versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.2 Rio de Janeiro fev. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017222.26252015
The nutritional status and its association with the eating habits of schoolchildren enrolled in public schools of Campina Grande in the State of Paraíba was evaluated. A cross-sectional study was conducted with 1081 children aged between 5 and10. Height/age (H/A) and body mass index/age (BMI/A) anthropometric indexes, as well as the eating habits of schoolchildren were analyzed. A prevalence of stunting, overweight and obesity of 2.4%, 12.3% and 9.2%, respectively, was found. The H/A z-score revealed lower averages (p = 0.029) in children who reported almost never eating breakfast (-0.130 ± 1.053 z-score) compared to children who eat this meal every day or almost every day (0.183 ± 0.912 z-score); a similar association was observed when school meals were not eaten (p = 0.001). For the BMI/A, it was observed that children who have all meals had a lower average z-score (p = 0.034); similar results were observed in relation to the habit of eating breakfast, where a lower average value was found among children who reported this habit (p = 0.029). The nutritional status of schoolchildren is marked by high rates of overweight/obesity. This would suggest that losses in the nutritional status are related to failure to have breakfast and eat school meals.
Key words: Nutritional status; Eating habits; Children
O crescimento físico é o parâmetro mais apropriado para avaliar as condições de saúde e o estado nutricional em crianças, por refletir a evolução da saúde e o desenvolvimento da população. Por este motivo, o desenvolvimento de pesquisas que objetivem o diagnóstico e o conhecimento dos problemas nutricionais, com vistas a melhorá-los para as próximas gerações, torna-se relevante1.
A desnutrição é responsável por acarretar importantes prejuízos na infância e representa a causa de mais de um terço das mortes infantis em todo o mundo2,3. Esse é um problema preocupante, uma vez que estima-se 178 milhões de crianças no mundo com baixa estatura, reflexo de alimentação insuficiente aliada à presença de doenças3. Além disso, a desnutrição infantil pode predispor a complicações na fase adulta2.
No Brasil persistem, ainda, formas severas de desnutrição, principalmente o comprometimento linear, o qual constitui importante problema de saúde pública. A situação é mais grave nas regiões Norte e Nordeste como resultado da desigualdade social e da distribuição de renda no país4,5. A maioria dos estudos sobre o tema tem sido realizada com menores de cinco anos, o que destaca a necessidade de pesquisas que envolvam crianças em idade escolar. Avaliar a desnutrição em escolares com enfoque direcionado ao déficit de estatura é importante por proporcionar uma visão ampliada em relação ao estado de saúde individual e coletivo6,7.
Observa-se, também, que entre as crianças de seis a dez anos de idade as prevalências de desnutrição infantil vêm diminuindo, enquanto que os casos de sobrepeso constituem condição nutricional em ascensão8,9. Essa condição é reflexo de mudanças nos hábitos alimentares dos indivíduos10,11, os quais são construídos durante a infância e se perpetuam por toda a vida12,13. Os hábitos inadequados associados ao estilo de vida não saudável, desde os primeiros anos de vida, intensificam os riscos de doenças crônicas na vida adulta14. Nesse sentido, a investigação precoce do consumo alimentar inadequado em crianças é necessária para que medidas de intervenção sejam realizadas o quanto antes15.
Os resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF)16 apontaram taxa de obesidade de 18,3% entre os escolares brasileiros. Nesse mesmo estudo, o excesso de peso variou entre 25% e 30%, nas Regiões Norte e Nordeste, e entre 32% e 40%, nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Além disso, a pesquisa apontou que a população brasileira vem sofrendo mudanças intensas no perfil de alimentação: diminuição no consumo de alimentos tradicionais e saudáveis, atrelada ao aumento da ingestão de alimentos industrializados.
A necessidade de maior quantidade de estudos sobre o sobrepeso/obesidade nas crianças e adolescentes brasileiros foi apontada como recomendação em trabalho recente de revisão sistemática sobre o tema17. Nessa revisão, 17 artigos foram elegíveis, indicando-se, ainda, maior carência nas Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, bem como maiores prevalências de sobrepeso no Sul e Nordeste. O trabalho em questão aborda, também, a relação estabelecida entre o sobrepeso e a obesidade com o desenvolvimento de hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia e doenças cardio-metabólicas, dentre outras, o que reforça a importância de se direcionar esforços para melhorar o conhecimento das características epidemiológicas do sobrepeso/obesidade.
No presente estudo, objetivou-se avaliar o estado nutricional e sua associação com os hábitos alimentares de crianças escolares que frequentam a rede pública de ensino do município de Campina Grande, Paraíba.
O presente trabalho está vinculado ao projeto de pesquisa “Estado nutricional e Programa Nacional de Alimentação Escolar: perfil no contexto de escolas públicas municipais de Campina Grande-PB, para o desenvolvimento de um Programa de combate à fome e desnutrição”. O projeto foi desenvolvido com o objetivo de avaliar o estado nutricional de escolares e o Programa de Alimentação Escolar na cidade de Campina Grande, Paraíba. A coleta de dados foi realizada em setembro de 2013.
O município de Campina Grande localiza-se na mesorregião do Agreste Paraibano e possui área total de 641 Km2. Sua área urbana possui 98 Km2 e a rural é de 420 Km2. A população urbana de Campina Grande, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, é de 337.484 habitantes e a rural de 17.847. Possui 51 bairros e cinco distritos, sendo três rurais (Galante, São José da Mata e Catolé de Boa Vista) e dois urbanos (Catolé de Zé Ferreira e Santa Terezinha).
Realizou-se estudo de delineamento transversal. No momento da coleta de dados, a Secretaria de Educação do município de Campina Grande, Paraíba, contava com 120 escolas de ensino fundamental (1º ciclo) que atendiam crianças de 5 a 10 anos de idade, distribuídas nas turmas de 1º a 5º ano. Localizavam-se 86 escolas na zona urbana (9 núcleos) e 34 na zona rural (4 núcleos), que atendiam, respectivamente, 21.696 e 2.801 escolares. A população elegível incluiu todas as crianças escolares, na faixa etária de 5 a 10 anos, de escolas urbanas da rede pública de ensino do município de Campina Grande e que frequentavam a escola no dia da coleta de dados, totalizando 1754 escolares.
Para garantir a representatividade das regiões e das diversidades administrativas do município, as escolas foram ordenadas segundo a distribuição por núcleos que adota o município. Em cada núcleo da zona urbana foram sorteadas duas escolas, totalizando 18. Em cada escola foi sorteada uma turma de cada ano, totalizando 90 turmas. Das crianças elegíveis, foram excluídos os escolares que não estavam na faixa etária (menores de cinco anos, do primeiro ano; e maiores de 10 anos, do quinto ano) e aqueles com problemas físicos que dificultassem a avaliação antropométrica. Além disso, houve perdas devido a escolares que não estavam presentes na escola ou não estavam acompanhados pelas mães no dia da coleta de dados e por dificuldades na avaliação antropométrica (criança muito inquieta ou chorando). Assim, do total de 1754 escolares, foram analisados 1093. Ainda, por incompletude das informações, 12 sujeitos foram declarados como perda, totalizando 1081 escolares de 5 a 10 anos de idade para o estudo. O fluxograma da seleção dos sujeitos da pesquisa é apresentado na Figura 1.
Figura 1 Fluxograma de seleção da população do estudo sobre o estado nutricional e os hábitos alimentares de escolares de 5 a 10 anos de idade. Campina Grande, Paraíba, Brasil, 2014.
Os dados antropométricos foram coletados por uma equipe de alunos de graduação e pós-graduação da área de saúde da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Os alunos foram treinados na UEPB para a padronização das medidas antropométricas e da coleta de dados por meio de questionário. Foi elaborado um manual de orientação para as medições da estatura e do peso seguindo as recomendações técnicas internacionais18. O treinamento foi ministrado pelo coordenador do projeto.
As informações obtidas, mediante entrevista realizada com as crianças, através do questionário previamente testado, incluíram as variáveis: sexo (feminino; masculino); idade em anos (< 7a; 7a-7a11m; 8a-8a11m; 9a-9a11m; 10a-10a11m); hábito de tomar café da manhã (quase nunca; às vezes; todas as manhãs ou a maioria delas); hábito de não realizar refeições (muitas vezes; poucas vezes; nunca); quantidade de frutas e verduras de ingestão diária (nenhuma; 1 a 3; 4 ou mais); alimentos de maior ingestão nos lanches (salgadinhos, batatas fritas e alimentos similares; sorvetes, doces, biscoitos doces/recheados, refrigerantes e alimentos similares; frutas, verduras e sucos de frutas); alimentação em casa (nunca tem fruta e verdura; às vezes tem fruta e verdura; sempre tem fruta e verdura); alimentação na merenda escolar (nunca tem fruta e verdura; às vezes tem fruta e verdura; sempre tem fruta e verdura); consumo diário da alimentação da merenda escolar (não; sim).
Os escolares tiveram a estatura medida por meio de estadiômetro (WCS®) com amplitude de 200 cm e subdivisões de 0,1 cm. As medições foram realizadas em duplicata, aceitando-se variação máxima de 3 mm, e a medida final resultou da estimativa da média das duas medições. As crianças foram pesadas utilizando balança eletrônica do tipo plataforma com capacidade para 150 kg e graduação em 100g (Tanita UM-080®).
Utilizaram-se os índices antropométricos Estatura/Idade (E/I) e Índice de Massa Corporal/Idade (IMC/I). O estado nutricional das crianças foi expresso em escore-Z de acordo com o padrão de referência do Multicentre Growth Study (Who Reference 5-19 years)19, atualmente recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Os cálculos foram realizados com a utilização do programa WHO Anthro Plus 2009. Para a definição de baixa estatura foi adotado o ponto de corte E/I < Escore-z -2. Escolares com IMC/I < Escore-z -2, ≥ Escore-z -2 e < Escore-z +1, > Escore-z +1 e < Escore-z +2, ≥ Escore-z +2, foram classificados como de baixo IMC/I, eutrófico, sobrepeso, obeso, respectivamente20.
A digitação dos dados foi realizada imediatamente após a coleta da informação, em planilhas do programa Excel (Microsoft Inc., Estados Unidos) com opções de formatação e validação para a diminuição de erros. Amostra aleatória de 1/3 dos dados foi submetida à verificação da consistência considerando as informações contidas nos questionários. Discrepâncias, que foram corrigidas, encontraram-se em oito questionários.
A normalidade dos dados foi verificada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Para verificar diferenças nos Escore-z de E/I e IMC/I de acordo com o sexo, a idade e as variáveis relativas aos hábitos alimentares, realizaram-se análises com o uso do teste t-student, para variáveis de duas categorias, ou ANOVA, para variáveis de três ou mais categorias. Uma vez verificado os pressupostos da ANOVA, aplicou-se o teste F, com provas post-hoc de Bonferroni, para verificar diferenças entre as categorias. Todas as análises foram realizadas por meio do software estatístico R21, versão 3.1.2, adotando-se o nível de significância < 0,05.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba. Foi solicitado consentimento escrito aos pais ou responsáveis pelas crianças e aos profissionais. Os resultados foram divulgados para as escolas e a Secretaria de Educação do município.
O diagnóstico do estado nutricional dos 1081 escolares do estudo encontra-se representado na Gráfico 1. Verificou-se que 2,4% (26) dos escolares estavam com déficit de estatura. O excesso de peso foi diagnosticado em 21,5% (232) dos escolares, sendo 12,3% (133) de sobrepeso e 9,2% (99) de obesidade.
Gráfico 1 Estado nutricional de escolares de 5 a 10 anos de idade de acordo com os índices estatura/idade (E/I) e índice de massa corporal/idade (IMC/I). Campina Grande, Paraíba, Brasil, 2014.
A Tabela 1 apresenta a distribuição dos índices E/I e IMC/I de acordo com o sexo, a idade e os hábitos alimentares de escolares. Com relação aos hábitos alimentares, observou-se que 64,85% (701) dos escolares tomavam café da manhã todos os dias ou na maioria dos dias; 48,94% (529) tinham o hábito de realizar todas as refeições; 12,21% (132) não comiam frutas e/ou verduras; 46,99% (508) lanchavam guloseimas, como sorvetes, doces, biscoitos doces/recheados e refrigerantes, e 22,20% (240) lanchavam salgadinhos, batatas fritas ou alimentos similares. Quanto à alimentação de rotina em casa e na merenda escolar, as crianças indicaram a presença de frutas e verduras como a alternativa de maior frequência e o consumo diário da alimentação na escola por 63,74% (689) delas.
Tabela 1 Distribuição dos índices estatura/idade (E/I) e índice de massa corporal/idade (IMC/I) de acordo com o sexo, a idade e os hábitos alimentares de escolares. Campina Grande, Paraíba, Brasil, 2014.
Variáveis/Categorias | n | (%) | E/I (Escore-z) | ÍMC/I (Escore-z) | ||
---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||
Média (desvio-padrão) | p* | Média (desvio-padrão) | p* | |||
Sexo | 0,555 | 0,350 | ||||
Feminino | 542 | 50,13 | -0,057 (1,049) | 0,167 (1,129) | ||
Masculino | 539 | 49,87 | -0,101 (1,034) | 0,226 (1,279) | ||
Idade | 0,157 | 0,240 | ||||
< 7 anos | 245 | 22,66 | 0,0008a (1,059) | 0,271a (1,227) | ||
7 – 7 anos e 11 meses | 258 | 23,87 | -0,060a (1,058) | 0,243a (1,221) | ||
8 – 8 anos e 11 meses | 242 | 22,39 | -0,149a (1,031) | 0,092a (1,181) | ||
9 – 9 anos e 11 meses | 204 | 18,87 | -0,132a (0,995) | 0,192a (1,261) | ||
10 – 10 anos e 11 meses | 132 | 12,21 | -0,053a (1,070) | 0,161a (1,092) | ||
Hábito de tomar café da manhã | 0,029 | 0,020 | ||||
Quase nunca | 69 | 6,39 | -0,130a (1,053) | 0,530a (1,299) | ||
Às vezes | 311 | 28,76 | -0,021ab (1,035) | 0,325ab (1,207) | ||
Todas/maioria das manhãs | 701 | 64,85 | 0,183b (0,912) | 0,106b (1,186) | ||
Hábito de não realizar refeições | 0,303 | 0,034 | ||||
Muitas vezes | 65 | 6,01 | -0,085a (1,148) | 0,256a (1,333) | ||
Poucas vezes | 487 | 45,05 | -0,016a (0,997) | 0,320a (1,221) | ||
Nunca | 529 | 48,94 | -0,135a (1,067) | 0,074b (1,165) | ||
Quantidade de frutas e verduras por dia | 0,804 | 0,185 | ||||
Nenhuma | 132 | 12,21 | -0,069a (1,048) | 0,119a (1,267) | ||
1 a 3 | 631 | 58,37 | -0,087a (1,021) | 0,244a (1,263) | ||
4 ou mais | 318 | 29,42 | -0,065a (1,082) | 0,131a (1,054) | ||
Alimentos de maior ingestão nos lanches | 0,054 | 0,204 | ||||
Salgadinhos, batatas fritas e similares | 240 | 22,20 | -0,065ab (1,059) | 0,229a (1,116) | ||
Sorvetes, doces, biscoitos doces/recheados, refrigerantes e similares | 508 | 46,99 | -0,155b (1,034) | 0,126a (1,172) | ||
Frutas, verduras e suco de frutas | 333 | 30,81 | 0,027a (1,034) | 0,278a (1,312) | ||
Alimentação em casa | 0,762 | 0,449 | ||||
Nunca tem fruta e verdura | 399 | 36,92 | -0,144a (1,128) | 0,127a (1,060) | ||
Às vezes tem fruta e verdura | 594 | 54,94 | -0,066a (1,048) | 0,186a (1,234) | ||
Sempre tem fruta e verdura | 88 | 8,14 | -0,083a (1,014) | 0,226a (1,195) | ||
Alimentação escolar | 0,928 | 0,527 | ||||
Nunca tem fruta e verdura | 175 | 16,19 | -0,166a (1,062) | 0,107a (1,208) | ||
Às vezes tem fruta e verdura | 665 | 61,52 | -0,061a (1,042) | 0,184a (0,184) | ||
Sempre tem fruta e verdura | 241 | 22,29 | -0,064a (1,027) | 0,292a (1,359) | ||
Consumo diário da alimentação escolar | 0,001 | 0,857 | ||||
Não | 392 | 36,26 | -0,168 (1,028) | 0,180 (1,218) | ||
Sim | 689 | 63,74 | 0,078 (1,047) | 0,224 (1,186) | ||
Total | 1081 | 100,0 | -0,079 (1,042) | 0,196 (1,206) |
* p-valor do teste t-student para variáveis dicotômicas e ANOVA para variáveis não dicotômicas. a, b Médias com diferentes letras em subscrito são significativamente diferentes, p < 0,05 (teste de Bonferroni).
Em relação aos índices antropométricos, média inferior (p = 0,029) para o E/I encontrou-se nas crianças que quase nunca tomavam café da manhã (-0,130 ± 1,053) quando comparadas com aquelas que faziam essa refeição todas ou na maioria das vezes (0,183 ± 0,912). Para o IMC/I, destacou-se que crianças que indicaram o hábito de fazer todas as refeições apresentaram menor média do que as que responderam o contrário (p = 0,034), resultado similar em relação ao hábito de tomar café da manhã em que menor média foi constatada entre as crianças com esse costume (p = 0,020). Além disso, crianças que não consumiam a merenda escolar apresentaram menor média de Escore-z de E/I do que crianças que responderam comer a merenda (-0,168 ± 1,028 versus 0,078 ± 1,047; p = 0,001).
No presente estudo, as prevalências de déficit de estatura (2,4%), sobrepeso (12,3%) e obesidade (9,15%) apresentaram-se inferiores às médias nacionais encontradas na POF (6,8%, 33,5% e 14,3%, respectivamente)16. Apesar de este estudo apontar médias de sobrepeso e obesidade inferiores às encontradas nacionalmente, tais prevalências encontram-se elevadas e superiores quando comparadas ao déficit de estatura. Tais resultados caracterizam o processo de transição nutricional que, como consequência das melhores condições sociais, educativas e econômicas, vem acontecendo em várias partes do mundo, com destaque para as grandes cidades2. No Brasil, esse padrão vem representado por prevalência de excesso de peso aproximadamente três vezes maior que a de subnutrição22. Nos países da América-Latina, em geral, o processo de transição nutricional, caracteriza-se, ainda, pela coexistência do sobrepeso ou da obesidade com a subnutrição23.
O consumo de alimentos não saudáveis dos escolares de Campina Grande, inclusive dentro do ambiente escolar, evidenciada no presente estudo pelo consumo excessivo de alimentos ricos em açúcar como doces, guloseimas e refrigerantes, assemelha-se a resultados em outras localidades do país como em Belo Horizonte (MG)12 e em Chapada (RS)24, bem como em outros países como o Canadá25e o México26. Analogamente, de acordo com a POF, os brasileiros estão cada vez mais substituindo o consumo de alimentos saudáveis, como cereais e hortaliças, por alimentos de alto teor energético, como refrigerantes e comidas prontas16. Esses dados remetem à importância da construção de hábitos alimentares saudáveis, por sua relevância tanto como fator de proteção em relação ao desenvolvimento de doenças, quanto de melhoria de condições de saúde na vida adulta quando adotadas as medidas apropriadas desde idades mais precoces13,27. Foi possível encontrar no presente estudo, ainda, frequências expressivas de crianças que omitiram o café da manhã e que deixaram de fazer refeições, assemelhando-se a constatações de estudos anteriores28-30.
O consumo diário da merenda escolar entre as crianças do presente estudo (63,74%) foi inferior ao anteriormente observado com crianças de Piedade (SP) (81,3%)14 e em Canoinhas (SC) (95,7%)31. Argumenta-se que o consumo ou não da merenda escolar pode estar relacionada ao fato do estranhamento que pode causar, por serem os alimentos geralmente oferecidos no horário do almoço ou jantar, enquanto se associa a merenda a refeições leves e ao momento de brincadeiras32. Assim, há de reforçar a importância dos gestores e profissionais relacionados com a alimentação escolar de se preocuparem não apenas com a disponibilidade de alimentos para sua utilização na alimentação escolar, como também com mecanismos que viabilizem o consumo efetivo de tais alimentos para o qual a educação nutricional constitui uma ferramenta essencial33. Nesse sentido, o cardápio da merenda deve ser planejado de acordo com as influências culturais de cada região, no intuito de melhorar a sua aceitação, e a formação de hábitos alimentares saudáveis deve ser incentivada pelos profissionais envolvidos como as merendeiras e os nutricionistas33-35.
Pesquisadores em Itajaí (SC) e Indaial (SC) encontraram chance duas vezes maior de apresentar obesidade nos escolares que omitiam o café da manhã em relação àqueles que não tinham esse hábito13,30, convergindo com as médias superiores de IMC/I entre as crianças do presente estudo que não faziam a primeira refeição. De forma similar, tanto em Pelotas (RS), quanto neste trabalho, o hábito de não fazer refeições esteve associado ao desenvolvimento de obesidade36. Esses resultados foram sugeridos por meio de revisão sistemática que apontou o consumo do café da manhã e de maior número de refeições como fatores de proteção contra a obesidade entre crianças e adolescentes europeus37, bem como por outro estudo que sistematizou a proteção do consumo de cinco refeições ao dia em relação ao sobrepeso/obesidade entre crianças e adolescentes dos Estados Unidos, Alemanha e Portugal38. O café da manhã é uma refeição importante e não realizá-la pode prejudicar o desempenho escolar, a saciedade, o controle de peso e favorece o desejo de consumir lanches calóricos31,39. Por sua vez, o hábito de não fazer refeições deve ser extinto, pois o tempo prolongado entre as refeições favorece o desenvolvimento de gastrite e a ingestão maior de comida na próxima refeição para compensar o jejum40.
Em relação à E/I, os resultados deste estudo sugerem maior vulnerabilidade entre as crianças que não faziam a refeição do café da manhã e naquelas que não consumiam a merenda escolar. Esses resultados respaldam-se em princípios básicos do estado nutricional, ao se considerar o consumo alimentar insuficiente ou inadequado, juntamente com a presença de doenças, como fatores proximais do comprometimento do crescimento linear3,41. Crianças carentes têm, muitas vezes, na merenda escolar, a única refeição diária garantida, representando um atrativo e agindo como medida solucionadora para a necessidade básica de alimento31,42. Assim, a reduzida disponibilidade e/ou consumo de alimentos ao nível domiciliar (primeira refeição/café da manhã) ou escolar (merenda escolar), pode comprometer o aporte energético infantil e refletir no crescimento dessas crianças42,43. Além disso, os resultados sugerem-se relevantes, uma vez que, segundo revisão da literatura, nenhum estudo abordou, até o momento, a relação entre alimentação escolar e estado nutricional dos escolares33.
Outros fatores relacionados ao estado nutricional de escolares não foram considerados neste estudo. Nesse sentido, há que destacar, segundo os resultados da POF, o aumento da renda como determinante da diminuição do déficit de estatura e do aumento do sobrepeso e da obesidade nas crianças brasileiras de 5 a 9 anos de idade16. Em relação ao sobrepeso/obesidade, principal distúrbio nutricional deste estudo, crianças de cidade da região metropolitana de São Paulo apresentaram o desfecho associado à obesidade materna e a assistir televisão por quatro horas, além de ao consumo de alimentos não saudáveis44. Na conjuntura descrita, os resultados do presente estudo devem ser interpretados com cautela, pois as análises centraram sua atenção nos hábitos alimentares, questionando-se a possibilidade de confundimento por outras condições. Não obstante, cabe ressaltar a importância dos resultados apresentados considerando que as doenças não transmissíveis, associadas à obesidade e aos estilos de vida inadequados, constituem o lado mais negativo do panorama sanitário brasileiro atual45,46. Além disso, apesar de sugerir-se a idade escolar como a fase mais crítica da obesidade e reconhecer-se a importância da alimentação saudável na prevenção da doença44,46, as pesquisas não têm dado a devida atenção a essa relação no contexto escolar33.
Tem-se, ainda, como limitação do presente estudo seu delineamento transversal, impossibilitando o estabelecimento de relação causal por sua característica pontual. Vale ressaltar outra possível limitação relacionada à maturidade cognitiva dos escolares de fornecerem informações exatas e precisas. Assim, a interpretação dos resultados apresentados deve considerar que os mesmos podem estar influenciados por tais distinções.
O estado nutricional dos escolares apresenta-se com características da transição nutricional, marcada pelo aumento no indicador de sobrepeso/obesidade. Em face dos resultados, os hábitos alimentares dos escolares mostram-se associados ao estado nutricional, marcadamente, o não consumo do café da manhã como fator importante tanto no indicador de estatura/idade quanto no Índice de Massa Corporal/idade. Além disso, apresenta-se associação entre o consumo da alimentação escolar e o crescimento linear das crianças. Faz-se necessário, então, que o ambiente escolar funcione como veículo fornecedor de informações e atividades relacionadas a hábitos de alimentação saudável. A educação nutricional deve ser utilizada como estratégia para esses fins, mas também para promover maior aceitação da alimentação escolar.