versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde vol.24 no.1 Brasília jan./mar. 2015
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000100016
to estimate peptic ulcer prevalence and mortality in Brazil and its regions, by gender and age group in 2008.
prevalence was estimated based on Hospital Information System data adjusted according to Unified Health System (SUS) service coverage. Ulcer complications were taken to be hospitalized cases. Mortality was calculated using Mortality Information System data, according to the methodology proposed by global burden of disease studies.
overall peptic ulcer prevalence in Brazil was 0.2% in males and 0.1% in females; mortality rate was 3.0/100,000 inhabitants (3.6/100,000 males and 2.3/100,000 females); prevalence and mortality increased with advancing age in both sexes, with highest values found in males.
this study highlights the importance of peptic ulcers on the Brazilian health scenario and the need for further research for more precise estimates of the occurrence of this disease in our country.
Key words: Peptic Ulcer; Morbidity; Mortality; Estimation Techniques; Prevalence
estimar la mortalidad y la prevalencia de úlcera péptica en Brasil y regiones, en 2008.
la prevalencia se estimó por el Sistema de Informaciones Hospitalarias considerando los casos ingresados como úlceras complicadas, haciendo ajustes por la cobertura del Sistema Único de Salud. La mortalidad se calculó por el Sistema de Informaciones sobre Mortalidad.
en Brasil, la prevalencia de úlceras en hombres y mujeres fue de 0,2% y 0,1%, respectivamente; la tasa de mortalidad nacional fue de 3,0/100.000 habitantes (3,6/100.000 en hombres y 2,3/100.000 en mujeres); las tasas de prevalencia y mortalidad aumentaron con la edad en ambos sexos, con valores más altos observados en los hombres.
queda evidente la importancia de la úlcera péptica en el escenario brasileño y la necesidad de una estimación más precisa del impacto de esta enfermedad en nuestro país.
Palabras-clave: Úlcera Péptica; Morbilidad; Mortalidad; Técnicas de Estimación; Prevalencia.
A úlcera péptica é considerada uma questão importante de Saúde Pública, frequentemente associada a perda na qualidade de vida, perda de produtividade no trabalho e crescentes gastos no tratamento das complicações da doença.1 No Brasil, não foram encontrados estudos de base populacional que quantificassem sua magnitude.
Entre as complicações mais frequentes da úlcera péptica estão a hemorragia gastrointestinal alta (sangramento), ocorrente em até 15% das úlceras, e a perfuração, referida em cerca de 7% de seus pacientes. Ambas complicações são causas frequentes de internação e de mortalidade pela doença.1
A infecção por Helicobacter pylori constitui o fator etiológico mais comumente associado à úlcera péptica em todo o mundo,2 onde mais de 70% dos infectados são assintomáticos.3 Estima-se que 10-20% dos indivíduos infectados pelo H. pylori desenvolvam a úlcera péptica ao longo da vida,4 e que o fumo e o uso abusivo de álcool, estresse, problemas com sono, hábitos alimentares, trabalho físico pesado e suscetibilidade genética são fatores influenciadores de seu aparecimento.5
A úlcera péptica é um dos agravos avaliados nos estudos de carga global de doença que utilizam o indicador denominado DALY, ou Disability Adjusted Life Years, que representa a soma dos anos de vida perdidos por morte prematura e incapacidade. Este indicador mede o estado de saúde de uma população por intermédio de dois componentes: mortalidade - YLL (Years of Life Lost, ou anos de vida perdidos por morte prematura) e YLD (Years Lived with Disability, ou anos vividos com incapacidade). As doenças digestivas - úlcera péptica, cirrose do fígado e apendicite - estão contempladas no grande Grupo II: Doenças crônicas não transmissíveis.6
Em 1990, as doenças digestivas contribuíram com 3,4% do total de DALY estimado para o planeta, chegando a 3,8% na América Latina e Caribe.6 Em 2004, no mundo, esse percentual foi de 2,8% do total de DALY.7 No Brasil, esses agravos foram responsáveis por 2,7% e 3,1% do total de DALY para os anos de 1998 e 2008, respectivamente.8 , 9
Em função de sua importância no cenário epidemiológico, o objetivo deste estudo foi estimar a mortalidade e a prevalência da úlcera péptica no Brasil e em suas macrorregiões, segundo sexo e faixa etária, no ano de 2008, a partir de proposta metodológica desenvolvida para o Estudo de Carga de Doença no Brasil.
A proposta metodológica empregada para estimar a mortalidade e a prevalência da úlcera péptica nas grandes regiões e no país foi desenvolvida, originalmente, para o Estudo de Carga de Doença no Brasil referente ao ano de 2008.
A definição de úlcera utilizada nos estudos de carga global de doença, também adotada no presente estudo, refere-se aos casos de indivíduos com sintomas recorrentes e intermitentes (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10ª revisão - CID-10 -, códigos K25-27).
A metodologia de cálculo do componente YLL, aplicada aos estudos de carga de doença no Brasil, considera como parâmetros a proporção de desconto de 3%, tábua de vida-padrão segundo sexo e idade, correção do quantitativo de óbitos pela redistribuição dos chamados 'códigos-lixo' (códigos inespecíficos da CID-10), redistribuição das causas mal definidas e aplicação de fator de correção do sub-registro.9
A correção do quantitativo de óbitos devidos a úlcera péptica/gástrica e duodenal (K25-K27) para o Brasil e suas macrorregiões em 2008, representando a média no período 2007-2009, considerou as seguintes etapas:
1a etapa - Definição dos códigos-lixo referentes às doenças do aparelho digestivo
2a etapa - Definição dos grupos de causas de óbitos para redistribuição proporcional dos códigos-lixo
3a etapa - Definição dos percentuais de código-lixo destinados a cada grupo de redistribuição
4a etapa - Redistribuição proporcional das causas mal definidas e septicemias
5a etapa - Aplicação do fator de correção do sub-registro de óbitos
Cabe ressaltar que as redistribuições foram realizadas segundo unidade da federação (UF), sexo, faixa etária e causa básica de morte.
Foram considerados como códigos-lixo das doenças do aparelho digestivo: hematêmese (K920); melena (K921); e hemorragia gastrointestinal sem outra especificação (K922). O total de óbitos devidos a hematêmese e melena - 50 e 95%, respectivamente - foi redistribuído proporcionalmente, entre óbitos por úlcera gástrica (K25), úlcera duodenal (K26), úlcera péptica de localização não especificada (K27), úlcera gastro-jejunal (K28) e gastrite e duodenite (K29). Para os óbitos devidos a hemorragia gastrointestinal sem outra especificação, a totalidade dos óbitos também foi redistribuída proporcionalmente, entre os óbitos codificados como K27-K29, K70 (doença alcóolica do fígado) e K74 (fibrose e cirrose hepáticas).
Os fatores gerais para a correção do sub-registro de óbitos foram estimados segundo UF, sexo e grupo etário (<1 ano e ≥1 ano). Esses fatores foram ajustados para cada uma das faixas etárias, de forma que apenas os óbitos por causas naturais fossem corrigidos. A metodologia utilizada para correção do sub-registro de óbitos é a mesma preconizada pelos estudos de carga global de doença e encontra-se detalhadamente descrita no relatório do Estudo de Carga de Doença no Brasil.9
O componente YLD é calculado a partir da incidência, duração e peso da incapacidade.9 Na ausência de dados de incidência, podem-se utilizar estimativas de prevalência. Estas estimativas, juntamente com outros parâmetros clínico-epidemiológicos (como mortalidade e remissão do agravo), são inseridas em um software denominado DISMOD II, desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS)10 para avaliação da consistência entre os parâmetros encontrados e cálculo dos casos incidentes.
A Figura 1 apresenta o processo de estimação dos casos de úlcera péptica no Brasil. Não foram encontrados estudos de base populacional sobre prevalência de úlcera péptica na literatura brasileira. O presente estudo estimou os casos prevalentes a partir das informações do Sistema de Internações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), representativas dos casos de úlcera internados. Foram selecionadas as autorizações de internação hospitalar (AIH-SUS) cujo diagnóstico principal referia-se a úlcera péptica e não foram a óbito no período 2007-2009.
Considerou-se que tais internações representavam os casos de úlcera complicada (motivo de admissão hospitalar) e, portanto, referiam-se a uma porcentagem do total de casos de úlcera no país. Segundo Greenbergher,12 a principal complicação da úlcera péptica é a hemorragia digestiva, ocorrente em até 15% dos casos. A perfuração ocorre em 7% e a obstrução (estenose pilórica) em menos de 2% dos casos. Além disso, um estudo holandês13 encontrou taxas de hospitalização anuais de 1 a 2% para úlcera péptica. Levando-se em consideração esses dados de literatura e após discussão com dois especialistas em gastroenterologia dedicados a endoscopia digestiva alta, estabeleceu-se que as internações registradas no SIH/SUS corresponderiam a cerca de 10% do total de casos de úlcera péptica encontrados na população, representando os casos complicados e necessitados de internação.
Esses casos estimados foram realocados segundo a distribuição das internações de úlcera por sexo e faixa etária encontradas no SIH/SUS. Considerando-se que a cobertura do SUS corresponde a 78,7% para Brasil, 91,3% para a região Norte, 90,4% para a Nordeste, 66,7% para a Sudeste, 78,9% para a Sul e 85,8% para a região Centro-Oeste do país,14 aplicou-se, aos casos de úlcera, fatores de correção para a cobertura SUS de 2008 visando o ajuste das estimativas. Calculou-se a prevalência utilizando-se estimativas oficiais para as populações do Brasil e suas macrorregiões, elaboradas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e disponibilizadas online pelo Departamento de Informática do SUS (Datasus), tendo por data de referência a data de 1º julho de 2008.
Assumiu-se que não existem casos prevalentes na faixa etária entre 0 e 9 anos.15 Durante o processo de estimação, em razão da oscilação observada nas taxas calculadas para as faixas etárias de 70-79 e 80 e mais anos, a prevalência encontrada na faixa de 60-69 anos foi replicada para as faixas etárias subsequentes. Ademais, calculou-se o parâmetro de remissão, considerando-se que 65% dos pacientes com úlcera péptica são tratados no Brasil - 35% não receberiam tratamento -, porcentagens também estabelecidas após discussão com especialistas. Além disso, assumiu-se que 80% dos pacientes submetidos a tratamento alcançam a cura, e que a duração do tratamento é de 1 mês. Para os casos tratados, o tempo médio estimado entre o início dos sintomas e a cura foi de aproximadamente 3 meses (consenso entre especialistas - comunicação pessoal). Com isso, estimou-se que 52% dos casos prevalentes são tratados e curados em 3 meses, resultando em uma taxa de remissão de 208/100 pessoas/ano.
Tais estimativas foram utilizadas no Estudo de Carga de Doença no Brasil para o ano de 2008.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca - ENSP -, mediante Certificado de Apresentação para Apreciação Ética no 0054.0.031.000-11.
No Brasil, ao final da redistribuição dos códigos-lixo, o número de óbitos por úlcera péptica (gástrica e duodenal: K25-K27) foi de 4.387 em 2008. Com a redistribuição proporcional das causas mal definidas (R00-R99) e septicemias (A40-A41), os óbitos por úlcera péptica foram majorados em 11% e passaram a totalizar 4.878. Após a aplicação dos fatores de correção de sub-registro ajustados, foi de 5.714 o número total estimado de óbitos por úlcera péptica no Brasil em 2008.
De acordo com o SIH/SUS, ocorreram 22.756 internações por úlcera péptica durante o período sob estudo. Considerando-se que essas internações representariam 10% do total de casos no país, foram estimados 227.560 casos de úlcera no Brasil em 2008. Após ajuste para a cobertura da doença pelo SUS, foram estimados 289.222 casos prevalentes de úlcera no Brasil, distribuídos segundo as grandes regiões do país, por sexo e faixa etária.
Observou-se que a prevalência de úlcera péptica no sexo masculino foi de 0,2% no conjunto do país, alcançando 0,3% na região Centro-Oeste. As prevalências mostraram-se crescentes segundo a evolução das faixas de idade. Com relação às mulheres, a prevalência encontrada no Brasil foi de 0,1%, alcançando 0,2% nas regiões Sul e Centro-Oeste. Observa-se, também entre as mulheres, um aumento na prevalência com o avanço da idade (Figuras 2 e (3).
Figura 2 Prevalência (%) de úlcera péptica no sexo masculino segundo faixa etária por macrorregiões e o conjunto do país. Brasil, 2008
Figura 3 Prevalência (%) de úlcera péptica no sexo feminino segundo faixa etária por macrorregiões e o conjunto do país. Brasil, 2008
Quanto à mortalidade, a taxa para o conjunto do Brasil foi de 3,0/100 mil habitantes, sendo 3,6 e 2,3/100 mil habitantes nos sexos masculino e feminino, respectivamente. Valores superiores à média nacional foram encontrados na região Nordeste, com uma taxa geral de mortalidade de 3,8/100 mil habitantes: 4,7/100 mil habitantes no sexo masculino e 2,9/100 mil habitantes no sexo feminino.
Diferenciais importantes foram observados em relação às macrorregiões do país e ao sexo nas faixas etárias mais avançadas. Entre os 60 e os 69 anos de idade, as maiores taxas de mortalidade ocorreram nas regiões Norte (21,0/100 mil habitantes) e Nordeste (17,7/100 mil habitantes), revelando-se 3 e 2 vezes maiores para o sexo masculino - respectivamente, no Norte e no Nordeste - na comparação com as taxas correspondentes ao sexo feminino (Tabela 1).
As estimativas de prevalência obtidas no presente estudo (0,1-0,2%) foram mais baixas que as observadas na literatura, incluindo dados da Índia no período de 1988 a 2008 (7,8%),17 dos Estados Unidos da América em 1997-2003 (8,4%)18 e de Hong Kong (14%).19 Estudo nacional avaliou a prevalência de úlcera duodenal entre os diagnósticos endoscópicos de um serviço público de referência na cidade de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, e observou porcentagens de 8,6% em 1996 e 3,3% em 2005.20 Em Taiwan, Wang e colaboradores21 encontraram uma prevalência de úlcera péptica da ordem de 0,9%, sendo a que mais se aproximou da realidade do presente estudo.
Alguns fatores poderiam justificar as menores taxas de prevalência observadas neste relato. Em primeiro lugar, os resultados refletiriam uma redução mundial da prevalência de úlcera nos últimos anos (as taxas mais elevadas são de estudos mais antigos). Outra possibilidade é de que algumas prevalências, como a do estudo de Porto Alegre-RS,20 fossem obtidas em centros de referência em endoscopia digestiva, que tendem a concentrar mais casos, o que contribuiria para uma estimativa do parâmetro mais elevada. A disponibilidade de inibidores de bomba de prótons e seu uso mais frequente também podem ter contribuído para a redução dessa prevalência, principalmente dos casos complicados (que exigem internação), influenciando as estimativas deste estudo (baseadas em dados de AIH-SUS). Por fim, a metodologia adotada aqui, possivelmente, teria sido conservadora ao estabelecer que os casos de úlcera internados representariam apenas 10% do total de casos de úlcera péptica.
De fato, a prevalência de úlcera péptica tem se reduzido em anos recentes.16 Apesar dos avanços no tratamento, as complicações advindas da doença permanecem como um problema importante para o sistema de saúde, aumentando sua ocorrência nas faixas de idade mais avançadas.
Mostraram-se escassos os estudos de prevalência de úlcera péptica na literatura, não obstante a prevalência de úlcera péptica estar relacionada à incidência e duração da doença. No presente estudo, para a comparação das estimativas por faixa etária e sexo, utilizou-se dados sobre a incidência por úlcera péptica para verificação de seu padrão de distribuição.
As prevalências encontradas foram maiores no sexo masculino, independentemente da macrorregião analisada. Resultados semelhantes foram encontrados em estudos que trabalharam com taxas de incidência por úlcera péptica.16 , 22
Sonnenberg23 aponta que, como a infecção pelo H. pylori tem se reduzido entre as populações dos países ocidentais, a idade da primeira aquisição, possivelmente, teria se deslocado em direção à população mais envelhecida, contribuindo para um aumento concomitante na suscetibilidade de desenvolvimento subsequente da úlcera péptica nessas faixas de idades. Variações na ocorrência desse agravo, entretanto, são difíceis de explicar enquanto baseadas apenas em mudanças nas taxas de infecção pelo H. pylori, uma vez que importantes fatores de risco ambientais relacionados a coorte de nascimento influenciam a ocorrência dessa doença digestiva.
Neste estudo, observou-se aumento das prevalências de úlcera péptica em ambos os sexos, à medida que aumentava a idade. Lin e colaboradores,16 em estudo de revisão sistemática sobre as taxas de incidência de úlcera péptica em países ocidentais, observaram que a úlcera péptica não complicada tem reduzido sua incidência nas últimas décadas, com o sexo masculino e idades mais avançadas associados às maiores incidências. Bhala e colaboradores24 também observaram um comportamento crescente das taxas de incidência de acordo com a idade. Cai e colaboradores,22 no Reino Unido, entre 1997 e 2005, evidenciaram que as taxas de incidência de úlcera não complicada se reduziram no período considerado, aumentando com a idade.
Com relação às taxas de mortalidade por úlcera péptica, os maiores valores foram encontrados nos homens e nas idades mais avançadas, independentemente da região geográfica. Resultados semelhantes foram observados na Holanda e no oeste da Alemanha,25 e no caso particular da cidade holandesa de Rotherham.26 Outros estudos também encontraram relação da mortalidade por úlcera péptica com a idade e/ou sexo masculino.27
Segundo Katschinski & Logan,29 a maior taxa de mortalidade encontrada entre os grupos com idade mais avançadas pode ser explicada, ainda que parcialmente, pelo aumento da expectativa de vida para homens e mulheres.
Uma limitação do presente estudo, comum a dados de mortalidade, está relacionada aos óbitos classificados como mal definidos ou códigos-lixo, ao estimar a distribuição desses óbitos por causas especificas. Nesse sentido, especificamente sobre os óbitos por causas mal definidas, não há consenso quanto à metodologia mais adequada para essa estimativa de distribuição. Grande parte dos estudos optam pela redistribuição proporcional, embora seja frequente a discordância acerca do algoritmo utilizado na definição dos coeficientes aplicados. Estimativas divergentes quanto à eficácia da metodologia usada são passíveis de vieses, portanto. Em estudo recente, França e colaboradores28 propõem uma distribuição proporcional baseada apenas nos resultados das investigações realizadas pelos serviços de saúde para óbitos notificados como de causas mal definidas. Contudo, apenas 30% dos óbitos foram investigados e destes, 65,5% reclassificados como de causas definidas.
Segundo Ahsberg e colaboradores,27 as taxas de hospitalização por úlcera péptica têm se reduzido na maioria dos países ocidentais, provavelmente decorrentes do fenômeno de redução da prevalência de infecção por H. pylori e da terapia visando sua erradicação, como também do tratamento da úlcera com antagonista de receptor de histamina e inibidores da bomba de prótons. Cabe lembrar que mais de 50% da população mundial apresentam alguma infecção crônica pelo H. pylori na mucosa gástrica; porém, 5 a 10% dos infectados desenvolvem úlcera péptica.5
Dada a escassez de informações clínico-epidemiológicas sobre úlcera péptica no Brasil, este estudo utilizou as informações disponíveis no SIH/SUS, cujos casos representam aqueles que necessitam de internação. Portanto, analisou-se os casos mais complicados de úlcera péptica, com acesso ao sistema de saúde. Najm30 afirma que a úlcera péptica tende a apresentar um curso crônico de remissão, mantendo uma correlação imperfeita entre os sintomas e a presença do agravo. Isso conduz a limitações na habilidade de documentar sua incidência e prevalência com a devida precisão.
Em função disso, e considerando-se ausência de outras informações sobre a doença, o processo de estimação utilizou o número de casos complicados (que representariam cerca de 10% do total das úlceras do país) para estimar os casos não complicados. Embora apresente limitações, trata-se de uma proposta metodológica viável diante da falta de dados nacionais.
Malfertheiner ecolaboradores5 ponderam que a complicação mais severa da úlcera péptica é o sangramento, presente em 50-170 casos por 100 mil habitantes, com maior risco para pessoas acima de 60 anos de idade. Como as estimativas foram baseadas nos dados de internações hospitalares, representativos dos casos complicados, estes podem ter influenciado as maiores prevalências encontradas nas faixas etárias mais avançadas.
Evidencia-se a importância da magnitude da úlcera péptica no cenário brasileiro. Os dados disponíveis mostram a necessidade do desenvolvimento de pesquisas de base populacional, para realização de estimativas mais precisas sobre o impacto desse agravo no país.
A úlcera péptica é uma doença potencialmente prevenível. Seus principais fatores de risco são o H. pylori, o fumo e o uso excessivo de álcool, drogas, fatores psicológicos e emocionais.5 Fatores socioeconômicos e de estilo de vida também estão relacionados a ela.24
Estimativas acuradas sobre parâmetros clínico-epidemiológicos de úlcera péptica na população brasileira são imprescindíveis para a quantificação de seu impacto na Saúde Pública e a definição de intervenções preventivas, além de contribuírem para o planejamento de projetos de pesquisa e a organização dos cuidados com a saúde de seus pacientes.