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Estado oxidante-antioxidante em crianças egípcias com anemia falciforme: estudo baseado em um único centro

Estado oxidante-antioxidante em crianças egípcias com anemia falciforme: estudo baseado em um único centro

Autores:

Mona Kamal El-Ghamrawy,
Wagdi Maurice Hanna,
Amina Abdel-Salam,
Marwa M. El-Sonbaty,
Eman R. Youness,
Ahmed Adel

ARTIGO ORIGINAL

Jornal de Pediatria

versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782

J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.2 Porto Alegre mar./abr. 2014

http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2013.09.005

Introdução

A anemia falciforme (AF) é uma das doenças monogênicas mais comuns no mundo, predominantemente vista na África e sudeste da Ásia. Trata-se de uma doença multissistêmica, associada a episódios de doença aguda e danos progressivos a órgãos.1 AF resulta de uma mutação pontual no código genético, de forma que o ácido glutâmico seja substituído por valina na cadeia de globinas da hemoglobina. Essa substituição transforma a hemoglobina de adultos normais (HbA) em hemoglobina falciforme (HbS). Quando desoxigenada, a HbS sofre polimerização, e quando uma quantidade essencial de polímero de HbS acumula em um eritrócito falciforme, ocorre lesão celular, e uma quantidade suficiente de eritrócitos danificados causa o fenótipo da doença falciforme (DF), reconhecida pela anemia hemolítica e vaso-oclusão.2

A DF emerge como um modelo importante de estresse oxidativo. Como as células vermelhas do sangue (CVS) carregam oxigênio para os tecidos do corpo, eles já são ricos em combustível oxidativo. Suas características estruturais diferentes fazem com que sejam suscetíveis a oxidação. O estresse oxidativo crônico resultante de um desequilíbrio entre a produção de espécies reativas oxidantes (ERO) e as enzimas antioxidantes constitui um fator fundamental na disfunção endotelial, inflamação e dano de múltiplos órgãos na DF. Além disso, a doença é caracterizada por dano à membrana das células devido a um aumento nos produtos da peroxidação lipídica, como malondialdeído (MDA), e a um aumento no consumo de óxido nítrico (NO - Nitric Oxide).3 , 4

O aumento da produção de ERO é causado pelos mecanismos intrínsecos da doença, como aumento da atividade de várias oxidases (oxidase nicotinamida adenina dinucleótido fosfato [NADPH] e xantina oxidase endotelial),5 auto-oxidação de HbS, liberação de ferro heme, aumento da dimetilarginina assimétrica,6 desacoplamento da atividade de síntese do óxido nítrico e redução dos níveis de NO.7 Isso melhorou a produção de radicais livres na AF e, posteriormente, reduziu a biodisponibilidade de NO inativa no relaxamento vascular por NO.8 Relaxamento vascular prejudicado e redução da adesão endotelial contribuem para os fenômenos vaso-oclusivos.9

Vários relatos indicam que pacientes com AF tiveram seus níveis de antioxidantes, como NO, capacidade antioxidante total (CAT) e vitamina E, esgotados, em comparação a um grupo de controle de pessoas saudáveis normais.10 - 13 Ademais, um estudo mostrou melhora significativa na peroxidação lipídica na AF, em comparação ao grupo de controle.14 Contudo, poucos estudos avaliaram o papel dos oxidantes e o estado antioxidante em crianças com AF. Até onde sabemos, nenhum estudo foi realizado em pacientes com DF no Egito. Nosso objetivo foi avaliar o estado oxidante-antioxidante em crianças egípcias com AF, estáveis, por meio da dosagem dos níveis séricos de MDA dos produtos da peroxidação lipídica, nitrito, paraoxonase (PON), vitamina E e capacidade antioxidante total (CAT).

Materiais e métodos

Trata-se de um estudo caso-controle prospectivo realizado no New Children's Hospital, Universidade do Cairo, Egito, Departamentos de Saúde Infantil e Bioquímica Médica, Centro Nacional de Pesquisa, Cairo, Egito. Participaram do estudo 40 crianças com diagnóstico confirmado de AF homozigótica (Hb SS) (24 meninos e 16 meninas, com idades entre 10,6 ± 4,5 anos) e 20 indivíduos saudáveis no grupo controle (pareados por idade e sexo, 12 meninos e oito meninas com idades entre 10 ± 2,8 anos [p < 0,05]). Para isso, obtivemos o consentimento dos responsáveis legais dos pacientes e do grupo de controle. Todos os recrutados estavam estáveis, comparecendo a visitas de monitoramento de rotina durante o período do estudo (de 1º de dezembro de 2011 a 30 de junho de 2012). Excluímos pacientes com idade superior a 18 anos, com doença febril aguda nas últimas 72 horas ou crises vaso-oclusivas agudas (CVO) três meses antes do início do estudo, doença grave concomitante e os participantes de um programa de transfusão sanguínea regular. Nenhum dos indivíduos recrutados recebeu suplementação de antioxidantes ou vitaminais, como, por exemplo, vitamina E. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade do Cairo e pelo Comitê de Ética do Centro Nacional de Pesquisa, Cairo, Egito, de acordo com o Comitê Institucional de Proteção de Seres Humanos, e adotado pela 18ª Assembleia Médica Mundial, Helsinki, Finlândia.

Foram realizados anamnese detalhada e exames clínicos completos. Na inscrição, foram registrados vários episódios dolorosos graves nos 12 meses anteriores (frequência de CVO por ano), com uma definição funcional de CVO como dor nas extremidades, costas, abdômen, peito ou cabeça, levando à consulta clínica não agendada ou ida ao pronto-socorro e internações e que não puderam ser explicados se não por DF, com exclusão das síndromes mão-pé e torácica, osteomielite e qualquer episódio de dor tratada inteiramente em casa.15

Dentre os pacientes, 31 se encontravam em terapia de hidroxiureia (HU), com uma dose média de 19,8 ± 3,4; faixa 15-30 mg/kg/dia, oral, uma vez ao dia. A duração média da HU foi de 2,12 ± 1,49 anos. O aumento da dose foi guiado pela resposta clínica e hematológica sem tentativa de atingir a dose máxima de tolerância (DMT). Segundo a definição da DMT16; três indivíduos recebiam a DMT no momento da inscrição.

Amostras de sangue foram coletadas e processadas para determinar MDA, nitrito, PON, CAT e vitamina E, como segue: 5 mL de sangue foram coletados em tubos básicos e deixados para coagular durante 30 minutos, a 25º C; estes foi então centrifugado a 3.000 rotações por minuto durante 15 minutos, a 4º C, e o soro foi separado em tubos limpos e adequadamente etiquetados para investigação.

Determinação da peroxidação lipídica: A peroxidação lipídica foi avaliada dosando o nível de MDA. Ela foi determinada pela dosagem das espécies reativas ao ácido tiobarbitúrico utilizando o método de Ruiz-Larrea et al.,17 no qual as substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico reagem com o mesmo para produzir um complexo avermelhado, com pico de absorbância a 532 nm.

Determinação de nitrito sérico: O nitrito sérico (NO2 -), como um marcador substituto para óxido nítrico sérico, foi dosado utilizando o reagente de Griess, de acordo com o método de Moshage et al.18; o nitrito, um produto final estável do radical óxido nítrico, é utilizado principalmente como indicador da produção de óxido nítrico.19

Determinação da atividade da PON: A atividade arilesterase da PON foi mensurada por espectrofotometria em sobrenadantes utilizando fenilacetato como substrato.20

Dosagem dos níveis séricos da CAT: Os níveis séricos da CAT foram determinados utilizando um método de dosagem automatizado que tem como base o branqueamento da cor característica de um cátion radical 2,2'-azino-bis mais estável (3-etilbenzotiazolina-6-ácido sulfônico) [ABTS] por antioxidantes (Beckman Coulter, Fullerton, CA, EUA).21 O cátion radical ABTS é descolorado por antioxidantes de acordo com suas concentrações e capacidades antioxidantes. Os resultados são expressos em equivalentes de mmolTrolox/L.

Dosagem de vitamina E: A vitamina E, como o tocoferol, foi dosada por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE).22 Eritrócitos recém-obtidos foram armazenados em pirogalol 2% em etanol a 70º C. Todas as amostras foram analisadas em até dois meses de armazenamento utilizando uma coluna de fase reversa C-18 (Waters, Milford, MA), um sistema de solventes à base de metanol 95% e um detector UV/VIS a 292 nm.22

Análise estatística

Os dados dos pacientes foram analisados utilizando o software SPSS 17.0 para Windows 7. As variáveis quantitativas foram expressas pela média e DP (desvio-padrão), e comparadas através do teste t de Student não pareado e do teste de Mann-Whitney. O teste de classificação de Spearman foi utilizado para correlacionar as variáveis quantitativas. As variáveis qualitativas foram expressas em números (frequência) e percentual e comparadas entre os grupos utilizando o teste Qui-quadrado. A análise de regressão logística foi realizada e foram calculados a precisão, a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo (VPP) e o valor preditivo negativo (VPN). Foi feita a curva de características de operação do receptor (COR) e calculada a área sob a curva (ASC). O corte ideal foi determinado para as variáveis necessárias. O valor de p foi considerado significativo se inferior a 0,05.

Resultados

A tabela 1 ilustra uma comparação das variáveis testadas ente os pacientes com AF e o grupo controle. Os valores médios de nitrito, PON, CAT e vitamina E foram significativamente menores e o nível de MDA maior nos pacientes com AF que no grupo controle. Essa diferença estatisticamente significativa em todas as variáveis avaliadas também foi observada ao comparar os pacientes com AF e o grupo controle do mesmo sexo. O sexo não parecia afetar o estado oxidante-antioxidante dos pacientes com AF; não houve diferenças significativas nos níveis médios de nitrito, PON, CAT e nível de MDA em meninos e meninas com DF (tabela 1).

Tabela 1 Comparação dos níveis séricos do malondialdeído, nitrito, paraoxonase, capacidade antioxidante total e vitamina E em pacientes com anemia falciforme e controles 

Variáveis Casos de AF (n = 40) Controle (n = 20) Valor de p
Média ± DP Escala Média ± DP Escala
MDA (nmol/mL) 2,56 ± 0,34 2-3,2 0,84 ± 0,04 0,79-0,91 0,0001a
Nitrito (um/mL) 8,61 ± 1,1 6,6-11,7 13,88 ± 2,29 9,78-17,30 0,0001a
PON (u/mL) 191,33 ± 33,19 108-269 247,8 ± 24,7 206-292 0,0001a
CAT (mmol/l) 0,87 ± 0,10 0,56-0,99 1,03 ± 0,10 0,88-1,2 0,0001a
Vitamina E (mg/mL) 0,174 ± 0,123 0,005-0,400 0,580 ± 0,259 0,10-0,90 0,0001a
Variáveis Meninos Valor de p Meninas Valor de p
Casos (n = 24) Controle (n = 12) Casos (n = 16) Controle (n = 8)
Média ± DP Média ± DP Média ± DP Média ± DP
MDA (nmol/mL) 2,62 ± 0,34 0,85 ± 0,05 0,0001a 2,46 ± 0,34 0,83 ± 0,02 0,0001a
Nitrito (um/mL) 8,67 ± 1,07 14,48 ± 1,3 0,0001a 8,51 ± 1,17 12,98 ± 3,1 0,005a
PON (u/mL) 188,08 ± 36,2 236,83 ± 18,8 0,0001a 196,1 ± 28,4 264,2 ± 24,1 0,0001a
CAT (mmol/l) 087 ± 0,08 1,04 ± 0,11 0,0001a 0,87 ± 0,12 1,02 ± 0,09 0,005a
Vitamina E (mg/mL) 0,185 ± 0,131 0,417 ± 0,175 0,001a 0,158 ± 0,112 0,825 ± 0,139 0,0001a
Variáveis Pacientes com AF (n = 40) Valor de p
Casos com meninos (n = 24) Casos com meninas (n = 16)
Média ± DP Escala Média ± DP Escala
MDA (nmol/mL) 2,6 ± 0,34 2,1-3,2 2,4 ± 0,34 2-3,1 0,17
Nitrito (um/mL) 8,67 ± 1,07 6,9-11,7 8,5 ± 1,17 6,6-9,9 0,67
PON (u/mL) 188,08 ± 36,2 108-269 169,19 ± 28,4 129-243 0,46
CAT (mmol/l) 0,87 ± 0,08 0,71-0,9 0,87 ± 0,12 0,56-0,98 0,91
Vitamina E(mg/mL) 0,185 ± 0,131 0,005-0,400 0,158 ± 0,112 0,01-0,40 0,580

AF, anemia falciforme

DP, desvio-padrão

MDA, malondialdeído

PON, paraoxonase

CAT, capacidade antioxidante total.

a Estatisticamente significativo.

Não foram observadas diferenças significativas nos níveis médios de nitrito, PON, CAT e MDA entre os casos com DF em terapia de HU e os que não receberam HU (tabela 2). Em comparação ao nível médio de vitamina E nos controles estudados, a prevalência de deficiência de vitamina E dentre os pacientes com AF foi de 100%.

Tabela 2 Comparação dos níveis séricos do malondialdeído, nitrito, paraoxonase, capacidade antioxidante total e vitamina E em pacientes com anemia falciforme recebendo HU e os não recebendo HU 

Variáveis Casos de AF recebendo HU (n = 31) Casos de AF não recebendo HU (n = 9) Valor de p
Média ± DP Escala Média ± DP Escala
MDA (nmol/mL) 2,55 ± 0,34 2-3,2 2,57 ± 0,37 2,1-3,1 0,91
Nitrito (um/mL) 8,67 ± 0,94 6,6-10,1 8,39 ± 1,57 6.9-11,7 0,51
PON (u/mL) 186,6 ± 30,9 108-240 207,3 ± 37,6 148-269 0,10
CAT (mmol/l) 0,88 ± 0,09 0,63-0,9 0,82 ± 0,12 0,56-0,93 0,08
Vitamina E (mg/mL) 0,17 ± 0,127 0,005-0,4 0,19 ± 0,12 0,01-0,4 0,583

AF, anemia falciforme

DP, desvio-padrão

HU, hidroxiureia

MDA, malondialdeído

PON, paraoxonase

CAT, capacidade antioxidante total.

Não foram detectadas correlações significativas entre a frequência das CVO e os níveis de MDA, vitamina E, PON ou CAT (p > 0,05). Contudo, o nitrito sérico estava correlacionado negativamente à frequência de CVO (r = -0,3, p = 0,04), porém não estava correlacionado ao nível de hemoglobina, MDA, PON, CAT ou vitamina E (r = 0,19, -0,3, 0,08, 0,03 e 0,05, respectivamente, p > 0,05). Descobrimos que o MDA não está correlacionado a nenhuma das variáveis testadas, incluindo PON, CAT e vitamina E (p > 0,05).

Descobrimos que o nível de PON está correlacionado positivamente ao peso e ao IMC dos pacientes (r = -0,4, p = 0,01; r = -0,7, p < 0,001, respectivamente). Não foram detectadas correlações significativas entre o PON sérico e a frequência de CVO, índices laboratoriais de hemólise, inclusive hemoglobina, contagem de reticulócitos ou lactato desidrogenase (LDH), ou níveis de MDA, nitrito, vitamina E ou CAT (p > 0,05) (tabela 3).

Tabela 3  Correlações dos níveis de PON e as variáveis clínicas e laboratoriais dos pacientes 

Coeficiente de correlação Valor de p
Idade (anos) 0,24 0,13
Idade na época do diagnóstico (anos) 0,30 0,06
Frequência de CVO (vezes/anos) -0,21 0,20
Peso (Kg) 0,404 0,010a
IMC (Kg/m2) 0,67 - 0,001a
Hemoglobina (g/dl) 0,17 0,30
Reticulócitos (%) -0,058 0,723
LDH (U/L) 0,247 0,125
MDA (nmol/mL) -0,26 0,10
Nitrito (um/mL) 0,08 0,63
CAT (mmol/l) -0,136 0,402
Vitamina E(mg/mL) -0,08 0,62

CVO, crises vaso-oclusivas

IMC, índice de massa corporal

LDH, lactato desidrogenase

MDA, malondialdeído

PON, paraoxonase

CAT, capacidade antioxidante total.

a Estatisticamente significativo

A figura 1 mostra a sensibilidade e a especificidade do nitrito, PON e CAT na previsão da ocorrência de CVO em diferentes valores de corte. Como não temos um padrão de base, comparamos o nitrito, PON e CAT pela curva de COR (Característica de Operação do Receptor), e descobrimos que as áreas sob a curva de nitrito (0,782) foram significativamente maiores em comparação às de PON (0,701) e CAT (0,650) (p = 0,006), indicando que a previsibilidade geral do nitrito é significativamente maior em comparação a PON ou CAT. Contudo, ao determinar a sensibilidade ou especificidade do nitrito, descobrimos que estas se tornaram insatisfatórias, sendo improvável a sua adoção como bom indicador da ocorrência de CVO.

Figura 1 Curva de COR de nitrito, PON e CAT para predição da ocorrência de crises vaso-oclusivas. Curva de COR, curva de características de operação do receptor; PON, paraoxonase; CAT, capacidade antioxidante total; NO, nitrito. 

Discussão

Nossos dados mostraram que houve reduções nos níveis de nitrito sérico, PON, CAT e vitamina E, um aumento no estresse oxidativo, conforme representado pelo nível de MDA em crianças com AF. O sexo, bem como a terapia de hidroxiureia, não parece afetar o estado oxidante-antioxidante de crianças com AF. O nitrito sérico foi o único marcador correlacionado negativamente à frequência de CVO. A previsibilidade geral do nitrito na ocorrência de CVO foi significativamente maior em comparação a PON e CAT, porém um aumento em sua sensibilidade foi invariavelmente acompanhado por uma redução concomitante na especificidade.

Vários estudos mostraram reduções nos níveis de atividade de nitrito,10 , 12 PON, CAT11 , 12 e vitamina E13 em pacientes adultos com DF estáveis. Além disso, o aumento nos valores de MDA como produto da peroxidação lipídica foi relatado como um índice da geração de ERO e estresse oxidativo em várias doenças, inclusive DF.23 Acreditamos que este estudo foi o primeiro a investigar o estado oxidante-antioxidante em crianças egípcias com AF e a relatar o aumento do estresse oxidativo em crianças com DF.

Um dos principais achados de nosso estudo foi que o nível de nitrito é comparável em meninos e meninas com AF. Isso contradiz estudos anteriores, que relatam reduções na produção de nitrito basal estimulada e nas respostas ao óxido nítrico exógeno em pacientes do sexo masculino com AF, em comparação às mulheres.24 Contudo, essas diferenças desaparecem ao considerar apenas crianças. As diferenças entre os sexos na biodisponibilidade de óxido nítrico são provavelmente causadas, em parte, pelos efeitos protetores do estrogênio ovariano na expressão da síntese do óxido nítrico e pela atividade em mulheres na puberdade.24

Na literatura, a HU é descrita como um indutor da expressão da hemoglobina fetal, que reduz a polimerização da hemoglobina S em pacientes com AF, reduzindo a mortalidade e as CVO.25 Estudos in vitro e em animais demonstraram que a HU poderá desempenhar um papel adicional como doadora de NO.26 A ativação da expressão da hemoglobina fetal por HU poderá ocorrer por meio dessa via de NO.27 Estudos clínicos sugeriram um efeito antioxidante da HU na AF por meio da dosagem dos níveis de glutationa e de outros antioxidantes em pacientes com AF tratado com HU e naqueles que não receberam essa medicação.28 Contudo, o pequeno número de pacientes portadores da DF não tratados com hidroxiureia em nossa coorte torna difícil quaisquer conclusões sobre os efeitos diretos ou indiretos da HU sobre os marcadores oxidantes e antioxidantes dosados.

O presente estudo mostrou uma fraca associação entre as reduções no nível sérico de nitrito e o aumento na frequência de CVO. Contudo, não identificamos quaisquer correlações do nível sérico de nitrito com os índices laboratoriais, como o nível de hemoglobina, outros antioxidantes ou MDA.

A doença falciforme é extremamente heterogênea por diversos motivos, e a ocorrência de CVO parece multifatorial. Mesmo que o baixo nível de nitrito seja um desses fatores, é impossível concluir que o nível sérico de nitrito poderá fornecer um prognóstico específico ou informações clínicas além das geradas pela dosagem convencional, como concentração de hemoglobina. Contudo, pode servir como um biomarcador simples de estresse oxidativo em crianças com AF estáveis para ajudar na seleção e acompanhamento das que necessitam de suplementação antioxidante.

No presente estudo, medimos a CAT, pois seu valor é mais informativo que o conhecimento de um antioxidante individual.12 Seu nível reflete a contribuição coletiva para propriedade de redução dos componentes antioxidantes individuais isentos de proteína ou doadores de elétrons. Contudo, não descobrimos uma correlação entre a CAT e o aumento da frequência de CVO.

Uma nova observação importante em nosso estudo foi a redução no nível de PON em crianças com AF. Descobrimos que o nível de PON aumenta com o peso corporal e IMC, porém não está correlacionado à frequência de CVO ou aos indicadores de hemólise. Contudo, e até onde sabemos, não há relatos sobre o nível de PON ou seu impacto sobre o fenótipo em pacientes com DF. A paraoxonase é uma esterase sérica dependente de cálcio sintetizada pelo fígado e liberada na circulação, onde se associa principalmente com lipoproteínas de alta densidade e protege as lipoproteínas de alta densidade e as membranas celulares da peroxidação lipídica.29 A enzima da PON dificilmente desempenha um papel na proteção contra o estresse oxidativo.30 Pacientes com doença cardíaca coronária apresentaram aumento da peroxidação lipídica e redução na atividade da PON.31 Isso pode sugerir que pacientes com AF que apresentaram redução na atividade da PON e aumento da peroxidação lipídica (MDA) podem estar sujeitos a outras formas de vasculopatia, inclusive doença cardíaca coronária, principalmente em crianças, sugerindo a necessidade de estudos futuros.

Nosso estudo mostrou que o estresse oxidativo é evidente em crianças pequenas com AF. Assim, ele destaca a necessidade da realização de ensaios clínicos que examinem o valor da suplementação de vitamina E ou outros agentes que aumentem a capacidade antioxidante total dessas crianças, e se isso poderá melhorar seu quadro clínico.

Crianças com AF apresentam estresse oxidativo crônico que poderá resultar em aumento das CVO. Em crianças com AF, a redução nos níveis de nitrito sérico poderá estar associada a aumentos da frequência de CVO. Um novo achado neste estudo é a redução no nível de PON em pacientes com AF, que é um campo interessante de novas pesquisas.

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