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Estratégias metacognitivas de leitura de crianças com distúrbio de aprendizagem

Estratégias metacognitivas de leitura de crianças com distúrbio de aprendizagem

Autores:

Ana Paola Nicolielo-Carrilho,
Simone Rocha de Vasconcellos Hage

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.29 no.3 São Paulo 2017 Epub 15-Maio-2017

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016091

INTRODUÇÃO

Alguns escolares apresentam importantes problemas no aprendizado da leitura e da escrita e tornam-se um grande desafio para educadores e profissionais da saúde(1). As dificuldades vivenciadas por eles implicam baixo rendimento em atividades de leitura e/ou escrita, além de cálculos matemáticos, embora tenham inteligência preservada, ausência de deficiência visual, auditiva, transtornos emocionais e apropriada oportunidade acadêmica(2). Tais características estão presentes nos quadros de Distúrbio de Aprendizagem (DA)(3).

As características do DA se tornam mais evidentes no período de aprendizagem escolar, ainda que suas manifestações ocorram antes. Escolares com DA apresentam falhas no processamento cognitivo, linguístico, metalinguístico, auditivo e/ou visual e, em decorrência delas, habilidades para analisar, sintetizar, manipular, estocar e evocar informações linguísticas encontram-se defasadas, prejudicando a aprendizagem de sistemas de escrita com base alfabética(4).

Habilidades metalinguísticas, como a consciência fonológica, lexical e sintática, têm sido apontadas como importantes para a apropriação da linguagem escrita, e limitações delas podem justificar as dificuldades de leitura(5) e de expressão escrita(6). Mas não só a metalinguagem, também a metacognição tem sido relacionada ao bom desempenho escolar e capacidades metacognitivas deficitárias às dificuldades no processo de aprendizagem.

A compreensão que as pessoas têm de seu próprio processamento cognitivo é denominado pela Psicologia Cognitiva de metacognição(7). Refere-se ao conhecimento que se tem para perceber e relatar a respeito dos fatores internos e externos que afetam o próprio aprendizado, e, ainda, em como agir para obter melhor desempenho com base neste conhecimento(8). Sua influência no processo de aprendizado da linguagem escrita é grande(9). No contexto escolar, estratégias metacognitivas são definidas como ações mentais, com as quais um aluno se envolve durante a aprendizagem e que facilitam a recuperação de conhecimentos já adquiridos, potencializando a qualidade deste processo(10,11). Assim, dificuldades no processo de aprendizagem podem estar relacionadas a falhas na capacidade de planejamento, monitoramento e controle de determinadas atividades acadêmicas(12).

Estudos têm mostrado que a prática de atividades metacognitivas pode melhorar a compreensão de leitura, levando os escolares a terem mais chances de compreender textos quando comparados com aqueles que não as usam(13-16). Nesta direção, o papel das habilidades metacognitivas merece maior atenção no diagnóstico e na intervenção de escolares com DA que, dentre outras características, manifestam dificuldades para compreender textos.

Diante do exposto, este trabalho teve por objetivo verificar o uso de estratégias metacognitivas de leitura de crianças com Distúrbio de Aprendizagem, e, ainda, averiguar se há relação entre este uso e a habilidade para compreender textos.

MÉTODO

Este estudo teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CAAE 17047013.2.0000.5417 e parecer 321.978) da Faculdade de Odontologia de Bauru, da Universidade de São Paulo. Todos os pais ou responsáveis pelas crianças assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando sua participação na pesquisa.

Foram selecionadas 30 crianças, com idade entre 8 e 12 anos, de ambos os gêneros, regularmente matriculadas no ensino fundamental. Elas foram divididas igualmente em dois grupos: experimental (GE), composto por 15 crianças com diagnóstico prévio de Distúrbio de Aprendizagem e controle (GC), composto por 15 crianças sem dificuldades de aprendizagem.

Para serem incluídas na amostra, as crianças do GE deveriam apresentar diagnóstico prévio de Distúrbio de Aprendizagem (DA) realizado por equipe interdisciplinar de Instituição de Ensino Superior. Elas foram submetidas à avaliação neuropsicológica e fonoaudiológica (linguagem oral, escrita e audição). Os critérios adotados pela equipe para o diagnóstico de DA são aqueles descritos pelo “National Joint Committee on Learning Disabilities(3) e DSM-IV(2). Este diagnóstico ocorre quando as habilidades acadêmicas das crianças estão substancialmente abaixo do esperado, na ausência de deficiência intelectual, auditiva, visual, distúrbios emocionais e instrução educacional inadequada. Apesar da inteligência na média ou mesmo acima, estas crianças têm dificuldades significativas para adquirir habilidades acadêmicas básicas como leitura fluente de palavras, ortografia correta, expressão escrita e domínio de operações matemáticas.

O GC foi formado para fins de comparação de desempenho das habilidades testadas. Os escolares sem dificuldades de aprendizagem foram pareados com aqueles com DA de acordo com o gênero, idade, escolaridade e tipo de escola (privada e pública). O recrutamento destes escolares foi realizado na Clínica de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, lugar em que eles realizam avaliação e/ou intervenção odontológica. Para seguirem incluídas no estudo, não deveriam apresentar queixas e/ou histórico de alterações no desenvolvimento de linguagem oral e de audição e necessitariam apresentar desempenho de leitura compatível com a escolaridade. Tais critérios foram verificados por meio da realização de breve anamnese com os pais ou responsáveis pela criança, bem como aplicação de texto para leitura do Livro Compreensão da Leitura 1 – Fichas para desenvolvimento da compreensão de leitura com crianças(17).

Todas as crianças do GE e GC foram submetidas à avaliação de estratégias metacognitivas de leitura por meio da Escala de Estratégias de Leitura Ensino Fundamental I(18). Esta escala tem por objetivo verificar o tipo e a frequência de estratégias metacognitivas que as crianças utilizam, antes, durante e após a leitura de textos literários infantis. É composta por 13 afirmações do tipo Likert com três pontuações (nunca: 0 ponto; algumas vezes: 1 ponto; sempre: 2 pontos). As afirmações estão divididas em três categorias, que apontam os fatores relacionados às estratégias. O fator 1 (questões 1, 7, 9, 11 e 13) engloba as estratégias de apoio à leitura, denominado de Estratégias Metacognitivas de Suporte à Leitura, com pontuação máxima de 10 pontos. O fator 2 (questões: 4, 6, 8, 10 e 12) reúne itens relativos a estratégias usadas para resolver problemas de compreensão, denominado de Estratégias Metacognitivas de Solução de Problemas. O fator 3 (questões 2, 3 e 5) agrupa estratégias utilizadas para análise geral do texto, sendo identificado como Estratégias Metacognitivas Globais de Leitura. A análise das afirmações também pôde ser feita pelo momento em que se realiza a leitura: antes (questões de 1 a 3), durante (questões de 4 a 9) e depois (questões de 10 a 13). A somatória dos pontos é feita por fator, por momento de leitura e considerando todos os itens. No Quadro 1, estão descritos os questionamentos da Escala de Estratégias de Leitura, o fator e o momento a que pertencem.

Quadro 1 Questões da Escala de Estratégia de Leitura e classificação de acordo com o Fator e o Momento 

Questões Fator Tempo
1) Imaginar como será a história lendo o título 1 Antes
2) Dar uma olhada na quantidade de páginas da história antes de ler 3 Antes
3) Ver como é a sequência da história antes de ler 3 Antes
4) Ler novamente partes da história quando não entendo 2 Durante
5) Observar as figuras do livro para entender melhor 3 Durante
6) Ler de novo uma parte quando me distraio 2 Durante
7) Usar marca texto para destacar o que acho importante 1 Durante
8) Ler com atenção e devagar para ter certeza que estou entendendo 2 Durante
9) Procurar no dicionário palavras novas 1 Durante
10) Lembro dos principais trechos da história quando acabo de ler. 2 Durante
11) Releio o texto várias vezes quando tenho dificuldade para entendê-lo 1 Após
12) Relembro os principais pontos da história para verificar se entendi 2 Após
13) Converso com meus colegas sobre as histórias para ver se entendi 1 Após

As instruções a respeito da prova foram fornecidas às crianças. Depois de serem esclarecidas todas as dúvidas, as questões foram lidas pelo avaliador, devendo a criança marcar uma das alternativas (nunca, às vezes ou sempre). Neste estudo foi considerada a pontuação bruta.

Para a avaliação da compreensão leitora, foi utilizado o subteste - compreensão de textos - da “Prova de Avaliação dos Processos de Leitura” (Prolec)(19). Ele é composto por quatro textos, dois narrativos e dois expositivos, que devem ser lidos pela criança e, para cada um deles, a criança deve ler e responder a quatro perguntas, duas literais e duas inferenciais. Foi considerada a pontuação total obtida no subteste.

A descrição da amostra foi feita em valores de média, mediana, mínimo e máximo. Para a análise comparativa entre os grupos foi utilizado o Teste de Mann-Whitney. Foi adotado o nível de significância de 5% (0,050). O grau de correlação entre as variáveis de interesse foi verificado pela Análise de Correlação de Spearman.

RESULTADOS

A amostra estudada apresentou média de idade de 9,8 anos, com escolaridade entre o 3º e o 6º ano, sendo a maioria (76%) do gênero masculino.

Na Tabela 1, são apresentadas as medidas descritivas do desempenho dos grupos experimental e controle na escala de estratégias de leitura, considerando a pontuação total, o tipo e o momento de uso da estratégia.

Tabela 1 Desempenho do GE e GC na escala de estratégia de leitura considerando a pontuação total, o tipo de estratégia (suporte, de solução e global) e momento de estratégia (antes, durante e depois) 

Variável Grupo N Média Desvio
padrão
Mínimo Máximo Percentil 25 Percentil 50 (Mediana) Percentil 75
Escala de Estratégia de Leitura - Pontuação Total GE 15 11,87 5,62 2,00 22,00 9,00 11,00 16,00
GC 15 16,87 4,29 11,00 24,00 13,00 19,00 20,00
Estratégias de Suporte - pontos GE 15 4,13 2,64 0,00 10,00 2,00 4,00 6,00
GC 15 5,67 1,99 3,00 10,00 4,00 6,00 6,00
Estratégias de Solução - pontos GE 15 3,93 2,69 0,00 8,00 2,00 3,00 7,00
GC 15 7,00 2,45 2,00 10,00 6,00 8,00 9,00
Estratégias Globais - pontos GE 15 3,80 1,66 1,00 6,00 2,00 4,00 5,00
GC 15 4,20 1,94 2,00 9,00 3,00 4,00 5,00
Estratégias
antes da leitura
GE 15 2,93 1,62 0,00 6,00 2,00 3,00 4,00
GC 15 3,53 1,36 2,00 6,00 2,00 3,00 4,00
Estratégias durante a leitura GE 15 6,00 3,68 0,00 12,00 3,00 5,00 9,00
GC 15 7,73 2,22 5,00 12,00 5,00 8,00 9,00
Estratégias depois da leitura GE 15 2,60 1,35 0,00 5,00 2,00 3,00 3,00
GC 15 5,60 1,84 2,00 8,00 4,00 6,00 7,00

A Tabela 2 indica os valores de comparação entre os grupos com e sem distúrbio de aprendizagem, considerando a significância estatística de 0,05.

Tabela 2 Comparação do desempenho entre o Grupo Experimental e Controle no uso de estratégias metacognitivas e a prova de compreensão de textos do Prolec 

Variável Grupo N Média Desvio
padrão
Mínimo Máximo Percentil 25 Percentil 50 (Mediana) Percentil 75 Sig. (p)
Escala de Estratégia de Leitura
Pontuação Total
GE1 15 11,87 5,62 2,00 22,00 9,00 11,00 16,00 0,015
GC1 15 16,87 4,29 11,00 24,00 13,00 19,00 20,00
Total 30 14,37 5,53 2,00 24,00 10,75 14,00 19,00
Estratégias de Suporte – pontos GE1 15 4,13 2,64 0,00 10,00 2,00 4,00 6,00 0,091
GC1 15 5,67 1,99 3,00 10,00 4,00 6,00 6,00
Total 30 4,90 2,43 0,00 10,00 3,75 4,50 6,00
Estratégias de Solução – pontos GE1 15 3,93 2,69 0,00 8,00 2,00 3,00 7,00 0,005
GC1 15 7,00 2,45 2,00 10,00 6,00 8,00 9,00
Total 30 5,47 2,97 0,00 10,00 2,00 6,00 8,00
Estratégias Globais – pontos GE1 15 3,80 1,66 1,00 6,00 2,00 4,00 5,00 0,703
GC1 15 4,20 1,94 2,00 9,00 3,00 4,00 5,00
Total 30 4,00 1,78 1,00 9,00 2,75 4,00 5,00
Estratégias
antes da leitura
GE1 15 2,93 1,62 0,00 6,00 2,00 3,00 4,00 0,278
GC1 15 3,53 1,36 2,00 6,00 2,00 3,00 4,00
Total 30 3,23 1,50 0,00 6,00 2,00 3,00 4,00
Estratégias
durante a leitura
GE1 15 6,00 3,68 0,00 12,00 3,00 5,00 9,00 0,127
GC1 15 7,73 2,22 5,00 12,00 5,00 8,00 9,00
Total 30 6,87 3,12 0,00 12,00 5,00 7,00 9,00
Estratégias
depois da leitura
GE1 15 2,60 1,35 0,00 5,00 2,00 3,00 3,00 0,001
GC1 15 5,60 1,84 2,00 8,00 4,00 6,00 7,00
Total 30 4,10 2,20 0,00 8,00 2,75 4,00 6,00
Compreensão de Textos Prolec GE1 15 7,40 5,05 0,00 14,00 0,00 8,00 11,00 0,001
GC1 15 14,40 1,50 12,00 16,00 14,00 14,00 16,00
Total 30 10,90 5,11 0,00 16,00 8,00 12,00 14,25

Os dados da Tabela 3 apresentam a análise de Correlação de Spearman entre o desempenho no uso de estratégias metacognitivas e a compreensão de textos no grupo experimental.

Tabela 3 Análise de Correlação de Spearman para o GE entre o desempenho no uso de estratégias metacognitivas e compreensão de leitura 

Variável Estatística Compreensão de Textos – Prolec
Escala de Estratégia de Leitura - Pontuação Total Coef. Correl. (r) 0,533
Sig. (p) 0,041
Estratégias de Suporte Coef. Correl. (r) 0,463
Sig. (p) 0,082
Estratégias de Solução Coef. Correl. (r) 0,636
Sig. (p) 0,011
Estratégias Globais Coef. Correl. (r) 0,149
Sig. (p) 0,597
Estratégias antes da leitura Coef. Correl. (r) 0,254
Sig. (p) 0,361
Estratégias durante a leitura Coef. Correl. (r) 0,463
Sig. (p) 0,082
Estratégias depois da leitura Coef. Correl. (r) 0,451
Sig. (p) 0,092

DISCUSSÃO

Muitas crianças aprenderão a ler e escrever e não encontrarão qualquer dificuldade proeminente neste processo, entretanto outras terão problemas para dominar operações matemáticas, ortografia, exibir leitura fluente e compreender o que leu, apesar de instrução adequada e ausência de deficiência sensorial e intelectual, neste contexto, o quadro de DA configura-se. A ocorrência de dificuldades na compreensão leitora em pessoas com DA é amplamente apontada na literatura, em especial na brasileira(20-23), e tem sido relacionada a prejuízos na linguagem oral, no reconhecimento visual e fonológico da palavra, na memória de trabalho, na capacidade do leitor em integrar informações explícitas e implícitas, dentre outros.

A compreensão leitora inclui diversos processos cognitivos inter-relacionados, como o reconhecimento e a extração dos significados das palavras impressas e, embora necessários, eles não são suficientes(22), na medida em que também dependem de habilidades metacognitivas para adotar estratégias que venham facilitar a compreensão do material lido(24). É nesta direção que este estudo vem contribuir.

Crianças com DA e sem qualquer dificuldade escolar foram interrogadas quanto à utilização de estratégias metacognitivas em atividade de leitura por meio de questionário com 13 afirmações. A média de desempenho das crianças com DA foi inferior ao daquelas sem dificuldades em todas as categorias da escala, a saber, estratégias de apoio à leitura, de resolução de problemas de compreensão e de análise global do texto (Tabela 1). Na pontuação total da escala, o desempenho delas foi inferior em todas as medidas descritivas (Tabela 1) e com diferença significante em relação ao grupo sem dificuldades (Tabela 2).

O GE apresentou desempenho próximo ao das crianças sem dificuldade nas estratégias mais globais (fator 1), como olhar a quantidade de páginas da história e a sequência, adotadas antes da leitura (questões 2 e 3), e na observação das figuras durante a leitura (questão 5). As estratégias usadas durante e após a leitura como: ler com atenção para ter certeza que está entendendo, ler novamente partes do texto quando não entendeu ou quando se distrai, recordar os principais trechos da história quando acaba de ler e relembrar os principais pontos da história para verificar o entendimento foram aquelas estratégias (resolução de problemas de compreensão, fator 2) menos utilizadas pelas crianças com DA com diferença estatística em relação ao GC (Tabela 2).

Pessoas eficientes na execução de tarefas acadêmicas possuem, dentre outras habilidades, competências metacognitivas bem desenvolvidas, pois demonstram utilizar conscientemente suas estratégias de estudo, sendo capazes de avaliar seu próprio processo de execução(9). A metacognição exerce influência em áreas fundamentais da aprendizagem escolar, constituindo um elemento-chave no processo de aprender a aprender(25). Sendo assim, pessoas que apresentam alteração no processo de aprendizagem podem apresentar competências metacognitivas pouco desenvolvidas. Na amostra estudada, as crianças do GC fizeram mais uso das estratégias, tanto por fator quanto por momento de leitura, em comparação com as crianças do GE, indicando que elas, ao longo do processo de aprendizagem, desenvolveram e fizeram uso frequente de estratégias metacognitivas que as auxiliaram na compreensão de leitura. Em princípio, com a estimulação em sala de aula, todavia aquelas com dificuldades demonstraram serem menos hábeis em fazer isto, apesar da instrução educacional regular.

O processamento e a aquisição da informação na criança com DA acontecem de forma diferente de uma criança com desenvolvimento típico. Elas aplicam grande esforço no processamento das sequências das letras, na identificação de palavras não familiares, no acesso à representação do conhecimento estrutural da linguagem, como na ordem das palavras, o que provavelmente as deixa com pouca condição para desenvolver habilidades metacognitivas para facilitar a compreensão do texto.

É importante enfatizar que não só as crianças com DA podem ter dificuldade para identificar a melhor forma de avaliar o próprio aprendizado, muitos escolares apresentam as mesmas dificuldades, levando a um desempenho acadêmico deficitário(26). Neste sentido, o ensino de estratégias metacognitivas é útil no contexto escolar, ajudando os estudantes a planejar e monitorar sua própria aprendizagem(27).

A comparação do desempenho na compreensão de textos do Prolec entre os grupos apontou diferença significante (Tabela 2). Dez das 15 crianças com DA apresentaram “dificuldade” ou “dificuldade grande” na prova, já todas as crianças do GC tiveram desempenho adequado, o que já era previsto, visto que a dificuldade em compreender textos era um critério de exclusão. A dificuldade para compreender o sentido do que é lido, fazer inferências são um dos critérios para o diagnóstico do DA(2,3).

A correlação entre o uso de estratégias metacognitivas e o subteste compreensão de textos do Prolec foi positiva (valores de r, Tabela 3), indicando que essas variáveis têm comportamentos paralelos, ou seja, quanto melhor o desempenho na escala de estratégias de leitura, melhor foi o desempenho na compreensão dos textos e vice-versa. A correlação entre estratégias metacognitivas de leitura, verificada pela escala de estratégias de leitura foi efetiva, ou seja, estatisticamente significante (valores de p foram inferiores a 0,05, Tabela 3), sugerindo que uma variável possa explicar a outra.

Durante a leitura, de acordo com a necessidade, com seus propósitos e suas expectativas, o leitor utiliza diferentes estratégias de leitura e a escolha delas influenciará diretamente o entendimento da leitura. Sendo assim, não basta apenas ter a seu dispor uma gama variada de estratégias de leitura, é preciso, principalmente, tomar decisões quanto à sua aplicabilidade e eficácia em cada nova leitura(28). Pensar sobre tais estratégias leva o leitor à escolha pertinente e sua utilização como facilitador do processo de compreensão. As crianças sem dificuldade de aprendizagem parecem, por si só, desenvolver estratégias individuais que facilitem a compreensão do texto lido, já aquelas com dificuldade necessitam de apoio especial, ou por não as desenvolver ou por utilizar estratégias que não são efetivas. Assim, é possível ajudar o aprendiz a exercer mais controle e refletir sobre seu próprio processo de aprendizagem por meio do ensino de estratégias de aprendizagem, reconhecendo o importante papel que estas estratégias desempenham nos processos de autorregulação do aluno(29,30).

No contexto educacional, é possível desenvolver as habilidades necessárias para uma leitura mais eficiente, contudo isto requer conhecimento por parte dos professores das variáveis que influenciam a capacidade de refletir sobre a leitura e de como extrair isto dos escolares(24). No contexto clínico estratégias metacognitivas podem ser inseridas no planejamento terapêutico fonoaudiológico de crianças com DA com problemas de compreensão leitora, como aquelas que valorizem as atividades deliberadas de controle, monitoramento e reflexão sobre os objetos linguísticos envolvidos na leitura, bem como sobre o próprio ato de ler e de escrever.

Dada esta importância, as habilidades metacognitivas necessitam ser mais exploradas tanto pela fonoaudiologia quanto pela pedagogia, em sala de aula, e certamente sua utilização teria relevância na evolução de crianças que apresentam algum tipo de distúrbio ou dificuldade de aprendizagem. Dessa forma, desenvolver estudos que apliquem estas estratégias em crianças com algum déficit na aprendizagem é imprescindível.

CONCLUSÃO

As crianças com Distúrbio de Aprendizagem evidenciaram déficits na utilização de estratégias metacognitivas de leitura quando comparadas às crianças sem dificuldade de aprendizagem. Quanto melhor o desempenho na escala de estratégias de leitura, melhor foi o desempenho na compreensão dos textos e vice-versa, sugerindo que habilidades metacognitivas para leitura colaboram com a compreensão de texto.

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