versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.2 Rio de Janeiro fev. 2020 Epub 03-Fev-2020
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020252.04052018
Este artigo apresenta o percurso metodológico, os referenciais e as estratégias de pesquisa utilizadas na elaboração do material educativo "História de Sofia: batalhas e conquistas da família no cuidado e desenvolvimento da criança prematura", que busca amparar uma relevante questão de saúde coletiva: a promoção do desenvolvimento em condição de prematuridade.
A prematuridade é um importante problema de saúde mundial em virtude do crescente número de nascimentos nesta condição1-3 e por ser a precursora de inúmeras morbidades e prejuízos no desenvolvimento infantil, que podem repercutir ao longo da vida4-7. Destacam-se prejuízos no desenvolvimento funcional, que afetam a capacidade de execução de atividades de vida diária e exercício do papel social esperado para faixa etária, significantemente prevalentes na população de nascidos prematuros5,6.
O guia nacional de orientações para profissionais que atendem crianças nascidas prematuras reforça que a intervenção deve contemplar orientação à família, enfatizando-a como parceria no cuidado e desenvolvimento da criança8. No entanto, materiais educativos sistematizados para orientação e suporte familiar são escassos, especialmente a este público que apresenta necessidades específicas de orientação.
A falta de sistematização das orientações à família é ressaltada por Chiodi et al.9 como uma preocupação de cuidadores e profissionais, destacando que os materiais educativos são ferramentas úteis que poderiam ser disponibilizadas aos pais para instrução e consulta domiciliar quando necessário. Também já foi ressaltada a importância de pesquisas que se dedicaram à elaboração de materiais educativos para orientação da família10.
O Ministério da Saúde (MS) do Brasil, por meio da política Nacional de Educação Popular e Saúde11, e de seus referenciais, I12 e II13 Cadernos de Educação Popular e Saúde12,13, reconhece as ações educativas como importantes e fundamentais estratégias para enfrentamento das questões de saúde pública e promoção da saúde. A revisão sistemática de Silva et al.14 mostrou o impacto positivo de estratégias educativas participativas, como a utilização de materiais educativos durante visitas domiciliares, no enfrentamento de importantes questões de saúde, gerando desfechos favoráveis como a redução dos índices de prematuridade e baixo peso ao nascimento e aumento do aleitamento materno exclusivo. Desfecho similar foi também observado no estudo de Santana et al.15. Estes resultados favoráveis das intervenções educativas no empoderamento da família para a melhoria do cuidado e potencialização do desenvolvimento da criança nascida prematura são mundialmente reconhecidos como boas estratégias de promoção da saúde2.
Materiais educativos constituem uma tecnologia de cuidado16 que potencializa as intervenções de saúde e o trabalho da equipe, pois, além de mediar de maneira lúdica o processo de empoderamento dos sujeitos para promoção de sua saúde, são ferramentas permanentes de cuidado, uma vez que podem ser consultadas sempre que necessário.
Existem muitos estudos e publicações dedicados à explanação metodológica da construção e validação de instrumentos de medida17,18, bem como de apresentação de pesquisas dedicadas à elaboração e validação de instrumentos padronizados de avaliação do desenvolvimento infantil19, incluindo-se os destinados às crianças nascidas prematuras. Porém, são escassos os destinados à orientação da construção metodológica de materiais educativos, especialmente aqueles destinados à orientação e empoderamento da família para a promoção do desenvolvimento infantil, apesar de seu reconhecido e expressivo papel nos resultados positivos na saúde da criança quando devidamente orientada2,9,14,15.
Nos primeiros anos de vida da criança nascida prematura, há grande preocupação com aspectos fisiológicos e do crescimento, seja por parte das famílias, seja por parte dos profissionais. O desenvolvimento é, muitas vezes, entendido como sinônimo de crescimento, considerado adequado quando há aumento de peso ou estatura, por exemplo, em detrimento da percepção das aquisições de habilidades funcionais6. Além disso, existe uma tendência à superproteção e limitação da independência da criança nascida prematura6. O efeito cumulativo dos aspectos biológicos, sociais e atitudes de cuidado sobre o desenvolvimento da criança, muitas vezes, não são percebidos6. Todos estes fatores reforçam a necessidade de orientação sistematizada, abrangente, focada no desenvolvimento e utilizando-se tecnologias educativas adequadas e acessíveis.
Para que os materiais educativos sejam apropriados ao público a qual se destinam, e ao constructo a ser veiculado e trabalhado, devem ser construídos por meio de bases metodológicas robustas, com estratégias de construção válidas e confiáveis, e referenciais teóricos adequados12,13. Além disso, devem contar com a participação efetiva de membros do grupo destinatário20-22. Diante da reconhecida importância dos materiais educativos na saúde da população infantil, coloca-se a questão: Como elaborar materiais educativos adequados e representativos das necessidades da população a qual se destina, com base na educação popular?
Assim, o objetivo deste estudo foi descrever e analisar o processo metodológico de elaboração de um material educativo voltado para a promoção do desenvolvimento funcional de crianças nascidas prematuras.
Estudo metodológico com foco na descrição e análise do processo de elaboração de um material educativo para promoção do desenvolvimento da criança nascida prematura, orientado pelos referenciais da educação popular e saúde e da teoria bioecológica do desenvolvimento humano. Este estudo é parte de uma pesquisa maior e respeitou todos os preceitos éticos, com aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, em outubro de 2013.
O referencial da Educação Popular e Saúde11-13 sistematizado por Paulo Freire orientou a elaboração do material educativo, no que diz respeito a suas etapas e estratégias metodológicas, e a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano23 balizou a análise e sistematização dos conteúdos nele abordados.
A educação Popular preconiza o método participativo como premissa para o empoderamento e autonomia dos sujeitos para cuidado de sua saúde. Esta metodologia emancipadora leva em conta o entendimento e a experiência da pessoa que vive no mundo e atua na transformação de sua realidade. Propõe que este entendimento, muitas vezes, fragmentado e pouco elaborado, seja o objeto de ação da educação popular em saúde, mediante discussões de forma horizontal e problematizada, de acordo com as situações vividas pelos sujeitos e comunidades12,13.
A Teoria bioecológica do desenvolvimento humano23 concebe o desenvolvimento humano ancorado e direcionado pelos componentes: Processo, Pessoa, Contexto e Tempo.
O Processo, colocado como principal eixo do desenvolvimento, refere-se às interações recíprocas, sistemáticas, estabelecidas por longo período de tempo entre o sujeito em desenvolvimento e as pessoas, objetos e símbolos presentes em seu ambiente próximo23. A Pessoa é o indivíduo em desenvolvimento com suas características individuais, genéticas, psicossociais e comportamentais, que atua no ambiente e em seu próprio desenvolvimento e também gera respostas do Contexto em que está inserida23. O Contexto é o ambiente em que a Pessoa desenvolve. Divide-se em: Microssistema, ambiente próximo em que o sujeito está inserido e no qual estabelece interações diretas; Mesossistema, referente à relação entre os microssistemas; Exossistema, ambiente em que a Pessoa não está diretamente inserida, mas que influencia seu desenvolvimento; e Macrossistema, conjunto de valores, ideologia e crenças que permeiam o ambiente da Pessoa23. O Tempo é o elemento relacionado às mudanças e estabilidades do desenvolvimento da Pessoa ao longo do tempo, e também ao tempo histórico em que vive24. A Figura 1 apresenta o modelo esquemático da teoria bioecológica do desenvolvimento humano, com os componentes PPCT24.
Fonte: Tudge24.
O percurso metodológico para identificação do conteúdo e composição do material educativo seguiu os preceitos da construção de instrumentos de medida na área de saúde18, adaptados para elaboração de um material educativo, excluindo-se apenas os aspectos específicos de instrumentos de medida.
O Quadro 1 sumariza os objetivos de cada etapa para composição do material educativo, os recursos utilizados para o alcance de cada etapa e as definições estabelecidas na organização do material.
Etapa preconizada* | Objetivo da etapa | Recursos utilizados | Resultados/Definições |
---|---|---|---|
Estabelecimento da estrutura conceitual | Dimensionar e definir o contexto do instrumento para sustentar cada conteúdo nele inserido. | Revisão de literatura; Experiência profissional das pesquisadoras; Pesquisa com população alvo. |
Referenciais selecionados: Promoção do desenvolvimento; Desenvolvimento funcional; Educação Popular e Saúde; Bioecologia do desenvolvimento humano. |
Definição de objetivos | Estabelecer a proficuidade do material. | Articulação entre as necessidades da população com os referenciais teóricos adotados. |
Objetivo do material: Apoiar a família para o cuidado e promoção do desenvolvimento da criança nascida prematura. |
Definição da População Alvo | Estabelecer a proficuidade do material e justificar a relevância do material produzido. | Revisão de Literatura; Experiência profissional das pesquisadoras; Relatos da população alvo. |
População alvo: Cuidadores de crianças nascidas prematuras com idade atual inferior a três anos. |
Elaboração dos itens: Seleção, Organização e Estruturação dos conteúdos do material - textos e ilustrações | Estabelecer a proficuidade do material condizente com os referenciais estabelecidos. | Revisão de literatura; Análise de materiais existentes sobre o tema; Pesquisa com a população-alvo; Observação clínica; Opinião de especialistas. |
Características do material: Material dialogado e interativo; Em formato de história, dividida em capítulos, com conteúdos definidos de acordo com as necessidades da população alvo e organizados com linearidade na história; Ilustrações definidas em conformidade com os conteúdos; Inclusão de encarte para acompanhamento do desenvolvimento funcional. |
*Referem-se às etapas 1 e 2 preconizadas pelos autores Coluci et al.18 relativas à elaboração do material educativo; a etapa 3, validação de conteúdo e de face com juízes e população alvo, será tratada em outro texto.
Após estabelecimento dos recursos e definições para composição do material educativo, prosseguiu-se definindo e aplicando estratégias para seleção, organização e estruturação dos conteúdos e ilustrações do material.
A primeira estratégia desenvolvida foi um estudo exploratório com representantes da população alvo. Por meio de entrevistas semiestruturadas com 12 cuidadores de crianças nascidas prematuras, acompanhadas em serviço de referência para atendimento desta população, verificou-se a compreensão dos cuidadores acerca do desenvolvimento de suas crianças, suas necessidades, dúvidas e componentes do cuidado para promoção do desenvolvimento da criança. As entrevistas foram conduzidas de forma participativa e dialógica, utilizando roteiro estruturado e estratégias lúdicas, como quadros ilustrativos. Buscaram explorar a experiência vivida pelos cuidadores e as questões que dela emergiram. Realizou-se análise qualitativa de conteúdo dos dados seguindo o referencial da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano23.
A segunda estratégia estabelecida para elaboração do material educativo foi revisão de literatura. Foram realizadas duas revisões integrativas de literatura sobre práticas de cuidado promotoras do desenvolvimento funcional no domicílio cujas questões norteadoras foram: "Quais são as práticas de cuidado que promovem o desenvolvimento funcional de nascidos prematuros até os três anos de idade?" e "Quais fatores/elementos estão envolvidos no cuidado prestado pela família à criança nascida prematura após a saída da UTIN?" As revisões seguiram os passos da Revisão Integrativa25 e ocorreram nos meses de janeiro/fevereiro e agosto/setembro de 2015 respectivamente.
Para a primeira revisão integrativa, realizaram-se buscas nas bases Science Direct, Scopus, e Web of Science com os seguintes descritores e suas combinações, em língua inglesa e portuguesa: preterm, child care e development. Na segunda revisão, foram incluídas as bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde – Lilacs, PsicoInfo [APA, PsycNet], Scientific Electronic Library Online – SciELO, Physiotherapy Evidence Database – PEDro, Biblioteca Virtual de Saúde – BVS, Institute of Education Sciences – Eric. Foram incluídos também outros descritores e suas combinações na língua inglesa e portuguesa: preterm infant, development promotion, health education, Family education, nurture intervention e health promotion.
Os critérios de inclusão foram: artigos completos em língua inglesa ou portuguesa, publicados nos periódicos indexados nas referidas bases de dados nos últimos cinco anos. Foram excluídos artigos que investigaram faixas etárias diferentes da preconizada para o material educativo e aqueles com temáticas não condizentes com as questões norteadoras.
Após leitura do título e do resumo, foram selecionados os artigos que foram lidos na íntegra e organizados em uma tabela de análise com dados de identificação, autoria, ano de publicação, tipo de estudo, sujeitos da pesquisa, objetivo/avaliação e os principais resultados. Nessa etapa, foram excluídos os artigos que, após a leitura integral, não atenderam os critérios de inclusão.
Após a sistematização dos conteúdos, optou-se por utilizar também livros-texto, artigos, documentos e Lei, considerados referências-chave, por seu conteúdo pertinente e relevante para a constituição das bases teóricas e operacionais da sistematização do material educativo. Estes consistiram, basicamente, em textos sobre o referencial teórico de análise e o referencial metodológico de construção de materiais educativos, conteúdos esses ausentes ou não detalhados nos artigos da revisão.
A terceira estratégia metodológica foi a busca de referenciais que orientassem a elaboração operacional das partes de um material educativo destinado à população. O referencial selecionado e utilizado para a elaboração do material educativo em tela foi o Simply Put – A guide for creating easy-to-understand materials, elaborado pelo Center of Diseases Control and Prevention do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA26. Ele fornece estratégias para construção de materiais educativos em saúde mais compreensíveis, especialmente para populações com baixa escolaridade, apontando recomendações para todo o processo de constituição, incluindo aspectos do conteúdo, da linguagem utilizada, da forma e layout gráficos de textos e imagens, dos aspectos visuais, jogo de cores, tipos de letra, entre outros, como foco no constructo veiculado e tipo de informação a ser trabalhada, bem como ação esperada do sujeito em decorrência da utilização do material na prática.
A utilização das estratégias metodológicas e dos referenciais teóricos adotados orientou a elaboração do material educativo de forma sistemática e com rigor metodológico, como se descreve a seguir. O material depois de elaborado foi encaminhado para avaliação e validação por profissionais e público destinatário, este conteúdo será tratado em outro artigo, dado não ser objeto deste.
Adicionalmente à análise descritiva apresentada na publicação do estudo exploratório com as famílias, a totalidade dos conteúdos desta etapa foi organizada em um banco de dados contendo aspectos da experiência da família, da compreensão sobre o desenvolvimento das crianças, e das necessidades apontadas pelos cuidadores, para, juntamente com os resultados da revisão bibliográfica, serem trabalhadas como conteúdo do material educativo proposto.
Na revisão, foram selecionados 76 artigos, e excluídos 49, por não se adequarem aos critérios de inclusão estabelecidos. Assim, 27 artigos completos foram incluídos para estudo e composição do material educativo. A maior parte dos estudos foi retirado da base Science Direct (8), seguido da Web of Science (7), Scielo (5), Scopus (5) e PsycoInfo-APA (2).
A maioria dos 27 estudos incluídos estava no idioma inglês (23) e datou do ano de 2014 (16). Os tipos de estudo variaram: caso-controle (6), descritivos (11), de coorte (6), revisão sistemática (2) ou crítica (1), e survey (1). A referência completa e os principais resultados de cada artigo selecionado foram compilados em um quadro síntese que sumarizava seus principais achados e contribuições. Esta organização permitiu identificar, selecionar e sistematizar os conteúdos específicos a serem incluídos no material educativo proposto.
Os textos e fontes de pesquisa e base teórica considerados como referência chave na constituição do material educativo estavam relacionados ao referencial teórico da teoria bioecológica do desenvolvimento humano, ao referencial do desenvolvimento funcional, à prematuridade, e aos direitos de crianças e adolescentes no Brasil.
A compreensão da prematuridade a partir do Referencial teórico da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano como norteadora do material educativo, o estudo exploratório com as famílias na primeira etapa e a revisão de literatura possibilitaram a elaboração de um modelo teórico para compreensão do modelo PPCT22 para a criança nascida prematura, expresso na Figura 2, que balizou o conteúdo do material educativo:
Os conteúdos dos artigos e documentos selecionados para o estudo foram sistematizados em dois quadros de evidência, de acordo com o Referencial do Modelo bioecológico do desenvolvimento humano23 e as dimensões do desenvolvimento funcional27,28. Nos Quadros 2 e 3, as categorias estabelecidas estão elencadas com as referências bibliográficas que as originaram, e de acordo dos referenciais teóricos correspondentes.
Classificação PPCT | Aspecto Relacionado ao Cuidado | Referência |
---|---|---|
Fatores de influência positiva sobre o desenvolvimento de crianças nascidas prematuras | ||
Processo | Afeto, interação e presença contínua e participativa dos cuidadores. | Lemos e Veríssimo, 201534
Lundqvist et al., 201435 |
Brincadeiras, brinquedos e conversas. | Lemos e Veríssimo, 201534
Hall et al., 201336 |
|
Estimulação da criança e ensino de habilidades. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Leitura, música ou esporte. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Oferecimento de alimentos saudáveis. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Convívio com outras crianças em casa, na vizinhança, ou na creche. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Cuidado baseado nas pistas oferecidas pela criança. | Evans et al., 201437 | |
Ouvir a voz materna;Interações e verbalizações com o RN ainda na UTIN;Estimulação multissensorial (posicionamento, massagem, estimulação oral...) oferecido ainda na UTIN pelos cuidadores treinados pela equipe. | Picciolini et al., 20144Caskey et al., 201138Gerstein et al., 201539Gabis et al., 201540 | |
Perceber a criança se desenvolvendo, a aquisição de habilidades traz alívio aos cuidadores. | Lemos e Veríssimo, 201534
Lundqvist et al., 201435 |
|
Fatores de influência negativa sobre o desenvolvimento de crianças nascidas prematuras | ||
Maus-tratos e ausência de afeto ou carinho dos cuidadores. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Expectativa demasiada e apressada sobre a trajetória de desenvolvimento e/ ou comparação do desenvolvimento com o de outras crianças. | Lemos e Veríssimo, 201534
Lundqvist et al., 201435 Hall et al., 201336 |
|
Cuidado restritivo à independência da criança e superproteção. | Lemos e Veríssimo, 201534
Whittingham et al., 201441 Morais et al., 200942 Souza et al., 201025 |
|
Fala, pensamento ou influência (negativa) de pessoas próximas ou externas ao convívio sobre a criança e seu desenvolvimento. | Lemos e Veríssimo, 201534
Souza et al., 201025 McGowan et al., 201443 Lundqvist et al., 201435 Pal et al., 201444 |
|
Preocupação com o desenvolvimento atual e futuro (intercorrências/ deficiências, atrasos, efeitos colaterais) e estado de saúde atual, ou futuro. | Lemos e Veríssimo, 201534
McGowan et al., 201443 Lundqvist et al., 201435 Hall et al., 201336 Pal et al., 201444 |
|
Cuidadores às vezes colocam seu autocuidado em segundo plano. | Hall et al., 201336 | |
Cuidadores perceberem pouco as pistas dadas pela criança durante o cuidado. | Winstanley et al., 201445 | |
A experiência do período inicial é traumática, traz medo, inseguranças, mesmo depois de percebida como acabada. | Lemos e Veríssimo, 201534
Lundqvist et al., 201435 Pal et al., 201444 |
|
Problemas de saúde mental: estresse, ansiedade, depressão, estresse pós-traumático; Sintomas de depressão materna, estresse dos cuidadores é fator de risco para o desenvolvimento social, emocional e funcional de nascidos prematuros aos 5 anos de idade. O senso de coerência das mães pode ser um fator protetor;Sintomas de depressão materna parecem ter efeitos negativos sobre a função cognitiva de crianças nascidas prematuras aos 16 meses. | Howe et al., 201446
Gray et al., 201347 Hall et al., 201336 Chang et al., 201448 Mehler et al., 201449 Suttora et al., 201350 Huhtala et al., 201451 McManusa e Poehlmannb, 201252 |
|
Pessoa | O nascimento prematuro define uma demanda da criança: pequenas ou frágeis... (Fragilidade). | Lemos e Veríssimo, 201534
Pal et al., 201444 |
As famílias não têm clareza sobre Idade corrigida e Idade cronológica. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
O ganho de peso e o crescimento são entendidos como progresso do desenvolvimento se a característica "aumento de peso" está presente, a família acredita que a criança está indo bem. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Pais de nascidos prematuros tem alto crescimento pessoal. | Taubman et al., 201453 | |
Contexto | Microssistema | |
Práticas aprendidas na UTIN são reproduzidas em casa, institucionalização do cuidado. | Couto e Praça, 200910
Morais et al., 200942 Costa et al., 200954 Whittingham et al., 201441 |
|
Existe uma lacuna no fornecimento de informações da equipe de saúde ou de materiais educativos para orientação para preparação dos pais para a alta da criança da UTIN para domicílio, prejudicando a organização do ambiente domiciliar para o cuidado. | Lemos e Veríssimo, 201534
Whittingham et al., 201441 Souza et al., 201025 Raffray et al., 201455 McGowan et al., 201443 Hall et al., 201336 Pal et al., 201444 |
|
Conflitos no domicílio e lares sem um dos cônjuges podem ser prejudiciais ao desenvolvimento, segundo cuidadores. O apoio do cônjuge é essencial. | Lemos e Veríssimo, 201534
Lundqvist et al., 201435 |
|
Problemas familiares com o funcionamento físico, incluindo sensação de cansaço, ter dores de cabeça, sensação de fraqueza, e problemas de estômago. | McGowan et al., 201443
Howe et al., 201446 Lundqvist et al., 201435 |
|
Problemas familiares com o funcionamento social, incluindo a sensação de isolamento, dificuldade em obter apoio de outras pessoas, e encontrar tempo ou energia para atividades sociais. Restrição de seu papel social. | McGowan et al., 201443
Lundqvist et al., 201435 |
|
Problemas familiares com a comunicação, incluindo não compreensão da situação da família pelos outros, dificuldade para falar sobre o estado de saúde da criança, e comunicação com os profissionais de saúde. | McGowan et al., 201443 | |
Problemas familiares com atividades diárias, incluindo atividades que exigem mais tempo e esforço, dificuldade em encontrar tempo e energia para terminar as tarefas domésticas (Funcionamento familiar). | McGowan et al., 201443
Lundqvist et al., 201435 |
|
Problemas nas relações familiares, incluindo a comunicação, estresse e conflitos entre membros da família, e dificuldade em tomar decisões e resolução de problemas como uma família (Funcionamento familiar); Ou problemas para obter apoio do cônjuge. | McGowan et al., 201443
Howe et al., 201446 Lundqvist et al., 201435 |
|
A creche e/ou os serviços/profissionais de saúde podem ser promotores do desenvolvimento e favorecer boas atitudes de cuidadores. | Lemos e Veríssimo, 201534
Hall et al., 201336 Guillaume et al., 201356 |
|
Brinquedos, brincadeiras, contextos desafiadores favorecem o desenvolvimento. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Mesossistema | ||
A relação entre serviços de saúde em que as crianças estão inseridas, ou receberam assistência, podem ser promotores ou limitadores do desenvolvimento dependendo se esta relação foi positiva ou negativa. | Lemos e Veríssimo, 201534
Pal et al., 201444 |
|
Exossistema | ||
Crianças prematuras receberam mais visitas de profissionais de saúde ou foram mais vezes para consultas e atendimentos, suporte especializado de serviços de saúde. | Lemos e Veríssimo, 201534
McGowan et al., 201443 |
|
Micro e Mesossistemas | ||
A rede de suporte familiar (família, amigos, avós vizinhos) e/ou assistencial de saúde (serviços e profissionais) é apontada como crucial para apoiar no cuidado e/ou para o desenvolvimento da criança. | Lemos e Veríssimo, 201534
Lundqvist et al., 201435 Hall et al., 201336 Chang et al., 201448 Pal et al., 201444 Custódio et al., 201457 |
|
Exossistema | ||
Ausência de espaços de convivência, violência e tráfico de drogas nos espaços públicos de utilização coletiva e vizinhança são colocados como exossistemas prejudiciais ao desenvolvimento. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
A experiência de outros cuidadores que vivem ou viveram a mesma condição é vista como positiva e muito importante pelos cuidadores a se relacionarem e compartilharem as experiências. | Hall et al., 201336
Pal et al., 201444 |
|
Macrossistema | ||
Falta de políticas públicas de assistência social, cultura e lazer e violência urbana são colocados como macrossistema prejudicial ao desenvolvimento. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Tempo | Micro e Mesotempo | |
A família reconhece que a criança nascida prematura pode apresentar particularidades no contínuo do seu desenvolvimento, como atrasos. | Lemos e Veríssimo, 201534
Pal et al., 201444 |
Classificação Temática | Aspecto do cuidado | Referência |
---|---|---|
Interesses, dúvidas da família | Desenvolvimento da criança nascida prematura. | Lemos e Veríssimo, 201534 |
Causas do nascimento prematuro e/ou gravidez de risco. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Alimentação da criança nascida prematura. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Conhecimento de testes específicos que a criança precisa realizar. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Posicionamento e formas de carregar a criança. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Doenças mais comuns no prematuro. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Conhecer a experiência de outros cuidadores. | Lemos e Veríssimo, 201534 | |
Desenvolvimento Funcional | O desenvolvimento funcional é considerado consequência natural e resultado do ensino. | Lemos e Veríssimo, 201534 |
Prematuros apresentam escores inferiores à população normativa em testes de avaliação do desempenho funcional e independência para realização de atividades de vida diária em três áreas principais do desenvolvimento funcional: autocuidado, mobilidade e função social mesmo com correção da idade. | Lemos e Veríssimo, 20166 | |
Efeitos cumulativos de vários fatores ambientais e biológicos influenciam o desenvolvimento funcional de prematuros. | Lemos e Veríssimo, 20166 | |
Prematuros têm um ambiente menos estimulador em quantidade e qualidade ao desenvolvimento funcional. O desenvolvimento funcional pode estar relacionado às práticas de cuidado e ao contexto em que os sujeitos estão inseridos. | Lemos e Veríssimo, 20166 |
Essa sistematização possibilitou que todos os conteúdos fossem, então, organizados para compor o material educativo, pois foram distribuídos integralmente em agrupamentos que compuseram os capítulos do material em forma de livro. A seguir, realizou-se a redação dos capítulos, utilizando-se estratégias para a elaboração de um texto atraente e de linguagem acessível, de acordo com os critérios do Simply Put26 e o referencial da Educação Popular e Saúde12,13.
Assim, os dados sistematizados foram trabalhados no formato de uma história que retrata as experiências de uma família que viveu a condição do nascimento de uma criança prematura e dialoga com o leitor, indicando informações importantes para o cuidado da criança e a promoção do desenvolvimento funcional. No decorrer do texto, foram delineados espaços interativos para o leitor preencher com suas experiências. Foi também elaborado um quadro de habilidades funcionais esperadas por faixa etária, incluído ao final como um encarte, possibilitando a família acompanhar o desenvolvimento da criança por área do desenvolvimento funcional e idade.
O material em arquivo de texto simples foi formatado com uma estrutura que incluiu: indicações de capítulos; destaques no texto, com negritos ou caixas de texto coloridas, referentes a informações importantes oriundas da pesquisa e revisão de literatura; indicações dos espaços interativos com o leitor; e descrições da forma, local e tipo de ilustração a ser incluída em cada trecho do material e do encarte. Esta primeira versão foi encaminhada para uma empresa profissional especializada para diagramação e ilustração, contratada com recurso obtido mediante processo de fomento à pesquisa.
Durante o processo de diagramação e ilustração, o material foi periodicamente revisado pelas pesquisadoras em relação ao layout e forma de veiculação das informações em contatos diretos com a empresa. Isto visou potencializar a inclusão de ilustrações que assegurassem informações adequadas ao referencial teórico empregado e aos preceitos estabelecidos pelas instituições de saúde oficiais no Brasil e no mundo.
A primeira versão do material diagramada e ilustrada com 55 páginas foi disponibilizada para o processo de validação de conteúdo e de face com juízes e público alvo. Ainda não continha as referências bibliográficas nem os relatos das famílias, previstos como parte do conteúdo final, apenas indicação de que seriam incluídos. Após o processo de validação, o material foi revisado, ajustado e encaminhado para impressão. O material impresso foi encaminhado para distribuição nos serviços de saúde participantes da pesquisa e em serviços em que foram estabelecidas continuações da pesquisa. Além disso, foi veiculado no site da instituição de ensino em que a pesquisa foi desenvolvida e foi oferecida sua disponibilização para sites oficiais de associação de cuidadores de nascidos prematuros e para o Ministério da Saúde.
Este estudo buscou contribuir com proposições de construção de materiais educativos, ao descrever e justificar as estratégias metodológicas do processo de elaboração de um material educativo voltado para a promoção do desenvolvimento funcional de crianças nascidas prematuras.
Streck22 adverte para necessidade de buscar critérios abertos e consistentes para a pesquisa com o referencial da Educação Popular e com metodologias participativas, seguidos neste estudo: a relevância social, a qualidade de descrição e de interpretação, a reflexividade, a qualidade da relação entre os sujeitos e a praticabilidade do conhecimento.
Ademais, foram seguidas recomendações de estudiosos relativas à construção e validação de instrumentos17,18 e de pesquisadores que elaboraram e validaram tecnologias educativas, utilizando métodos similares, para múltiplos fins29,30, para área de saúde da criança31,32 e para apoio à família de nascidos prematuros33.
A utilização do modelo PPCT da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano23 na sistematização dos resultados da pesquisa com as famílias de crianças nascidas prematuras34 e da revisão de literatura, foi coerente com o objetivo de apoiar a família mediante criação do material educativo para o cuidado e promoção do desenvolvimento da criança nascida prematura. Isto porque a promoção do desenvolvimento da criança é um efeito dos Processos Proximais estabelecidos entre as Pessoas que interagem nos Contextos e no Tempo23. Assim, os processos de interação vividos pela criança nos seus primeiros anos, em especial no contexto da família, definem seu bem-estar biopsicossocial e qualidade de vida58.
Dessa forma, a força do material educativo consiste em buscar garantir a relação entre as evidências científicas e empíricas e o modelo PPCT, uma vez que teve toda sua elaboração fundamentada nos componentes processo, pessoa, contexto e tempo. Definir tal base teórica é consistente para a finalidade da promoção do desenvolvimento da criança pela família, dado que os processos proximais atuando como motor e forte preditores do desenvolvimento humano podem minimizar ou mesmo deter influências contextuais de vulnerabilidade23. O destaque para a força direcionadora dos processos proximais no desenvolvimento da criança também pode ser visualizada no formato de história dialogada com a família, sublinhando as interações entre família e criança no contínuo do desenvolvimento de todas as Pessoas do núcleo familiar.
O formato de história dialogada com o leitor utilizado no material educativo é condizente com o referencial da educação popular e saúde. O material como ferramenta mediadora já traz em si esta concepção de problematizar com os cuidadores de nascidos prematuros o cuidado para promoção do desenvolvimento, que vai sendo trabalhado a partir de personagens que vivem experiência similar, buscando uma identificação. O caderno de educação popular e saúde12 enfatiza:
A educação popular em saúde não é um processo de transmissão de conhecimento, mas de ampliação dos espaços de interação cultural e negociação entre os diversos atores envolvidos em determinado problema social para a construção compartilhada do conhecimento e da organização política, necessários a sua superação. Em vez de procurar difundir conceitos e comportamentos considerados corretos, procura problematizar, em uma discussão aberta, o que está incomodando e oprimindo.12 (p.21).
O foco no desenvolvimento funcional como constructo chave do material vem da emergente necessidade em se considerar a Pessoa/criança nascida prematura em seus Contextos e Processos. Apresenta também uma proposta que veicule de alguma maneira o conceito ampliado de saúde59 e o modelo conceitual da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF)60 que considera os acometimentos da estrutura e função do corpo como componentes de um modelo que estabelece com igual valor aos outros componentes: a atividade, a participação, e os fatores ambientais. Isso tudo está afinado com o modelo bioecológico de desenvolvimento humano23,24,58.
A busca de participação e divulgação do material junto ao público alvo durante sua construção remete também ao apelo de colocar as pesquisas acadêmicas como catalisadores de transformações políticas e sociais. Almeja que os participantes de pesquisas transcendam o papel de informantes e receptores de conclusões, efetivando sua participação na produção dos conhecimentos sobre suas singulares realidades22. Isso colabora para a consolidação dos Referenciais da Educação Popular12,13 e da Teoria Bioecológica23 no cerne de pesquisas e práticas de saúde.
Este estudo descreve os passos metodológicos para elaboração de um material educativo dirigido à promoção do desenvolvimento da criança nascida prematura partindo da pesquisa participativa com a população alvo, revisão de literatura e referenciais de apoio à construção de materiais educativos. A utilização das múltiplas estratégias complementares, focadas na literatura científica e no público alvo, permitiram maior rigor e ampliação do escopo do material educativo. Constituíram-se as estratégias de aproximação com o saber da população, a busca da literatura científica atualizada e busca de literatura de organização de materiais educativos e informativos adequados, como táticas de igual magnitude e importância na elaboração do material educativo, sendo recomendada esta tríplice estratégia para estudos com similar objetivo.
Os referenciais teóricos utilizados conferiram robustez à sistematização dos conteúdos do material educativo e foram fortalecidos como estratégias de pesquisa e organização de conhecimentos para prática em saúde. Estando indicada a busca e seleção de referenciais condizentes com a questão de saúde e com o constructo educativo a ser trabalhado em pesquisas que se dediquem a elaboração de material educativo como intervenções de saúde.