versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.22 no.4 Rio de Janeiro 2018 Epub 08-Nov-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0148
O envelhecimento populacional acontece de forma acelerada em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Dados demográficos apontam que a população idosa no Brasil é considerada uma das maiores do mundo, com expectativa de aumento de 4% ao ano, entre 2012 e 2022. Assim, contabiliza-se um incremento anual médio de mais de 1,0 milhão de idosos,1 resultado da diminuição das taxas de fecundidade e mortalidade, aumento da expectativa de vida, melhoria dos serviços e uso de novas tecnologias em saúde.
Com o passar dos anos, ocorre um declínio fisiológico nas funções do organismo, que implica em alterações biopsicossociais, as quais associadas às condições não favoráveis, culminam no desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, comorbidades e agravos, que coadunam com a necessidade de cuidados em todos os níveis de atenção à saúde.2 Embora a internação hospitalar seja recomendada, unicamente, quando findadas todas as opções de manejo dos agravos, ela é um importante recurso e integra a rede de atenção à saúde do idoso.3
Nesse contexto, quando as necessidades de saúde do idoso determinarem sua hospitalização, as características relacionadas a senescência tem de ser observadas para o planejamento da assistência.4 Essa observação é importante porque os idosos internam com maior frequência, o tempo de ocupação do leito tende a ser prolongado, as readmissões são altas e a recuperação mais lenta, o que demanda maior tempo de atendimento da equipe multiprofissional.5 Além disso, o hospital é um ambiente permeado por estressores. Dessa forma, a hospitalização pode tornar-se desgastante para o idoso, uma vez que ocasiona mudanças nos hábitos e estilos de vida, distanciamento de familiares, animais de estimação e objetos pessoais.
Ademais, a restrição ao leito, necessária, muitas vezes, ocasiona perda funcional, diminuindo, assim, a capacidade de deambular e, ocasionalmente, aumentando a incidência de quedas, com risco de fraturas,6 condições que podem ser percebidas como estressores pelos idosos. Nessa conjuntura, destaca-se que a pessoa idosa deve ser valorizada e respeitada tal como ela é, independente da fase da vida em que se encontra.4
Dessa forma, pressupõem-se que os idosos vivenciam estressores durante a hospitalização e diante de distintas definições para o termo, esse estudo fundamentou-se no Modelo de Sistemas de Neuman (MSN). Para a teorista, estressores são caracterizados por forças ou estímulos, presentes no meio intrínseco ou extrínseco, que agem sobre o indivíduo (sistema), e causam tensão, impedindo a manutenção do seu equilíbrio.7 No MSN, cada pessoa é considerada como um sistema aberto, composto por um centro, rodeado por círculos concêntricos, nos quais estão inseridos as condições básicas de sobrevivência; os estressores intrapessoais, extrapessoais e interpessoais; a reação aos estressores e a reação à unidade total, interagindo com o ambiente.7
Quanto à classificação dos estressores proposta por Neuman, o ambiente interno ou fatores intrapessoais são todas as forças de dentro da pessoa, como as respostas condicionadas (conhecimentos, emoções, medo, frustração, ansiedade, angústia, impaciência) e respostas orgânicas. O ambiente externo são todas as interações que ocorrem fora do organismo, com o meio físico e pessoas desconhecidas. Nesse espaço, se incluem os fatores interpessoais, que são decorrentes da interação entre indivíduos, regras e expectativas e os extrapessoais, decorrentes de fatores sociopolíticos, culturais, de trabalho e pressões financeiras.7
Sustentados pelo MSN, considera-se que o idoso hospitalizado está continuamente em interação com estímulos internos e externos, e em permanente transformação no ambiente, na busca de um estado dinâmico de harmonia e equilíbrio. Assim, infere-se que durante a hospitalização os idosos vivenciam diferentes situações que podem ser avaliadas como estressores e, diante da lacuna nos estudos que investigam essa problemática, busca-se responder à seguinte questão: Quais os estressores vivenciados pelos idosos durante a hospitalização?
Pondera-se que, estudos com esse enfoque podem explicitar os estressores vivenciados por idosos hospitalizados, instigar reflexões e subsidiar ações de enfermagem inerentes a este processo, que auxiliam na reabilitação da saúde do idoso e tornem o período de hospitalização menos estressante. Dessa forma, por considerar que o cuidado ao idoso envolve aspectos fisiológicos, psicológicos, socioculturais, de desenvolvimento e espirituais,7 a identificação dos estressores pode favorecer o planejamento de resultados e intervenções de enfermagem.
Conjuntamente, a utilização de um Modelo Teórico de Enfermagem possibilita a consolidação da enfermagem como ciência e arte, a fim de produzir conhecimentos próprios que correspondam às necessidades e especificidades da profissão, da pessoa, do ambiente e da coletividade. Assim, o uso do MSN confere ineditismo ao estudo, por se tratar de um aporte epistemológico fundamental à construção do saber e à prática profissional.
Portanto, o presente estudo tem por objetivo, descrever os estressores vivenciados por idosos hospitalizados na perspectiva do Modelo de Sistemas de Neuman.
Trata-se de um estudo qualitativo descritivo, realizado em uma Clínica Médica de um hospital de ensino no Rio Grande do Sul. Dentre os 19 idosos hospitalizados na clínica no período de coleta de dados, dois recusaram-se a participar do estudo, cinco apresentaram baixos escores no Mini Exame do Estado Mental (MEEM), não atingindo o ponto de corte. Assim, participaram do estudo 12 idosos, que atenderam aos critérios de inclusão de estar hospitalizado há mais de cinco dias e de apresentar capacidade cognitiva preservada.
Os participantes foram selecionados por conveniência e aqueles que atenderam aos critérios de inclusão foram convidados a participar do estudo. Inicialmente, foi aplicado o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), para avaliação cognitiva seletiva. Para padronização dos escores, adotou-se: analfabetos = 19 pontos; três anos de escolaridade = 23 pontos; sete anos de escolaridade = 24 pontos; mais que sete anos de escolaridade = 28 pontos.8 Após o MEEM, foi apresentado os objetivos da pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A coleta foi realizada no período de março a junho de 2016, por meio de formulário com dados sociodemográficas e clínicos para caracterização dos idosos; Escala de Katz para avaliar as Atividades Básicas de Vida Diária (ABVDs)8 e de entrevista narrativa, com a pergunta desencadeadora: Como tem sido seu dia a dia aqui no hospital, desde que você se internou, que situações têm lhe estressado? As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora e gravadas em áudio, sob autorização do entrevistado. O número de participantes foi determinado pela necessidade de informação e qualidade dos dados produzidos, sendo que com 12 idosos alcançou-se a reincidência e complementaridade das informações acerca do objeto de estudo.9
Após a coleta e transcrição, para organização e apresentação dos dados, as informações foram identificadas pela letra "I" (idoso), seguida de uma numeração cardinal consecutiva (I1, I2...). Posteriormente, foi realizada a análise temática,10 com definição das categorias, conforme MSN. Na análise, a fim de encontrar os núcleos de sentido que constituem uma comunicação, na qual a existência indique algo para o objetivo apresentado, seguiram-se as fases determinadas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e, a interpretação desses.10
O estudo foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa, em 12 de janeiro de 2016, sob parecer nº 1.387.311. Foram respeitados os preceitos éticos de participação voluntária e consentida de cada sujeito, formalizada pelo TCLE.
A caracterização sociodemográfica e clínica dos idosos demonstrou que sete idosos eram do sexo masculino e cinco do feminino. Quanto à idade, seis idosos foram incluídos na faixa etária de 60 a 69 anos, cinco de 70 a 79 e um com mais de 80 anos. No que concerne ao estado civil, oito eram casados, dois divorciados, um solteiro e um viúvo. Quanto à profissão, nove eram aposentados, dois motoristas e um agricultor. No que diz respeito à escolaridade, sete não concluíram o ensino fundamental, três o concluíram e dois não eram alfabetizados. Com aplicação da Escala de Katz constatou-se que seis dos participantes eram dependentes nas ABVDs, três eram semidependentes e três eram independentes.
Apurou-se que a maioria das hospitalizações se deu em decorrência de doenças cardiovasculares, seguida das digestivas, respiratórias, infecciosas e traumatismos. A hipertensão arterial foi a condição crônica prévia mais frequente (8), seguido das doenças respiratórias (2), doença cardíaca (1); um idoso não apresentava patologia prévia. Destaca-se que durante o período de hospitalização foram adotadas medidas de precauções de contato com quatro participantes, que apresentaram culturas positivas para microrganismos resistentes. Quanto ao diagnóstico, foram identificados: Infarto Agudo do Miocárdio (2), Acidente Vascular Encefálico (2), Discite (1), Trauma Raquimedular (1), Hipoglicemia não específica (1), Angina Instável (1), Derrame Pleural (1), Abscesso Subdural (1), Gastroenterite (1) e Trombose Venosa Profunda (1).
Quanto à utilização de dispositivos, que auxiliavam na manutenção de funções vitais e no tratamento, verificou-se que oito dos participantes necessitavam de punção venosa periférica, dois utilizavam Cateter Venoso Central e um Cateter Central de Inserção Periférica; cinco usavam sonda vesical em sistema fechado; três mantinham dreno de tórax e um idoso utilizava sonda nasoentérica. Nesse aspecto, relaciona-se a tecnologia utilizada ao tratamento instituído e ao nível de dependência. Ademais, a utilização desses dispositivos pode representar para os idosos um estressor, pois se tratam de procedimentos invasivos, que demandam técnicas específicas para a instalação e manutenção e, na maioria das vezes, causam dor ao paciente.
A partir da análise dos dados, foram construídos três núcleos temáticos fundamentados no MSN, que compuseram a descrição e encaminharam à discussão dos resultados.
Os estressores intrapessoais são aqueles que agem dentro do indivíduo. São todas as interações que ocorrem com o idoso, como seus conhecimentos, emoções (medo, frustração, ansiedade) e variações do sistema orgânico.7 Por caracterizarem-se como forças interiores influenciadas pela idade (desenvolvimento), capacidade física (biológico) e experiências passadas (psicológico), nessa categoria incluíram-se os estressores relacionados às doenças e condições clínicas dos idosos, alterações hemodinâmicas e psicossocioculturais decorrentes do adoecimento e da hospitalização e, implicações das comorbidades.
As alterações clínicas relacionadas à doença, como restrições de mobilidade física, necessidade de permanência no leito, hospitalização prolongada e situações de instabilidade clínica, foram citadas pelos idosos como estressores.
[...] os dias difíceis foram aqueles dias que eu passei mais doente do que eu estava, ainda peguei pneumonia aqui, fiquei mais tempo só na cama [...] teve alguns momentos que achei que não ia viver mais, que nunca mais ia caminhar, foram momentos muito difíceis, eu só chorava [...] me senti debilitado [...] e hoje estou aqui, 100 dias no hospital, pra mim foi muito estressante isso daí, até nem pensava que ia retornar para a vida, porque eu estive entre a morte e a vida [...] (I3).
Verificou-se também frustação e medo do idoso com o seu prognóstico, inclusive o medo iminente da morte. Durante a hospitalização, várias foram as situações que despertaram esse sentimento nos pacientes, principalmente, quando apresentam agravamento do quadro clínico.
[...] a única angústia que tem é uma cirurgia como eu fiz [...] abriram meu coração, colocaram ponte de safena, como que não ia ficar angustiado? Não é uma operação do dedo do pé, é uma operação de risco, eu podia ficar na mesa (morrer) [...] (I5).
[...] o médico daqui disse que faltava pouco para eu morrer. E se ele não tivesse me atendido tinha morrido por lá mesmo [...] eu me senti meio chocado, sabe? Ele me disse bem na cara, e eu não estava esperando isso (choro) (I10).
Além dessas situações, o afastamento dos vínculos familiares e ambientais, despertaram sentimentos de saudade, tristeza, solidão e isolamento, percebidos como estressores.
[...] queria voltar pra casa, saudade de casa, da minha netinha [...] A gente envolve uma família inteira [...] é difícil, agora eu parei, mas no início, uns 15 ou 20 dias atrás, eu chorava todos os dias com saudade da minha netinha [...] (I2).
[...] fico triste de ficar longe da família, porque nem todos os familiares podem estar juntos [...]eles moram em outro estado e não podem vir aqui ficar comigo [...] (I4).
[...] eu sou muito apegado à minha casa, somos só eu e a mãe (choro) [...] não é fácil [...] Só eu sei o que eu estou passando (choro), sinto muita falta dela [...] aqui o tempo está me matando, porque eu fico muito só [...] (I6).
Ainda, estar hospitalizado, restrito a um ambiente desconhecido, a um espaço físico limitado, é um estressor para o idoso, o qual percebe-se preso, sem liberdade para agir.
[...] eu me sinto preso aqui, eu queria mesmo era estar em casa [...] a gente se sente melhor, nas coisas da gente [...] (I7).
[...] Aqui eu fico preso, tenho que ficar deitado, ainda eu, que sou acostumado a morar em casa, saio pra fora toda hora, moro na campanha, aí fica sempre 'pra lá e pra cá' e aqui estou preso [...] (I12).
A dor também foi mencionada pelos idosos como um estressor, principalmente, em relação à realização de procedimentos invasivos.
[...] Tirei hoje um, mas tinha dois drenos no tórax e me incomodava, ainda incomoda, quando vou me virar na cama, sinto dor, não é uma dor insuportável, mas quando vou me virar dói e era um dreno grosso, aí machuca [...] (I12).
Referentes aos estressores intrapessoais, relacionados às condições clínicas e psicossocioculturais decorrentes da doença, os mais citados foram fatores associados a mobilidade física prejudicada, percepção de dependência dos profissionais da saúde, situações de instabilidade clínica e dor, restrições impostas pelo tratamento e rotinas hospitalares, medo da morte, sentimento de tristeza, saudade e solidão decorrentes da hospitalização.
Os estressores interpessoais são forças que agem entre dois ou mais indivíduos, como os recursos e o relacionamento com familiares, amigos e profissionais.7 A partir da análise das narrativas, incluíram-se nessa categoria os fatores decorrentes das relações entre idosos e profissionais da saúde e da relação durante execução dos procedimentos.
Observou-se que as relações no âmbito hospitalar, por vezes, são indiferentes, mecânicas e automatizadas, dificultando a percepção do outro e massificando a atuação profissional, o que pode favorecer a despersonalização e pôr em risco a dignidade, como citado pelos idosos.
[...] eu me senti uma das últimas pessoas na hora que fui para fazer a cirurgia. Chegou lá e não deu pra fazer [...] foi meio triste, porque colocaram a gente para um canto e o médico disse que não tem cirurgia [...] (I3).
[...] esses dias que me deixaram lá embaixo, no RX, fiquei lá sozinha, esperando, esperando e eu tensa, o coração batia. [...] foi a coisa mais triste, ainda mais a gente que está onde não conhece e de noite a gente se perde [...] (I9).
Entende-se que o idoso hospitalizado possui suas singularidades, as quais necessitam ser respeitadas e preservadas. Os participantes do estudo pontuaram que com a hospitalização sua privacidade foi comprometida, acentuando-se de acordo com a gravidade da doença e o grau de dependência de cuidados. Nesse ínterim, a necessidade de usar fraldas e depender da equipe de enfermagem para a higiene perineal também foi percebida pelos idosos como um estressor.
[...] mas então vem duas, três moças para me limpar, que é uma coisa chata, é o que eu tinha mais vergonha, a pessoa suja na cama [...] (I5).
[...] Não tem privacidade, num quarto coletivo assim, muita gente não tem como ter privacidade. Eu não vejo se tem muita gente me olhando, eu enxergo muito pouco [...] O que eu não gosto é quando vão me trocar ou dar banho e escuto voz de homem [...] eu não gosto que fiquem me olhando, mas eu só sei que tem alguém quando eu escuto a voz, porque eu não enxergo, e isso me estressa muito [...] (I11).
O idoso hospitalizado necessita de atenção e cuidados específicos, de forma a garantir a resolutividade dos problemas apresentados, incluindo as limitações do envelhecimento. Há que se atentar para que o idoso não tenha sua autonomia relegada a um plano imperceptível, em virtude da hierarquização do cuidado e das situações de fragilidade inerentes à hospitalização.
[...] o que me deixa estressado é duvidarem de mim, achar que estou mentindo quando estou dizendo a verdade. Que nem acharam que eu estava mentindo que tinha saído a traqueostomia (cânula), eles (profissionais da saúde) acharam que eu tinha tirado de propósito, ficaram duvidando de mim, [...] (I8).
Além desses aspectos, a hospitalização, muitas vezes, requer procedimentos invasivos executados pelos profissionais de saúde, o que afeta a autonomia e, consequentemente, desencadeia desconforto e insegurança, que foram percebidos e mencionados como estressores.
[...] o que deixa a gente assim, nervosa, é quando eles colocam esses PICC (cateter central de inserção periférica) e cateter central [...] nunca tinha feito na minha vida, então me senti nervosa, chorei um monte, mas encarei a realidade e fiz [...] (I4).
[...] o momento que eu fiquei um pouco nervoso foi quando me furaram o pescoço para pegar uma veia e um momento que me deixou mais nervoso foi quando tiraram daqui do peito os drenos [...] (I5).
Dentre os estressores interpessoais, decorrentes das relações entre idosos e profissionais da saúde, incluíram-se a despersonalização, invasão da privacidade e intimidade, desrespeito à autonomia, além da realização de procedimentos que provocaram medo e ansiedade. Diante desses estressores, é importante que os profissionais revejam seus conceitos acerca dos idosos e das questões éticas que permeiam o cuidado, ultrapassando abordagens ancoradas nas questões clínico-curativas, a fim de compreender a totalidade, expressões e necessidades do ser humano.
Os estressores extrapessoais são todas as interações que ocorrem fora do organismo, ou seja, é todo o ambiente em que o idoso está exposto.7 Nessa categoria, estão apresentados os estressores decorrentes da infraestrutura hospitalar, normas e rotinas institucionais, citadas como estressoras por interferirem na manutenção do bem-estar dos idosos.
[...] só tá faltando o ar condicionado [...] porque no verão faz uns dias quentes aqui, é muito quente. [...] (I1).
[...] teve a situação da minha cama, que estava estragada, não subia a cabeceira, e eu sempre falando para trocarem, mas não arrumavam. Aí, quando foi pra mim começar a sentar na cama, comecei a insistir [...] (I3).
As narrativas dos idosos apontam a inadequação da estrutura hospitalar para assistir idosos, o que implica na segurança e induz a agravos, estressores próprios do ambiente em que acontece o cuidado.
[...] me senti triste no dia que estava no PA (Pronto Socorro) [...] lá é meio brabo para a pessoa idosa que nem eu, ficar naquelas macas. É muita gente lá, mas quem precisa de atendimento se sujeita a ficar lá. [...] (I4).
[...] tem muita coisa que deixa a gente estressada, principalmente quando a gente chega e fica lá embaixo (Pronto Socorro). Eu fiquei dias naquela maca estreitinha. Eu ficava muito estressada, pra descer tinha que descer numa escadinha e eu tenho uma dor na perna, então era difícil para eu subir e descer [...] (I11).
Sabe-se que as medidas de precauções são, muitas vezes, necessárias e que são elaboradas de acordo com o mecanismo de transmissão das patologias. Para idosos que se encontravam nessa situação, a exigência do uso de aventais e de luvas foi uma situação estressora.
Chegava uma pessoa querendo me ver e tinha que mandar colocar o uniforme, porque está no isolamento. Aí eu ficava muito estressado, com vergonha (I3).
Ainda, entende-se que os idosos têm particularidades e necessidades que precisam ser atendidos com habilidade, respeito e empatia para além da normatização do cuidado. As narrativas assinalam que o sono do idoso deve ser alvo de atenção, visto que já se encontra comprometido em decorrência de modificações fisiológicas características da idade e de doenças, como as osteomusculares e demências.
[...] estressado em momentinhos poucos, quando a gente está dormindo e chegam para fazer o medicamento, chega na hora do banho e tem que tomar banho, a hora de fazer o remédio tem que fazer o remédio, a gente vai ficando angustiado [...] (I3)
[...] tem aquele negócio, recém está dormindo, pegando no sono, aí tem que fazer medicação [...] isso atrapalha o sono (I8).
A respeito dos estressores extrapessoais, observou-se situações relacionadas à infraestrutura, normas e rotinas hospitalares, que influenciam na manutenção do bem-estar dos idosos. Essas questões, também apresentadas como estressoras, tem de ser identificadas pelos profissionais, tentando adequá-las sem prejudicar o bem-estar do idoso.
Concomitante ao envelhecimento verifica-se aumento das doenças crônicas e suas complicações, situações essas que aumentam o número de hospitalizações de idosos, bem como o tempo de permanência. A hospitalização pode causar diminuição da capacidade funcional, debilidade física e instabilidade emocional, dado que o hospital é permeado por estressores que interferem no bem-estar. Além disso, os pacientes são expostos aos riscos do ambiente hospitalar, os quais se acentuam para os idosos, devido ao processo de imunossenescência, às doenças e à fisiologia do envelhecimento.11
Os resultados do presente estudo apontam que o próprio idoso percebe a sucessão de perdas de capacidades ocorridas, como a funcionalidade motora e agravamento do seu quadro clínico. Esse confronto, com suas condições clínicas e psicossociais atuais, amplia o sentimento de perda e fragiliza seus recursos internos de enfrentamento, construídos ao longo de toda vida. Como a Linha Normal de Defesa (LND) de cada pessoa, varia de acordo com a idade e o desenvolvimento,7 infere-se que a diminuição de reservas fisiológicas e as doenças crônicas, advindas com o envelhecimento, podem tornar os idosos mais suscetíveis ao estresse, o que torna a identificação dos estressores e as ações de prevenção, prioritárias.
A hospitalização, em diferentes ciclos da vida, é uma situação vivenciada com angústia, todavia para o idoso transforma-se em uma situação melindrosa, pela ligação da relação de dependência à morte.12 Ademais, a hospitalização favorece o desenvolvimento de pensamentos negativos no idoso, especialmente pela fragilidade, tensão, medos variados e solidão, devido à permanência prolongada no ambiente hospitalar. Esse resultado corrobora com estudo realizado com 700 pacientes hospitalizados, o qual evidenciou que perder parte do corpo, medo de se tornar dependente e resultado do tratamento desconhecido são estressores vivenciados ao longo da hospitalização.13
O afastamento dos vínculos familiares e ambientais, despertaram sentimentos de saudade, tristeza, solidão e isolamento. Isso ocorre porque o ser humano estabelece relações materiais e psicológicas com o ambiente onde vive, as quais transformam o espaço físico em espaço significativo e de representação para o indivíduo, onde se desenvolvem todas as suas experiências. Também é no espaço físico que os indivíduos interagem e constroem sua subjetividade.14 O ambiente tem impacto emocional sobre o indivíduo e quando ele precisa abandoná-lo, por alguma razão, isso pode afetar diversos aspectos da sua vida.
Quando o idoso é hospitalizado, existe um afastamento de sua história pessoal, o que pode ocasionar sofrimento, sensação de abandono e medo do desconhecido. Nesse aspecto, é importante que os profissionais compreendam que o vínculo familiar representa para o idoso um componente fundamental para o seu bem-estar, no qual encontra apoio e intimidade para as diversas situações com as quais se depara e relações que asseguram um espaço de pertencimento. A mudança nos hábitos e comportamentos induzidos pela hospitalização provocam alterações na LND e exigem adaptação7 do idoso, destarte uma atitude acolhedora da enfermagem contribui significativamente para minimizar os estressores da hospitalização.13
Sabe-se que o idoso apresenta particularidades, inclusive relacionadas à adaptação em diferentes espaços, diferente das demais faixas etárias. Diante disso, acrescenta-se que sua avaliação de saúde deve ser feita de forma multidimensional, com objetivo de identificar problemas subjacentes à queixa principal, incluindo funcionalidade, cognição, emoções, questões de cunho social e ambiental, que interferem no bem-estar, na autonomia.15 Por conseguinte, a atuação dos profissionais de saúde, sobretudo do enfermeiro, é essencial para o processo de recuperação do idoso, pois permite a identificação dos problemas e estressores e, possibilita que o cuidado seja sistematizado e qualificado.
A dor foi citada pelos idosos como um estressor, especialmente durante a realização de procedimentos invasivos. Nesse ínterim, pontua-se que o alívio da dor é um direito de todas as pessoas e, também do idoso. Para isso, é necessário que os profissionais da saúde estejam preparados para avaliar a dor, ao longo do seu ciclo vital, e intervir utilizando a diversidade de abordagens disponíveis para atuar de modo interdisciplinar.16
No entanto, resultados retratam que o cotidiano das relações na assistência hospitalar favorece a despersonalização do idoso e coloca em risco a sua dignidade, pois suas singularidades não são preservadas e respeitadas. Diante disso, o cuidado ao idoso deve ser norteado pela manutenção da autonomia, tendo em vista a assistência integral, que respeite os princípios éticos e fortaleça a qualidade da assistência.17 O idoso necessita ser acolhido e ter as suas ansiedades, angústias e medos identificados a fim de tornar esse período menos desgastante.
Geralmente as equipes de saúde que assistem os idosos nos hospitais não são especializadas, por isso algumas particularidades dessa faixa etária não são consideradas. Convergente com essa afirmação, estudos apresentam que os profissionais, muitas vezes, tratam mais da doença que motivou a internação do idoso, do que das questões fisiológicas e psicológicas que o perturbam, deixando de assisti-lo de maneira holística.4,14 Esses achados corroboram com as distintas dificuldades e desafios enfrentados pela equipe de enfermagem no cuidado e assistência aos idosos hospitalizados, bem como com a necessidade de um cuidado direcionada às especificidades do idoso e de seu processo de envelhecimento como um todo.4
Nesse contexto, destaca-se que o respeito a privacidade é uma das necessidades e um direito do ser humano, de preservar seu corpo da exposição e manipulação por outrem.18 No ambiente hospitalar, a falta de privacidade é caracterizada pelas mudanças no espaço físico sem a permissão do idoso e pela exposição do corpo e partes íntimas durante procedimentos. Essas situações podem ser amenizadas adaptando a estrutura física, utilizando biombos, cortinas e cobrindo partes do corpo que não precisam ficar expostas durante um procedimento.
Em relação à necessidade de usar fraldas, salienta-se que a perda da dependência se relaciona com a inserção de fraldas ao longo da hospitalização, à medida que a autonomia se torna progressivamente diminuída nesse período.19 Além disso, o uso dessa tecnologia de cuidado prejudica questões relacionadas à autoimagem, percepção de si e julgamento alheio. Diante desse estressor, é importante fundar relações dialógicas, que proporcionem segurança e conforto, porque o que parece ser uma simples ação para os profissionais pode representar uma invasão de privacidade para o idoso. Nesse aspecto, é necessário modificar o conceito das ações de enfermagem pois os idosos observam, pensam e sentem as diferentes formas de cuidado.20
Além desses aspectos, a execução de procedimentos invasivos desencadeia desconforto e insegurança. O desconhecido pode ocasionar reações negativas, como alterações de autoestima e da imagem corporal, alterações psicológicas decorrentes do medo da morte e ansiedade. No que tange à atenção ao idoso, pontua-se que o cuidado tem de ser compreendido e implementado em sua amplitude, congregando à expertise da ciência a delicadeza do trato nas relações e a sensibilidade para identificar demandas, valores e expectativas individuais.21
O profissional que cuida precisa enxergar o idoso de modo holístico e valorizar as demandas, identificadas nas dimensões fisiológica, psicológica, sociocultural, de desenvolvimento e espiritual,7 de maneira equitativa. Todavia, no contexto atual das instituições hospitalares, em sua maioria focadas no modelo biomédico, a arte de cuidar é, por vezes, negligenciada. Para intervir nessa conjuntura e respectivas situações estressoras, é preciso ir além do tecnicismo e da prática focada na doença, considerando a integralidade do idoso, a fim de implementar intervenções de enfermagem que atendam além das demandas fisiológicas.
Entretanto, para a realização da prática assistencial é necessária, entre outras condições, a garantia de infraestrutura adequada, com disponibilidade de equipamentos, de recursos humanos capacitados e de materiais de insumos suficientes à assistência prestada. Ademais, a atuação dos profissionais depende dessas tecnologias, de modo que sua falta pode comprometer os resultados. As questões apontadas pelos idosos em relação à infraestrutura inadequada impossibilitam a efetivação de um importante princípio do Sistema Único de Saúde, que é a integralidade, e a obtenção de bons resultados e interfere na continuidade do cuidado à saúde.
Um estudo evidenciou diversas fragilidades no atendimento a idosos em unidade de emergência, dentre elas, ambiente hospitalar inadequado ao atendimento do idoso, o que por sua vez prejudica o cuidado de enfermagem e delimita a autonomia e independência do idoso dentro de seus potenciais.22 Além do mais, uma estrutura física inadequada compromete a segurança do paciente, preconizada pelo Programa Nacional para Segurança do Paciente.23
Geralmente, as acomodações proporcionadas aos idosos são inapropriadas, considerada a perda de tônus muscular ocasionado pelo processo de envelhecimento. O improviso tem sido constante nos serviços de saúde, o que compromete a assistência humanizada, acolhedora e resolutiva24 e, ainda pode dificultar o resguardo da privacidade dos idosos, cuja responsabilidade é da equipe de saúde.25 Isso reflete que os serviços ainda não estão preparados para atuar mediante as particularidades dos idosos e são visíveis dificuldades na gestão e operacionalização de estratégias inovadoras e efetivas que contemplem prioridades dessa população.26
O idoso quando hospitalizado tende a perder suas referências, visto que é inserido em um ambiente físico modificado e, com isso vivencia outros problemas.27 As suas preocupações aumentam, pois precisa adaptar-se às limitações impostas pela doença e, também, às rotinas institucionais. Nesse contexto, além das alterações orgânicas relacionadas à hospitalização, às instalações físicas e enfrentamento de normas e rotinas, é recomendado observar as alterações emocionais e valorizar as relações interpessoais, no contato com o idoso. Diante desse resultado, considerando que o enfermeiro ocupa uma posição estratégica e tem papel essencial na assistência, torna-se necessário que este avalie o entendimento do idoso sobre as orientações e os cuidados recebidos.28 Isso porque, o conhecimento do idoso sobre as intervenções pode minimizar o impacto estressor.7
Os resultados deste estudo apontam que o sono do idoso deve ser alvo de atenção. Nesse aspecto, infere-se que é importante que o enfermeiro esteja atento às características de sono do idoso, a fim de preparar-se para eventuais prejuízos decorrentes da sua má qualidade frente à hospitalização. No hospital, esforços devem ser envidados, da mesma forma que recursos não farmacológicos, para a melhora da qualidade do sono evitando-se ao máximo o uso de medicamentos sedativos, pelos riscos à sua ingestão pelos idosos.29 Alternativas para beneficiar o sono podem ser instituídas, como o planejamento de intervenções de enfermagem durante o dia e ajuste de horários de medicamentos como os diuréticos, considerando a eliminação prolongada de alguns medicamentos devido às mudanças fisiológicas inerentes ao envelhecimento.
A respeito dos estressores extrapessoais, percebe-se os baixos investimentos e recursos financeiros do hospital, que também é uma característica de muitos dos hospitais públicos do país, e, no que lhe concerne, acabam interferindo no processo terapêutico. Os idosos, por questões relacionadas às doenças crônicas e do próprio envelhecimento internam e reiternam mais vezes, e, por sua vez, estressando-se pela ausência de uma infraestrutura adequada para o seu cuidado.
O estudo identificou características sociodemográficas e clínicas dos idosos além de descrever os estressores intrapessoais, interpessoais e extrapessoais vivenciados por eles ao longo da hospitalização. Conhecer os estressores vivenciados por idosos hospitalizados em clínica médica permite refletir sobre a necessidade de cuidados de enfermagem, a fim de promover uma interação de forma holística e integral.
Constatou-se que os idosos vivenciaram diferentes estressores durante a hospitalização. Os estressores requerem identificação precoce para o quanto antes atenuá-los e promover a manutenção do bem-estar dos idosos. Desse modo, conhecer os estressores e classificá-los em intrapessoais, interpessoais e extrapessoais, conforme preconizado pelo MSN, fornece subsídios para a equipe de enfermagem qualificar a assistência e atender as necessidades do ser humano que envelhece. Por conseguinte, o enfermeiro, enquanto profissional que assiste e educa, pode ajudar o idoso a lidar com os estressores e a mobilizar suas estratégias de enfrentamento, que irão auxiliar na manutenção da homeostase.
Além disso, pontua-se que a utilização de uma teoria de enfermagem para o reconhecimento desses estressores, proporciona ao enfermeiro subsídios para o pensamento crítico, julgamento clínico e tomada de decisão, que embasam o planejamento de resultados e de intervenções de enfermagem. Portanto, é importante realizar estudos para investigar os estressores e sinalizar possibilidades de intervenções para minimizá-los, a fim de qualificar o cuidado de enfermagem a idosos hospitalizados embasando-o em um suporte teórico.