versão impressa ISSN 0102-311X
Cad. Saúde Pública vol.30 supl.1 Rio de Janeiro 2014
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00125313
En este trabajo se propone una metodología de estimación de la razón de mortalidad materna (RMM), en Brasil, de 2008-2011, mediante la información proporcionada por el Ministerio de Salud. El método propuesto tiene en consideración el sub-registro general de óbitos, las proporciones de investigación en muertes de mujeres en edad fértil, así como las de óbitos maternos que fueron atribuidos, indebidamente, a otras causas antes de esta investigación. La RMM fue estimada por estados durante el trienio de 2009-2011. En Brasil, la RMM alcanza el valor mínimo en 2011 (60,8 por 100.000 nacidos vivos) y el máximo en 2009 (73,1 por 100.000 nacidos vivos), explicado, probablemente, por la epidemia de gripe A (H1N1). Los mayores valores de la RMM se encontraron en los estados de Maranhão y en Piauí, sobrepasando 100 por 100.000 nacidos vivos, y el menor se presentó en Santa Catarina, el único estado con magnitud inferior a 40 por 100.000 nacidos vivos. Los resultados indicaron valores superiores a los que deberían haber sido alcanzados, de acuerdo con el quinto objetivo del milenio, pero apuntaron un decremento significativo durante el período de 1990-2011, si se consideraran las estimaciones anteriores de la RMM.
Palabras-clave: Mortalidad Materna; Omisiones de Registro; Causas de Muerte
Nos países em desenvolvimento, um grande número de mulheres experimenta complicações relacionadas à gravidez a cada ano, sendo que uma fração considerável dessas complicações resulta em morte 1. No total global de mortes maternas, apenas 1% ocorre nos países desenvolvidos 2.
Durante longo tempo, os óbitos consequentes à gravidez foram considerados como fatalidades. Paulatinamente, esses eventos foram sendo entendidos como marcadores do nível de desenvolvimento social por se constituírem, em sua maioria, de mortes precoces que poderiam ser evitadas pelo acesso, em tempo oportuno, a serviços qualificados de saúde 3.
Atualmente, a mortalidade por complicações da gravidez, parto ou puerpério, denominada de mortalidade materna, é considerada como uma causa de morte altamente evitável e tem sido foco de esforços nacionais e internacionais dirigidos à sua redução 4,5,6. Alvo da quinta meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, preconiza-se sua redução em 3/4 no período de 1990-2015.
Entretanto, o monitoramento dos avanços alcançados na redução da mortalidade materna tem sido problemático, sobretudo pelas dificuldades de obtenção dos dados necessários à mensuração da mortalidade materna com grau satisfatório de confiabilidade 7,8. Mesmo nos países desenvolvidos onde os sistemas de informações de registro contínuo dos eventos vitais são completos, os óbitos maternos podem ser subenumerados devido à classificação em outras rubricas da 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças, (CID-10), em decorrência da falta de declaração da morte materna na Declaração de Óbito (DO). Para a identificação do verdadeiro número de óbitos maternos, é preciso realizar investigações específicas sobre as condições de ocorrência dos óbitos de mulheres em idade fértil 9.
No Brasil, trabalhos dirigidos a dimensionar a mortalidade materna ainda são escassos. As estimativas das razões de mortalidade materna no Brasil são afetadas pelo sub-registro de óbitos, principalmente nas áreas de pior nível socioeconômico e onde a mortalidade materna tende a ser maior, e pela subnotificação de causas maternas nas mortes informadas de mulheres em idade fértil 10.
Em inquérito usando o método RAMOS (Reproductive Age Mortality Survey), realizado em todas as capitais das Unidades da Federação no ano de 2002, a razão de mortalidade materna foi estimada em 54,3 mortes por 100 mil nascidos vivos, no conjunto das capitais dos estados brasileiros 11. O estudo identificou muitas mortes maternas, informadas ao Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que tinham sido atribuídas a outras causas de morte. Da mesma forma, pesquisa realizada na Região do ABC, em São Paulo, mostrou que os dados oficiais de mortalidade materna ainda são subenumerados 12.
Em anos recentes, várias iniciativas governamentais foram adotadas para a ampliação da cobertura e melhoria da qualidade das informações vitais. Destacam-se, entre elas: procedimentos de busca ativa para captação de eventos vitais não informados aos sistemas do Ministério da Saúde; estratégias para redução dos óbitos mal definidos; integração com outros sistemas de informações do Ministério da Saúde, como o Sistema de Internações Hospitalares (SIH) e o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), nos âmbitos local, regional e federal; estabelecimento de metas relacionadas ao aumento da cobertura das informações de mortalidade 13.
Adicionalmente, a partir do compromisso do Governo Brasileiro com a redução da mortalidade materna, há um reconhecimento do papel da vigilância do óbito materno, resultando na organização da investigação dos óbitos de mulheres em idade fértil e na criação e no fortalecimento dos Comitês de Mortalidade Materna, nos âmbitos nacional, regional, estadual, municipal e hospitalar 14.
O objetivo do presente trabalho é propor uma metodologia de estimação da mortalidade materna, no Brasil, por meio das informações do Ministério da Saúde, nos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, levando, em consideração, o sub-registro geral de óbitos, as proporções de mortes em mulheres em idade fértil que foram investigadas, bem como as proporções de óbitos maternos não declarados nas DO e que foram atribuídos a outras causas antes da investigação.
A razão de mortalidade materna (RMM), definida como o número de óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos, é o indicador de saúde que é usado tanto para dimensionar a magnitude da mortalidade materna como também para avaliar as tendências espaço-temporais. Sua estimação depende, portanto, do número de óbitos maternos e de nascidos vivos. Como a cobertura das informações de óbitos e nascimentos no Brasil não é completa, para a estimação da RMM nos anos de 2008-2011, foi preciso corrigir as informações vitais pela metodologia adotada, atualmente, pelo Ministério da Saúde (Departamento de Informática do SUS. Razão entre número de óbitos informados e estimados. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2011/a1801b.htm, acessado em 02/Mai/2013; Razão entre o número de nascidos vivos informados e estimados. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2011/a17b.htm, acessado em 02/Mai/2013), descrita, sumariamente, a seguir.
O projeto Busca Ativa de Óbitos e Nascimentos na Amazônia Legal e no Nordeste foi conduzido de setembro de 2009 a junho de 2010 e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz.
Para o estudo de busca ativa, foi selecionada uma amostra probabilística de 133 municípios, localizados em 17 estados da Amazônia Legal e do Nordeste. A amostra foi estratificada por tamanho da população do município (1 a 20 mil habitantes; 20.001 a 50 mil habitantes; 50.001 a 200 mil habitantes; mais de 200 mil habitantes) e por nível de adequação das informações vitais (deficiente; insatisfatório; satisfatório). Os critérios para classificação do nível de adequação das informações vitais foram os propostos por Andrade & Szwarcwald 15. Todas as capitais dos estados foram incluídas na pesquisa.
Nos municípios selecionados, foi realizado um processo de busca ativa de eventos vitais, referentes ao ano de 2008, para identificar tanto as declarações de nascido vivo (DNV) e de óbito (DO) emitidas e não informadas ao SINASC (Sistema de Informações de Nascidos Vivos) e ao SIM, respectivamente, como os nascidos vivos e óbitos para os quais não foram emitidas as respectivas DNV e DO. O processo amostral e a metodologia utilizada para correção das estatísticas vitais por município, em 2008, foram descritos, com detalhes, em publicação anterior do Ministério da Saúde 16.
Para caracterizar o nível de cobertura das informações de óbitos, calculou-se o coeficiente geral de mortalidade padronizado por idade em todos os municípios brasileiros. A população do Brasil, em cada ano considerado, foi utilizada como padrão. Devido à grande proporção (45%) de municípios com menos de 10 mil habitantes, o coeficiente geral de mortalidade padronizado foi calculado por triênio, considerando-se a média dos dados de mortalidade informados a cada três anos, para dar maior estabilidade ao indicador. Para tal, foram considerados os triênios de 1999-2001, 2000-2002, até 2009-2011, correspondentes aos anos 2000, 2001 até 2010, respectivamente.
Para o triênio de 2007-2009, referente ao ano de 2008, os municípios amostrados no projeto de busca ativa foram agrupados por categoria de CGMP (coeficiente geral de mortalidade padronizado: < 2; ≥ 2 e < 3; ≥ 3 e < 4; ≥ 4 e < 5; ≥ 5 e < 5,5; 5,5 ou mais por mil habitantes). Foram, então, calculados os fatores de correção de óbitos por categoria de coeficiente geral de mortalidade padronizado, estimados pela razão entre a soma dos óbitos corrigidos pelo processo de busca ativa e a soma dos óbitos informados. Foram considerados, separadamente, os óbitos entre os menores de um ano e os óbitos entre os indivíduos com um ano ou mais de idade.
Para a generalização do procedimento de correção dos óbitos no período de 2000-2010, em cada triênio, todos os municípios brasileiros foram classificados por nível de cobertura das informações de mortalidade, de acordo com a categoria do coeficiente geral de mortalidade padronizado. Os óbitos informados em todos os municípios brasileiros, no período de 2000-2010, foram corrigidos pelos correspondentes fatores de correção. Com esse método, os fatores de correção são mantidos constantes por categoria de coeficiente geral de mortalidade padronizado, mas não por município. Isto é, se há uma melhora na cobertura das informações de mortalidade em um determinado município ao longo do período, será aplicado um fator de correção menor à medida que ele passa para uma outra categoria de coeficiente geral de mortalidade padronizado 17.
Para estimar a distribuição por sexo e faixa de idade dos óbitos corrigidos entre indivíduos de um ano ou mais de idade, a metodologia fundamentou-se em comparar a distribuição por idade e sexo dos óbitos não informados ao SIM e encontrados no processo de busca ativa em 2008 com a dos óbitos informados ao SIM no mesmo ano.
Foram calculadas, primeiramente, as proporções por faixa de idade e sexo entre os óbitos captados na busca ativa e entre os óbitos informados ao SIM no ano de 2008.
Para estimar o número corrigido de óbitos em uma determinada faixa etária e sexo, utilizou-se um cálculo matemático. Sejam x0 e x1, respectivamente, o número de óbitos de 1 ano ou mais de idade, informados e não informados ao SIM no ano de 2008. Então:
x1 + x0 = número de óbito de 1 ano ou mais de idade
Sejam p0 e p1, respectivamente, as proporções de uma determinada faixa etária e sexo obtidas entre os óbitos de 1 ano ou mais de idade informados e não informados ao SIM. Então:
x0p0 +x1p1 = número corrigido de óbitos em uma determinada faixa de idade e sexo
Daí que o fator de correção em uma determinada faixa de idade e sexo é dado por:
em que as razões x1/x0 e p1/p0 são estimadas com os dados do estudo de busca ativa.
Utilizando a última expressão matemática, foi possível estimar o número corrigido de óbitos por faixa de idade e sexo entre os óbitos de um ano ou mais no período de 2000-2010.
O nível de adequação das informações de nascidos vivos foi expresso pela razão entre nascidos vivos informados e estimados em todos os municípios brasileiros, utilizando-se a média dos nascidos vivos informados por triênio (1999-2001 até 2009-2011). O número estimado de nascidos vivos foi baseado na projeção da população de menores de um ano.
Para o triênio correspondente ao ano de 2008, ano de referência da busca ativa, os municípios amostrados no projeto de busca ativa foram agrupados em categorias da razão de nascidos vivos (< 0,5; ≥ 0,5 e < 0,6; ≥ 0,6 e < 0,7; ≥ 0,7 e < 0,8; ≥ 0,8 e < 0,9; ≥ 0,9). Por meio dos dados corrigidos de nascidos vivos pelo processo de busca ativa de eventos vitais, foram estimados os fatores de correção de nascidos vivos por nível de cobertura das informações de nascidos vivos.
Para a correção dos nascidos vivos no período de 2000-2010, em cada triênio, todos os municípios brasileiros foram classificados por categoria da razão entre nascidos vivos informados e estimados, e os nascidos vivos foram corrigidos pelos correspondentes fatores de correção 17. Portanto, se há uma melhora na cobertura das informações de nascidos vivos em um determinado município ao longo do período, será aplicado um fator de correção menor à medida que ele passa para uma outra categoria de razão entre nascidos vivos informados e estimados 17.
Foram utilizadas as informações individuais do SIM, no triênio de 2009-2011, último triênio com informações consolidadas do SIM e do SINASC, separando-se os óbitos de mulheres em idade fértil (10-49 anos de idade) para o presente estudo.
As informações individuais do SIM dispõem da causa básica original, informada preliminarmente ao sistema, e da causa básica final, após investigação do óbito. Sendo assim, entre os óbitos de mulheres em idade fértil investigados no Brasil no período de 2009-2011, são conhecidas as causas de morte antes e após a investigação.
Para o cálculo da proporção de óbitos maternos não declarados nas DO e classificados em outras rubricas da CID-10, os óbitos de mulheres em idade fértil foram categorizados pela presença/ausência de investigação, utilizando-se a variável do SIM denominada de TPPOS (óbitos durante parto ou puerpério), e pelo período de ocorrência do óbito em relação à gravidez (na gravidez, parto, puerpério – GPP, 43 dias a um ano depois do parto ou período informado inconsistente; fora da gravidez, parto e puerpério; período ignorado), composto por meio de duas variáveis constantes no SIM (OBGRAV – óbitos na gravidez; e OBPUERP – óbitos no puerpério).
Os óbitos de mulheres em idade fértil investigados foram agregados de acordo com a causa de óbito original (CAUSABAS_O): presumível de óbito materno (A400-A403; A408-A419; A542; D65; G400-G409; G932; I10; I210-I214; I219; I269; I429; I469; I500; I509; I64; I740-I749; J100-J101; J108; J110-J111; J118; J120-J122; J128-J129; J13-J14; J150-J160; J180- J182; J188-J189; J81; K650; K658-K659; K720; N170-N172; N178-N179; N710-N711; N719; N733-N739; R568; R571; R578; R58; R98; R99; Y480-485; Y579); óbito materno; óbito materno tardio; outra causa. Os óbitos de mulheres em idade fértil investigados foram classificados, igualmente, por meio da causa básica final de óbito (CAUSABAS) em óbito materno ou não. As definições de óbito materno e causa presumível de óbito materno foram estabelecidas pelo Ministério da Saúde 18.
Pelo cruzamento da classificação quanto às causas original e final, foi possível obter a proporção de óbitos de mulheres em idade fértil que não foram classificados como óbitos maternos, originalmente, mas que foram considerados como óbitos maternos após a investigação e vice-versa, isto é, a proporção de óbitos que deixaram de ser classificados como maternos após a investigação.
Essas proporções foram estabelecidas para o Brasil segundo o período de ocorrência do óbito em relação à gravidez, no triênio de 2009-2011. Sob a suposição de que os percentuais de reclassificação dos óbitos de mulheres em idade fértil são iguais para os óbitos não investigados, após categorização pela causa básica original (presumível; materno; materno tardio; outra) e o período de ocorrência do óbito em relação à gravidez, estimou-se o número adicional de óbitos maternos que seriam obtidos se todos os óbitos de mulheres em idade fértil tivessem sido investigados e os correspondentes fatores de correção devido à classificação inadequada da causa de morte. O procedimento para o ano de 2010 está exemplificado nas Tabelas 1, 2 e 3.
UF e Região | Não investigados | Investigados | Total de óbitos de mulheres em idade fértil | Proporção (%) | % municípios * com proporção de investigação < 30% |
---|---|---|---|---|---|
RO | 712 | 910 | 1.622 | 56,1 | 25,0 |
AC | 306 | 449 | 755 | 59,5 | 33,3 |
AM | 1.598 | 1.621 | 3.219 | 50,4 | 60,0 |
RR | 128 | 311 | 439 | 70,8 | 0,0 |
PA | 4.174 | 2.933 | 7.107 | 41,3 | 47,3 |
AP | 537 | 16 | 553 | 2,9 | 100,0 |
TO | 464 | 968 | 1.432 | 67,6 | 0,0 |
Total (Região Norte) | 7.919 | 7.208 | 15.127 | 47,6 | 42,9 |
MA | 3.990 | 1.981 | 5.971 | 33,2 | 69,0 |
PI | 590 | 2.336 | 2.926 | 79,8 | 0,0 |
CE | 1.125 | 6.403 | 7.528 | 85,1 | 0,0 |
RN | 1.122 | 1.575 | 2.697 | 58,4 | 23,1 |
PB | 1.835 | 1.869 | 3.704 | 50,5 | 20,0 |
PE | 2.973 | 6.822 | 9.795 | 69,6 | 5,0 |
AL | 2.412 | 1.166 | 3.578 | 32,6 | 54,5 |
SE | 415 | 1.736 | 2.151 | 80,7 | 0,0 |
BA | 9.162 | 5.917 | 15.079 | 39,2 | 46,9 |
Total (Região Nordeste) | 23.624 | 29.805 | 53.429 | 55,8 | 29,1 |
MG | 7.444 | 13.851 | 21.295 | 65,0 | 14,2 |
ES | 1.419 | 2.655 | 4.074 | 65,2 | 0,0 |
RJ | 6.860 | 14.017 | 20.877 | 67,1 | 19,3 |
SP | 21.879 | 19.905 | 41.784 | 47,6 | 19,4 |
Total (Região Sudeste) | 37.602 | 50.428 | 88.030 | 57,3 | 16,6 |
PR | 2.744 | 8.516 | 11.260 | 75,6 | 0,0 |
SC | 2.966 | 3.158 | 6.124 | 51,6 | 25,6 |
RS | 6.515 | 4.929 | 11.444 | 43,1 | 50,7 |
Total (Região Sul) | 12.225 | 16.603 | 28.828 | 57,6 | 25,7 |
MS | 734 | 2.018 | 2.752 | 73,3 | 0,0 |
MT | 537 | 2.758 | 3.295 | 83,7 | 0,0 |
GO | 4.922 | 1.746 | 6.668 | 26,2 | 65,9 |
DF | 1.049 | 1.441 | 2.490 | 57,9 | 0,0 |
Total (Região Centro-oeste) | 7.242 | 7.963 | 15.205 | 52,4 | 34,6 |
Brasil | 88.612 | 112.007 | 200.619 | 55,8 | 25,6 |
AC: Acre; AL: Alagoas; AM: Amazonas; AP: Amapá; BA: Bahia; CE: Ceará; DF: Distrito Federal; ES: Espírito Santo; GO: Goiás; MA: Maranhão; MG: Minas Gerais; MS: Mato Grosso do Sul; MT: Mato Grosso; PA: Pará; PB: Paraíba, PE: Pernambuco; PI: Piauí; PR: Paraná; RJ: Rio de Janeiro; RN: Rio Grande do Norte; RO: Rondônia; RR: Roraima; RS: Rio Grande do Sul; SC: Santa Catarina; SE: Sergipe; SP: São Paulo, TO: Tocantins.* Municípios com média de 10 óbitos de mulheres em idade fértil ou mais no triênio de 2009-2011.
Período de ocorrência do óbito/Causa original antes da investigação | Reclassificados como óbitos maternos após investigação | Total de óbitos de mulheres em idade fértil investigados | Proporção (%) de óbitos reclassificados como maternos | |
---|---|---|---|---|
Não | Sim | |||
Fora do período da gravidez, parto e puerpério | ||||
Não presumível | 74.744 | 23 | 74.767 | 0,03 |
Presumível | 20.199 | 20 | 20.219 | 0,10 |
Óbito materno | 48 | 72 | 120 | 60,00 |
Óbito materno tardio | 5 | 0 | 5 | 0,00 |
Período da gravidez, parto e puerpério, de 43 dias a 1 ano ou período inconsistente | ||||
Não presumível | 2.033 | 539 | 2.572 | 20,96 |
Presumível | 739 | 482 | 1.221 | 39,48 |
Óbito materno | 80 | 2.224 | 2.304 | 96,53 |
Óbito materno tardio | 55 | 7 | 62 | 11,29 |
Ignorado | ||||
Não presumível | 7.930 | 7 | 7.937 | 0,09 |
Presumível | 2.758 | 14 | 2.772 | 0,51 |
Óbito materno | 1 | 27 | 28 | 96,43 |
Óbito materno tardio | - | - | - | - |
Total | 108.592 | 3.415 | 112.007 | 3,05 |
Período de ocorrência do óbito/Tipo de causa | Óbitos de mulheres em idade fértil não investigados | Proporção (%) de óbitos que seriam reclassificados como maternos | Óbitos de mulheres em idade fértil que seriam reclassificados como maternos | Número esperado de óbitos maternos |
---|---|---|---|---|
Fora do período da gravidez, parto e puerpério | ||||
Não presumível | 12.718 | 0,03 | 3,8 | |
Presumível | 2.889 | 0,10 | 2,9 | |
Óbito materno | 21 | 60,00 | 12,6 | 19 |
Óbito materno tardio | 2 | 0,00 | 0,0 | |
Período da gravidez, parto e puerpério, de 43 dias a 1 ano ou período inconsistente | ||||
Não presumível | 536 | 20,96 | 112,3 | |
Presumível | 194 | 39,48 | 76,6 | |
Óbito materno | 526 | 96,53 | 507,7 | 698 |
Óbito materno tardio | 11 | 11,29 | 1,2 | |
Ignorado | ||||
Não presumível | 8.559 | 0,09 | 7,7 | |
Presumível | 2.849 | 0,51 | 14,5 | |
Óbito materno | 75 | 96,43 | 72,3 | 95 |
Óbito materno tardio | 1 | 0,00 | 0,0 | |
Total | ||||
Não presumível | 21.813 | |||
Presumível | 5.932 | |||
Óbito materno | 622 | 812 | ||
Óbito materno tardio | 14 |
Para a estimação da RMM por Unidade de Federação (UF), no triênio de 2009-2011, o número de óbitos maternos não investigados foi corrigido pelo fator devido à classificação inadequada da causa básica encontrada para o Brasil, de acordo com a classificação da causa de morte (presumível; materno; materno tardio; outra) e o período de ocorrência de óbito.
Sob a suposição de que a proporção de subnotificação de óbitos maternos é a mesma que a de mulheres de 10-49 anos, os óbitos maternos foram, adicionalmente, corrigidos por um fator devido ao sub-registro no SIM (IC95%: 1,068±0,047) 16. Igualmente, o número de nascidos vivos foi também corrigido por um fator devido à subnotificação ao SINASC (IC95%: 1,043±0,015) (http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2011/a17b.htm, acessado em 02/Mai/ 2013) 16. A razão de mortalidade materna por UF foi obtida pela razão entre o número corrigido de óbitos maternos e o número corrigido de nascidos vivos.
A partir de 2008, ano em que a investigação dos óbitos de mulheres em idade fértil passou a ser abrangente, o método proposto foi aplicado para estimar a RMM.
Para investigação da tendência da RMM no período de 1990-2011, além das estimativas da RMM no período de 2008-2011, foram consideradas as estimativas oficiais da RMM nos anos de 1990 e 1996 18, enquanto a estimativa de 2005 foi revista, utilizando-se ambos os fatores de correção de óbitos, o devido à classificação inadequada dos óbitos maternos, de 1,4 11, e o correspondente ao sub-registro de óbitos de mulheres em idade fértil (1,08) (http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2011/a1801b.htm, acessado em 02/Mai/2013), bem como o relativo à subnotificação de nascidos vivos (1,09) (http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2011/a17b.htm, acessado em 02/Mai/2013).
No Brasil, foram informados ao SIM, no período de 2009-2011, 200.619 óbitos de mulheres em idade fértil. Desses, 112.007 (55,8%) foram investigados. Os percentuais de investigação variaram de 2,9%, no Amapá, a 83,7%, no Mato Grosso. Em todas as regiões, os percentuais de óbitos investigados são superiores a 50%, com exceção da Região Norte. Quando se considera a variabilidade da investigação entre os municípios com média de, pelo menos, 10 óbitos de mulheres em idade fértil no triênio, percebe-se grande variação entre os estados: em 10 UF, nenhum dos municípios tem proporção de investigação menor do que 30%, enquanto, em 7 UF, mais de 50% dos municípios investigam menos do que 30% dos óbitos de mulheres em idade fértil (Tabela 1).
Na Tabela 2, são apresentados os 112.007 óbitos de mulheres em idade fértil investigados, classificados segundo o período de ocorrência de óbitos em relação à gravidez, categoria de causa básica original, e reclassificados em óbito materno ou não após a investigação. Percebe-se que, quando o óbito ocorre fora do período da gravidez, parto e puerpério, praticamente, não há reclassificação do óbito em materno após a investigação. Já que, dos 120 óbitos fora do período da gravidez, parto e puerpério e originalmente classificados como maternos, 40% passaram a ser classificados em outros capítulos. Considerando a categoria de período relacionado à gravidez (gravidez, parto e puerpério, tardio, ou período informado inconsistente), 39,48% das mortes com causa presumível de óbito materno, 20,96% das mortes sem causa presumível e 11,29% das mortes maternas tardias foram reclassificadas como óbitos maternos após a investigação, enquanto somente 3,57% dos classificados originalmente como maternos foram reclassificados como não maternos. No caso do período de ocorrência do óbito ser ignorado, os percentuais de reclassificação foram muito pequenos, inferiores a 1%.
A título de exemplificação da metodologia, na Tabela 3, apresenta-se o número esperado de óbitos maternos no Brasil, no ano de 2010, considerando-se todos os óbitos de mulheres em idade fértil não investigados por período de ocorrência do óbito em relação à gravidez e pelo tipo de causa, se presumível ou não de óbito materno. Aplicando-se os percentuais de reclassificação correspondentes, foi obtido o número total corrigido de óbitos maternos (812) entre as mortes de mulheres em idade fértil não investigadas.
Somando-se o número de óbitos maternos investigados (1.090) ao número corrigido de óbitos maternos entre as mortes de mulheres em idade fértil não investigadas (812), obtém-se o número total esperado de óbitos maternos (1.902), se todos os óbitos de mulheres em idade fértil tivessem sido investigados. Como o número de óbitos maternos informados originalmente era de 1.430, o fator de correção correspondente à classificação inadequada em outras causas foi de 1,33 (1.902/1.430), no ano de 2010. Considerando-se, adicionalmente, o fator de correção atribuído ao sub-registro de óbitos de mulheres em idade fértil (1,068±0,047), o fator de ajuste resultante é de (1,421±0,063), e o número estimado de óbitos maternos é de (2031±90). A razão entre o número corrigido de óbitos maternos (2.031) e o número corrigido de nascidos vivos (3.009.345±44.133) resulta na estimativa de RMM de 67,5 por 100 mil nascidos vivos, em 2010, no intervalo de 63,6 a 71,5 por 100 mil nascidos vivos, se levarmos, em consideração, os erros-padrão dos fatores de correção do sub-registro de óbitos e de nascidos vivos 16.
Na Tabela 4, estão apresentadas as estimativas da RMM, nos anos de 2005, 2008 a 2011, e as estimativas oficiais do Brasil em 1990 e 1996 18. A taxa de decréscimo da RMM, no período de 1990-2011, foi de 3,72% ao ano, com coeficiente de correlação múltipla de 0,988 (p < 0.01). Observa-se que a RMM, em 2011, é significativamente menor do que a estimativa de 2010.
Ano | RMM (por 100 mil nascidos vivos) |
---|---|
1990 * | 143,2 |
1996 * | 103,2 |
2005 | 78,2 |
2008 | 66,9 |
2009 | 73,1 |
2010 | 67,5 |
2011 | 60,8 |
Taxa anual de decréscimo (%) | 3,72 ** |
* Estimativas oficiais da RMM no Brasil 18;** Estatisticamente significativo ao nível de 1% (p < 0,001).
As estimativas da RMM por UF, no triênio de 2009-2011, estão apresentadas na Tabela 5. As maiores RMM foram encontradas no Maranhão e no Piauí, ultrapassando 100/100 mil nascidos vivos, seguidas do Tocantins, Amazonas, Sergipe, Bahia e Rio de Janeiro, com valores superiores a 80 por 100 mil nascidos vivos. Já a menor RMM foi apresentada por Santa Catarina, o único estado com magnitude inferior a 40 por 100 mil nascidos vivos.
UF e Região | RMM (por 100 mil nascidos vivos) |
---|---|
RO | 71,3 |
AC | 41,4 |
AM | 93,9 |
RR | 64,6 |
PA | 74,3 |
AP | 59,5 |
TO | 96,1 |
Total (Região Norte) | 77,8 |
MA | 114,0 |
PI | 101,8 |
CE | 73,4 |
RN | 61,4 |
PB | 56,6 |
PE | 63,3 |
AL | 55,1 |
SE | 90,1 |
BA | 87,9 |
Total (Região Nordeste) | 80,8 |
MG | 55,5 |
ES | 72,3 |
RJ | 85,7 |
SP | 52,3 |
Total (Região Sudeste) | 60,4 |
PR | 63,3 |
SC | 36,9 |
RS | 55,7 |
Total (Região Sul) | 54,5 |
MS | 76,4 |
MT | 76,7 |
GO | 61,0 |
DF | 48,7 |
Total (Região Centro-oeste) | 65,0 |
Brasil | 68,2 |
AC: Acre; AL: Alagoas; AM: Amazonas; AP: Amapá;BA: Bahia; CE: Ceará; DF: Distrito Federal; ES: Espírito Santo; GO: Goiás; MA: Maranhão; MG: Minas Gerais;MS: Mato Grosso do Sul; MT: Mato Grosso; PA: Pará;PB: Paraíba, PE: Pernambuco; PI: Piauí; PR: Paraná;RJ: Rio de Janeiro; RN: Rio Grande do Norte; RO: Rondônia;
Com a proximidade do ano de 2015, o interesse na estimação dos indicadores de saúde para monitorar os progressos no alcance da quinta meta do milênio tem sido crescente. Entretanto, em comparação à estimação da mortalidade infantil e na infância, a obtenção da razão de mortalidade materna é mais problemática. Primeiro, porque existe confusão entre as mortes maternas e aquelas ocorridas durante a gravidez, que podem incluir óbitos por doenças infecciosas, não transmissíveis, e por causas externas e que não são consideradas mater- nas 19,20. Sendo assim, além de todas as limitações dos inquéritos por amostragem para monitoramento de indicadores de mortalidade 21,22, as pesquisas domiciliares realizadas com autópsia verbal podem gerar superestimativas da mortalidade materna 23.
Outro aspecto importante é a questão das mortes maternas secundárias aos abortos provocados, em países onde o aborto é ilegal 24. Como a ilegalidade não impede que os abortos sejam realizados, nesses países, utilizam-se práticas inseguras, que, quando resultam em morte, nem sempre são contabilizadas nas estatísticas de mortalidade materna 25.
Uma dificuldade adicional na estimação da mortalidade materna é que, afora o sub-registro geral dos óbitos, comum nos países em desenvolvimento, a notificação dos óbitos maternos em outras causas requer procedimentos de investigação para a obtenção de estatísticas confiáveis. Em estudos realizados em diferentes países para a identificação de óbitos maternos atribuídos, incorretamente, a outras causas, a mediana dos fatores de correção encontrados foi de 1,5. As variações são atribuídas às fontes de investigação (certificados de óbito, prontuários hospitalares, autópsias verbais) e aos procedimentos utilizados, tais como o relacionamento com outros sistemas de informações ou investigações por profissionais especializados 2.
No Brasil, a produção científica sobre mortalidade materna é escassa, apesar de sua relevância no cenário nacional 26. Devido às dificuldades de mensuração desse indicador, a Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA) fornece a estimativa da RMM para a totalidade do país e para apenas 8 UF, para as quais, a estimativa é direta, sem o uso de qualquer fator de correção (DATASUS. Razão de mortalidade materna segundo região e UF. http://www.tabnet.datasus.gov.ve/cgi/idb2011/c03b.htm, acessado em 02/Mai/2013).
Para o Brasil, no período de 2000-2007, foi adotado um fator de correção constante, igual a 1,4, estimativa resultante de inquérito realizado em todas as capitais estaduais, em 2002 11. Sem levar, em consideração, a diminuição do sub-registro de óbitos de mulheres em idade fértil e a ampliação da investigação de óbitos de mulheres em idade fértil, a tendência da RMM no Brasil, na década de 2000, foi considerada estável, após decréscimo de 50% na década de 1990 18.
Entretanto, no relatório brasileiro de acompanhamento das metas do milênio 27, já se indicava a necessidade de revisão da metodologia de correção utilizando um fator de ajuste constante ao longo da década, tendo, em vista, a crescente investigação das mortes de mulheres em idade fértil. Em 2010, considerando-se que cerca de 20% dos óbitos de mulheres em idade fértil foram atribuídos, inadequadamente, a outras causas, a estimativa oficial de mortalidade materna no Brasil foi de 68,2 por 100 mil nascidos vivos, muito próxima à estimada no presente trabalho.
O método proposto permitiu estimar a RMM no Brasil e por UF, nos anos de 2008 a 2011. A revisão do fator de ajuste para o ano de 2005 possibilitou obter a tendência da RMM no período de 1990-2011, que, diferentemente do patamar de estabilidade das estimativas da RIPSA (http://www.tabnet.datasus.gov.ve/cgi/idb2011/c03b.htm, acessado em 02/Mai/2013), indicou continuação do declínio, com uma taxa de decréscimo de 3,72% ao ano.
É preciso apontar, todavia, que, em 2009, a RMM teve um comportamento atípico, voltando a atingir valor superior a 70 por 100 mil nascidos vivos. O acréscimo é, provavelmente, explicado pela epidemia de gripe pelo vírus da influenza A (H1N1), que atingiu o Brasil nesse ano 18, aumentando o risco de morte na gestação, conforme igualmente relatado em outros países 28.
Apesar da tendência de queda no período de 1990-2011, os resultados apresentados no presente estudo indicam que os valores da RMM no Brasil são ainda inaceitavelmente elevados, sendo de 3-4 vezes maiores do que a estimativa encontrada no conjunto dos países desenvolvidos no início da década de 2010 2,29. As estimativas altas mostram-se, assim, discrepantes aos avanços alcançados no país, não só os relativos ao desempenho do sistema de saúde, como o aumento na cobertura de atendimento pré-natal e atenção ao parto hospitalar, mas também em relação às transformações sociais experimentadas pela sociedade brasileira, com a melhoria do nível socioeconômico e a acentuada queda da fecundidade 30.
De fato, pelo modelo proposto pela Organização Mundial da Saúde, baseado no produto interno bruto per capita, na taxa de fecundidade e na atenção ao parto por pessoal qualificado, a RMM, para o Brasil, foi estimada em 56 por 100 mil nascidos vivos, em 2010, cerca de 20% inferior à estimativa aqui apresentada. Porém, a taxa de decréscimo no período de 1990-2010 foi semelhante à estimada neste trabalho, de 3,5% ao ano 2. Ou seja, em comparação aos 180 países considerados no estudo, as magnitudes das taxas no Brasil são muito elevadas de acordo com os indicadores considerados, mas a tendência de decréscimo foi condizente com a evolução temporal de melhora das covariáveis utilizadas no modelo. Outras estimativas baseadas em modelagem com indicadores de saúde reprodutiva apontaram para o mesmo problema 31.
No Brasil, houve um aumento importante no uso de métodos contraceptivos, e a taxa total de fecundidade diminuiu de 2,7 filhos, em 1991, para 1,8 filhos, em 2010 (DATASUS. Taxa de fecundidade total. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2011/a05b.htm, acessado em 02/Mai/2013). Dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), realizada em 2006, mostraram que a proporção de mulheres em idade fértil que usavam contraceptivos modernos era de 65%, proporção essa que ultrapassava 75% entre as mulheres de 30-49 anos de idade 32. O impacto do planejamento familiar na redução da mortalidade materna tem sido cada vez mais reconhecido. O número de óbitos maternos diminui porque a probabilidade de engravidar decresce, reduzindo, consequentemente, a exposição materna 33.
Quanto ao acesso à atenção pré-natal e ao parto hospitalar, os dados do SINASC revelam coberturas altas e crescentes. Em 2010, a proporção de nascidos vivos cujas mães tiveram mais do que quatro consultas de pré-natal foi de 91% no país e variou de 80% na Região Norte a 94% nas regiões Sudeste e Sul. Igualmente, a proporção de partos hospitalares foi bem elevada, de 98%. A Região Norte apresentou a maior proporção de partos domiciliares, mas o percentual foi inferior a 5% (DATASUS. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def, acessado em 02/Mai/2013).
Nesse cenário de nítida melhora dos indicadores de saúde materno-infantil, os valores altos da RMM requerem atenção particular. Se a meta do milênio fosse cumprida no Brasil, a RMM esperada para o ano de 2010 seria de 47 por 100 mil nascidos vivos, equivalente a 70% do valor estimado. A qualidade precária dos serviços de saúde existentes, a falta de integração entre os cuidados de pré-natal e a assistência ao parto, bem como o aumento de cesarianas desnecessárias têm sido as principais hipóteses explicativas para as elevadas taxas de mortalidade materna no Brasil, em descompasso com a evolução temporal nitidamente favorável do acesso ao pré-natal e ao parto hospitalar 30.
Diferentemente do comportamento temporal da mortalidade infantil pós-neonatal, cuja redução foi maior do que a prevista pela meta do milênio, a tendência de lenta diminuição da mortalidade neonatal 34 e os valores persistentemente altos da RMM chamam a atenção para problemas no desempenho do sistema nacional de saúde. O sistema de saúde deve estar preparado para prover assistência às mulheres na hora do parto e ter a capacidade de oferecer assistência de qualidade no momento certo, no lugar adequado, com o profissional apropriado 35.
Thorsen et al. 36 fizeram uma revisão do quadro conceitual de análise da mortalidade materna em relação aos atrasos nas três fases da assistência ao parto: a decisão de procurar assistência médica qualificada; o acesso a um estabelecimento de saúde capacitado para o atendimento de uma emergência obstétrica; e o recebimento de cuidados adequados ao ingressar no estabelecimento de saúde 3. Conforme discutido pelos autores, as três etapas não são independentes, e o atraso em uma delas pode afetar as demais, resultando em complicações ou até mesmo em morte. No Brasil, embora todas as mulheres brasileiras tenham o direito assegurado de receber atenção ao parto sem nenhuma forma de pagamento, muitas delas ainda têm dificuldades em obter hospitalização durante o trabalho de parto, necessitando peregrinar em busca de uma vaga em hospital para a internação para o parto, gerando um atraso no recebimento da assis- tência 37.
Quando os resultados são analisados por UF, os valores estimados da RMM no triênio de 2009-2011 são ainda mais alarmantes. Em dois estados, as taxas ultrapassam 100/100 mil nascidos vivos; no Rio de Janeiro, um dos estados de melhor nível socioeconômico do país, a RMM é superior a 80 por 100 mil nascidos vivos.
É preciso apontar, contudo, que a qualidade dos dados subnacionais varia substancialmente, dependendo da proporção de mortes investigadas e dos critérios utilizados para a investigação. Embora se recomende que todos os óbitos de mulheres em idade fértil sejam investigados, na prática, os estados estabelecem critérios de priorização que podem ser bastante heterogêneos. Para contornar essa limitação, os fatores de correção devido à subnotificação dos óbitos maternos entre as mortes de mulheres em idade fértil foram calculados para o Brasil, no triênio de 2009-2011, e aplicados, igualmente, a todas as UF, considerando-se apenas as diferenças nas proporções de óbitos investigados.
Uma outra limitação é ser o óbito materno um evento raro, e, em algumas UF da Região Norte de pequeno porte populacional, a subenumeração de um ou dois óbitos maternos pode afetar substancialmente a RMM na UF. Apesar de termos considerado o triênio de 2009-2011 para a estimação da RMM por UF para prover maior estabilidade às taxas, é provável que a taxa no Acre, por exemplo, esteja ainda subestimada.
Outro aspecto relevante refere-se ao conjunto de causas presumíveis de óbito materno 20. Embora a discussão sobre os critérios adotados pelo Ministério da Saúde para o estabelecimento do conjunto de causas presumíveis não seja objeto desse trabalho, a inclusão/exclusão de causas pode afetar os percentuais de reclassificação aqui considerados. Adicionalmente, observa-se que as estimativas pontuais da RMM são sujeitas a incertezas, geradas tanto pelos erros amostrais dos fatores de correção das estatísticas vitais como por incertezas nos percentuais de reclassificação dos óbitos de mulheres em idade fértil não investigados, que só serão superadas com a ampliação da investigação e o registro adequado no SIM das alterações na causa básica original.
Em suma, o método aqui proposto possibilitou estimar a RMM em anos recentes. Os resultados indicaram valores superiores aos que deveriam ter sido alcançados de acordo com a redução prevista pela quinta meta do milênio, mas apontaram para um decréscimo no período de 1990-2011, com uma taxa de redução de 3,7% ao ano, superior ao estimado no conjunto dos países em desenvolvimento, de 3,1% 2. Porém, apesar dos avanços, os resultados não devem ser vistos com olhar complacente. Pelo contrário, cada óbito materno precisa ser entendido como uma falha do sistema de saúde e como uma violação aos direitos humanos de reprodução.