Compartilhar

Estimulação Ventricular dos Marca-passos Convencionais em Tempos de TRC

Estimulação Ventricular dos Marca-passos Convencionais em Tempos de TRC

Autores:

Silas dos Santos Galvão Filho

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.4 São Paulo abr. 2019 Epub 15-Abr-2019

https://doi.org/10.5935/abc.20190074

Com o advento da terapia de ressincronização cardíaca (TRC), e a conscientização do prejuízo na função sistólica ventricular causado pelos distúrbios de condução intraventricular, principalmente o bloqueio de ramo esquerdo, após mais de 50 anos de utilização rotineira, passou-se a questionar a estimulação cardíaca artificial univentricular direita convencional principalmente em seu sítio clássico, a região apical. Na realidade, a estimulação univentricular direita convencional gera na maioria das vezes um QRS largo (frequentemente superior a 150 ms), com padrão eletrocardiográfico de bloqueio do ramo esquerdo, sinais maiores para o diagnóstico de dissincronia ventricular passível de indicação de TRC.1

Alguns estudos mostraram o prejuízo da estimulação univentricular direita nos portadores de marca-passos, quando comparados a ativação ventricular normal,2-4 o que motivou o desenvolvimento de algoritmos de mínima estimulação ventricular, privilegiando a estimulação atrial exclusiva nos marca-passos de dupla câmara atuais, tendo mostrado alguns benefícios. Entretanto quando o restabelecimento da frequência cardíaca pressupõe a estimulação ventricular (nos casos de bloqueios atriais ventriculares) esses algoritmos não podem ser utilizados. Outros estudos mostraram a deterioração da função sistólica ventricular após o início da estimulação univentricular direita.5,6 Objetivando minimizar o eventual prejuízo da estimulação univentricular direita nos casos em que esta é necessária, vários sítios de estimulação foram tentados:7 (via de saída, médio-septal, septal-inferior etc.) e, apesar de não se ter conseguido maiores evidencias, hoje a estimulação médio-septal é a mais utilizada nos implantes de marca-passo convencional, em detrimento da estimulação apical.

A estimulação especial Hissiana apresenta bons resultados8 e vem se mostrando como o melhor sítio de estimulação univentricular em termos de sincronia da ativação. Entretanto, alguns problemas como: limiares altos de estimulação, baixos potenciais endocavitários, oversensing de potencial atrial e dificuldades de implante nessa região, ainda precisam ser equacionados para essa modalidade de estimulação ventricular ser utilizada rotineiramente nos pacientes com indicação de marca-passo.

A estimulação ventricular esquerda exclusiva foi proposta como alternativa à TRC em pacientes com ICC e necessidade de estimulação ventricular,9 não tendo mostrado grandes benefícios nesses pacientes. O trabalho “Eficácia, Segurança e Desempenho da Estimulação Ventricular Esquerda versus Direita em Pacientes com Bradiarritmias: Ensaio Clínico Randomizado”10 é um estudo original bem desenhado para fazer a comparação entre esses dois tipos de estimulação em pacientes com função cardíaca preservada e indicação convencional de marca-passo. Os resultados desse estudo mostraram baixa taxa de sucesso e segurança no implante do eletrodo de VE via seio coronariano, contrariando a hipótese inicial e questionando a correção de se propor a estimulação ventricular esquerda via seio coronariano como opção da estimulação ventricular direita endocárdica convencional em pacientes com indicação de marca-passo. Esses resultados, entretanto, foram prejudicados pelo pequeno número de pacientes incluídos e pelo uso de um único eletrodo para estimulação de VE de baixa performance e muito relacionado a complicações, não reproduzindo resultados bem melhores apresentados na literatura para esse tipo de procedimento.11,12

Apesar de ser contestada, principalmente em pacientes portadores de disfunção sistólica cardíaca, onde algumas diretrizes já orientam a preferência pela estimulação biventricular,1 a estimulação univentricular direita persiste, sendo utilizada rotineiramente nos pacientes com indicação de marca-passos convencionais que apresentem função ventricular preservada, não existindo ainda consenso de qual o melhor sítio de estimulação, dando-se, entretanto, preferência à região septal.

REFERÊNCIAS

1 Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JG, Coats AJ, at al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC). Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur J Heart Fail. 2016;18(8):891-975.
2 Wilkoff BL, Cook JR, Cook JR, Epstein AE, Greene HL, Halltrom AP, et al. Dual-chamber pacing or ventricular backup pacing in patients with an implantable defibrillator: The Dual-chamber and VVI Implantable Defibrilator (DAVID) trial. JAMA. 2002;288(24):3115-23.
3 Sweeney MO, Hellkamp AS, Ellenbogen KA, Greenspon AJ, Freedman RA, Lee KL, et al. MOde Selection Trial Investigators. Adverse effect of ventricular pacing on heart failure and atrial fibrillation among patients with normal baseline QRS duration in a clinical trial of pacemaker therapy for sinus node disfunction. Circulation.2003;17;107(23):2932-7.
4 Nielsen JC, Kristensen L, Andersen HR, Mortensen PT, Pedersen OL, Pedersen AK. A randomized comparison of atrial and dual-chamber pacing in 177 consecutive patients with sick sinus syndrome: echocardiographic and clinical outcome. J Am Coll Cardiol. 2003;20;42(4):614-23.
5 Pastore G, Noventa F, Piovesana P, Cazzin R, Aggio S, Verlato R, et al. Left ventricular dyssynchrony resulting from right ventricular apical pacing: relevance of baseline assessment. Pacing Clin Electrophysiol. 2008;31(11):1456-62.
6 Khurshid S, Epstein AE, Verdino RJ, Lin D, Goldberg LR, Marchlinski FE, et al. Incidence and predictors of right ventricular pacing-induced cardiomyopathy. Heart Rhythm. 2014;11(9):1619-25.
7 Kaye GC, Linker NJ, Marwick TH, Pollock L, Graham L, Pouliot E, et al. Effect of right ventricular pacing lead site on left ventricular function in patients with high-grade atrioventricular block: results of the Protect-Pace study. Eur Heart J. 2015;36(14):856-62.
8 Vijayaraman P, Chung MK, Dandamudi G, Upadhyay GA, Krishnan K, Crossley G, et al. ACC's Electrophysiology Council. His Bundle Pacing. J Am Coll Cardiol. 2018. 21;72(8):927-47.
9 Liang Y,Pan W,Su Y,Ge J. Meta-analysis of randomized controlled trials comparing isolated left ventricular and biventricular pacing in patients with chronic heart failure. Am J Cardiol. 2011;108(8):1160-5.
10 Crevelari ES, da Silva KR, Albertini CMM, Vieira MLC, Martinelli Filho M, Costa R. Eficácia, Segurança e Desempenho da Estimulação Ventricular Esquerda versus Direita em Pacientes com Bradiarritmias: Ensaio Clínico Randomizado. Arq Bras Cardiol. 2019; 112(4):410-421.
11 Cleland JG, Daubert JC, Erdmann E, Freemantle N, Gras D, Kappenberger L, et al. Cardiac Resynchronization-Heart Failure (CARE-HF) Study Investigators. The effect of cardiac resynchronization on morbidity and mortality in heart failure. N Engl J Med. 2005. 14;352(15):1539-49.
12 Linde C, Abraham WT, Gold MR, St John Sutton M, Ghio S, Daubert C; REVERSE (REsynchronization reVErses Remodeling in Systolic left vEntricular dysfunction) Study Group. Randomized trial of cardiac resynchronization in mildly symptomatic heart failure patients and in asymptomatic patients with left ventricular dysfunction and previous heart failure symptoms. J Am Coll Cardiol. 2008;52(23):1834-43.