conjunto de indicadores nutricionais que devem ser usados para identificar o paciente com DRC portador de desnutrição, o qual abrange parâmetros bioquímicos, massa corporal, massa muscular e consumo alimentar14. Dentre os indicadores bioquímicos, a albumina sérica é a variável que apresenta maior poder em prever mortalidade nos estudos epidemiológicos de pacientes em diálise. Quanto à massa corporal, uma redução no IMC sugere um quadro de desnutrição em indivíduos com DRC. Por fim, uma redução na massa muscular parece ser o critério mais válido da presença de desnutrição, podendo ser avaliada por diferentes métodos, incluindo a antropometria, que é de baixo custo, mas exige profissional treinado para sua execução.
Nos resultados do presente estudo observou-se que dentre os pacientes avaliados, 42,7% apresentaram IMC abaixo da meta; em 41,7% os valores de circunferência muscular do braço, um indicador de massa muscular, estavam diminuídos e 33,3% apresentaram albumina sérica inferior ao recomendado. Ao analisar as variáveis conjuntamente, 14,6% dos portadores de DRC em tratamento hemodialítico foram classificados como desnutridos. Os graus de desnutrição na DRC relatados na literatura variam amplamente e mesmo os indivíduos com sobrepeso ou obesidade apresentam risco de desnutrição proteica apesar da ingesta calórica aumentada34. Vegine et al.30 encontraram valores de IMC e CMB adequados em um grupo de indivíduos com DRC em HD. No entanto, segundo a PCT, o grupo foi classificado com desnutrição moderada. Quando os critérios da ISRNM foram aplicados, apenas 13,3% pacientes foram classificados como desnutridos e 40,6% apresentaram sobrepeso ou obesidade. No Inquérito Brasileiro de Diálise Crônica2 a desnutrição foi diagnosticada em 10% pacientes, enquanto 37% dos avaliados apresentaram sobrepeso/obesidade. Esse percentual é inferior ao reportado na população geral brasileira (53%) em 201435 e também é inferior à encontrada na população em diálise nos EUA, onde o IMC médio dos pacientes tem aumentado nos últimos anos36.
Nossos resultados se assemelham aos obtidos no Censo do Estado Nutricional de Pacientes em Hemodiálise8, onde os pacientes, em sua maioria, eram eutróficos segundo o IMC e apresentavam valores de Kt/V e albumina adequados. Os dados do Censo apontaram ainda que, em comparação aos pacientes de convênios médicos, aqueles assistidos pelo SUS apresentaram perfil semelhante para estas variáveis (Eutrofia/IMC: 49% vs 56% SUS; Albumina ≥ 3,5: 86,6% vs 87,9% SUS; Kt/V ≥ 1,2: 75,5% vs 80% SUS). No entanto, tais dados devem ser avaliados com cautela tendo em vista o alto nível de não-resposta observado (dados de 50% dos pacientes de 12% das Unidades Renais Cadastradas).
Em todas as cinco clínicas envolvidas no estudo, sendo três de administração privada e conveniadas ao SUS, a maior proporção observada foi de portadores de IRC com ao menos uma variável relacionada ao estado nutricional alterada (IMC, albumina ou CMB), seguida de indivíduos com bom estado nutricional e finalmente indivíduos desnutridos, ou seja, com as três variáveis alteradas. A forte demanda dos doentes renais crônicos por tratamento e pelas características da diálise (procedimento relativamente simples), fez com que o tratamento dialítico começasse a ganhar espaço, com o credenciamento de unidades de hemodiálise pelo então Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) que a partir de meados da década de 70 se espalharam por todo o país. Ao permitir esse rápido crescimento, o INAMPS despertou uma massa de interesses (a atraente remuneração paga pelos procedimentos dialíticos garantiu o interesse dos prestadores de serviços em expandir a oferta), que desde o início da década de 1980 têm conseguido preservar os níveis de remuneração da atividade e com isso garantir sua contínua expansão37,38.
No que se refere às diferenças encontradas entre os gêneros, observamos que os homens apresentaram valores superiores de albumina sérica, embora o percentual daqueles nos quais foi identificado um IMC abaixo do recomendado (<23 kg/m2) tenha sido maior em comparação às mulheres. Provavelmente, em função do IMC reduzido, foi observado maior numero de indivíduos do sexo masculino com valores de circunferência de cintura e relação cintura/quadril adequados. O gênero tem sido considerado um fator importante na progressão da doença renal39. As mulheres tendem a progredir mais lentamente para um estágio avançado de doença renal em comparação aos homens, independente da etiologia40. Várias hipóteses são sugeridas para explicar este achado, dentre elas, a diferença no impacto que o estilo de vida e fatores de risco tradicionais exercem sobre mulheres e homens com DRC41. Estudos anteriores demonstraram que homens com DRC apresentam hábitos alimentares piores e aderem menos às restrições dietéticas como parte do tratamento da doença42. Outro estudo demonstrou que fatores de risco modificáveis, incluindo o IMC, contribuem para a progressão acelerada da doença em homens43. Em resumo, parece haver diferença entre gêneros em relação às variáveis preditoras de declínio da função renal, mas não está claro se estas variáveis podem ser modificadas pelo fator gênero39.
O estudo apresenta limitações que incluem a utilização de uma amostra por conveniência, já que apenas parte das clínicas que aceitaram participar do estudo foram incluídas. A análise do perfil bioquímico dos voluntários se restringiu às dosagens de albumina sérica. Além disso, não foi realizado registro do consumo alimentar como parte da avaliação do estado nutricional.
A análise do estado nutricional segundo os critérios propostos pela International Society of Renal Nutrition and Metabolism em portadores de DRC em tratamento hemodialítico pelo SUS no DF demonstrou que 14,6% dos indivíduos avaliados apresentavam desnutrição. Dentre os parâmetros utilizados para avaliação do estado nutricional, o IMC abaixo do recomendado foi o critério mais prevalente, tendo sido observado em 42,7% da amostra.
Os resultados encontrados reforçam a importância da avaliação nutricional no contexto do tratamento de renais crônicos em hemodiálise. Em função da diversidade de variáveis e da dificuldade no estabelecimento de um procedimento padrão para este grupo, é importante o conhecimento por parte do profissional de saúde sobre quais parâmetros usados para avaliação do estado nutricional são capazes de identificar melhor a presença de desnutrição no paciente com DRC.