versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.43 no.2 São Paulo mar./abr. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562016000000204
A tuberculose permanece sendo um grave problema de saúde pública mundial e uma das maiores causas de mortes no mundo, segundo os dados da Organização Mundial de Saúde. O Brasil é um dos 22 países responsáveis por 80% dos casos de tuberculose pulmonar em todo o mundo, ocupando a 18a posição. Em 2014, a taxa de incidência de tuberculose no Brasil foi de 44 casos por 100 mil habitantes, com taxa de coinfecção tuberculose/HIV de 17%. A taxa de mortalidade por tuberculose/HIV foi de 1,2 caso por 100 mil habitantes.1) O estado do Rio de Janeiro detém uma das maiores taxas de incidência do país (54,5 casos/100 mil habitantes), atrás apenas do Amazonas, com a maior taxa de mortalidade do país (5,1 casos/100 mil habitantes), e com taxa de coinfecção tuberculose/HIV de 8,9%.2) A doença tem relação com a pobreza, a desnutrição e a exclusão social,3 predominando em homens de 45 a 59 anos.3,4
Desde 1994, a Organização Mundial de Saúde e a International Union Against Tuberculosis and Lung Diseases têm recomendado a utilização da dose fixa combinada (DFC), propondo a mudança do tratamento anterior com a justificativa de que a adesão ao tratamento seria melhor e diminuiria a seleção de bacilos mutantes resistentes aos fármacos,4-8 o que refletiria em melhores taxas de cura, abandono, óbito e recidiva.
Devido aos dados do II Inquérito Nacional de Resistência aos Fármacos Antituberculose, realizado em 2007-2008,4,9 que indicou um aumento da taxa de resistência primária à isoniazida (de 3,5% para 6%) e à rifampicina (de 0,2% para 1,5%) entre os anos de 1997 e 2007, o Programa Nacional de Controle da Tuberculose/Ministério da Saúde decidiu, em 2009, mudar o esquema utilizado, em vigência desde 1979. O esquema até então utilizado, conhecido como esquema I - dois meses de rifampicina, isoniazida e pirazinamida (RHZ), seguidos por quatro meses de rifampicina e isoniazida (RH) - foi modificado, sendo acrescentado um quarto fármaco, o etambutol, na fase intensiva do tratamento (de 2 meses), conhecido como o esquema 2RHZE/4RH. Houve a modificação da apresentação, de cápsulas para comprimidos, compostos pelos quatro fármacos da fase intensiva do tratamento em DFC (RHZE/DFC) e, na fase de continuação de 4 meses, com os dois fármacos também em DFC (mantida a apresentação em forma de cápsulas). Houve ajuste das doses de isoniazida e pirazinamida em adultos para 300 mg/dia e 1.600 mg/dia, respectivamente.4,9
O objetivo do presente estudo foi avaliar a taxa de recidiva da tuberculose pulmonar com a introdução do esquema RHZE/DFC e descrever os possíveis fatores de risco que levaram os pacientes do estudo à recidiva, além de descrever as taxas de cura, abandono e óbito, assim como a ocorrência de efeitos adversos em comparação com o esquema I (RHZ).
Estudo observacional retrospectivo, realizado no período entre janeiro de 2007 e junho de 2013, no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Instituto de Doenças do Tórax (IDT), que é um complexo hospitalar terciário ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro e localizado na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. O hospital é referência para o tratamento de pacientes com HIV/AIDS e com doenças que exigem tratamentos complexos, como transplantes, doenças autoimunes, neoplasias e diabetes mellitus, sendo comum a presença de comorbidades. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUCFF/IDT em novembro de 2013 sob o número 465.507.
No HUCFF/IDT existe o Programa de Controle da Tuberculose Hospitalar (PCTH), instituído em 1998. O programa prevê a busca ativa de casos da doença entre pacientes hospitalizados, atendimento ambulatorial a pacientes suspeitos de tuberculose, isolamento de pacientes com suspeita ou confirmação da tuberculose pulmonar, realização de baciloscopia e cultura para micobactérias como rotina, pronta disponibilização dos resultados laboratoriais e educação continuada dos profissionais de saúde. Esse programa é multidisciplinar, com cuidado integrado, e acompanha todos os seus pacientes tratados por dois anos após o término do tratamento.10
Todos os pacientes atendidos no ambulatório do PCTH no período do estudo tiveram seus prontuários revisados, através da adoção de um instrumento de coleta de dados, mantendo-se sua confidencialidade. Além de variáveis sociodemográficas (sexo, idade e escolaridade), as informações coletadas incluíam variáveis clínicas e epidemiológicas (estado nutricional, data do primeiro episódio de tuberculose, data de recidiva e sorologia para HIV), hábitos de vida (consumo de álcool, tabagismo, carga tabágica e uso de drogas ilícitas) e presença de comorbidades. Todos os pacientes com o tratamento iniciado no PCTH foram acompanhados por dois anos após esse término, buscando-se avaliar se houve recidivas ou não. Os dados desses pacientes foram verificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde para avaliar as recidivas, assim como no Sistema de Informação de Mortalidade para avaliar os óbitos durante os dois anos do acompanhamento. A busca foi feita através do nome do paciente, nome da mãe e data de nascimento.
Durante o tratamento no PCTH, todos os pacientes foram acompanhados mensalmente e indagados sobre a ocorrência de efeitos adversos, por meio de um instrumento de coleta de dados padronizado, que englobava as reações adversas; essas informações foram armazenadas em um banco de dados do PCTH. Os efeitos adversos foram classificados em menores e maiores. Os efeitos adversos maiores são os responsáveis pela suspensão do fármaco e troca do esquema inicial, a saber: hepatite, trombocitopenia causada por rifampicina, anemia hemolítica, insuficiência renal aguda, púrpura trombocitopênica trombótica, neurite óptica induzida por etambutol e artrite gotosa aguda induzida por pirazinamida.6 Os efeitos adversos menores são rash cutâneo, acne, prurido, artralgia e sintomas gastrointestinais leves, como náuseas, vômitos, inapetência e dor abdominal; no caso desses efeitos, geralmente não é necessário modificar o tratamento, sendo os pacientes manejados com a administração de medicamentos sintomáticos e mudança do horário de administração.6
A análise estatística foi processada pelo software Statistical Analysis System , versão 6.11 (SAS Institute Inc., Cary, NC, EUA). A análise descritiva foi expressa pela frequência (n) e proporção (%) para dados categóricos e pela média e desvio-padrão para dados numéricos. Com o objetivo de verificar se havia associações significativas das variáveis sociodemográficas, comorbidades e efeitos adversos com recidivas, foram aplicados o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher para a comparação de dados categóricos e o teste t de Student para amostras independentes para a comparação de dados numéricos (variáveis contínuas com distribuição normal). O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5% (p < 0,05).
Dos 466 pacientes tratados para tuberculose pulmonar no PCTH no período do estudo, foram incluídos 275 pacientes, maiores de 18 anos, com diagnóstico de tuberculose pulmonar confirmado por cultura realizada no PCTH, e que foram considerados curados ou que completaram o tratamento, utilizando o esquema I (RHZ) entre janeiro de 2007 e outubro de 2010, enquanto, entre novembro de 2010 e junho de 2013, utilizando o esquema RHZE em DFC. Foram excluídos do estudo 67 pacientes, por diferentes motivos (Figura 1). A amostra final para a análise das taxas de cura, abandono e óbito, assim como para a avaliação de efeitos adversos, foi composta por 208 pacientes, todos submetidos ao tratamento autoadministrado (Figura 1).
Na amostra de 208 pacientes para a avaliação de efeitos adversos e análise das taxas de cura, abandono e óbito, 125 pacientes (60,1%) receberam o esquema RHZ (em cápsulas e comprimidos), e 83 pacientes (39,9%) receberam o esquema RHZE/DFC.
O padrão de acometimento da tuberculose (primeiro episódio), descrevendo as variáveis sociodemográficas e clínicas nos dois grupos segundo o tipo de tratamento, está descrito na Tabela 1.
Tabela 1 Variáveis sociodemográficas e clínicas estudadas segundo o tipo de tratamento realizado.
Variáveis | Esquema de tratamento | p | |||
---|---|---|---|---|---|
RHZ | RHZE/DFC | ||||
(n = 125) | (n = 83) | ||||
n | % | n | % | ||
Sexo | |||||
Masculino | 81 | 64,8 | 45 | 54,2 | 0,13 |
Feminino | 44 | 35,2 | 38 | 45,8 | |
Idade, anosa | 46 ± 17 | 42 ± 15 | 0,11* | ||
Faixa etária, anos | |||||
≤ 30 | 29 | 23,2 | 21 | 25,3 | 0,65* |
31-44 | 31 | 24,8 | 26 | 31,3 | |
45-55 | 33 | 26,4 | 18 | 21,7 | |
> 55 | 32 | 25,6 | 18 | 21,7 | |
Raçab | |||||
Branca | 63 | 50,4 | 39 | 47,6 | 0,015 |
Parda | 32 | 25,6 | 34 | 41,5 | |
Preta | 30 | 24 | 9 | 11,0 | |
Escolaridadec | |||||
Analfabeto/fundamental incompleto/completo | 65 | 54,6 | 38 | 48,1 | 0,46 |
Médio incompleto/completo | 38 | 31,9 | 32 | 40,5 | |
Superior incompleto/completo | 16 | 13,4 | 9 | 11,4 | |
Tabagismoc | |||||
Sim | 18 | 14,6 | 8 | 9,6 | 0,45 |
Ex-tabagista | 43 | 35 | 27 | 32,5 | |
Não | 62 | 50,4 | 48 | 57,8 | |
Carga tabágica, anos-maçoc | |||||
0 | 62 | 54,9 | 48 | 63,2 | 0,43 |
≤ 20 | 18 | 15,9 | 12 | 15,8 | |
> 20 | 33 | 29,2 | 16 | 21,1 | |
Uso de drogasc | |||||
Sim | 9 | 7,5 | 4 | 4,9 | 0,47 |
Não | 111 | 92,5 | 77 | 95,1 | |
Classificação IMCc | |||||
Magro | 19 | 23,2 | 16 | 27,6 | 0,83 |
Normal | 47 | 57,3 | 31 | 53,4 | |
Sobrepeso/obeso | 16 | 19,5 | 11 | 19,0 | |
Alcoolismoc | |||||
Sim | 23 | 18,5 | 8 | 9,8 | 0,084 |
Não | 101 | 81,5 | 74 | 90,2 | |
Sorologia para HIVc | |||||
Positiva | 18 | 15,3 | 6 | 9,0 | 0,22 |
Negativa | 100 | 84,7 | 61 | 91,0 |
RHZ: esquema de tratamento rifampicina-isoniazida-pirazinamida; RHZE/DFC: esquema rifampicina-isoniazida-pirazinamida em dose fixa combinada; e IMC: índice de massa corpórea. aValores expressos em média ± dp. bUm paciente era indígena (RHZE/DFC). cFalta de informações quanto às seguintes variáveis: escolaridade (n = 10), tabagismo (n = 2), carga tabágica (n = 19), uso de drogas (n =7), classificação IMC (n = 68), alcoolismo (n = 2) e sorologia para HIV (n = 23). *Teste t de Student para amostras independentes.
Entre 203 pacientes com dados sobre efeitos adversos (informação não encontrada em 5), 139 apresentaram sua presença (68,5%). Não houve diferenças significativas nas ocorrências de efeitos adversos entre os dois grupos de tratamento (Tabela 2).
Tabela 2 Efeitos adversos segundo o tipo de tratamento realizado.a
Efeitos adversos | Esquema de tratamento | p | |||
---|---|---|---|---|---|
RHZ | RHZE/DFC | ||||
n | % | n | % | ||
Total | |||||
Sim | 86 | 69,9 | 53 | 66,3 | 0,35 |
Não | 37 | 30,1 | 27 | 33,8 | |
Menores | |||||
Sim | 78 | 63,4 | 48 | 60,0 | 0,37 |
Não | 45 | 36,6 | 32 | 40,0 | |
Maiores | |||||
Sim | 14 | 11,4 | 7 | 8,8 | 0,36 |
Não | 109 | 88,6 | 73 | 91,3 | |
Acne/prurido | |||||
Sim | 31 | 25,2 | 13 | 16,3 | 0,089 |
Não | 92 | 74,8 | 67 | 83,8 | |
Artralgia | |||||
Sim | 34 | 27,6 | 15 | 18,8 | 0,099 |
Não | 89 | 72,4 | 65 | 81,3 | |
Anorexia/vômito/dor abdominal/náuseas | |||||
Sim | 39 | 31,7 | 26 | 32,5 | 0,51 |
Não | 84 | 68,3 | 54 | 67,5 | |
Parestesia | |||||
Sim | 21 | 17,1 | 15 | 18,8 | 0,45 |
Não | 102 | 82,9 | 65 | 81,3 | |
Hepatotoxicidade | |||||
Sim | 13 | 10,6 | 6 | 7,5 | 0,32 |
Não | 110 | 89,4 | 74 | 92,5 | |
Neurite óptica | |||||
Sim | 0 | 0 | 0 | 0 | N/A |
Não | 123 | 100 | 80 | 100 | |
Exantema | |||||
Sim | 1 | 0,8 | 1 | 1,3 | 0,63 |
Não | 122 | 99,2 | 79 | 98,8 |
RHZ: esquema de tratamento rifampicina-isoniazida-pirazinamida; e RHZE/DFC: esquema rifampicina-isoniazida-pirazinamida em dose fixa combinada. aFalta de informações de 5 pacientes (2 no grupo RHZ e 3 no grupo RHZE/DFC). Os pacientes poderiam apresentar mais de um efeito adverso.
A Tabela 3 apresenta dados quanto ao encerramento do tratamento segundo o tipo de tratamento administrado. A taxa global de cura foi de 90,4%, as taxas de abandono e óbito antes do final do tratamento foram de 4,8%. Durante o período de acompanhamento de 2 anos, outros 11 pacientes foram a óbito por causas diversas. Não houve diferenças significativas nessas taxas entre os dois grupos de tratamento. Houve necessidade de alteração do tipo de tratamento inicial devido à presença de efeitos adversos em 24 pacientes (grupo RHZ, em 18; e grupo RHZE/DFC, em 6), sem diferença estatística (p = 0,11; Tabela 3)
Tabela 3 Variáveis de encerramento e desfechos segundo o tipo de tratamento realizado.a
Variáveis | Esquema de tratamento | p | |||
---|---|---|---|---|---|
RHZ | RHZE/DFC | ||||
(n = 125) | (n = 83) | ||||
n | % | n | % | ||
Encerramento | |||||
Cura | 114 | 91,2 | 74 | 89,2 | |
Abandono | 4 | 3,2 | 6 | 7,2 | 0,32 |
Óbito | 7 | 5,6 | 3 | 3,6 | |
Cultura positiva no segundo mês | |||||
Sim | 3 | 3,7 | 4 | 6,3 | 0,36 |
Não | 79 | 96,3 | 59 | 93,7 | |
Mudança do tratamento inicial | |||||
Sim | 18 | 14,4 | 6 | 7,2 | 0,11 |
Não | 107 | 85,6 | 77 | 92,8 | |
Recidiva | |||||
Sim | 6 | 4,8 | 1 | 1,2 | 0,13 |
Não | 119 | 95,2 | 82 | 98,8 |
RHZ: esquema de tratamento rifampicina-isoniazida-pirazinamida; e RHZE/DFC: esquema rifampicina-isoniazida-pirazinamida em dose fixa combinada
Para a análise da taxa de recidiva, foram excluídos 21 casos de óbito durante o tratamento ou no período de dois anos de acompanhamento após o final do tratamento por qualquer causa (sendo que 4 desses apresentaram efeitos adversos e trocaram de esquema de tratamento); 10 casos de abandono do tratamento (sendo que 1 apresentou efeitos adversos e trocou de esquema de tratamento); e 24 que tiveram a substituição de algum fármaco devido à intolerância medicamentosa. Portanto, para essa análise, foram excluídos 50 pacientes, e a amostra final foi de 158 pacientes (78,9%). Houve 7 recidivas durante todo o período de acompanhamento (taxa de recidiva = 4,4%), sendo 6 no grupo RHZ e 1 no grupo RHZE/DFC, sem diferença estatística (p = 0,13). Somente 4 recidivas ocorreram no período de 2 anos após o tratamento (RHZ = 3 pacientes e RHZE/DFC = 1 paciente), sendo a taxa de recidiva nesse período 2,5%. As outras 3 recidivas ocorreram após os dois anos de acompanhamento, após o término do tratamento.
Tabagismo, uso de drogas ilícitas, alcoolismo, sorologia positiva para HIV e índice de massa corpórea (IMC) < 18,5 kg/cm2 não foram fatores de risco para a ocorrência de recidiva (Tabela 4), tampouco a presença de comorbidades, presença de cavitação em radiografia de tórax ou cultura positiva no segundo mês de tratamento. O tempo de negativação das culturas (segundo mês) não foi diferente entre os grupos (p = 0,36). Houve apenas 7 casos de cultura positiva no segundo mês (4,8%). Tivemos essa informação em 145 pacientes (69,7%).
Tabela 4 Variáveis sociodemográficas e clinicas segundo a ocorrência de recidiva (N = 158).
Variáveis | Recidiva | Sem recidiva | p | ||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||
Sexo | |||||
Masculino | 4 | 57,1 | 88 | 58,3 | 0,62 |
Feminino | 3 | 42,9 | 63 | 41,7 | |
Idade, anosa | 44 ± 15 | 42 ± 15 | |||
Faixa etária, anos | |||||
≤ 30 | 1 | 14,3 | 42 | 27,8 | 0,61 |
31-44 | 2 | 28,6 | 42 | 27,8 | |
45-55 | 3 | 42,9 | 34 | 22,5 | |
> 55 | 1 | 14,3 | 33 | 21,9 | |
Raça | |||||
Branca | 2 | 28,6 | 69 | 46,0 | 0,45 |
Parda | 4 | 57,1 | 51 | 34 | |
Preta | 1 | 14,3 | 30 | 20,0 | |
Escolaridade | |||||
Analfabeto/fundamental incompleto/completo | 3 | 42,9 | 75 | 52,1 | 0,87 |
Médio incompleto/completo | 3 | 42,9 | 49 | 34,0 | |
Superior incompleto/completo | 1 | 14,3 | 20 | 13,9 | |
Tabagismo | |||||
Sim | 1 | 14,3 | 20 | 13,4 | 0,97 |
Ex-tabagista | 2 | 28,6 | 49 | 32,9 | |
Não | 4 | 57,1 | 80 | 53,7 | |
Carga tabágica, anos-maçob | |||||
0 | 4 | 66,7 | 80 | 59,3 | 0,33 |
≤ 20 | 2 | 33,3 | 24 | 17,8 | |
> 20 | 0 | 0,0 | 31 | 23,0 | |
Uso de drogas | |||||
Sim | 1 | 14,3 | 10 | 6,8 | 0,41 |
Não | 6 | 85,7 | 136 | 93,2 | |
Classificação IMCb | |||||
Magro | 3 | 75 | 24 | 24,7 | 0,079 |
Normal | 1 | 25 | 53 | 54,6 | |
Sobrepeso/obeso | 0 | 0,0 | 20 | 20,6 | |
Alcoolismo | |||||
Sim | 1 | 14,3 | 21 | 14,1 | 0,66 |
Não | 6 | 85,7 | 128 | 85,9 | |
Sorologia para HIV | |||||
Positiva | 1 | 14,3 | 18 | 13,2 | 0,64 |
Negativa | 6 | 85,7 | 118 | 86,8 |
IMC: índice de massa corpórea. aValores expressos em média ± dp. bInformação desconhecida nos pacientes com recidiva: carga tabágica, em 1; e classificação IMC, em 3.
Dos 208 pacientes, 146 (70,2%) apresentavam comorbidades quando adoeceram por tuberculose. As características relacionadas às comorbidades dos que recidivaram foram as seguintes: hepatite, em 1; hipertensão arterial sistêmica, em 2; diabetes mellitus, em 1; insulinodependente, em 1; insuficiência renal crônica, em 1; colagenose, em 2; uso de imunossupressores, em 2; uso de corticoide, em 2; e doenças pulmonares, em 2. Nenhuma comorbidade demonstrou-se estatisticamente associada com o desfecho recidiva. Não houve associações entre a presença de efeitos adversos maiores ou menores e recidiva.
O nosso estudo não demonstrou diferenças estatisticamente significativas na taxa de recidiva entre os grupos RHZ e RHZE/DFC, nem associações desse desfecho com os fatores clínicos investigados. Não houve diferenças estatisticamente significativas na presença de efeitos adversos entre os grupos tampouco. Desnutrição (p = 0,079), presença de colagenose (p = 0,12), e uso de imunossupressores ou corticoides apresentaram uma tendência de associação à recidiva, porém sem significância estatística. Não houve diferenças nas taxas de cura, abandono e óbito entre os grupos de tratamento, não sendo demonstradas melhoras nas taxas após a mudança do tratamento com RHZE/DFC, assim como já descrito na literatura.8,11-16
A tuberculose predominou em homens (60,6%), na faixa etária da população economicamente ativa (27,4%), de raça branca (49,0%) e em pacientes com baixa escolaridade (52,0%). A baixa escolaridade sugere baixo nível socioeconômico e dificuldade de acesso aos serviços de saúde.3,17 Não houve diferenças com relação às variáveis sociodemográficas entre os grupos de tratamento (RHZ vs. RHZE/DFC), mostrando que eram grupos comparáveis.
Em nossa amostra, 89 pacientes (43,4%) apresentavam radiografia de tórax sugestiva de tuberculose com cavitação, e apenas 7 casos (4,8%) de cultura positiva no segundo mês foram encontrados. Apesar de ser descrito na literatura que a presença de cavitação seja um fator de risco para a ocorrência de recidivas1,18-21, assim como a presença de cultura positiva no segundo mês de tratamento,(18 20,22) isso não foi evidenciado no presente estudo.
Houve uma tendência a maior ocorrência de efeitos adversos cutâneos (acne/prurido) e artralgia no grupo que usou o esquema RHZ. Talvez essa tendência seja explicada pela maior concentração das doses de isoniazida e pirazinamida na apresentação RHZ, em comparação com o esquema RHZE/DFC. Apesar da possibilidade de a introdução do etambutol causar mais casos de neurite óptica, nenhum caso foi evidenciado. Alguns estudos não demonstraram diferenças quanto à ocorrência de efeitos adversos entre os fármacos usados separadamente e na forma de DFC, corroborando nosso estudo.9,13-15 Gravendeel et al. demonstraram uma maior ocorrência de efeitos adversos no grupo de fármacos usados separadamente, predominando os gastrointestinais e musculoesqueléticos.12 Segundo a literatura, as principais vantagens da mudança para o tratamento em DFC são melhorar a adesão, simplificar o tratamento e evitar a monoterapia e a posterior seleção de bacilos mutantes resistentes.6,11,23,24
Somente 4 recidivas ocorreram no período de 2 anos após o tratamento (RHZ = 3 e RHZE/DFC = 1), sendo a taxa de recidiva nesse período de 2,5%, semelhante ao já descrito.13,25 Segundo o grupo de tratamento, houve uma tendência à maior ocorrência de recidivas no grupo submetido ao tratamento com RHZ. Alguns autores demonstraram que a mudança no tratamento para DFC com RHZE trouxe uma tendência a maior recidiva.11,25-27 Outros estudos, por sua vez, não demonstraram diferenças na taxa de recidiva entre os grupos (DFC vs. apresentação em separado).8,15 Uma revisão publicada recentemente demonstrou pequena ou nenhuma diferença entre os grupos nas taxas de óbito e na frequência de efeitos adversos.27 A DFC não influenciou diminuindo a taxa de abandono nem o uso irregular da medicação.5,9,13,15,23) A taxa de abandono no nosso estudo não variou de forma estatisticamente significativa nos dois grupos, possivelmente devido ao cuidado integrado e multidisciplinar do PCTH.10
O nosso estudo apresenta algumas limitações, como o tamanho da amostra, que podem não ter permitido detectarmos associações significativas. Foi utilizada uma amostra de conveniência, por ser um estudo limitado à rotina operacional de uma unidade. O fato de ser retrospectivo é outra limitação, uma vez que a coleta dos dados analisados por meio da adoção de um instrumento de coleta de dados e revisão de prontuários pode não ter permitido a captação de alguma informação. Além disso, o acesso dos pacientes com tuberculose ao HUCFF/IDT fez com que a maioria dos pacientes atendidos fossem portadores de comorbidades, limitando a validade externa dos achados. Não foi feito o cálculo de tamanho da amostra para comparar a taxa de recidiva com RHZE/DFC e RHZ, nem para comparar pacientes com e sem recidiva. Contudo, o fato de ser um estudo realizado em uma unidade de atendimento à tuberculose com cuidado integrado e multidisciplinar,10 associado à confirmação bacteriológica com perfil de sensibilidade aos fármacos dos esquemas utilizados realizado de forma rotineira, com seguimento pós-cura, funcionando com rotinas padronizadas e com coleta de dados sistematizada, pode contribuir para a análise do efeito do esquema RHZE/DFC em condições operacionais otimizadas para o cuidado do portador de tuberculose ativa.
Concluímos que a mudança do tratamento para DFC de quatro drogas não demonstrou diferenças estatisticamente significativas nas taxas de recidiva em comparação com o esquema anterior. Foi identificada uma tendência para fator de risco de recidiva ter IMC < 18,5 kg/cm2 e presença de colagenose, que talvez não tenha atingido o nível de significância estatística devido ao tamanho amostral. Não houve diferenças estatisticamente significativas nas taxas de abandono, óbito, cura e na ocorrência de efeitos adversos maiores e menores entre os grupos. Porém, o grupo tratado com o esquema RHZ apresentou uma tendência à maior incidência de efeitos cutâneos (acne/prurido) e artralgia do que o grupo submetido ao esquema RHZE/DFC. Novos estudos com maiores casuísticas e com dados de rotinas operacionais distintas das do PCTH/HUCFF/IDT poderão contribuir para uma melhor elucidação do impacto do uso do esquema RHZE/DFC no Brasil.