versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.94 no.2 Porto Alegre mar./abr. 2018
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2017.08.003
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define deficiência de vitamina A (DVA) como concentrações teciduais de vitamina A baixas o suficiente para ter consequências adversas à saúde. As concentrações de retinol sérico abaixo de 0,70 µmol/L-1 indicam deficiência especialmente quando os sinais clínicos estão presentes, variam de nictalopia a cegueira. 1,2 Em todo o mundo, 19 milhões de mulheres grávidas têm baixo nível de retinol sérico, principalmente em regiões de risco, como o Brasil, onde 15,3% da população foram diagnosticados com deficiência de vitamina A.3 Os principais fatores de risco atribuídos a essa deficiência nutricional são baixa renda e falta de acesso a fontes alimentares de vitamina A. 4-6 A DVA afeta a integridade anatômica e funcional das mucosas gastrointestinais e respiratórias, aumenta significativamente a morbidez e mortalidade maternas por doenças infecciosas. 7 Devido à diminuição nas reservas corporais de vitamina A no nascimento, o leite materno é responsável por fornecer quantidades adequadas de retinoides para garantir crescimento e desenvolvimento normais. 8 O leite materno é a fonte ideal de vitamina A, favorece crescimento rápido e age como antioxidante e barreira imune; muitos fatores modulam a composição desse nutriente no leite materno, como dieta, situação econômica e estado nutricional materno. 9,10
Por décadas, estudos indicaram a importância de saúde pública da DVA em grávidas e no pós-parto de países em desenvolvimento, 3,11,12 nos quais a extensão do problema é evidente em mulheres de baixa renda. Contudo, pouca pesquisa foi feita com relação a essa deficiência em mulheres de alta renda.
No Brasil, as mulheres de baixa renda normalmente frequentam hospitais púbicos, que rotineiramente distribuem suplementos de sais de ferro e ácido fólico a mulheres grávidas durante o acompanhamento pré-natal, conforme exigido pela Portaria n° 730 emitida em 13 de maio de 2005. 13 Com relação à vitamina A, as mulheres recebem uma única dose de 200.000 IU de palmitato de retinila no hospital logo após o parto. Essa estratégia aplica-se a todos os municípios das regiões Nordeste e Norte do Brasil, bem como à Amazônia Legal, aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas e aos municípios abrangidos pelo plano Brasil Sem Miséria nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste.14
Em contraste, as mulheres de alta renda que frequentam hospitais privados não recebem os suplementos fornecidos pelo Ministério da Saúde, então os obstetras prescrevem rotineiramente suplementos diários de vitamina A durante a gravidez.
Assim, vemos que as estratégias para prevenir a DVA na população brasileira são diferentes e que os fatores determinantes para DVA nessa população precisam de esclarecimento adicional. A hipótese estabelecida para este estudo é que as mães de alta renda em uso de suplementação durante a gravidez apresentariam um estado adequado de vitamina A, assim ofereceriam quantidades suficientes dessa vitamina por meio do colostro para atender às necessidades nutricionais do recém-nascido, em comparação com mulheres economicamente desfavorecidas no Brasil. Assim, este estudo representou uma nova investigação que visou a avaliar o estado nutricional de vitamina A em mulheres de alta e baixa renda no pós-parto, com base em concentrações de retinol no soro e colostro, e comparar os níveis de retinol fornecidos pelo colostro com a necessidade de vitamina A do recém-nascido.
Para que a amostra selecionada seja representativa, optou-se por um estudo de probabilidade com amostragem aleatória estratificada e alocação proporcional de mulheres por estrato (hospitais públicos e privados). O tamanho mínimo da amostra deve consistir em 400 mulheres em todo o grupo, representar a cidade do estudo em número de partos com nascidos vivos, considerar um nível de confiança de 95% (1 - α) e assumir um erro de amostragem de 0,05. O tamanho da amostra foi calculado pelo pacote estatístico G * Power (G Power, versão V.3.1.7, Dusseldorf, Alemanha). 15
A amostra foi calculada com base na proporção de nascimentos/nascidos vivos entre 2008 e 2011 registrados pela Vigilância Epidemiológica do Rio Grande do Norte/Brasil, 17.775 nascimentos. O estudo incluiu hospitais públicos e privados, com um número significativo de nascimentos, de quatro regiões (Norte, Sul, Leste e Oeste) (n = 424). Os hospitais públicos apresentaram 61,8% de representatividade (n = 262) e os hospitais privados apresentaram 38,2% (n = 162). Os participantes foram recrutados na maternidade por amostragem aleatória.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil, sob o número de protocolo CAAE: 09775312.5.0000.5537. As mulheres inscritas no estudo foram informadas sobre os objetivos da pesquisa e assinaram um consentimento informado antes de participar do estudo.
A amostra incluiu mulheres adolescentes e adultas saudáveis, que usaram ou não suplementos que contêm vitamina A durante a gravidez, gestação única e parto a termo (≥ 37 semanas de gestação) sem malformações. Foram excluídas as mulheres com quadros clínicos de câncer, doença cardíaca, diabetes, doenças gastrointestinais, hepáticas e renais, doenças infecciosas e submetidas a cirurgia, gravidez múltipla e parto prematuro.
As mulheres selecionadas para cada estrato populacional foram recrutadas em 24-48 horas após o parto por meio de uma amostragem simples aleatória com o uso dos registros hospitalares, para que cada mulher após o parto em cada estrato tivesse probabilidade igual de ser selecionada. Os dados socioeconômicos foram coletados por entrevista. O instrumento de coleta de dados foi um questionário criado para este estudo.
Com base nas informações de renda familiar relatadas pelas participantes e no número de residentes em seus casas, a renda familiar per capita foi calculada como um indicador composto padrão das condições de vida e dividida em duas categorias: (< 1 salário mínimo) e (> 2 salários mínimos), representou os grupos de "baixa renda" e "alta renda", respectivamente, conforme recomendado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.16 As mães também responderam perguntas sobre idade, anos de escolaridade, uso de suplementos que contêm vitamina A e se elas receberam orientação nutricional profissional durante a gravidez. Além disso, foi perguntado se elas sabiam quais alimentos eram boas fontes de vitamina A e, em caso positivo, elas foram imediatamente avaliadas por um entrevistador treinado para avaliar o conhecimento da mãe sobre o assunto. Os dados antropométricos de mulheres e crianças foram coletados do Cartão de Proteção Mãe-Filho e dos registros hospitalares.
Foi usado um questionário de frequência alimentar (QFA), de acordo com o último trimestre de gravidez. 17 Os dados do QFA foram analisados pelo software Avanutri (Avanutri®, modelo 4.0, RJ, Brasil). 18 Os dados do questionário foram transformados em quantidade de consumo diário com a multiplicação da parte padrão do questionário pelo número de porções consumidas e, assim, o resultado foi dividido pelo número de dias incluído no intervalo de tempo registrado (semanal, mensal, semestral e anual). O Avanutri apresenta o conteúdo de vitamina A em alimentos como micrograma de equivalente de retinol (µgRE); além disso, apresenta o conteúdo de provitamina A em fontes vegetais como equivalentes de atividade de retinol (RAE) e o converte em µgRE dividindo-o por 2, de acordo com a recomendações do Instituto de Medicina (IOM) (1 Atividade de equivalente de retinol = 1 µg de retinol todo-trans). 19
Os valores de vitamina A foram comparados com a Necessidade Média Estimada (EAR) para mulheres adultas grávidas, mais recomendados para estudos populacionais. A ingestão média diária para grávidas entre 19 e 50 anos é equivalente a 550 µg ERA/dia e para aquelas com ≤ 18 anos o valor é equivalente a 530 µgRAE/dia. A ingestão dietética de vitamina A inferior a esses valores foi considerada baixa ingestão. 19
Amostras pareadas de soro e leite materno foram coletadas no hospital após jejum noturno, logo antes da administração de alta dose de vitamina A (mulheres de baixa renda que comparecem a hospitais públicos). As amostras de leite de colostro (500 µL) foram coletadas por meio da expressão manual de um único seio, no início e no término da amamentação. As amostras de sangue (5 mL) foram coletadas por flebotomia. As amostras foram armazenadas em tubos de polipropileno à prova de luz e imediatamente transportadas em refrigeração para o Laboratório de Pesquisa em Bioquímica e Nutrição.
As amostras de sangue foram centrifugadas por 10 minutos (500 x g) para colear 1000 µL de soro de cada amostra. O soro foi protegido de luz direta e armazenado a -20 °C até que o retinol pudesse ser extraído conforme recomendado por Ortega et al. 20 O retinol foi extraído das amostras de colostro de acordo com o método adaptado de Giuliano et al. 21 Os extratos foram dissolvidos em 500 µL de etanol absoluto (Vetec, RJ, Brasil) e 60 µL foram analisados no equipamento de CLAE.
Para estimar a prevalência de DVA, as concentrações de retinol sérico resultantes foram comparadas com o ponto de corte de < 0,70 µmol L-1. 3 A prevalência de DVA foi classificada de acordo com as categorias de importância para a saúde pública estabelecida pela OMS (2009): prevalência < 2% (inexistência de problema de saúde pública); 2% prevalência < 10% (problema de saúde pública leve); 10% < prevalência < 20% (problema de saúde pública moderado); e prevalência > 20% (problema de saúde pública grave). 3
Para avaliar o fornecimento de vitamina A pelo colostro, em comparação com necessidade nutricional do recém-nascido, considerou-se ingestão diária de 396 mL de leite 22 pelos lactantes recém-nascidos e os valores resultantes foram comparados com Ingestão Adequada (IA) de vitamina A - 400 µgRAE/dia para crianças entre 0-6 meses.19
As análises estatísticas foram feitas com o pacote estatístico SPSS (SPSS para Windows, versão 20.0. IL, EUA). O teste de Kolmogorov-Smirnov aliado à curva de Gauss foi usado para avaliar a normalidade dos valores de retinol. A análise descritiva foi feita com a média, o desvio-padrão e o percentual de variáveis contínuas. As variáveis categóricas foram analisadas pelo teste qui-quadrado. As comparações médias foram feitas com o teste t e a análise de variância (Anova). Para a associação entre a prevalência de deficiência nos níveis de vitamina A no soro e leite e renda familiar, usamos a prevalência de risco (PR). Foi usado um modelo logístico bivariado e a variável de resposta foi a concentração de retinol (µg/dL), ao passo que as variáveis explicativas foram: idade, estado civil, anos de escolaridade da mãe, suplementação de vitamina A durante a gravidez e peso da antes da gravidez. Em todos os casos, foram feitas as análises bicaudais e consideradas estatisticamente significativas quando p < 0,05.
A seleção aleatória de mães resultou em 424 mulheres no pós-parto inscritas para participar do estudo. Outras 82 mulheres atenderam aos critérios do estudo, porém não foram incluídas na amostra devido à recusa de participação ou coleta insuficiente/prejudicada de material biológico. As características maternas de cada estrato de amostra (mães de alta e baixa renda) são apresentadas na tabela 1.
Tabela 1 Características gerais das mulheres de baixa e alta renda inscritas no estudo que frequentam maternidades públicas e privadas em Natal/RN
Características | Grupo de baixa renda (n = 262) [n (%)] |
Grupo de alta renda (n = (n = 162) [n (%)] |
Total (n = 424) [n (%)] |
---|---|---|---|
Idade maternal (anos) | |||
[M ± DP] | 22,5 ± 5,5 | 29,4 ± 4,6 | 25,5 ± 6,9 |
Estado civil | |||
Solteira/Divorciada | 90 (34,4) | 21 (13) | 111 (26,2) |
Casada/Parceira | 170 (64,9) | 141 (87) | 311 (73,3) |
Doméstica | 2 (0,8) | - | 2 (0,5) |
Anos de escolaridade | |||
Até 5 anos | 97 (37,0) | 3 (1,9) | 100 (23,6) |
Até 9 anos | 30 (11,5) | 2 (1,2) | 32 (7,5) |
Até 12 anos | 64 (24,4) | 6 (3,7) | 70 (16,5) |
Até 16 anos | 66 (25,2) | 52 (32,1) | 118 (27,8) |
> 16 anos | 5 (1,9) | 99 (61,1) | 104 (24,5) |
Profissão | |||
Empregada | 84 (32,1) | 129 (79,6) | 213 (50,2) |
Dona de casa | 140 (53,4) | 24 (14,8) | 164 (38,7) |
Desempregada | 37 (14,1) | 9 (5,6) | 46 (10,8) |
Não informado | 9 (0,4) | - | 9 (1,2) |
Beneficiária de auxílio financeiro | |||
Sim | 97 (37) | 3 (1,9) | 100 (23,6) |
Não | 261 (99,6) | 156 (96,3) | 320 (75,5) |
Não informado | 1 (0,4) | 3 (1,9) | 9 (1,2) |
Uso de multivitaminas que contêm vitamina A durante a gravidez | |||
Sim | 19 (7,3) | 113 (69,8) | 132 (31,1) |
Não | 242 (92,4) | 48 (29,6) | 290 (68,4) |
Não informado | 1(0,4) | 1(0,4) | |
Amamentação de outra criança durante a gravidez | |||
Sim | 40 (15,3) | 14 (8,6) | 54 (12,7) |
Não | 220 (84) | 146 (90,1) | 366 (86,3) |
Não informado | - | 2 (1,2) | 2 (0,5) |
Orientação nutricional profissional durante a gravidez | |||
Sim | 128 (48,9) | 112 (69,1) | 240 (56,6) |
Não | 132 (50,4) | 50 (30,9) | 180 (42,9) |
Não informado | 2 (0,8) | - | 2 (0,5) |
Conhecimento de fontes dietéticas de vitamina A | |||
Sim | 20 (7,6) | 37 (22,8) | 57 (13,4) |
Não | 239 (91,2) | 124 (76,5) | 363 (85,6) |
Não informado | 3 (1,1) | 1 (0,6) | 4 (0,9) |
Estado nutricional materno antes da gravidez | |||
Peso abaixo da média | 23 (8,8) | 15 (9,3) | 38 (9,0) |
Normal | 93 (35,5) | 80 (49,4) | 173 (40,8) |
Sobrepeso | 38 (14,5) | 23 (14,2) | 61 (14,4) |
Obesidade | 41 (15,6) | 20 (12,3) | 61 (14,4) |
Não Informado | 67 (25,6) | 24 (14,8) | 91 (21,5) |
Tipo de parto | |||
Parto normal | 162 (61,8) | 15 (9,3) | 177 (41,7) |
Cesariana | 91 (34,7) | 146 (90,1) | 237 (55,9) |
Não informado | 9 (3,4) | 1 (0,6) | 10 (2,4) |
Estado nutricional do recém-nascido | |||
Peso abaixo da média | 27 (10,3) | 6 (3,7) | 33 (7,8) |
Peso adequado | 202 (7,1) | 148 (91,4) | 350 (82,5) |
Macrossomia | 15 (5,7) | 5 (3,1) | 20 (4,7) |
Não informado | 18 (6,9) | 3 (1,9) | 21 (5,0) |
NI, não informado; -, dados da primeira consulta de acompanhamento pré-natal.
A média de ingestão maternal de vitamina A durante a gravidez foi de 872,2 + 639,2 µgRAE/dia no grupo de baixa renda e de 1.169,2 + 695,2 µgRAE/dia no grupo de alta renda (p < 0,005). Ao avaliar a população individualmente, constatamos que 38,4% (n = 100) e 17,3% (n = 28) das mulheres nos grupos de baixa e alta renda, respectivamente, apresentaram ingestão dietética de vitamina A abaixo da quantidade ideal para esse estágio da vida (< EAR = 530 µg/dia para indivíduos de ≤ 18 anos e < EAR = 550 µg/dia para adultos), comprovou que o grupo de baixa renda foi mais propenso a desenvolver DVA, em comparação com o grupo de alta renda. Com relação às fontes alimentares de vitamina A, as fontes vegetais (provitamina A) contribuíram com mais de 52% para o consumo médio no grupo de baixa renda e mais de 55,2% no grupo de alta renda. Os valores de ingestão de vitamina A são apresentados na figura 1.
Figura 1 Estimativa de consumo de vitamina A pelas mulheres nos grupos de alta e baixa renda.a Diferença significativa (p < 0,05).
Ao avaliar as concentrações de retinol sérico em mães de baixa e alta renda, os grupos apresentaram médias de 39,8 ± 12,7 µg/dL e 45,4 ± 13,4 µg/dL respectivamente, apresentaram diferença altamente significativa (p < 0,0001). A prevalência de DVA no grupo de baixa renda foi de 6,9% (n = 18) e de 3,7% (n = 6) no grupo de alta renda (PR 1,9; IC de 95%: 0,7 a 4,9).
Os grupos de baixa e alta renda apresentaram níveis médios de retinol no colostro de 86,7 ± 40,0 µg/dL e 107,9 ± 58,6 µg/dL, respectivamente, apresentaram diferença altamente significativa (p < 0,0001). Ao comparar os níveis de retinol fornecidos por meio do colostro com as necessidades nutricionais do recém-nascido - Ingestão Adequada (IA) de 400 µg/ERA/dia - e considerando um consumo diário de 396 mL de leite/dia por meio de aleitamento materno exclusivo (de 0 a 6 meses), apenas os neonatos no grupo de alta renda receberam níveis de retinol acima da IA. As estimativas de ingestão de retinol por neonatos no grupo de alta e baixa renda foram de 343,3 µg/RAE/dia (IA de 85,8%) e de 427,2 µg/RAE/dia (IA de 106,8%), respectivamente.
Ao fazer a análise logística bivariada para estimar a influência das variáveis sociais e de saúde sobre o estado de vitamina A, foram incluídas as seguintes variáveis: estado civil, anos de escolaridade, uso de multivitaminas durante a gravidez e estado nutricional antes da gravidez. No modelo final, foi encontrada associação estatisticamente significativa apenas entre a variável uso de multivitaminas durante a gravidez e níveis adequados de vitamina A no soro (PR de 0,09; IC de 95%: 0,01 a 0,7) e colostro (PR de 0,8; IC de 95%: 0,9 a 0,9), revelou essa variável como um fator de proteção presente no grupo de alta renda. Não foi encontrada associação entre as outras variáveis e os níveis de vitamina A no soro e colostro (tabelas 2 e 3).
Tabela 2 Possíveis fatores associados à deficiência ou adequação do estado de vitamina A no soro de mães de baixa e alta renda
Fatores | Grupo de baixa renda | Grupo de alta renda | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
DVA [n (%)] < 20 µg/dL |
RP (IC de 95%) |
Normal [n (%)] >20 µg/dL |
RP (IC de 95%) |
DVA [n (%)] < 20 µg/dL |
RP (IC de 95%) |
Normal [n (%)] >20 µg/dL |
RP (IC95%) |
||
Estado civil | |||||||||
Solteira/Divorciada | 6 (33,3) | 0,9 | 84 (34,7) | 1,0 | 1 (16,7) | 1,3 | 20 (12,8) | 1,0 | |
Casada/Parceira Doméstica | 12 (66,7) | 0,4 a 2,4 | 158 (65,3) | 0,9 a 1,1 | 5 (83,3) | 0,2 a 10,9 | 136 (87,2) | 0,0 a 1,1 | |
Anos de escolaridade | |||||||||
Até 12 | 14 (77,8) | 1,3 | 191 (72,59) | 0,9 | 1 (16,7) | 2,7 | 11 (6,8) | 0,9 | |
≥ 13 | 4 (22,2) | 0,4 a 3,8 | 71 (27,1) | 0,9 a 1,0 | 5 (72,5) | 0,4 a 21,5 | 151 (83,3) | 0,8 a 1,1 | |
Ingestão de multivitaminas durante a gravidez | |||||||||
Sim | 1 (5,6) | 0,7 | 8 (7,4) | 1,0 | 1 (16,7) | 0,09a | 112 (72,3) | 1,1 | |
Não | 17 (94,4) | 0,1 a 5,3 | 225 (92,6) | 0,9 a 1,1 | 5 (83,3) | 0,01 a 0,7 | 43 (27,7) | 1,0 a 1,2 | |
Sobrepeso antes da gravidez | |||||||||
Sim | 5 (33,3) | 0,7 | 74 (41,0) | 1,0 | 0 (0,0) | - | 43 (32,1) | 1,0 | |
Não | 10 (66,7) | 0,2 a 2,2 | 106 (58,9) | 0,9 a 1,1 | 4 (100,0) | 95 (67,9) | 0,9 a 1,1 |
%, percentual de mães que apresentam baixos níveis ou níveis adequados de retinol de acordo com as características mencionadas para cada grupo; (95%), intervalo de confiança de 95%; -, não apresentou número suficiente em uma das características para fazer a análise estatística; DVA, deficiência de vitamina A; n, número de mães que apresentam baixos níveis ou níveis adequados de retinol de acordo com as características mencionadas para cada grupo; PR, prevalência de risco.
aEstatisticamente significativo.
Tabela 3 Possíveis fatores associados à deficiência ou adequação do estado de vitamina A no colostro das mães de baixa e alta renda
Fatores | Grupo de baixa renda | Grupo de alta renda | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Baixos níveis [n (%)] < 60 µg/dL |
PR (IC de 95%) |
Níveis normais [n (%)] >60 µg/dL |
PR (IC de 95%) |
Baixos níveis [n (%)] < 60 µg/dL |
PR (IC de 95%) |
Níveis normais [n (%)] >60 µg/dL |
PR (IC de 95%) |
||
Estado civil | |||||||||
Solteira/Divorciada | 27 (36,0) | 1,1 | 63 (34,1) | 0,9 | 3 (8,6) | 0,6 | 18 (14,2) | 1,1 | |
Casada/Parceira Doméstica | 48 (64,0) | 0,7 a 1,6 | 122 (65,9) | 0,8 a 1,2 | 32 (91,4) | 0,2 a 1,9 | 109 (85,8) | 0,9 a 1,3 | |
Anos de escolaridade | |||||||||
Até 12 | 58 (77,3) | 1,3 | 133 (71,1) | 0,9 | 3 (8,6) | 1,3 | 8 (6,3) | 0,9 | |
≥ 13 | 17 (22,7) | 0,8 a 2,0 | 54 (28,9) | 0,8 a 1,1 | 32 (91,4) | 0,5 a 3,5 | 119 (93,7) | 0,6 a 1,3 | |
Uso de multivitaminas durante a gravidez | |||||||||
Sim | 2 (12,0) | 1,7 | 10 (5,4) | 0,7 | 28 (80,0) | 1,7 | 85 (67,5) | 0,8a | |
Não | 66 (88,0) | 1,0 a 2,9 | 176 (94,6) | 0,5 a 1,1 | 7 (20,0) | 0,8 a 3,6 | 41 (32,5) | 0,8 a 0,9 | |
Baixo peso antes da gravidez | |||||||||
Sim | 4 (8,3) | 0,7 | 19 (12,9) | 1,1 | 5 (15,6) | 1,5 | 10 (9,4) | 0,8 | |
Não | 44 (91,7) | 0,3 a 1,7 | 128 (87,1) | 0,9 a 1,4 | 27 (84,4) | 0,7 a 1,4 | 96 (90,6) | 0,6 a 1,2 | |
Peso antes da gravidez | |||||||||
Adequado | 19 (39,6) | 1,0 | 60 (40,8) | 1,0 | 13 (40,6) | 1,5 | 30 (28,3) | 0,9 | |
Excessivo | 29 (60,4) | 0,6 a 1,6 | 87 (59,2) | 0,9 a 1,2 | 19 (59,4) | 0,9 a 2,8 | 76 (71,6) | 0,7 a 1,1 |
%, percentual de mães que apresentam baixos níveis ou níveis adequados de retinol de acordo com as características mencionadas para cada grupo; (95%), intervalo de confiança de 95%; -, não apresentou número suficiente em uma das características para fazer a análise estatística; n, número de mães que apresentam baixos níveis ou níveis adequados de retinol de acordo com as características mencionadas para cada grupo; PR, prevalência de risco.
aEstatisticamente significativo.
No Brasil, a população de baixa renda usa o sistema público de saúde, ao passo que o sistema privado é, na maior parte do tempo, usado por indivíduos de alta renda. Ao dividir a população estudada em dois grupos de acordo com a renda per capita, as concentrações médias de retinol entre as mulheres de baixa e alta renda apresentaram diferenças altamente significativas.
Os grupos de baixa e alta renda comprovaram um problema de saúde leve com relação à DVA. Esse resultado foi esperado em mulheres de baixa renda, de acordo com outros estudos com a mesma população no Brasil e em todo o mundo, principalmente onde esse problema de saúde pública ainda é presente, como os países da África e América Latina. 6,23,24
Os estudos que avaliam a prevalência de DVA em mulheres de alta renda são escassos e não esperamos encontrar um problema de saúde pública com relação à DVA nesse grupo, pois a ingestão de vitamina A apresentou 82,7% de adequação nessa população. Contudo, ao avaliar as fontes alimentares de vitamina A nesse grupo, percebemos que 55,2% do consumo de vitamina foram decorrentes de fontes vegetais (vitamina A pré-formada), que depende da oxidação enzimática para produzir retinol ativo, além de vários fatores intestinais e genéticos que podem influenciar a eficiência da bioconversão da vitamina A pré-formada na forma ativa. 25 Além disso, 29,6% dessas mulheres não fizeram uso de multivitaminas durante a gravidez (tabela 1), o que pode explicar uma ocorrência de 3,6% da DVA nesse grupo. Em um estudo que avaliou o efeito dos diferentes tipos de multivitaminas (que contêm vitamina A) sobre os níveis de retinol sérico durante a gravidez, foi constatado que o grupo que tomou suplementação não apresentou casos de deficiência, ao passo que o grupo de controle apresentou 12% dos casos de deficiência. 26 Assim, isso mostra que as mulheres no pós-parto que não tomam suplementação durante a gravidez são mais propensas a desenvolver DVA.
Com relação aos níveis de retinol no colostro, foi observada uma diferença significativa entre os grupos de estudo e níveis mais baixos foram encontrados no grupo de renda baixa, consequentemente resultaram em um menor fornecimento de retinol por meio do colostro, em comparação com a recomendação mínima para recém-nascidos. Esses achados destacam a importância clínica da suplementação nessa população durante o período de amamentação, para atender à necessidade extra de vitamina A durante toda a amamentação e evitar DVA extrema na díade mãe-filho. A DVA durante a amamentação pode afetar a diferenciação celular, os vários mecanismos de imunidade inata, a hematopoiese e a coagulação. Essas anomalias podem agravar infecções e anemia ou comprometer a recuperação pós-cirúrgica da cesárea, levar a morbidez e mortalidade. 24 Em recém-nascidos, a DVA aumenta o risco de óbito de doenças infecciosas e respiratórias. 27
Para mulheres de baixa renda que frequentam maternidades públicas no Brasil, a medida de intervenção consiste em dar uma alta dose oral que contém 60 mg (200.000 IU) de palmitato de retinila às mulheres imediatamente após o parto, como uma intervenção para controlar a DVA. 13 Considerando que as participantes do estudo foram recrutados 24 a 48 horas após o parto e que suas amostras de sangue foram coletadas exatamente antes da administração da alta dose de vitamina A, provavelmente houve casos de deficiência durante a gravidez. Assim, a suplementação pós-natal é feita para minimizar o dano reversível aos recém-nascidos e para parcialmente recuperar a estado de vitamina A da mãe antes da amamentação, pois é também durante a amamentação que a necessidade de vitamina A aumenta para promover crescimento e maturação ideais dos tecidos e órgãos.28 Vale observar que a suplementação após o parto é uma medida de emergência e não resolve a raiz do problema. 9
A diferença encontrada nos níveis de retinol do colostro entre os grupos de estudo pode ser justificada com base na ingestão alimentar das mães.A lipoproteína lipase (LPL) é essencial para a absorção de retinol pós-prandial pela glândula mamária por meio de um mecanismo dinâmico. A LPL hidrolisa os ésteres de retinol obtidos de quilomicrons, possibilita a transferência de retinol para os alvéolos ou ela os liga aos quilomicros e favorece sua internalização por meio de receptores de reconhecimento na superfície celular. Ou seja, na ausência de retinol suficiente fornecido por meio de dieta ou suplementação, a LPL é prejudicada pelo processamento da vitamina A para o leite ou mesmo para formar reservas. 29 Assim, os resultados deste estudo sugerem que a diferença significativa na concentração média de retinol de colostro entre os grupos de alta e baixa renda provém da suplementação com multivitaminas que contêm vitamina A administradas em 69,8% das mulheres no grupo de alta renda durante a gravidez.
Vale observar que os resultados encontrados nos níveis de retinol fornecidos pelo colostro no grupo de baixa renda não diminuem a importância do colostro nem do leite materno, pois os calculamos com o uso da ingestão média de leite (mL) sugerida pela literatura. 22 Contudo, se um recém-nascido ingerir um volume consideravelmente maior do que o sugerido, é provável que a necessidade de vitamina A seja atendida, salvo em casos de deficiência materna extrema.
As mulheres que frequentam hospitais privados não recebem a alta dose fornecida pelo Ministério da Saúde. As mulheres estudadas que frequentam hospitais privadas relataram que foram orientadas a tomar suplementos multivitamínicos e multiminerais que contêm a Ingestão Diária Recomendada (IDR) (770 µg/dia) de vitamina A durante a gravidez e iniciar as doses diárias de vitaminas A na 16a semana de gestação. Em 2011, a OMS sugeriu suplementação de vitamina A para mulheres grávidas que moram em áreas endêmicas de deficiência, porém enfatizou que a dose diária ou semanal não deve ultrapassar 10.000 IU/dia e deve ser iniciada somente após 60 dias de gestação. 30
Neste estudo, encontramos uma associação significativa entre a suplementação com multivitaminas e o estado normal de vitamina A no soro e colostro, sugeriu que a intervenção prescrita a mulheres de alta renda que frequentam maternidades privadas no Brasil é mais efetiva no aumento dos níveis de retinol no rolo e leite de colostro. Essa associação foi esperada, pois a suplementação com micronutrientes é uma estratégia óbvia para superar os efeitos negativos das deficiências sobre a saúde de e melhorar o estado nutricional das mulheres para amamentação. Em vista dos fatos acima, sugere-se que as medidas de intervenção atuais contra a DVA em grávidas brasileiras devem ser repensadas, pois o estudo atual confirma que a suplementação com multivitaminas que contêm vitamina A pode ser necessária, principalmente para mulheres de baixa renda geralmente atendidas no sistema público de saúde.