versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.3 Rio de Janeiro mar. 2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018243.07612017
Os seres vivos são regidos por um determinismo biológico: todos nascem, crescem, amadurecem, envelhecem, declinam e morrem. O tempo e a forma que se processam essas fases dependem de cada indivíduo, da programação genética de sua espécie e de fatores ambientais e comportamentais. A velhice representa a vitória de alguns indivíduos na luta contra diversas possibilidades de morte ocorridas em etapas anteriores. Esse número de vencedores tem aumentado a cada ano, transformando um privilégio em um fato comum1.
Ao atingir 60 anos no Brasil em 1940, um indivíduo esperaria viver em média 13,2 anos, 11,6 anos para os homens e 14,5 anos para as mulheres. Já em 2014, esses dois últimos valores foram acrescidos de 8,4 e 9,1 anos. Em 1940, supondo estabilidade no padrão de mortalidade vigente, de cada 1.000 pessoas que atingiam os 60 anos de idade, em média 212 alcançariam os 80 anos. Passados setenta e quatro anos, supondo estabilidade no padrão de mortalidade corrente, destas mesmas 1.000 pessoas que completaram seus sexagésimos aniversários, cerca de 579 completariam os 80 anos, sendo poupadas 367 vidas2.
Aumentos da expectativa de vida aos 60 anos podem ser acompanhados por acréscimos ou decréscimos tanto nos anos vividos com algum tipo de incapacidade relacionada, quanto nos anos vividos livre de incapacidade. Então, é pertinente considerar uma análise conjunta de aumentos na expectativa de vida aos 60 anos, aqui considerada como expectativa de vida total a partir dos 60 anos, com mudanças nas duas componentes deste aumento: expectativa de vida saudável e não saudável aos 60 anos3.
A expectativa de vida saudável, que combina informações sobre a mortalidade e morbidade em um único índice, ganhou importância como um indicador de saúde da população4. Ela apresenta uma noção similar à expectativa de vida total, mas refere-se ao número médio de anos de vida que uma pessoa de determinada idade pode esperar viver com saúde, dado que prevaleçam as taxas de morbidade e mortalidade. Sendo assim, a expectativa de vida total é composta pela quantidade de anos vividos a partir de uma determinada idade em diferentes estados de saúde até a morte, sendo que os anos vividos com saúde fornecem a expectativa de vida saudável5.
Assim como existem várias possibilidades para se definir saúde, há diferentes maneiras de se mensurar a expectativa de vida saudável6. Na prática, a expectativa de vida saudável é comumente estimada por meio da mensuração da expectativa de vida livre de incapacidade funcional7, ou seja, livre de dificuldade em executar determinadas atividades.
O estudo da capacidade funcional torna-se relevante para avaliar em que medida o envelhecimento da população ocorre de forma saudável, sem impacto nas atividades cotidianas dos idosos. Este indicador está correlacionado com a sensação de bem-estar dos indivíduos, é um preditor de saúde e de consumo de serviços sociais e de saúde e tem impacto (positivo ou negativo) sobre a família8. A capacidade funcional surge como um novo conceito de saúde, particularmente importante dentro do novo paradigma de saúde trazido pelo envelhecimento da população. Nesta nova ótica, o que importa não são doenças propriamente ditas, mas sim a capacidade de o individuo se manter na comunidade, desfrutando a sua independência e mantendo as suas relações e atividades sociais9.
Um estudo recente analisou se o aumento da expectativa vida saudável, no Brasil, coincidia com o aumento da expectativa vida total3. Para tal, estimou-se, para 1998 e 2008, as seguintes variantes da expectativa de vida saudável: a) Expectativa de Vida Livre de Incapacidade Funcional (EVLI), b) Expectativa de Vida com Percepção de Saúde Boa (EVSB) e c) Expectativa de Vida Livre de Doenças Crônicas (EVLDC). Os principais resultados indicaram que, no período, além do aumento da expectativa de vida, ocorreram aumentos significativos e similares da expectativa de vida saudável nas dimensões de percepção do estado de saúde e incapacidade funcional, em praticamente todas as idades analisadas. Já na dimensão de presença de doenças crônicas os aumentos não foram significativos3.
Apesar da escassez de séries históricas e de base populacional sobre informações de saúde no Brasil, tem-se produzido, nas últimas décadas, alguns estudos cujo objetivo foi estimar a expectativa de vida saudável3,10-19. Os suplementos de saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) vieram suprir em parte a demanda por dados de prevalências de doenças crônicas, percepção do estado de saúde e incapacidade funcional.
Analisar as mudanças na expectativa de vida saudável, mais especificamente a expectativa de vida livre de incapacidade funcional, pode auxiliar no planejamento de políticas públicas, apontando algumas das necessidades reais da população e permitindo a alocação adequada de recursos humanos e financeiros. Afinal, esse indicador de saúde fornece informações não apenas sobre a prevalência de incapacidade funcional, mas também sobre a duração potencial, mensurada pelos anos vividos com incapacidade funcional, e o tempo necessário de tratamento e cuidados por parte da população11,20.
O objetivo deste artigo é estimar, para 1998 e 2013, a Expectativa de Vida Livre de Incapacidade Funcional (EVLI) e com Incapacidade Funcional (EVCI) aos 60 anos de idade para a população do Brasil e Grandes Regiões.
O presente estudo utiliza dados da PNAD de 199821 e PNS de 201322 e Tábuas de Vida Completas, por sexo para o Brasil e Grandes Regiões, publicadas pelo IBGE para os mesmos anos23,24. A utilização dos dados de 1998 e 2013 é interessante, pois permite a análise em dois pontos do tempo, com intervalo de 15 anos.
A PNAD de 1998 oferece a oportunidade de avaliar a capacidade funcional por meio de sete perguntas, sendo uma para atividades de vida diária (AVD) e seis para mobilidade. As AVD incluem tarefas simples, relacionadas ao cuidado pessoal, sendo consideradas como importantes indicadores de status de saúde dos idosos e frequentemente utilizadas para avaliar a incapacidade funcional do indivíduo20,25. Uma vez que avaliam o grau mais severo de limitação dentro do espectro funcional26, optou-se por utilizar as AVD para medir a prevalência de incapacidade funcional na população. A incapacidade funcional foi analisada a partir da pergunta: “Normalmente, por problema de saúde tem dificuldade para alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro.” Classificou-se com incapacidade funcional aquelas pessoas que relataram que não conseguem, possuem pequena ou grande dificuldade. Indivíduos que relataram não ter dificuldade ou os casos sem declaração foram classificados como livres de incapacidade funcional.
A PNS, diferentemente da PNAD de 1998, dispõe de um maior número de perguntas para avaliar a capacidade funcional. Contudo, considerando-se o interesse em comparar os dois períodos, adotou-se as mesmas AVD selecionadas na PNAD. Destaca-se que na PNS, a informação sobre a dificuldade para alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro apresenta-se desmembrada em três perguntas (“Em geral, que grau de dificuldade ... tem para ...”), uma para cada atividade. Nesse caso, classificou-se com incapacidade funcional o indivíduo com relato que não consegue ou apresenta dificuldade em pelo menos uma dessas três AVD avaliadas. As estimativas da prevalência de incapacidade funcional foram obtidas considerando-se o plano amostral complexo da PNAD e PNS.
O Método de Sullivan27 foi utilizado para estimar a Expectativa de Vida Livre de Incapacidade Funcional (EVLI) e Expectativa de Vida com Incapacidade Funcional (EVCI) em 1998 e 2013.
A EVLI e a EVCI foram estimadas combinando a tábua de vida, com experiência de mortalidade corrente da população em 1998 e 2013, e prevalências de incapacidade funcional na população no mesmo período. Assim, o número de anos a serem vividos em um dado estado de saúde é estimado aplicando as prevalências de incapacidade funcional. A principal vantagem do Método de Sullivan é que são necessários apenas dados transversais4,5. Estimou-se a EVLI separadamente para cada sexo e ano.
A fórmula para estimar a EVLI é:
Onde:
EVLIx: Expectativa de Vida Livre de Incapacidade Funcional, que corresponde ao número médio de anos a serem vividos livre de incapacidade funcional a partir da idade x;
n π x: prevalência de livre de incapacidade funcional no grupo etário x a x+n;
n Lx : pessoas-anos vividos de x a x+n, que corresponde ao total de anos vividos pela coorte no intervalo;
lx: probabilidade de sobreviver até a idade x.
Obtém-se a EVCI subtraindo a EVLI da expectativa de vida total. Além disso, estimou-se a proporção de anos a serem vividos em dado estado de saúde, pela razão entre o número de anos a serem vividos em cada uma dessas condições e o total de anos a serem vividos.
As tábuas de vida foram construídas separadamente para cada ano e sexo. O número de anos vividos dentro de cada idade na tábua de vida foi distribuído segundo as estimativas pontuais e intervalares da prevalência de incapacidade funcional em cada grupo etário específico. A opção por estimar as prevalências por grupos quinquenais teve como objetivo minimizar possíveis erros de estimativas por idade simples. Intervalos de 95% de confiança (IC95%) foram estimados considerando-se as estimativas intervalares da prevalência de incapacidade funcional. Diferenças observadas na EVLI entre dois períodos foram comparadas de acordo com o IC95%. Intervalos que não apresentaram sobreposição foram considerados significativos.
Conforme descrito anteriormente, o Método de Sullivan combina informações de prevalências da condição do estado de saúde com mortalidade para estimação da expectativa de vida saudável. Embora os dados de mortalidade sejam obtidos com base em registros e censos populacionais, as prevalências da condição de saúde são provenientes de dados amostrais. Assim, ao se analisar a evolução nas prevalências de estado de saúde, seja qual for a dimensão ou indicador utilizado, é importante avaliar, com algum rigor estatístico, se as mudanças observadas são significativas, tendo em vista o tipo de amostragem utilizado para seleção dos domicílios e coleta das informações3.
A Figura 1 apresenta as prevalências de incapacidade e respectivos intervalos de 95% de confiança por sexo e regiões, para a população aos 60 anos de idade, em 1998 e 2013. Nos períodos analisados, as mulheres apresentaram maiores prevalências de incapacidade funcional. Observou-se no período uma redução estatisticamente significante da prevalência de incapacidade funcional no Brasil em ambos os sexos. Em 1998, 8,4% (IC95%:7,4 – 9,5) dos homens apresentaram incapacidade funcional, reduzindo-se para 3,5% (IC95%: 2,3 – 4,7) em 2013. Entre as mulheres, a prevalência diminui de 10,3% (IC95%: 9,3 – 11,3) para 4,9% (IC95%: 3,0 – 6,8). Em termos regionais, somente entre os homens na região Norte e entre mulheres na região Sul não se verificou decréscimo estatisticamente significante da prevalência de incapacidade funcional.
Fonte dos dados básicos: IBGE - PNAD, 1998 e PNS, 2013.
Figura 1 Prevalências de incapacidade funcional e respectivos intervalos de 95% de confiança para população aos 60 anos de idade por sexo, Brasil e Grandes Regiões, 1998 e 2013.
As Tabelas 1 e 2 apresentam as estimativas da Expectativa de Vida Total (EV), Livre de Incapacidade Funcional (EVLI) e com Incapacidade Funcional (EVCI) por grupos de idade e Grandes Regiões em 1998 e 2013, em termos absolutos e relativos, para mulheres e homens, respectivamente. Nesse período de 15 anos, a expectativa de vida aos 60 anos no Brasil apresentou um crescimento de 1,4 ano para os homens e 2,0 anos para as mulheres. Em 1998, ao completar 60 anos, as mulheres poderiam esperar viver 2,9 anos a mais que os homens. Já em 2013, observou-se uma diferença de 3,5 anos na sobrevida média das mulheres em relação aos homens. Em 2013, ao completar 60 anos no Brasil, uma mulher teria uma sobrevida ativa de 20,3 anos e poderia esperar viver 3,1 anos com incapacidade funcional. Nesse mesmo ano, os valores para a população masculina seriam 18,0 e 1,9 ano, respectivamente (Tabelas 1 e 2).
Tabela 1 Estimativas da Expectativa de Vida Total (EVx), Livre de Incapacidade Funcional (EVLIx), com Incapacidade Funcional (EVCIx) e proporção de anos a serem vividos livres de incapacidade (EVLIx(%)) aos 60, 70 e 80 anos, Homens, Brasil e Grandes Regiões, 1998 e 2013.
Idade | Região | 1998 | 2013 | ||||||
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| |||||||||
EVx | EVLIx | EVCIx | EVLIx(%) | EVx | EVLIx | EVCIx | EVLIx(%) | ||
60 | Brasil | 18,5 | 15,6 | 2,9 | 84,4 | 19,9 | 18,0 | 1,9 | 90,5 |
Norte | 18,5 | 14,9 | 3,6 | 80,6 | 18,7 | 16,3 | 2,4 | 86,9 | |
Nordeste | 18,2 | 15,1 | 3,1 | 83,0 | 18,9 | 17,3 | 1,6 | 91,5 | |
Centro-Oeste | 19,6 | 16,0 | 3,6 | 81,8 | 19,8 | 17,5 | 2,3 | 88,5 | |
Sudeste | 18,7 | 16,0 | 2,6 | 85,9 | 20,4 | 18,6 | 1,8 | 91,1 | |
Sul | 18,4 | 15,5 | 2,8 | 84,6 | 20,4 | 18,3 | 2,0 | 90,0 | |
70 | Brasil | 12,6 | 9,9 | 2,7 | 78,7 | 13,3 | 11,4 | 1,8 | 86,1 |
Norte | 12,6 | 9,2 | 3,4 | 73,1 | 12,3 | 10,1 | 2,2 | 82,2 | |
Nordeste | 12,3 | 9,4 | 2,8 | 77,0 | 12,5 | 11,0 | 1,6 | 87,5 | |
Centro-Oeste | 13,8 | 10,4 | 3,4 | 75,1 | 13,2 | 10,9 | 2,3 | 82,8 | |
Sudeste | 12,9 | 10,4 | 2,4 | 81,1 | 13,8 | 11,9 | 1,8 | 86,6 | |
Sul | 12,5 | 9,7 | 2,7 | 78,1 | 13,6 | 11,7 | 1,9 | 86,3 | |
80 | Brasil | 8,4 | 5,7 | 2,7 | 68,2 | 8,3 | 6,5 | 1,8 | 78,8 |
Norte | 8,4 | 4,9 | 3,5 | 58,9 | 7,7 | 6,0 | 1,7 | 78,1 | |
Nordeste | 7,8 | 5,1 | 2,8 | 64,9 | 7,6 | 5,8 | 1,9 | 75,8 | |
Centro-Oeste | 9,7 | 6,5 | 3,2 | 67,2 | 8,3 | 5,9 | 2,4 | 71,3 | |
Sudeste | 8,7 | 6,4 | 2,3 | 73,7 | 8,7 | 7,0 | 1,7 | 80,7 | |
Sul | 8,4 | 5,3 | 3,1 | 62,7 | 8,5 | 7,1 | 1,5 | 82,8 |
Fonte dos dados básicos: IBGE - PNAD, 1998 e PNS, 2013; IBGE - Tábua de Mortalidade para Homens, 1998 e 2013.
Tabela 2 Estimativas da Expectativa de Vida Total (EVx), Livre de Incapacidade Funcional (EVLIx), com Incapacidade Funcional (EVCIx) e proporção de anos a serem vividos livres de incapacidade (EVLIx(%)) aos 60, 70 e 80 anos, Mulheres, Brasil e Grandes Regiões, 1998 e 2013.
Idade | Região | 1998 | 2013 | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
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EVx | EVLIx | EVCIx | EVLIx(%) | EVx | EVLIx | EVCIx | EVLIx(%) | ||
60 | Brasil | 21,4 | 17,1 | 4,3 | 79,9 | 23,4 | 20,3 | 3,1 | 86,6 |
Norte | 21,4 | 16,4 | 5,0 | 76,7 | 21,6 | 17,6 | 4,0 | 81,3 | |
Nordeste | 19,8 | 15,4 | 4,4 | 78,0 | 22,4 | 19,0 | 3,4 | 84,8 | |
Centro-Oeste | 21,9 | 16,5 | 5,4 | 75,5 | 22,8 | 18,8 | 4,0 | 82,3 | |
Sudeste | 22,2 | 18,1 | 4,1 | 81,7 | 24,1 | 21,4 | 2,7 | 88,9 | |
Sul | 22,0 | 17,6 | 4,4 | 79,8 | 24,2 | 20,7 | 3,5 | 85,5 | |
70 | Brasil | 14,4 | 10,5 | 3,9 | 72,9 | 15,9 | 12,9 | 3,0 | 81,3 |
Norte | 14,4 | 9,9 | 4,5 | 68,8 | 14,5 | 10,3 | 4,2 | 70,9 | |
Nordeste | 13,1 | 9,2 | 3,9 | 69,9 | 15,0 | 11,8 | 3,3 | 78,3 | |
Centro-Oeste | 15,2 | 10,6 | 4,6 | 69,6 | 15,3 | 11,3 | 4,0 | 73,7 | |
Sudeste | 15,2 | 11,5 | 3,7 | 75,9 | 16,4 | 13,9 | 2,5 | 84,5 | |
Sul | 14,9 | 10,7 | 4,3 | 71,5 | 16,4 | 13,3 | 3,1 | 81,3 | |
80 | Brasil | 9,2 | 5,8 | 3,4 | 63,3 | 9,8 | 7,1 | 2,7 | 72,3 |
Norte | 9,2 | 5,7 | 3,5 | 61,5 | 8,9 | 5,1 | 3,8 | 57,3 | |
Nordeste | 8,0 | 4,7 | 3,3 | 58,9 | 9,1 | 6,1 | 3,0 | 66,7 | |
Centro-Oeste | 10,3 | 6,4 | 3,9 | 62,4 | 9,3 | 5,2 | 4,2 | 55,3 | |
Sudeste | 9,9 | 6,7 | 3,2 | 67,3 | 10,3 | 8,1 | 2,2 | 78,7 | |
Sul | 9,6 | 5,8 | 3,9 | 59,8 | 10,2 | 7,2 | 3,0 | 70,2 |
Fonte dos dados básicos: IBGE - PNAD, 1998 e PNS, 2013; IBGE - Tábua de Mortalidade para Mulheres, 1998 e 2013.
Cabe destacar que, no período analisado de 15 anos, a diferença entre os sexos aos 60 anos de idade ampliou-se em aproximadamente um ano em relação à expectativa de vida total e livre de incapacidade funcional. Assim, ao se decompor a expectativa de vida total em duas componentes, saudável e não saudável, considerando o indicador incapacidade funcional, as mulheres apresentam um tempo médio maior de sobrevida ativa ou livre de incapacidade funcional.
Utilizando as estimativas pontuais e intervalares das prevalências de incapacidade e as tábuas de mortalidade do IBGE, calculou-se as expectativas de vida livres de incapacidade funcional incorporando-se, nos cálculos, as incertezas trazidas pelas estimativas das prevalências de incapacidade mostradas na Figura 1. Assim, na Figura 2 são apresentadas as estimativas pontuais da Expectativa de Vida Livre de Incapacidade Funcional (EVLI) aos 60 anos, e seus respectivos intervalos de confiança, por sexo e região.
Fonte dos dados básicos: IBGE - PNAD, 1998 e 2013; IBGE - Tábua de Mortalidade para Brasil, Homens, 1998 e 2013.
Figura 2 Estimativas da Expectativa de Vida Livre de Incapacidade Funcional (EVLI) e respectivos intervalos de 95% de confiança para a população aos 60 anos de idade, por sexo, Brasil e Grandes Regiões, 1998 e 2013.
Comparando-se os IC95%, observa-se que os aumentos do tempo médio vivido livre de incapacidade funcional, aos 60 anos, foram estatisticamente significativos somente para o Brasil e as regiões Nordeste (NE), Sul (S) e Sudeste (SE), tanto para homens quanto para mulheres. Verifica-se que os aumentos da EVLI, por sexo, aos 60 anos, não foram estatisticamente significativos para o Norte (N) e Centro-Oeste (CO) onde, a rigor, as estimativas intervalares se sobrepõem (Figura 2). Observa-se, ainda, reduções no diferencial por sexo, na medida em que em boa parte das regiões os ganhos das mulheres foram maiores.
Numa comparação entre regiões observa-se uma mudança no ranking entre as regiões para os dois sexos. Em 1998, por exemplo, temos o seguinte ranking por sexo em termos das estimativas pontuais da EVLI aos 60 anos: N < NE < S < BR < CO = SE para os homens e NE < N < CO < BR < S < SE para as mulheres. Já em 2013 os rankings seriam: N < NE < CO < BR < SE para os homens e N < CO < NE < BR < S < SE para as mulheres. Por outro lado, as estimativas intervalares da EVLI (com IC95%) nos revelam que esse ordenamento entre regiões pode não ser significativo, para os homens, nos dois anos analisados, tendo pro base maiores sobreposições, entre regiões, nas estimativas intervalares.
A Figura 3 mostra as diferenças por sexo (Mulheres – Homens) nas Expectativas de Vida Total (EV) e Livre de Incapacidade Funcional em termos absolutos (EVLI) e relativos (EVLI %) aos 60 anos para o Brasil e por Grandes Regiões, em 1998 e 2013. Tanto para o Brasil quanto para suas regiões, são marcantes as diferenças positivas (Mulheres – Homens) em termos absolutos de Expectativa de Vida Total e Livre de Incapacidade e as diferenças negativas em termos proporcionais da EVLI em relação à EV aos 60 anos.
Fonte dos dados básicos: IBGE - PNAD, 1998 e PNS, 2013; IBGE - Tábua de Mortalidade para Brasil, Homens e Mulheres, 1998 e 2013.
Figura 3 Diferenças por sexo (Mulheres – Homens) nas Expectativas de Vida Total (EV) e Livre de Incapacidade Funcional em termos absolutos (EVLI) e relativos (EVLI %) aos 60 anos para o Brasil e Grandes Regiões, 1998 e 2013.
Diferenças absolutas por sexo ocorrem nas diversas macrorregiões do Brasil, nos dois anos analisados, e são sempre positivas para as mulheres. Já a magnitude dessa diferença, nos dois indicadores e nos dois anos analisados, é maior nas regiões Sul e Sudeste. Em todas as regiões, exceto a Norte, as diferenças por sexo tanto na Expectativa de Vida Total como na Expectativa de Vida Livre de Incapacidade Funcional são menores em 1998 do que em 2013. Ou seja, o diferencial por sexo nos dois indicadores aumentou entre 1998 e 2013, sendo que esse ganho das mulheres em relação aos homens, tanto na EV quanto na EVLI, foi mais expressivo na região Nordeste (Figura 3).
Entretanto, é preciso cautela ao se analisar diferenciais absolutos por sexo nas componentes da EV. Embora as mulheres vivam, em média, mais que os homens, e também vivam por mais tempo livres de incapacidade funcional, elas também apresentam um tempo médio maior de sobrevida com incapacidade. Portanto, é recomendável que análises por sexo, em termos de expectativa de vida livre de incapacidade, sejam conduzidas em termos relativos em relação à expectativa de vida total e não apenas em termos absolutos, motivo de inclusão dessa análise na Figura 3.
Considerando uma análise da EVLI em termos proporcionais à Expectativa de Vida Total verifica-se que o cenário é sempre favorável aos homens, tanto em 1998 quanto em 2013 (Figura 3). Esse favoritismo dos homens em relação às mulheres, baseando-se na EVLI (%) para o Brasil, se perpetua para as idades mais avançadas (Tabelas 1 e 2). Ao desagregarmos as estimativas por macrorregiões, o cenário em termos da EVLI (%) por sexo e idade não difere consideravelmente daquele observado para o Brasil, exceto para na região Norte aos 80 anos em 1998, onde a proporção da Expectativa de Vida Livre de Incapacidade em relação à Expectativa de Vida Total é maior para as mulheres. Entretanto, são marcantes os diferenciais por sexo e idade na magnitude da EVLI (%) entre as regiões. Assim como também são marcantes os diferenciais entre homens e mulheres por região, tanto na EV quanto nas suas componentes EVLI e EVCI (Tabelas 1 e 2). Em 2013, por exemplo, em ambos os sexos, as regiões Sul e Sudeste apresentam as maiores expectativas de vida total e livre de incapacidade funcional, enquanto a Norte apresenta os menores valores.
Analogamente ao que tem ocorrido em muitos países desenvolvidos, as mudanças demográficas vivenciadas no Brasil tem convergido para um rápido e acentuado processo de envelhecimento e aumento da longevidade populacional. Considerando-se o vínculo entre envelhecimento, mortalidade e incapacidade funcional, tais mudanças podem significar um risco persistente frente ao aumento de incapacitados. No entanto, a magnitude em que as taxas de incapacidade na população são influenciadas por essas tendências demográficas depende, em certa medida, de como as prevalências de incapacidade funcional alterar-se-ão com aumentos na longevidade. Um cenário de status quo em que as probabilidades de morte e incapacidade, em idades mais avançadas, permanecem inalteradas, certamente conduziria a mais pessoas com incapacidade funcional somente em função do efeito de envelhecimento da estrutura etária da população. Um cenário mais optimista seria aquele que está estabelecido por uma eventual compressão de morbidade28-31. Segundo essa hipótese, com adiamento da idade de início de morbidades (ou incapacidades), o período de vigor adulto é ampliado e o tempo de vida vivido com morbidades concentra-se em um curto período que antecede a morte, traduzindo-se em uma maior proporção de vida vivida sem incapacidade. Num cenário hipotético, considerando que a dicotomia “Ativo” ou “Incapacitado” seria suficiente para analisar o processo de mudança entre estados de saúde e morte, a hipótese de compressão da morbidade refere-se a aumentos na componente EVLI da expectativa de vida total concomitantemente a reduções em sua contraparte, a EVCI.
Considerando-se essa discussão e a necessidade de entender se os ganhos na expectativa de vida estariam associados à melhora nas condições de saúde da população, foram construídas estimativas que permitiram comparar a quantidade de anos vividos com incapacidade funcional de uma mesma população em dois períodos distintos e entre diferentes populações. Assim, o presente estudo estimou a expectativa de vida livre de incapacidade funcional aos 60 anos, para homens e mulheres, em 1998 e 2013, para Brasil e Grandes Regiões.
Os resultados mostraram que, entre 1998 e 2013, concomitantemente aos ganhos na expectativa de vida, ocorreu um crescimento na expectativa de vida livre de incapacidade funcional. Contudo, os ganhos na expectativa de vida saudável não foram estatisticamente significativos para as regiões Norte e Centro-Oeste. Ou seja, com exceção dessas regiões, além de viver mais, a população idosa de 60 anos poderia esperar viver um número maior de anos com saúde. Esses resultados são semelhantes aos encontrados para o Brasil, ao comparar 1998 e 20083. No conjunto do país, para homens e mulheres, os ganhos no tempo vivido com saúde ou livre de incapacidade funcional, foram maiores que os obtidos para a expectativa de vida aos 60 anos.
Mesmo que o tempo a ser vivido com incapacidade funcional seja menor que o vivido livre dessas condições é preciso pensar na demanda de cuidado requerida por esta população. Afinal, em média, um brasileiro de 60 anos vai demandar cerca de dois anos no caso dos homens e três anos no caso das mulheres de acompanhamento para alimentar-se, tomar banho e/ou ir ao banheiro, o que refletirá diretamente nos gastos para atender a necessidade de cuidado e reabilitação, bem como no dia-a-dia da sua família ou na necessidade de inserção em uma instituição de longa permanência. Este tipo de discussão reforça a ideia que, tanto para o idoso como para a sua família, a sociedade e o Estado, os investimentos em prevenção, que sejam capazes de reduzir o tempo vivido com incapacidade, são ainda a melhor solução para reduzir custos e ampliar a qualidade de vida nos anos remanescentes. Considerando o Brasil, em seu conjunto, os anos vividos com incapacidade tiveram uma redução de 34,5% para os homens (1,0 ano) e de 18% para as mulheres (1,2 ano).
Ainda sobre os resultados, observou-se que, tanto em 1998 como em 2013, as mulheres idosas apresentaram maiores expectativas de vida. Entretanto, se comparadas aos homens, elas possuem uma menor proporção de anos a serem vividos livres de incapacidade funcional. Desse modo, se por um lado, em relação aos homens idosos, as mulheres vivem mais, por outro, elas tendem a passar um número maior de anos com incapacidade funcional, em termos relativos e absolutos. Mesmo que a forma de mensurar incapacidade funcional possa variar entre os estudos, dificultando comparações, os resultados do presente estudo corroboram trabalhos prévios que destacaram a desvantagem feminina3,10-20,32,33.
A respeito da discussão sobre diferenças entre os sexos em relação à expectativa de vida saudável, podemos apontar algumas possíveis explicações. Primeiro, o que os estudos têm sugerido é que taxas de mortalidade mais elevadas dos homens em idades mais jovens poderiam permitir que, na velhice, a composição do grupo etário masculino fosse mais favorável que o feminino, devido a um mecanismo de seleção34. Isto resultaria num grupo heterogêneo no qual haveria um número maior de idosas mais fragilizadas e susceptíveis do que idosos, o que seria refletido diretamente nos anos a serem vividos com saúde debilitada11,13-16.
Segundo, acredita-se que um dos principais fatores explicativos seria a maior sobrevivência feminina, permitindo que elas atinjam idades mais avançadas, nas quais o surgimento de doenças crônicas e suas consequências são mais evidentes. Além disso, sugere-se que as condições de saúde das mulheres podem ser reflexo de condições econômicas, sociais e culturais desiguais, nos diversos momentos de suas vidas35-39. Historicamente, as mulheres ainda são as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e cuidados com crianças. Diante do aumento da participação feminina no mercado de trabalho, configura a necessidade de se conciliar atividades produtivas e atividades reprodutivas (relativas à família). Além disso, persistem as diferenças de rendimentos entre homens e mulheres, oriundas, entre outros fatores, das distinções entre os gêneros na distribuição entre as diferentes ocupações, dotadas de status desiguais40.
Sobre os diferenciais nos indicadores analisados entre as macrorregiões do Brasil e sua evolução entre 1998 e 2013, podemos destacar o cenário mais favorável para as regiões Sul e Sudeste. Ademais, em todas as regiões, exceto Norte, os diferenciais por sexo na EV e EVLI aumentaram entre 1998 e 2003. Sob a luz da hipótese de seleção da mortalidade por sexo, uma possível explicação seria o aumento na sobremortalidade masculina por causas externas41-43.
Algumas limitações deste trabalho devem ser ressaltadas. Em primeiro lugar, por não empregar dados longitudinais, não foram incorporadas às estimativas possíveis mudanças em relação a melhorias nas condições de saúde e nas taxas de mortalidade da população nos diferentes anos analisados. Este, porém, não é um problema inerente ao método, e sim à construção das tábuas de vida de período. Deve-se ressaltar que, o método de Sullivan permite comparar a saúde entre diferentes populações e de uma mesma população em períodos distintos e estudos prévios têm demonstrado que, caso não existam alterações repentinas, tanto nas prevalências como nas taxas de mortalidade, o método de Sullivan é bastante confiável para este tipo de análise44. Ademais, parece razoável pressupor que à medida que a idade avança, o retorno à condição de livre de incapacidade é cada vez menos provável, ou seja, a utilização de modelos multiestado traria ganhos relativamente insignificantes. Sendo assim, acredita-se que as estimativas realizadas aqui refletem a realidade da população idosa brasileira de 1998 e 2003.
Uma segunda limitação é a utilização de dados de pesquisas que não foram desenhadas especificamente para acompanhar a saúde população idosa. Esta limitação dificulta a análise em níveis geográficos mais desagregados, como Unidades da Federação (UF). Apesar da PNS ter sido delineada para analisar as condições de saúde da população, estudo preliminar (dados não apresentados) evidenciou resultados inconsistentes da EVLI por UF. Outra limitação refere-se a utilização de pesquisas diferentes, PNS e PNAD, com formas de perguntar distintas. Entretanto, é importante ressaltar que se trata de uma tentativa de analisar o número de anos a serem vividos com incapacidade funcional em dois pontos do tempo para idosos do Brasil e Grandes Regiões.
Ao fornecer a expectativa de vida livre de incapacidade funcional, o presente estudo fornece subsídios para se estimar a demanda por cuidado e intervenções de saúde na população idosa, bem como auxiliar em uma distribuição de recursos em saúde mais equitativa.