versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.11 Rio de Janeiro nov. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152011.03242015
O estado nutricional (EN) inadequado é motivo de preocupação por estar associado ao aumento da morbimortalidade de pacientes com fibrose cística (FC)1. O índice de massa corporal (IMC), comumente utilizado para o diagnóstico do EN, não identifica a composição nem distribuição de gordura corporal. A absorciometria de duplo feixe de energia emitida por raios-X (DXA) é considerada padrão ouro de avaliação dos compartimentos corporais2.
Mesmo na presença de redução significativa de gordura corporal total e baixo peso, seu acúmulo na região abdominal já foi observado em pacientes jovens e adultos com FC. Sendo atribuído a fatores como: inflamação crônica, corticoterapia, inatividade física e diminuição relativa de hormônio de crescimento ou anabólicos presentes na maioria destes pacientes3.
O aumento da adiposidade abdominal está associado com fatores de risco cardiovasculares e resistência periférica à insulina4. Além disso, contribui para o desenvolvimento da esteatose hepática e se relaciona negativamente com a desmineralização óssea, que é um evento crescente a partir da adolescência em pacientes com FC5,6.
Apesar da relevância da adiposidade abdominal, poucos estudos existem sobre a distribuição de gordura corporal nestes pacientes e, até o momento, não há publicações nacionais sobre este tema. Além disso, não existem estudos utilizando a DXA na avalição da composição corporal em crianças e adolescentes com FC.
No Brasil a incidência da doença é de 1/10.000 nascidos vivos7. Isso implica que 1:20 habitantes é portador do gene da FC8. No Rio de Janeiro, foi estimada uma incidência de 1/69029. Aproximadamente 80% dos pacientes com FC no Brasil são menores de 18 anos, segundo dados do último Registro Brasileiro de Fibrose Cística10.
Diante do exposto e considerando-se que estes pacientes já possuem uma sobrevida de 30 a 50 anos, o objetivo do presente trabalho foi avaliar o EN e a distribuição da gordura corporal utilizando o DXA, a fim de evidenciar a presença de risco cardiometabólico em crianças e adolescentes com FC.
Estudo transversal retrospectivo tipo censo, realizado no Instituto Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, órgão da Fundação Oswaldo Cruz, IFF/Fiocruz, Centro de Referência em FC no Rio de Janeiro, em todos os pacientes, com idade entre 8 e 18 anos com diagnóstico de FC. Foram excluídas adolescentes grávidas, crianças e adolescentes obesos.
Dos 120 pacientes cadastrados no serviço, inicialmente foram elegíveis 60, com idade entre 8 e 18 anos. Quatro foram excluídos do estudo porque não haviam realizado o exame de DXA no período da coleta de dados (janeiro de 2010 a dezembro de 2013). Este universo representa 74,5 % dos pacientes com FC cadastrados no Rio de Janeiro, de acordo com dados do REBRAFC, 201210.
Para avaliação do estado nutricional foram utilizados índices antropométricos de IMC/I e estatura por idade (E/I), analisados segundo as curvas de crescimento da Organização Mundial de Saúde (OMS) e classificados de acordo com o Consenso de Nutrição para Pacientes Pediátricos com FC11.
A avaliação da distribuição de gordura corporal foi realizada por DXA utilizando o software Lunar enCORE – 2011, versão 13.6, no densitômetro marca GE, modeloLunar iDEXA Pro. As crianças e os adolescentes foram orientados a usar roupas leves e remover todos os objetos metálicos. As medidas foram realizadas com pacientes posicionados em decúbito dorsal e imóveis na mesa de digitalização. Após a varredura de corpo inteiro, o programa forneceu estimativas sobre a massa gorda, óssea e magra, para o corpo todo e regiões específicas (tronco, ginecoide, androide e membros superiores e inferiores). A região androide foi aferida da área ao redor da cintura, entre o ponto médio da coluna lombar e na parte superior da pelve, e a área ginecoide aproximadamente entre a cabeça do fêmur e o meio da coxa. Nesse programa, os membros foram demarcados e separados do tronco e da cabeça por linhas padrões geradas pelo próprio equipamento, ajustadas por pontos anatômicos específicos, determinados pelo fabricante12. O percentual de gordura corporal (% GC) foi calculado dividindo a massa corporal total pela gordura corporal total, multiplicando por 100. A partir do diagnóstico de imagem, os resultados do percentual de gordura corporal e de gordura do tronco foram analisados por idade e sexo de todas as raças e etnias de acordo com os critérios do Nacional de Saúde e Nutrition Examination Survey13. Do diagnóstico de imagens fornecidos pelo DXA, estudou-se a média do % de gordura, Razão massa de gordura do Tronco/Massa de gordura total; Razão da gordura androide/ginecoide.
Para avaliação da ingestão alimentar habitual, foi utilizado o método Recordatório de 24horas, aplicados em três dias não consecutivos, com intervalo máximo de três meses, obtidos com auxílio de recursos visuais e fotos de utensílios (Pesquisa de Orçamentos Familiares)14.
Para o cálculo da média do valor energético total (VET), gordura saturada e poli-insaturada foi utilizado o software NutWin®, versão 1.5 (2002), por dupla digitação. A gordura trans foi calculada por meio dos dados sobre alimentos in natura e industrializados obtidos das tabelas de composição de alimentos do United States Department of Agriculture (USDA) e da Tabela Brasileira de Composição dos Alimentos (TACO)15,16. A composição de produtos industrializados e dos suplementos calóricos e proteicos foi coletada nos rótulos e/ou junto aos fabricantes. Os padrões de referência para ingestão energética, segundo idade e gênero, foram da Food and Agriculture Organization/Organização Mundial de Saúde17.
A ingestão considerada de macronutrientes foi de 15 a 20%; 40 a 50% e 35 a 40% para proteína, carboidrato e lipídeo, respectivamente. O percentual de adequação energética foi > 150% das recomendações, conforme o Consenso de Nutrição8. Os percentuais de ingestão do total de ácidos graxos poli-insaturados (AGPI), saturados (AGS) etrans, em relação ao VET, foram avaliados de acordo com a OMS18.
Na análise descritiva, foram apresentadas as médias e os desvios padrões para as variáveis contínuas com distribuição Normal e em valores medianos, mínimos e máximos para aquelas sem distribuição Normal. A normalidade foi verificada através do teste de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e percentuais. Para medir a associação entre variáveis categóricas, foram utilizados os testes de qui-quadrado de Pearson e o teste exato de Fisher, nos casos em que se observou pelo menos uma frequência esperada menor do que cinco. Quando a suposição de normalidade foi verificada, utilizou-se o teste t-Student e a análise de variância (ANOVA) para comparar medidas contínuas entre dois e três (ou mais) grupos, respectivamente. Quando a normalidade não foi verificada, foram utilizados os testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis para variáveis com duas e três ou mais categorias, respectivamente. Para medir o grau de associação entre variáveis contínuas, foram utilizados os testes de correlação de Pearson e Spearman para variáveis com e sem distribuição Normal, respectivamente. Com o objetivo de identificar possíveis associações entre as variáveis explicativas e os desfechos, foram avaliados modelos de regressão univariada contendo cada uma das variáveis independentes. Todas as variáveis significativas a um nível de 20% na análise univariada foram consideradas como possíveis preditoras na regressão múltipla. Os testes estatísticos foram realizados tendo como referência um nível de significância de 5%. As análises foram conduzidas utilizando os programas SPSS versão 20 (SPSS Corporation, 2011) e R versão 3.0.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional da saúde da mulher, da criança e do adolescente Fernandes Figueira – IFF/Fiocruz.
Foram estudados 56 pacientes com média de idade de 12,2 (± 2,5) anos. A maioria era do gênero feminino e com insuficiência pancreática exógena (IPE). Aproximadamente 50% dos casos apresentava 1 alelo para DF508. O estado nutricional foi aceitável em 50% e 83% pelo IMC/I e E/I, respectivamente (Tabela 1).
Tabela 1 Características demográficas, clínicas e nutricionais de crianças e adolescentes com Fibrose Cística, 2010-2013 (IFF/Fiocruz – RJ) (n = 56).
A ingestão energética e a de lipídios foram inadequadas em mais de 80,0% da população estudada. O consumo de gorduras saturada e trans encontrava-se dentro das recomendações para a maioria dos pacientes.
Adolescentes entre 16-19 anos apresentaram maior percentual de gordura do tronco e aqueles com idade de 12-15 anos maior percentual de gordura total (Tabela 1). O IMC/I foi a única variável estatisticamente significativa na análise bivariada da avaliação do percentual de gordura do tronco.
Em relação à análise bivariada do percentual de gordura total e do percentual de gordura do tronco não foi observado resultado estatisticamente significativo (p < 0,05) para nenhuma variável estudada.
Os resultados da análise bivariada da razão gordura androide/ginecoide evidenciaram que a função pancreática e o IMC/I foram as variáveis estatisticamente significativas (p < 0,05) (Tabela 2).
Tabela 2 Análise bivariada da razão da gordura androide/ginecoide com as variáveis de interesse em crianças e adolescentes com Fibrose Cística, 2010-2013 (IFF/Fiocruz – RJ) (n = 56).
A análise bivariada da razão da gordura do tronco/gordura total demonstrou que a variável idade, IMC/I e VET foram estatisticamente significativas (p < 0,05). Observou-se que quanto maior a idade e melhor o estado nutricional, maior a razão da gordura do tronco/gordura total. Os pacientes com VET inadequado (< 150%) apresentaram uma razão média de gordura do tronco/gordura total maior (0,36 ± 0,06) (Tabela 3).
Tabela 3 Análise bivariada da razão da gordura tronco/gordura total com as variáveis de interesse em crianças e adolescentes com Fibrose Cística, 2010-2013 (IFF/Fiocruz) (n = 56).
Na análise de regressão múltipla para razão de gordura do tronco/gordura total das crianças e adolescentes com FC, a idade e o estado nutricional (IMC/I) foram as variáveis estatisticamente significativas (p < 0,05) (Tabela 4). A análise de regressão múltipla para razão de gordura androide/ginecoide verificou o IMC/I e a ingestão de carboidratos como variáveis estatisticamente significativas (p < 0,05) (Tabela 5).
Tabela 4 Análise de regressão linear múltipla para razão de gordura do tronco/gordura total de crianças e adolescentes com Fibrose Cística, 2010-2013 (IFF/Fiocruz – RJ) (n = 56).
O presente estudo constatou que apenas 50% dos pacientes estava com estado nutricional adequado (IMC/I > p 25). Este resultado é relevante porque o período peripuberal é uma das fases mais importantes no tratamento da doença11. Nos Estados Unidos, os pacientes acompanhados nos Centros de Referência estão mais próximos ou acima do percentil 50 para o indicador IMC/I, que é a meta atual do tratamento nutricional, em função da forte associação entre o estado nutricional e a função pulmonar1.
Observou-se que aproximadamente 50% dos pacientes apresentavam pelo menos 1 alelo para a mutação DF508. Este resultado está de acordo com o último REBRAFC, de 201210. Esta mutação é considerada a mais frequente e com um fenótipo mais severo19. Por isso, quando presente, os pacientes apresentam maior chance de desnutrição20. Isto pode explicar a porcentagem encontrada de pacientes subnutridos neste estudo.
Dado relevante no presente estudo foi que a grande maioria dos pacientes (83,9%) não possuía baixa estatura, enfatizando o bom de crescimento linear. Outro estudo também encontrou resultado semelhante21. Ressalta-se que a baixa estatura interfere na sobrevida, por influenciar no crescimento e desenvolvimento pulmonar. Por isso, é considerada um fator importante e independente de risco para mortalidade em pacientes com FC, pois quando presente precisa de reabilitação nutricional, geralmente prolongada, invasiva e de custo elevado22.
Em relação à composição corporal, observou-se em 48% diminuição e em 9% aumento percentual de gordura corporal total. Apesar deste estudo não ter se proposto a estudar a massa magra corporal, podemos inferir que apresentava-se bem comprometida. Uma vez que os pacientes com IMC inadequado possuíam percentual de gordura corporal normal, isto significa que tinham depleção de massa magra. Isto ocorre porque como o IMC não identifica os compartimentos corporais é incapaz de rastrear mudanças sutis da composição corporal23.
Neste estudo, verificou-se que a maioria da amostra estudada ingeria menos de 150% da recomendação energética, evidenciando pouca aderência ao tratamento nutricional ou a presença de anorexia, comumente encontrada nestes pacientes. Este resultado está de acordo com a pesquisa desenvolvida por Schall et al., que observaram em apenas 28% da amostra, ingestão mínima recomendada de energia24.
Com relação aos lipídios, 89% da população estudada ingeriu quantidade menor que a recomendada. Estes resultados também foram obtidos em outros estudos21,24. Estes dados demonstram que apesar da orientação nutricional recebida no Centro de Referência, os pacientes com FC apresentam dificuldade em atingir as recomendações. Isto é preocupante, porque segundo estudo clássico sobre diferenças na sobrevida média e nos parâmetros de crescimento de pacientes de dois grandes Centros de Referência para FC (Boston e Toronto), aqueles com melhor adequação do EN recebiam um aporte nutricional maior de lipídeos25.
É importante lembrar que os lipídeos constituem a principal fonte de energia na alimentação, desempenham importantes funções metabólicas e que na FC existe deficiência e desequilíbrios de ácidos graxos essenciais (AGE)26,27.
A análise do percentual de ingestão de ácidos graxos trans (AGtrans) foi adequada (< 1% VET), conforme recomendações para a prevenção de doenças crônicas da WHO/FAO, pela maioria dos pacientes18. Isto é relevante, porque o consumo elevado de AG trans quando associado à baixa ingestão de AGE é prejudicial devido à competição destes pelas enzimas na cascata enzimática para biossíntese dos seus metabólitos de cadeia longa28. O baixo consumo das gordurastrans na amostra estudada pode ser decorrente das orientações recebidas nas consultas com nutricionista, mas também pela redução destas, nos alimentos industrializados, conforme estabelecido pelo Ministério da Saúde em 2006.
O percentual de ingestão de ácidos graxos saturados (AGS) também foi adequado pela maioria dos pacientes estudados. Este se diferencia do estudo realizado Smith et al.29, que encontraram uma elevada ingestão de AGS entre crianças com FC. Isto é importante porque a reação sistêmica inflamatória é um fator de risco para a aterogênese e, associada ao consumo elevado de AGS, potencializa o risco de doenças cardiovasculares28,30.
A ingestão de carboidrato foi estatisticamente significativa com o percentual de gordura do tronco, possivelmente porque apesar da maioria dos pacientes ter consumido um percentual normal, esta pode ter sido a base de carboidrato simples. O programa utilizado na avaliação da ingestão alimentar (Nutwin) não separa carboidratos simples de complexos.
Observou-se, em aproximadamente 9% da amostra estudada, aumento da gordura na região do tronco, sendo maior naqueles de mais idade e do sexo masculino. Isto, possivelmente, ocorreu porque a obesidade central tende a se elevar com o decorrer da idade, iniciando-se na infância e adolescência, e pela tendência de maior depósito de gordura neste local no sexo masculino31. Por isso, os pacientes deste estudo foram estratificados por faixas etárias distintas entre os sexos, baseando-se na diferenciação do processo de maturação sexual, quando importantes mudanças nos compartimentos de massa gorda e magra ocorrem de forma diferenciada.
Como estes pacientes já possuem uma sobrevida de 30 a 50 anos e há uma ampla evidencia de que fatores de risco que se iniciam na infância e adolescência se perpetuam na vida adulta, este resultado é preocupante porque quando existe elevação da gordura do tronco, há um aumento também da gordura abdominal e visceral, sendo esta preditora do aumento do risco de doenças cardiometabólicas. Devido à função endócrina e inflamatória do tecido adiposo localizado na cavidade abdominal, há um aumento da secreção de adipocinas pró-inflamatórias e aterogênicas, de ácidos graxos livres e marcadores inflamatórios e diminuição de adiponectina circulante, que por sua vez parecem condicionar a dislipidemia, a resistência à insulina e a inflamação vascular32.
As adipocinas pró-inflamatórias produzidas também se relacionam negativamente com a desmineralização óssea e a esteatose hepática, eventos que ocorrem em pacientes com FC5,6. Como a aplicação de biomarcadores para se estabelecer o risco global e um diagnóstico precoce na prevenção de eventos cardiovasculares é ainda um desafio, as alterações metabólicas podem ser identificadas de forma precoce nos pacientes com obesidade central, através da utilização do DXA33.
Moriconi et al., estudando a avaliação da composição e distribuição da gordura corporal utilizando DXA em pacientes adultos com FC, também encontraram aumento da gordura abdominal mesmo naqueles com baixo peso34.
Neste estudo demonstrou-se que aproximadamente 9% dos pacientes estudados apresentaram aumento da gordura corporal total. Este resultado pode ser devido a mudanças de hábito de vida, vistos na população geral, ou ao uso de suplementos calóricos, dieta por gastrostomia e nutrição enteral. Uma vez que nos pacientes com FC a obesidade é incomum, devido à doença ser caracterizada pelo balanço energético negativo. O aumento expressivo nas prevalências do sobrepeso e da obesidade em vários países do mundo, incluindo o Brasil, faz a obesidade ser considerada um dos maiores problemas de saúde pública, que afeta todas as faixas etárias. Evidências epidemiológicas demonstram que a relação entre a obesidade e o risco de doenças cardiometabólicas é percebida tanto no início da vida quanto ao longo do crescimento e desenvolvimento dos indivíduos35-37.
Os resultados deste estudo mostraram que o IMC/I foi estatisticamente significativo para percentual de gordura do tronco. Aqueles com pior estado nutricional apresentaram o menor acumulo de gordura do tronco, como geralmente ocorre em crianças e adolescentes sem FC. Entretanto, Panagopoulou et al.3 evidenciaram acúmulo de gordura na região abdominal de pacientes jovens e adultos com FC, mesmo na presença de uma redução significativa de gordura corporal total. Estes autores sugeriram que os fatores responsáveis seriam a inflamação crônica, corticoterapia, inatividade física, diminuição relativa de hormônio de crescimento ou anabólicos. Em outras doenças inflamatórias crônicas também há aumento da distribuição da gordura abdominal associado ao estado inflamatório crônico, resistência à insulina e risco cardiovascular.
A razão da gordura androide/ginecoide foi maior na presença de IPE, isto pode ser justificado porque esta geralmente se associa a um pior fenótipo, provavelmente associada à inflamação crônica que pode ser a responsável pelo acúmulo da gordura abdominal. Esta razão aumentada em adolescentes e adultos é responsável por mais riscos de alterações metabólicas e complicações cardiovasculares.
Uma limitação do estudo é que, por tratar-se de uma análise transversal, aponta apenas para as associações sem, contudo, estabelecer uma relação de causa e efeito. Além disso, estes pacientes possuem uma variação no grau de severidade da doença, tornando a população mais heterogênea. A falta do ponto de corte para a razão androide/ginecoide e a razão tronco total pelo DXA também dificulta a análise dos dados.
Apesar de cinquenta por cento dos casos possuírem adequação do estado nutricional pelo IMC/I, este percentual seria menor se tivesse sido avaliada a massa magra corporal. A maioria dos pacientes apresentou um consumo energético e de lipídeos inadequado, demonstrando pouca aderência ao tratamento nutricional. Contudo, observou-se aderência à dieta da sociedade contemporânea com uma ingestão exacerbada de carboidrato.
O aumento da adiposidade abdominal foi evidenciado pela DXA, que é um exame rápido, fácil e que expõe os indivíduos à pequena dose de radiação. Assim, pacientes com FC devem, no seu acompanhamento nutricional, avaliar a composição corporal e a distribuição de gordura corporal para diagnosticar mais precocemente desnutrição e fatores de risco cardiometabólico.