versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.37 no.2 São Paulo abr./jun. 2015
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20150030
Nas últimas décadas, foram observadas alterações no perfil de morbimortalidade da população mundial, detectando-se um aumento significativo de doenças crônico-degenerativas no cenário mundial, entre elas a doença renal crônica (DRC), que permanece sendo um desafio para a saúde pública no mundo, devido as suas implicações econômicas e sociais.1,2
A DRC é uma afecção silenciosa na grande maioria dos casos, apesar de o diagnóstico ser facilitado com a história clínica e exames laboratoriais de baixo custo. Contudo, na ausência de detecção precoce, a doença tem um curso progressivo que acarreta, algumas vezes, em perda total da função renal, podendo ocasionar o óbito.3
Medir adequadamente a função renal é importante não só para fazer o diagnóstico e proceder ao tratamento de doenças renais, mas, entre outras aplicações, para administrar doses adequadas de medicamentos, definir prognóstico, interpretar possíveis sintomas urêmicos e tomar decisão no que se refere a iniciar terapêutica renal substitutiva.3,4 É com base nessas observações que se preconiza o uso de testes laboratoriais para o diagnóstico, os quais, idealmente, deveriam ser de baixo custo e amplamente disponíveis na maioria dos laboratórios de análises clínicas.5,6
Na prática clínica cotidiana, a avaliação qualitativa da capacidade excretora do rim é feita, em geral, por meio da medida da concentração da creatinina no plasma.7 Isto se deve à simplicidade do método, comparado às dificuldades inerentes à técnica de medida da depuração da creatinina endógena com coleta de urina de 24 horas - um método mais preciso, mas de execução mais trabalhosa e sujeita a erros.8,9
No entanto, creatinina plasmática (CrP) não é sinônimo de função renal normal, e vários estudos demonstram que uma parcela importante de indivíduos, apesar de ainda ter valores normais de CrP, pode apresentar comprometimento da função renal.10,11 Burmeister et al. verificaram que até 15% de indivíduos com CrP normal obtiveram níveis de função renal abaixo de 60 ml/min.8
Com o intuito de contornar algumas das limitações encontradas na determinação da taxa de filtração glomerular (TFG) pela dosagem da creatinina plasmática, fórmulas destinadas a estimar a TFG têm sido publicadas. Essas fórmulas usam variáveis demográficas e clínicas conhecidas como substitutos para os fatores fisiológicos não mensurados que afetam o nível de creatinina sérica. As fórmulas mais comumente utilizadas são as de Cockcroft e Gault (CG), Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) e, mais recentemente, Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI).12
A fórmula CG foi a primeira dessas equações a ganhar aceitação e estimar a depuração de creatinina, porém, ela sistematicamente superestima a TFG, porque a secreção de creatinina tubular e o aumento no peso devido à obesidade ou sobrecarga de fluidos não são levados em consideração.13
A equação do MDRD para estimativa da TFG foi originalmente desenvolvida com base nos dados do estudo Modification of Diet in Renal Disease em pacientes com DRC e não incluiu indivíduos saudáveis. Em sua versão original, a equação MDRD requer determinações séricas de albumina e ureia nitrogenada.14 Atualmente, uma fórmula do MDRD abreviada com "quatro variáveis" tem sido recomendada, pois o desempenho é tão bom quanto a equação inicial.14 A TFG calculada com a equação do MDRD e a TFG real são muito próximas para resultados < 60 mL/min/1,73m2, enquanto a TFG excede a taxa estimada por um valor pequeno quando a TFG é > 60 mL/min/1,73m2.14,15
O grupo Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration recentemente desenvolveu, a partir de coorte que incluiu indivíduos com e sem DRC, uma nova equação que é uma variação da fórmula do MDRD. A equação, denominada de CKD-EPI, usa as mesmas quatro variáveis que a equação do MDRD, mas, comparativamente, apresenta melhor desempenho e previsão de risco. As observações de menor viés e maior acurácia da equação CKD-EPI, particularmente nas faixas de TFG > 60 mL/min/1,73 m2, do estudo MDRD são de uso clínico de rotina.15,16
O objetivo do presente estudo foi estimar a função renal a partir de cálculos da TFG pela fórmula CKD-EPI em indivíduos adultos de uma amostra populacional em Tubarão (SC), e identificar fatores que possam alterar os valores normais da TFG.
Este estudo está aninhado ao projeto ESATU (Estudo de Saúde de Adultos de Tubarão), numa parceria entre o Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital Nossa Senhora da Conceição, Universidade do Sul de Santa Catarina e Secretaria de Saúde de Tubarão. Este estudo tem auxílio da Fundação de Amparo a Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC), tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética da UNISUL sob protocolo 11.130.4.01.III.
Tubarão é um município localizado ao Sul do Estado de Santa Catarina, na região litorânea. A população residente é composta por 97.235 pessoais, sendo 51,5% do gênero feminino. Optou-se pela faixa etária mínima de 18 anos (devido à maioridade civil) até 59 anos, que correspondia a 66,7% da população, pois no Brasil considera-se idoso indivíduos com 60 anos ou mais. Além disso, foi publicado estudo prévio com idosos deste município.17
Foi realizado estudo com delineamento transversal em que foram avaliados os indivíduos entre 18 e 59 anos residentes em Tubarão, SC. Considerando que a população adulta de Tubarão era de 64.849 pessoas (censo 2010), utilizou-se a prevalência estimada de 10,8% de doença renal crônica,1 com um nível de significância de 5% e margem de erro de 1%, resultando em uma amostra mínima de 138 indivíduos para um nível de confiança de 95%.
Foram incluídos no estudo todos os participantes do estudo ESATU que realizaram dosagem laboratorial de creatinina sérica e que aceitaram participar mediante a anuência do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os participantes foram selecionados a partir de amostragem aleatória simples, segundo os números da residência cadastrados em cada uma das 250 microáreas do município, registradas nas 27 unidades de estratégia de saúde da família (ESF). Cada microárea possui um agente comunitário de saúde para realizar visitas domiciliares periódicas, e a taxa de cobertura é estimada em cerca de 90% da população residente.
A coleta de dados aconteceu aos sábados, no período matutino, nas dependências do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em consultas pré-agendadas aos participantes sorteados. Foi solicitado o comparecimento do paciente em jejum de 12 horas, e que se evitasse o consumo de bebida alcoólica nas 72 horas anteriores à consulta.
O participante foi submetido à entrevista para coleta de dados sociodemográficos e socioeconômicos (idade, sexo, cor da pele, situação conjugal, escolaridade), dados comportamentais (atividade física, uso de álcool, cigarro) e situação clínica (hipertenso, diabético, dislipidêmico, obeso).
Foram considerados como tabagistas os indivíduos que consumiram 100 ou mais cigarros durante toda sua vida. Entre os adultos que afirmaram consumir álcool atualmente ou no passado, foi aplicado o questionário CAGE.
Para aferição do nível de atividade física realizado, utilizou-se o Questionário Internacional de Atividade Física, versão curta. Foram considerados fisicamente ativos indivíduos que realizavam, pelo menos, 30 minutos de atividade física em cinco dias da semana ou mais, resultando em ponto de corte > 150 minutos de atividade física semanal.
Para definição de obesidade entre os adultos estudados, foi utilizado o ponto de corte para o índice de massa corporal (IMC) proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A OMS propõe que o indivíduo com IMC maior ou igual a 30 kg/m2 seja considerado obeso em qualquer idade (obesidade geral).
Para a avaliação dos índices de pressão arterial sistólica e diastólica, foram utilizados os critérios propostos pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, em sua Diretriz da Hipertensão do ano de 2010, que consiste na aferição de três medidas de pressão arterial com intervalo de um minuto entre uma aferição e outra, com o paciente sentado. Foram considerados hipertensos participantes com média dos valores pressóricos > 140/90 mmHg ou o uso de medicamentos anti-hipertensivos.
A determinação de diabetes mellitus foi feita com base no histórico médico de diabetes e/ou uso de hipoglicemiante, bem como pela determinação sérica da glicemia > 126 mg/dl de sangue.
Foram coletados 10 ml de sangue venoso periférico para dosagem da creatinina sérica e glicemia de jejum, por profissional tecnicamente capacitado.
A função renal foi avaliada por meio da creatinina sérica, sendo a TFG estimada pela fórmula CKD-EPI (TFG = 141 X min (SCR/κ de 1) α X max (SCR/κ de 1) -1,209 X 0,993 X 1,018 Idade [se mulher] X 1,159 [se negro]).
A TFG foi considerada normal ou anormal quando os valores calculados apresentavam-se acima ou abaixo de 60 ml/min/1,73 m2. Foi utilizado esse critério para estratificar os indivíduos em dois grupos distintos: com TFG normal (> 60 min/ml/1,73 m2) e TFG anormal (< 60 min/ml/1,73 m2), e nos cinco estágios de disfunção renal segundo o guia de doenças renais crônicas:18,19 Função renal normal: > 90 ml/min/1,73 m2; dano renal discreto: 60 - 89 ml/min/1,73 m2; dano renal moderado: 30 - 59 ml/min/1,73 m2; dano renal grave: 15 - 29 ml/ min/1,73 m2; insuficiência renal: < 15 ml/min/1,73 m2.
Os dados foram digitados no programa Epidata versão 3.1 (EpiData Association, Odense, Denmark) e análise estatística foi realizada com o software Statistical Product and Service Solutions (SPSS) versão 20.0 (IBM SPSS Statistics, Chicago, Illinois, USA). As variáveis qualitativas foram descritas em números absolutos e relativos. Para associações entre variáveis foram aplicados o Teste Exato de Fisher para as variáveis categóricas e o teste t de Student para a comparação de médias, na distribuição normal das variáveis quantitativas. O intervalo de confiança estabelecido foi de 95%.
Foram estudados 371 adultos em um estudo de base populacional da cidade de Tubarão. Destes, 237 eram mulheres (63,8%). A grande maioria dos adultos eram brancos (86,3%) e a média de idade foi de 40,4 anos (DP = 12,3).
A Tabela 1 apresenta as variáveis sociodemográficas e sua comparação entre os participantes com TFG normal ou diminuída.
Tabela 1 Comparação entre variáveis de pacientes com tfg < 60ml/min e tfg > 60 ml/min. (N = 371)
Variáveis | TGF > | TGF | Valor | |
---|---|---|---|---|
Total | 60 | < 60 | de | |
n (%) | n (%) | n (%) | p* | |
Sexo | ||||
Masculino | 134 (36,1) | 3 (2,2) | 131 (97,8) | 0,252 |
Feminino | 237 (63,9) | 2 (0,8) | 235 (99,2) | |
Idade em anos | ||||
18-39 | 151 (40,7) | - | 151 (100,0) | 0,146 |
40-49 | 111 (29,9) | 2 (1,8) | 109 (98,2) | |
50-59 | 109 (29,4) | 3 (2,8) | 106 (97,2) | |
Relação conjugal | ||||
Sim | 256 (69,0) | 4 (1,6) | 252 (98,4) | 0,507 |
Não | 115 (31,0) | 1 (0,9) | 114 (99,1) | |
Raça | ||||
Brancos | 320 (86,3) | 4 (1,2) | 316 (98,8) | 0,525 |
Não brancos | 51 (13,7) | 1 (2,0) | 50 (98,0) | |
Escolaridade | ||||
> 8 anos | 188 (50,7) | 2 (1,1) | 186 (98,9) | 0,487 |
≤ 8 anos | 183 (49,3) | 3 (1,6) | 180 (98,4) |
Indivíduos com TFG reduzida apresentaram maior média de idade (52,4 ± 6,3 anos) do que os com TFG normal (40,3 ± 12,3 anos) (p = 0,028). A Tabela 2 apresenta as variáveis clínicas e sua comparação entre os participantes com TFG normal ou diminuída.
Tabela 2 Comparação entre variáveis de pacientes com tfg < 60 ml/mim e tfg > 60 ml/min. (N = 371)
Variáveis | TFG < | TFG > | Valor | |
---|---|---|---|---|
Total | 60 | 60 | de p* | |
n (%) | n (%) | n (%) | ||
DM | ||||
Sim | 22 (5,9) | 0 (0,0) | 22 (6,0) | 0,735 |
Não | 349 (94,1) | 5 (100,0) | 344 (94,0) | |
Obesidade | ||||
Sim | 100 (27.0) | 4 (80,0) | 96 (26,2) | 0,020 |
Não | 271 (73.0) | 1 (20,0) | 270 (73,8) | |
Dislipidemia | ||||
Sim | 240 (65.0) | 5 (100,0) | 235 (64,6) | 0,115 |
Não | 131 (35.0) | 0 (0,0) | 129 (35,4) | |
HAS | ||||
Sim | 137 (37,3) | 4 (80,0) | 133 (36,7) | 0,067 |
Não | 230 (62,7) | 1 (20,0) | 229 (63,3) | |
Sedentarismo | ||||
Sim | 225 (60,6) | 4 (20,0) | 221 (60,4) | 0,347 |
Não | 146 (39,4) | 1 (80,0) | 145 (39,6) | |
Tabagismo | ||||
Sim | 116 (31,3) | 3 (60,0) | 113 (30,9) | 0,179 |
Não | 255 (68,7) | 2 (40,0) | 253 (69,1) | |
Alcoolismo | ||||
Sim | 31 (8,4) | 1 (20,0) | 30 (8,2) | |
Não | 340 (91,6) | 4 (80,0) | 336 (91,8) | 0,343 |
Verificou-se diferença significativa relacionada à obesidade, sendo que quanto maior o IMC menor a TFG dos adultos. Além disso, indivíduos com diagnóstico de HAS apresentaram tendência à queda da TFG em relação aos não hipertensos (p < 0,06).
A Tabela 3 apresenta a distribuição da amostra quanto à classificação da TFG estimada pela CKD-EPI.
Tabela 3 Distribuição da classificação da taxa de filtração glomerular estimada pela fórmula de CKD-EPI com base no guia de doenças renais crônicas
Classificação | n (%) | IC 95% |
---|---|---|
Taxa de filtração glomerular normal (> 90 ml/mim) | 285 (76,8) | 72,5-81,1 |
Discreta diminuição da taxa de filtração glomerular (90-60 ml/mim) | 81 (21,8) | 17,5-26,1 |
Moderada diminuição da taxa de filtração glomerular (59-30 ml/mim) | 4 (1,1) | 0,3-2,4 |
Grave diminuição da taxa de filtração glomerular (< 30 ml/ mim) | 1 (0,3) | 0,0-0,8 |
A Figura 1 apresenta a prevalência de indivíduos com TFG < 60 ml/min calculada pelas diferentes fórmulas presentes na literatura.
Figura 1. Prevalência de pacientes com TFG < 60 ml/min/m2 calculada por diferentes fórmulas. (n = 371).
Verificou-se que a MDRD superestimou a TFG quando comparada às demais fórmulas.
No presente estudo, encontrou-se prevalência de 1,4% de indivíduos com TFG < 60 ml/mim. Matsushita et al.20 encontraram prevalência de 14,3%, porém, houve grande parcela de idosos na amostra, e a idade avançada está relacionada com alteração renal e faz com que a porcentagem de TFG < 60 seja maior.
Na população em estudo houve diferença significativa na TFG < 60 ml/min em relação à idade, obesidade, além de uma tendência com relação à HAS.
Estudos têm evidenciado que a idade avançada está diretamente relacionada à diminuição da TFG. A função renal tende a diminuir com o avançar da idade, sendo fator independente das comorbidades apresentadas, corroborando com dados da literatura,21-23 o que pode ser explicado pelas alterações fisiológicas e estruturais que ocorrem no sistema renal. Ademais, evidências epidemiológicas demonstram que a prevalência de HAS aumenta com a idade.9,20
Em relação aos indicadores antropométricos, paciente considerados obesos apresentaram taxas alteradas de filtração glomerular em comparação aos eutróficos. Isso está bastante sedimentado na literatura mundial, que obesidade é um importante fator de risco para hiperfiltração glomerular e progressão para doença renal crônica.6,24
Os indivíduos estudados que tinham diagnóstico de HAS apresentaram tendência à diminuição da TFG, fato esse comprovado por Zhang et al.,25 que apontaram como principais fatores associados ao dano renal a hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares.
Apesar de a literatura apresentar uma associação entre a presença de diabetes mellitus e dano renal, o presente estudou não encontrou significância estatística neste parâmetro, possivelmente devido ao pequeno número de indivíduos com DM na amostra. Alguns estudos realizados apenas com pacientes diabéticos demonstraram prevalência elevadas de TFG < 60 e associação entre diabetes e danos renal.26,27
No presente estudo não houve diferença significativa quando à função renal entre os sexos, o que corrobora com dados encontrados na literatura.1,2,28
No estudo realizado não se observou diferença estatisticamente significativa entre a raça e a função renal, dados semelhantes também são apresentados por Levey et al.,15 porém, autores como Peralta et al.29 apontaram que os negros tiveram maiores taxas de declínio da função renal independentemente de características sociodemográficas ou fatores de risco tradicionais.
Em relação aos hábitos adotados pela amostra, o presente estudou não demonstrou associação positiva entre tabagismo e alcoolismo e diminuição da TFG; contudo, é bem documentado que principalmente o tabagismo seja um risco para declínio da função renal.30
A grande crítica do paradigma CKD-EPI e uso da equação MDRD é que a subestimação da TFG medida pelo MDRD leva a diagnósticos falso-positivos, conforme apresentado na Figura 1. Quando calculada pela MDRD, a prevalência de TFG alterada foi maior que 70% comparada às demais fórmulas. Tal fato superestima os riscos e, consequentemente, aumenta o custo para o sistema de saúde.31
Apesar de ter sido realizado o cálculo de prevalência de TFG < 60 ml/min por todas as fórmulas, optouse pela utilização da fórmula CKD-EPI para análises comparativas nos indivíduos do estudo ESATU, devido aos resultados encontrados nesse estudo e em diversos artigos.2,18,32
Admite-se a existência de limitações metodológicas no presente estudo. Por exemplo, não se possuía elementos para diferenciar entre uma possível diminuição transitória da filtração glomerular e DRC incipiente. Por se tratar de amostra populacional, composta na maioria por pessoas hígidas e adultos jovens, a prevalência de HAS e DM foi baixa, consequentemente, houve baixa prevalência de DRC. O estudo ESATU limitou a amostra em indivíduos entre 18 e 59 anos de idade, pois já havia sido realizado o estudo ESITU17 para indivíduos com 60 anos ou mais. Assim, isso resultou em menor prevalência de DRC, pois as evidências apontam que a idade mais avançada tem relação direta com as TFG.
Os dados não permitem inferir se os 1,4% avaliados com TFG < 60 ml/min/1,73 mm2 são ou não portadores de DRC, posto que a definição de DRC proposta pelo K/DOQI e endossada pela National Kidney Foundation/Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (NKF-KDOQI) e Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) leva em consideração a presença de lesão renal (principalmente proteinúria persistente) associada ou não à diminuição da TFG por um período de três meses ou mais. Os dados relativos a estilo de vida (tais como tabagismo, alcoolismo, dieta, atividade física) foram autorrelatados pelos entrevistados, o que pode levar a informações com baixa acurácia. Outro fator limitante se deve ao fato da CKD-EPI ser uma fórmula relativamente nova e por isso haver poucos estudos em outras populações.
Concluiu-se que a maior parte da amostra estudada tinha TFG normal e que apenas 1,4% tinha disfunção de grau moderado ou superior. A idade mais avançada e obesidade se associaram positivamente com diminuição da TFG e indivíduos com HAS apresentaram tendência de redução da TFG.
A literatura permanece escassa quanto a estudos da população adulta com a nova fórmula CKD-EPI. Sabe-se que a CKD-EPI não é o melhor marcador função renal, porém, apresenta-se como um bom preditor para alteração da TFG da população em geral, de baixo custo, que deve ser utilizado na prática clínica.