versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.31 no.4 São Paulo 2019 Epub 02-Set-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018176
A radioterapia (RT) é uma modalidade terapêutica utilizada com frequência no tratamento de tumores de cabeça e pescoço de forma exclusiva, neoadjuvante ou adjuvante à cirurgia, podendo ainda ser associada à quimioterapia(1). A evolução da técnica de radioterapia a partir da associação aos exames de imagem e do aprimoramento dos sistemas de planejamento e cálculo de distribuição de doses resultou na redução dos para-efeitos ocasionados pelo tratamento(1,2).
Contudo, a irradiação de tecido sadio adjacente ao tumor implica danos teciduais que podem causar inúmeras disfunções agudas e crônicas, dentre elas a redução do fluxo salivar. Comumente as alterações do funcionamento das glândulas salivares se manifestam em diferentes graus de disfunção que podem gerar sequelas persistentes e ocorrem de forma relacionada ao regime e à dose de radiação empregada(3-7).
A hipossalivação é uma disfunção que pode acontecer quando as glândulas salivares estão no campo irradiado e ocorre quando a saliva perde sua propriedade lubrificante, tornando-se aderente aos dentes e à mucosa(7). A sensação de boca seca, denominada xerostomia, muitas vezes presente, normalmente é observada em doses acumuladas de irradiação superiores a 1000 cGy(8,9). Os ácinos salivares são altamente radiossensíveis, de maneira que a radioterapia pode culminar em apoptose, necrose, sinalização prejudicada entre célula e receptor, inflamação, edema e alterações vasculares(7-10).
O relato de xerostomia quando as glândulas salivares estão localizadas no campo de irradiação varia de 94% a 100%, com queda acentuada quando utilizada a RT tridimensional de intensidade modulada(7,11). Esta disfunção reduz a qualidade de vida, pois influencia negativamente a função de deglutição, principalmente por prejudicar a preparação do bolo alimentar, do mesmo modo interfere na fala e mastigação, pois tais atividades demandam de saliva para lubrificação, execução e proteção, podendo ocasionar alterações orais graves a longo prazo(12-15). Uma pesquisa identificou redução de cerca de 50% da quantidade de saliva em 10Gy, sendo que já havia queixa de xerostomia e diminuição do paladar além do aumento da viscosidade da saliva que a tornava mais difícil de deglutir(16).
As alternativas terapêuticas para aumentar o fluxo salivar incluem medicamentos, estimulação mecânica, estimulação gustatória e estimulação elétrica(17,18). O mecanismo pelo qual a corrente elétrica age na função das glândulas ainda não é claro, porém acredita-se que o nervo aurículo temporal esteja envolvido no processo por meio de um mecanismo reflexo entre as vias aferentes, que conduzem os impulsos elétricos para os núcleos salivares (centro da salivação) na medula, e eferentes do sistema de controle da salivação(19,20). A aplicabilidade desta abordagem terapêutica vem sendo estudada desde 1986, na qual a estimulação elétrica gerou resultados positivos no fluxo salivar(21), mesmo com dispositivos com tecnologia inferior aos disponíveis atualmente.
É provável que a falta de conhecimento acerca do mecanismo de ação da eletroestimulação sobre a função das glândulas salivares e a complexa gama de variedade em relação às possíveis formas de gerar um pulso elétrico sejam os dois principais fatores que justificam a falta de consenso sobre o uso da eletroterapia como forma de tratamento da hipossalivação.
O objetivo desta revisão foi analisar os efeitos da eletroestimulação sobre o fluxo salivar de pacientes com hipossalivação induzida por radioterapia em região de cabeça e pescoço.
Trata-se de uma revisão da literatura, desenvolvida de acordo com as diretrizes do protocolo Prisma(22), desenhada para avaliar as evidências sobre o uso da eletroestimulação como tratamento da hipossalivação induzida pela RT na região de cabeça e pescoço.
A busca foi realizada nas bases de dados Medline (via Pubmed), Cochrane Library (registro central de ensaios clínicos randomizados), Scielo e Lilacs até a data de 20 de janeiro de 2018. Foram utilizados os Mesh Terms descritos no Quadro 1.
Quadro 1 Estratégia de busca
1 - Paciente | Radiotherapies OR Radiation Therapy OR Radiation Therapies OR, Therapies OR Radiation OR Therapy OR Radiation OR Radiotherapy OR Targeted OR Radiotherapies OR Targeted OR Targeted Radiotherapies, Radiation Therapy OR Targeted OR Targeted Radiotherapy OR Targeted Radiation Therapy OR Radiation Therapies OR Targeted OR Targeted Radiation Therapies OR Therapies OR Targeted Radiation OR Therapy OR Targeted Radiation |
---|---|
2 - Intervenção | “Transcutaneous Electric Nerve Stimulation” [MESH] OR “Transcutaneous Electric Nerve Stimulation” OR “Electrical Stimulation, Transcutaneous” OR “Stimulation, Transcutaneous Electrical” OR “Transcutaneous Electrical Stimulation” OR “Percutaneous Electric Nerve Stimulation” OR “Percutaneous Electrical Nerve Stimulation” OR “Transdermal Electrostimulation” OR “Electrostimulation, Transdermal” OR “Transcutaneous Electrical Nerve Stimulation” OR “Transcutaneous Nerve Stimulation” OR “Nerve Stimulation, Transcutaneous” OR “Stimulation, Transcutaneous Nerve” OR “Electric Stimulation, Transcutaneous” OR “Stimulation, Transcutaneous Electric” OR “Transcutaneous Electric Stimulation” OR “TENS” OR “Analgesic Cutaneous Electrostimulation” OR “Cutaneous Electrostimulation, Analgesic” OR “Electrostimulation, Analgesic Cutaneous” OR “Electroanalgesia” OR “Electric Stimulation”[Mesh] OR “eletric stimulation” OR “Electrical Stimulation” OR “Electrical Stimulations” OR “Stimulation, Electrical” OR “Stimulations, Electrical” OR “Stimulation, Electric” OR “Electric Stimulations” OR “Stimulations, Electric” OR “Electric Stimulation Therapy”[Mesh] OR “Electric Stimulation Therapy” OR “Stimulation Therapy, Electric” OR “Therapeutic Electrical Stimulation” OR “Electrical Stimulation, Therapeutic” OR “Stimulation, Therapeutic Electrical” OR “Therapy, Electric Stimulation” OR “Electrotherapy” OR “Therapeutic Electric Stimulation” OR “Electric Stimulation, Therapeutic” OR “Stimulation, Therapeutic Electric” OR “Electrical Stimulation Therapy” OR “Stimulation Therapy, Electrical” OR “Therapy, Electrical Stimulation” OR “Electroacupuncture” [Mesh] OR “Electro-acupuncture” |
3 - Comparador | Não foram comparados diferentes tratamentos |
4 - Desfecho | Xerostomias OR Hyposalivation OR Hyposalivations OR Asialia OR Asialias OR Mouth Dryness OR Dryness OR Mouth |
Busca | 1 e 2 e 4 |
A seleção dos estudos iniciou-se pela análise dos títulos, com exclusão daqueles que não apresentavam relação com as palavras-chave definidas pela estratégia de busca. Foram excluídas também as publicações duplicadas, bem como os estudos publicados em línguas diferentes do português, espanhol e inglês.
A partir da leitura do resumo, foram selecionados apenas ensaios clínicos e estudos de intervenção que avaliaram o efeito da estimulação elétrica sobre o fluxo salivar de pacientes submetidos à radioterapia na região de cabeça e pescoço, publicados nos últimos 10 anos. Os estudos que não apresentaram informações suficientes no resumo também foram incluídos na análise completa do texto.
Os artigos analisados na íntegra e de acordo com os critérios de elegibilidade foram incluídos. Foram extraídas, na leitura completa dos estudos, as seguintes informações: características da amostra, desenho dos estudos, métodos de avaliação, protocolo de intervenção e os efeitos sobre o fluxo salivar (Tabelas 1 e 2). A seleção dos artigos foi definida por dois avaliadores independentes e as diferenças entre os revisores foram solucionadas por consenso.
Tabela 1 Caracterização dos estudos incluídos na revisão
Autor/Ano | Desenho do estudo |
N pacientes |
Tempo de término da RT | Dose utilizada na RT | Método de irradiação utilizada na RT | Parâmetros da corrente elétrica utilizada na Intervenção terapêutica | N de intervenções realizadas no tratamento | Posicionamento dos eletrodos durante o tratamento por eletroestimulação |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Wong et al.(25) | ECR | 96 62/h 11/m |
≥3 meses | ? | ? | TENS - acupuntura, 250mS, 4Hz, 20 minutos | 2x/semana 12 semanas 24 sessões |
Sp6, St36, LI4 (ativos) e CV24 (inativo) |
Wong et al.(26) | ECR | 46 | ? | >50Gy | RT radical | TENS – acupuntura, 250mS, 4Hz, 20 minutos | 2x/semana 12 semanas 24 sessões |
Grupo A Sp6, St36, LI4 (ativos) e CV24 (inativo) Grupo B Sp6, St36, P6 (ativos) e CV24 (inativo) Grupo C Sp6, St5 e 6, P6 (ativos) e CV24 (inativo) |
Lakshman et al.(27) | EI | 40 | ? | ? | ? | TENS, 50Hz | ? | Parótidas, bilaterais |
Vijayan et al.(28) | EI | 30 22/h 8/m |
3 meses | 60/70Gy | IMRT | TENS, 50hz 250ms | 1x | Parótidas, bilaterais |
Legenda: ECR = ensaio clínico randomizado; EI = estudo de intervenção não controlado; RT = Radioterapia; IMRT = radioterapia com intensidade modulada; TENS = transcutaneous nerve stimulation; Sp6, St36, CV24, LI4, St5 e P6 = localização dos diferentes pontos de acupuntura (para uma revisão, veja os artigos citados na revisão); ? = dados não apresentados; N = número
Tabela 2 Efeito dos diferentes tipos de eletroestimulação sobre o fluxo salivar
Autor/Ano | Grupos | Momento da avaliação | Fluxo salivar (mL/min) | ∆ fluxo salivar (mL/min) | ∆% | Desfecho |
---|---|---|---|---|---|---|
Wong et al.(25) | GI (n=73) |
Início | NE (I) = 1,2 E (I) = 2,4 |
- | - | Não houve efeito significante quando comparado à primeira sessão, mas os valores do fluxo salivar são normais em todas as avaliações |
16ª semana | NE (F) = 1,3 E (F) = 2,7 |
0,10 0,30 | 8% 11% |
|||
24ª semana | NE (F) = 1,3 E (F) = 2,9 |
0,10 0,20 | 8% 17% |
|||
36ª semana | NE (F) = 1,3 E (F) = 3,0 |
0,10 0,60 | 8% 20% |
|||
60ª semana | NE (F) = 1,4 E (F) = 2,9 |
0,20 0,20 | 15% 7% |
|||
Wong et al.(26) | GI A (n=13) |
Início | NE (I) = 0.26 E (I) = 1,07 |
- | - | |
GI B (n=10) |
12ª semana pós-término da RT | E (I) = 0,26 E (F) = 1,33 NE (I) = 0,10 NE (F) = 0,36 |
1,07*
0,26* |
80% 72% |
A TENS aumentou o fluxo salivar após 3 meses do término da RT | |
GI C (n=14) |
24ª semana pós-término da RT | NE (F) = 0,37 E (F) = 1,61 |
0,11 0,54 |
30% 33% |
A TENS aumentou o fluxo salivar após 6 meses do término da RT quando comparado à avaliação inicial | |
Lakshman et al.(27) | GI (n=10) |
Após 4 semas de término da RT | E (I) = 0,55 E (F) = 0,57 |
0,02 | 4% | A TENS não alterou significantemente o fluxo salivar |
Antes da RT | E (I) = 0,84 E (F) = 1,62 |
0.78* | 95% | Houve aumento significante do fluxo salivar após o uso diário de TENS durante a RT | ||
GI (n=10) |
3ª semana de RT | E (I) = 0,56 E (F) = 1,38 |
0,82* | 146% | ||
6ª semana de RT | E (I) = 0,70 E (F) = 1,27 |
0,57* | 71% | |||
GC (n=10) |
Após 1 mês de RT | E (I) = 0,82 E (F) = 1,64 |
0,82* | 100% | ||
- | E (I) = 0,61 E (F) =1,65 |
1,04* | 170% | No grupo controle (indivíduos saudáveis), a TENS aumentou significantemente o fluxo salivar | ||
Vijayan et al.(28) | GI (n=30) |
Após a RT | NE (I) = 0,05 NE (F) = 0,12 |
0,06* | 130% | A TENS aumentou o fluxo salivar após uma única aplicação |
*estatisticamente significante (p<0,05)
Legenda: GI = grupo intervenção; GC = grupo controle; E = avaliação do fluxo salivar estimulado (ácido cítrico); NE = avaliação do fluxo salivar não estimulado; I = inicial; F = final; TENS = transcutaneous nerve stimulation; RT = radioterapia
A escala PEDro foi utilizada para avaliar a qualidade metodológica dos estudos incluídos(23,24). Para pontuar nos critérios da escala, as informações deveriam ser claras e objetivas, caso contrário a pontuação seria considerada nula. A avaliação foi realizada por três pesquisadores independentes e os resultados estão expressos no Quadro 2.
Quadro 2 Avaliação da qualidade metodológica dos artigos conforme a escala PEDro(22)
CLASSIFICAÇÃO PEDro/ ARTIGOS | Wong et al.(25) | Wong et al.(26) | Lakshman et al.(27) | Vijayan et al.(28) | |
---|---|---|---|---|---|
Validade Externa (Máx = 1) |
1 Critério de inclusão | S | N | S | S |
Validade Interna (Máx = 8) |
2 Alocação aleatória | S | N | N | N |
3 Alocação secreta | N | N | N | N | |
4 Grupo semelhante no início do estudo | S | N | S | S | |
5 Cegamento dos participantes | N | N | N | N | |
6 Cegamento dos terapeutas | N | N | N | N | |
7 Cegamento da avaliação | N | N | N | N | |
8 Análise de 85% da amostra | S | S | S | S | |
9 Análise de intenção de tratamento | N | N | N | N | |
Interpretação dos desfechos (Máx = 2) |
10 Comparação entre grupos | S | S | N | N |
11 Medidas de tendência central e de dispersão | N | S | S | S | |
Total de pontos (Máx = 11) |
- | 5 | 3 | 4 | 4 |
Legenda: S = sim; N = não; Máx = máximo
A estratégia de busca preconizada resultou em 21 publicações, sendo que 5 foram excluídas por duplicação e 11 por se tratarem de revisão sistemática, estudo de caso ou por falta de mensuração do fluxo salivar. Sendo assim, 4 artigos foram selecionados, analisados e incluídos nesta revisão conforme exposto na Figura 1.
Figura 1 Diagrama conforme as diretrizes do protocolo Prisma. Fonte: Flow Diagram (Prisma 2009)(21)
A avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos demonstra (Quadro 2) que, de modo geral, os estudos atingiram baixa pontuação na escala PEDro. Houve baixa pontuação nos aspectos relacionados à validade interna, caracterizada principalmente pela falta de cegamento tanto dos avaliadores quanto dos voluntários. No entanto, os resultados apresentados em todos os estudos foram obtidos da análise de 85% ou mais dos participantes incluídos nos critérios de seleção.
Conforme descrito na Tabela 1, todos os estudos incluíram pacientes que receberam RT para o tratamento de tumores de cabeça e pescoço. No total, foram 212 participantes com intervalo de idade entre 58 e 60 anos. A dose de RT, o tempo transcorrido do término do tratamento e o método não foram divulgados em 2 estudos(25,26). Aqueles em que esta informação estava descrita, a RT foi realizada pelo método IMRT e 2D e a dose variou de 50 a 70Gy. A divisão dos grupos, o número de participantes, o momento da intervenção e o desenho do estudo foram consideravelmente heterogêneos.
Interessantemente, tanto o método de eletroacupuntura(25,26) quanto a estimulação elétrica localmente aplicada sobre as glândulas salivares(27,28) demonstraram benefícios no fluxo salivar, porém nem todos os resultados foram significantes (Tabela 2). Nos estudos que utilizaram a TENS convencional, os parâmetros foram semelhantes (frequência de 50Hz e largura de pulso de 250µs). No modo acupuntura, os dois estudos utilizaram os mesmos pontos acupunturais(27,28) e parâmetros de eletroestimulação (frequência de 4Hz e largura de pulso de 250 µs).
O presente estudo traz uma reflexão pertinente quanto à aplicabilidade da TENS para o aumento do fluxo salivar de indivíduos com hipossalivação induzida por RT. Esta revisão demonstra que o benefício da TENS sobre a função das glândulas salivares é, ainda, questionável em função do reduzido número de estudos, mas, principalmente, pela relativa baixa qualidade metodológica observada nos ECR disponíveis. Parte desta fragilidade metodológica se deve ao baixo número de pacientes e ausência de terapia placebo. Além disso, nota-se vulnerabilidade nos desenhos experimentais por falta de detalhamento dos cuidados com viés de seleção, viés de performance, viés de detecção, viés de atrito e viés de relato. Por estes aspectos e pela falta de grupo controle em 50% dos estudos selecionados é que se optou pela utilização da escala PEDro ao invés da avaliação do risco de viés proposta pela colaboração Cochrane(29). Ainda assim, mesmo depois da seleção criteriosa de estudos e utilizando uma escala menos sensível, a média da pontuação gerada na avaliação foi baixa (4,5), deixando em aberto pontos importantes em relação à decisão clínica de utilização deste recurso terapêutico.
Boa parte dos estudos foi excluída por falta de avaliação objetiva do fluxo salivar. Avaliar a xerostomia apenas por meio de ferramentas subjetivas, geralmente por escala analógica visual (EVA) e questionários de qualidade de vida, torna mais difícil a determinação da efetividade e a padronização desta técnica.
Os dados disponíveis nos estudos selecionados também deixam dúvidas quanto às características do tipo de RT utilizada (modo de irradiação, dose, número de sessões e tempo de término do tratamento) e praticamente não há descrição do tratamento medicamentoso associado. Em conjunto, a falta desses descritores clínicos limita o entendimento aprofundado das possíveis interferências que levam à redução do fluxo salivar e a análise da resposta à TENS.
De modo geral, a estimulação elétrica das glândulas salivares pode ser realizada de forma local (eletrodos posicionados sobre a glândula) ou à distância. Quando se trata de estímulo à distância (acupuntura), espera-se que o efeito de inibição simpática e estimulação parassimpática, tal qual descrito pelo método de acupuntura, ative o sistema nervoso autônomo no sentido de aumentar a produção de saliva. Isso foi observado nos estudos incluídos(25,26), no entanto, quando comparado à estimulação local(27,28), os resultados foram consideravelmente inferiores. Isso implica dizer que, ao estimular diretamente a glândula, pode-se ampliar a recuperação da função.
O mecanismo de produção de saliva é bastante complexo e depende da ação do sistema nervoso autonômico principalmente do ramo parassimpático. Sabe-se que do núcleo salivar superior emergem as fibras eferentes do nervo facial que, por meio do nervo corda do tímpano, inerva as glândulas submandibular e sublingual. Outra via neural origina-se no núcleo salivar inferior, de onde partem as fibras motoras do glossofaríngeo que inervam a glândula parótida(30-35). Estes trajetos nervosos eferentes participam da produção e secreção da saliva, contudo a RT pode interferir nesse processo de sinalização por alterar tecidos e estruturas responsáveis pela função das glândulas. Além disso, a RT também pode causar disfunções tanto das vias aferentes quanto dos receptores que levam informações sensoriais importantes (sabor, tato, textura, olfato e visão) para os núcleos do sistema nervoso central responsáveis pelo controle do fluxo salivar(35-37). Por ser uma via de controle que envolve diferentes mecanismos de sinalização, a escolha do método de avaliação do fluxo salivar é fundamental.
O método de sialometria estimulada com cítrico predominou nos estudos incluídos. Tal escolha se deve ao fato de que substâncias ácidas/cítricas são poderosos estimulantes da salivação, especialmente da glândula parótida. Destaca-se o fato de que, após a RT, as papilas gustativas sofrem atrofia, prejudicando o imput sensorial e, sendo assim, o estímulo gustatório não estaria desempenhando seu papel de forma eficiente. Talvez, a escolha pelo método de sialometria estimulada mecanicamente, por meio da mastigação, seja preferível, visto que excita os mecanorreceptores e faz com que as células mioepiteliais que se localizam entre a membrana basal e as células acinares, por contração, expulsem a saliva secretada e esvaziem maciçamente os grânulos(37).
É possível que o grau inicial de hipossalivação interfira na resposta. No entanto, um estudo(25) incluiu pacientes com fluxo salivar considerado normal (1,2 mL/min na sialometria não estimulada e 2,4 mL/min na sialometria estimulada). O que pode justificar o baixo efeito da TENS sobre o fluxo salivar observado(25) em comparação aos demais estudos incluídos(26-28).
Em relação aos parâmetros da TENS, observa-se que a estimulação realizada diretamente sobre as glândulas salivares foi realizada com 50Hz e 250 µS de largura de pulso(27,28). Porém, mesmo que o fluxo salivar tenha sido muito maior (80%) do que os resultados obtidos no modo acupuntura, não se pode assumir que esses ajustes sejam efetivamente considerados a escolha definitiva para o ajuste da eletroestimulação, pois não há estudos comparando outros parâmetros de corrente elétrica. Além disso, a intensidade da corrente elétrica não foi suficientemente descrita (valores absolutos) nos estudos incluídos, muito embora o ajuste da intensidade tenha sido mantido no limite de tolerância ao longo de todo o tratamento nos estudos(25-28).
Além disso, nenhuma intercorrência foi relatada como motivo de desistência ao tratamento de eletroestimulação proposto. Contudo, o baixo número de pacientes incluídos (212) nos protocolos de estimulação elétrica local (na face) limita a análise final de segurança e viabilidade sem, no entanto, configurar recomendação contrária ao uso deste recurso para o tratamento da hipossalivação induzida pela RT em pacientes com câncer de cabeça e pescoço.
Outra questão que permanece inconclusiva é o momento ideal de início do tratamento por eletroestimulação. Aparentemente os resultados obtidos no estudo de Lakshman et al.(27) sugerem que o uso precoce da TENS (durante ou até 1 mês após o término da RT) pode trazer melhores resultados. Nenhum dos estudos foi suficientemente desenhado para testar o momento ideal de início da eletroestimulação e, portanto, a condição clínica do paciente permanece sendo o requisito obrigatório para a indicação da TENS e especial atenção deve ser dada às condições da pele nos protocolos de estimulação local das glândulas salivares.
A heterogeneidade dos estudos impossibilitou a realização de metanálise e limitou a utilização de outros instrumentos de avaliação que possivelmente teriam influência na força de evidência e análise do risco de viés entre os estudos.
Os estudos incluídos demonstram o potencial clínico da TENS no aumento do fluxo salivar de pacientes com câncer de cabeça e pescoço tratados com RT.