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Estratégias para alivio da dor durante a imunização

Estratégias para alivio da dor durante a imunização

Autores:

Viviane Santos Fontes,
Caíque Jordan Nunes Ribeiro,
Rodrigo Assis Neves Dantas,
Maria do Carmo de Oliveira Ribeiro

ARTIGO ORIGINAL

BrJP

versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192

BrJP vol.1 no.3 São Paulo jul./set. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20180051

INTRODUÇÃO

A vacina é a fonte mais comum de dor iatrogênica na infância, e uma considerável fonte de sofrimento para as crianças submetidas ao procedimento, bem como seus pais e o responsável por sua execução1.

No entanto, a dor e o medo associados à agulha tem sido negligenciada até recentemente, principalmente durante a infância. Assim, os profissionais de saúde precisam incorporar estratégias de manuseio da dor na prática clínica2.

A Associação Internacional para Estudo da Dor define dor como “uma experiência sensorial e emocional desagradável associada à lesão tecidual real ou potencial, ou descrita em termos de tais lesões”. Além disso, a dor é sempre subjetiva. Cada indivíduo aprende a aplicação da palavra através de experiências relacionadas com lesões no início da vida3.

O medo de agulha contribui para a não aceitação da vacina4. Existem estratégias comprovadas para controlar a ansiedade e a dor durante a imunização. As intervenções são divididas em: intervenções durante o procedimento, intervenções físicas e farmacológicas4,5.

No entanto, pouco se discute sobre tais estratégias com o objetivo de analisar as terapias não farmacológicas utilizadas em ensaios clínicos para o manuseio da dor durante a imunização de crianças.

CONTEÚDO

Estudo descritivo do tipo revisão integrativa para a identificação das produções sobre o manuseio da dor durante a imunização de crianças. O método é composto por seis etapas: estabelecer o problema (questão norteadora), selecionar a amostra, definir as informações a serem extraídas, analisar os resultados, apresentar e discutir os resultados, e apresentar a revisão6. Seguindo as etapas, foi definida como questão de pesquisa: quais as terapias não farmacológicas utilizadas em ensaios clínicos para o manuseio da dor durante a imunização de crianças?

O levantamento foi realizado a partir das bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Base de Dados em Enfermagem (BDENF) e Pubmed, através do livre acesso nos websites da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES-Brasil), por meio dos descritores controlados: “Ensaio clínico”, “Manejo da dor” e “Imunização”, bem como seus equivalentes na língua inglesa, com o operador booleano AND.

A etapa de coleta de dados foi realizada em junho de 2017, envolvendo a leitura cuidadosa e crítica de resumos e, em seguida, o texto completo, aplicando os seguintes critérios: 1) Inclusão - publicações a partir de 2007; texto completo disponível; idioma inglês, português ou espanhol; pesquisa envolvendo crianças (zero a 12 anos); uso de terapias não farmacológicas. 2) Exclusão - pesquisa envolvendo adultos; uso de modelo animal; duplo indexado em bases de dados. Nessa etapa foram encontrados 44 artigos, como mostra a figura 1.

Figura 1 Fluxograma de identificação e seleção de artigos 

Após a seleção, os artigos foram sumarizados e documentados de acordo com o título, autor, revista, ano de publicação e país, e classificados por nível de evidência científica7. Em seguida, realizou-se a análise crítica dos resultados através da síntese descritiva dos estudos, exibindo os objetivos, amostra, método, estratégia e principais resultados. Posteriormente, eles foram discutidos e apresentados.

A amostra foi composta por oito ensaios clínicos randomizados, encontrados nas bases de dados Medline e Pubmed, publicados entre 2007 e 2015.

Os estudos foram classificados como nível 2 de evidência científica. Em relação ao idioma, todos foram escritos em inglês. Desses, cinco foram conduzidos no Canadá, dois na Turquia, e um nos Estados Unidos da América (EUA). A tabela 1 apresenta uma síntese dos artigos incluídos no estudo.

Tabela 1 Síntese dos estudos incluídos 

Objetivo/Amostra Método Estratégia Principais resultados
A1 Avaliar o impacto da implementação de panfleto e vídeo em clínicas pediátricas ambulatoriais baseadas em hospitais.
160 díades (pais e filhos).
As clínicas pediátricas ambulatoriais foram aleatorizadas em dois grupos (grupo controle - cuidados padrões, grupo intervenção - revisão de panfleto e vídeo).
Material: panfleto e vídeo educativo.
Grupo controle - os pais que frequentaram a clínica não tiveram nenhum tipo de material educativo;
Grupo intervenção - os pais das crianças que frequentaram a clínica, revisaram um panfleto e um vídeo sobre o tratamento da dor durante a vacinação.
Dois meses após a primeira vacina eles retornaram e nenhuma atenção foi atraída para os panfletos e vídeo.
Os pais que estiveram no grupo intervenção, aumentaram o uso de intervenções para o gerenciamento da dor, porém, o nível de dor infantil neste grupo não foi menor.
A2 Avaliar o nível de dor dos recém-nascidos durante as vacinações contra a hepatite B realizadas na posição facilitada e na posição clássica de retenção.
60 recém-nascidos.
Os recém-nascidos foram aleatorizados em dois grupos (grupo controle - cuidados padrões, grupo intervenção - posição facilitada).
Material: posição facilitada de dobra.
Grupo controle - a vacinação foi realizada na posição reta;
Grupo intervenção - a vacinação foi realizada na posição facilitada de dobra.
Os escores de dor dos lactentes no grupo de intervenção foram menores do que no grupo controle.
Enquanto 50% dos lactentes no grupo de tratamento não apresentavam dor, 93,4% dos lactentes no grupo controle apresentavam dor intensa.
A3 Avaliar a usabilidade e a eficácia em termos de aquisição de conhecimento a partir do panfleto e vídeo em pais de recém-nascidos.
33 mães, algumas acompanhadas pelos parceiros.
Avaliação da usabilidade dos materiais; entrevistas individuais e em grupo; e teste de conhecimento.
Material: ferramentas educacionais - panfleto e vídeo; teste de conhecimento com 10 perguntas de verdadeiro ou falso.
Foram realizados três grupos de entrevistas, dividida em três fases: linha de base (questões gerais sobre dor na vacinação infantil), revisão de panfleto e revisão de vídeo.
Um moderador facilitou a discussão usando um guia de entrevista e gravou o discurso.
Em seguida, foi aplicado um instrumento para a avaliação da informação em saúde e um teste de conhecimento incluindo 10 perguntas sobre compreensão e adequação de informações, realizados após a revisão do panfleto e do vídeo.
Os pais eram receptivos e abertos para aprender sobre as estratégias de gestão da dor, queriam acesso às ferramentas educacionais, além de relatar que a credibilidade da informação era importante.
A maioria dos pais relataram ter entendido todas as informações do panfleto e do vídeo.
O número médio de respostas corretas aumentou de linha de base para pós-panfleto e de pós-panfleto para pós-vídeo.
Todos os pais relataram que pretendiam agir com base nas informações incluídas no panfleto e no vídeo.
A4 Examinar um programa informatizado de treinamento dos pais, "Bear Essentials", para melhorar o conhecimento dos pais e treiná-los para ajudar a aliviar a angústia na imunização em pré-escolares.
90 díades (pais e filhos).
As diádes foram aleatorizadas em três grupos (grupo controle - cuidado padrão, grupo intervenção 1 - distração, grupo intervenção 2 - treinamento e distração).
Material: filmes infantis; programa de treinamento dos pais - "Bear Essentials".
Grupo controle - nenhum treinamento e nenhuma forma de distração;
Grupo intervenção 1 - nenhum treinamento e distração com filme infantil;
Grupo intervenção 2 - treinamento dos pais através do programa "Bear Essentials" e distração com filme infantil.
Os pais na condição de treinamento obtiveram escores significativamente maiores do que os demais, indicando maior nível de conhecimento, maior envolvimento e incentivo à distração.
As crianças, cujos pais participaram do treinamento, se envolveram mais nas distrações e respiração profunda. Porém, não houve diferenças na condição de dor das crianças.
A5 Oferecer conclusões mais definitivas sobre a eficácia e os mecanismos de distração para o manuseio da dor durante a infância.
99 crianças.
As crianças foram aleatorizadas em três grupos (grupo controle - cuidado padrão, grupo intervenção 1 - distração dirigida pelo assistente de pesquisa, grupo intervenção 2 - distração dirigida pelos pais).
Material: brinquedos.
Grupo controle - os pais interagiram com as crianças, sem treinamento ou distração;
Grupo intervenção 1 - os pais seguram a criança enquanto o assistente a distrai utilizando um brinquedo;
Grupo intervenção 2 - os pais seguram a criança e encorajam o uso do brinquedo.
O nível de distração foi significativamente maior nos dois grupos de intervenção que no grupo de controle.
Porém, a dor das crianças não diferiu entre os grupos.

A dor causada pela vacina pode levar a alterações na resposta futura ao fenômeno doloroso, incluindo o medo de agulhas. Ainda que existam diferentes intervenções de alívio da dor, essas nem sempre são utilizadas na prática clínica1. Diante disso, ao analisar os diferentes estudos, evidenciaram-se diferentes estratégias não farmacológicas para o manuseio da dor durante a imunização de crianças.

O envolvimento dos pais durante a imunização foi discutido na maioria dos artigos (A1, A3, A4 e A5). As evidências demonstraram que os pais apresentaram grande interesse em aprender as intervenções de alívio da dor durante a vacinação infantil8. As intervenções com os pais envolveram treinamento inicial, com orientações da equipe de enfermagem.

Os pais que recebiam algum tipo de orientação ou treinamento, conseguiam envolver-se em mais técnicas de distração, encorajamento e promoção de enfrentamento durante o procedimento9,10.

O uso de ferramenta educacional para orientação dos pais foi abordado em A3 e A4. Dentre as técnicas educativas, destacam-se o uso de panfletos, vídeos e até mesmo um programa de computador com informações básicas quanto às opções de manuseio da dor. O emprego dessas técnicas aumentou significativamente o conhecimento dos pais sobre as intervenções e o nível de confiança para sua execução8.

As técnicas de distração são bastante utilizadas para o gerenciamento da dor durante a imunização, especialmente com o uso de filmes infantis e brinquedos (A4 e A5). A utilização de filmes e brinquedos evidenciaram um aumento no comportamento de enfrentamento entre as crianças, além de contribuir para a promoção de enfrentamento, entre os pais e a equipe de enfermagem9-11.

As técnicas de posicionamento infantil, durante o procedimento vacinal, foram pouco discutidas nos artigos incluídos nesta revisão. Apenas um deles (A2) abordou o uso da posição facilitada de dobra para a imunização de recém-nascidos. O uso da posição facilitada é um método simples, barato e não invasivo, que contribui para o alívio da dor devido à vacinação, facilitado os cuidados com recém-nascidos12.

CONCLUSÃO

A análise dos estudos abordou inúmeras intervenções para o alívio da dor durante a vacinação, sejam elas conduzidas por um profissional ou pelos próprios pais. As diversas intervenções trazem abordagens de distração, especialmente com brinquedos e filmes infantis.

Os estudos ainda evidenciaram a importância da participação dos pais durante o procedimento, após treinamento ou ferramenta educacional com panfletos, vídeos ou programas educativos, além de explanar os benefícios da posição facilitada em recém-nascidos.

O conhecimento obtido através deste estudo, revelou que a implementação das diversas técnicas de alívio da dor se mostrou benéfica para o manuseio da dor em crianças de diferentes idades, amparando os profissionais para sua utilização na prática clínica.

REFERÊNCIAS

1 Taddio A, Chambers CT, Halperin SA, Ipp M, Lockett D, Rieder MJ, et al. Inadequate pain management during routine childhood immunizations: the nerve of it. Clin Ther. 2009;31(Suppl 2):S152-67.
2 McMurtry CM, Pillai Riddell R, Taddio A, Racine N, Asmundson GJ, Noel M, et al. Far from "just a poke: common painful needle procedures and the development of needle fear. Clin J Pain. 2015;31(10 Suppl):S3-11.
3 IASP. Classification of Chronic Pain. 2nd ed. Merskey H, Bogduk N, editors. IASP Pain Terminology. Seattle: IASP Press; 1994. 240p.
4 Taddio A, Ipp M, Thivakaran S, Jamal A, Parikh C, Smart S, et al. Survey of the prevalence of immunization non-compliance due to needle fears in children and adults. Vaccine. 2012;30(32):4807-12.
5 Taddio A, McMurtry CM, Shah V, Riddell RP, Chambers CT, Noel M, et al. Reducing pain during vaccine injections: clinical practice guideline. CMAJ. 2015;187(13):975-82.
6 Ursi ES. Prevenção de lesões de pele no perioperatório: revisão integrativa da literatura [Internet]. [Ribeirão Preto]: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; 2005. Available from: .
7 OCEBM Levels of Evidence Working Group, Durieux N, Pasleau F, Howick J. The Oxford 2011 Levels of Evidence. Group [Internet]. 2011;1(version):5653. Available from: .
8 Taddio A, Shah V, Leung E, Wang J, Parikh C, Smart S, et al. Knowledge translation of the HELPinKIDS clinical practice guideline for managing childhood vaccination pain: usability and knowledge uptake of educational materials directed to new parents. BMC Pediatr. 2013;13:23.
9 Cohen LL, Rodrigues NP, Lim CS, Bearden DJ, Welkom JS, Joffe NE, et al. Automated parent-training for preschooler immunization pain relief: a randomized controlled trial. J Pediatr Psychol. 2015;40(5):526-34.
10 Cohen LL, Blount RL, Panopoulos G. Nurse coaching and cartoon distraction: an effective and practical intervention to reduce child, parent, and nurse distress during immunizations. J Pediatr Psychol. 1997;22(3):355-70.
11 Hillgrove-Stuart J, Pillai Riddell R, Horton R, Creenberg S. Toy-mediated distraction: clarifying the role of distraction agent and preneedle distress in toddlers. Pain Res Manag. 2013;18(4):197-202.
12 Kucukoglu S, Kurt S, Aytekin A. The effect of the facilitated tucking position in reducing vaccination-induced pain in newborns. Ital J Pediatr. 2015;41:61.