Compartilhar

Estudo anatômico do forame jugular no pescoço

Estudo anatômico do forame jugular no pescoço

Autores:

Carlos Alberto Ferreira de Freitas,
Luiz Roberto Medina dos Santos,
Andreza Negreli Santos,
Augusto Barreto do Amaral Neto,
Lenine Garcia Brandão

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.86 no.1 São Paulo jan./fev. 2020 Epub 30-Mar-2020

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.09.004

Introdução

O forame jugular é uma abertura na fissura petro-occipital formada pela junção da porção petrosa do osso temporal e a borda lateral do osso occipital. Localiza-se na base do crânio, lateralmente ao forame magno, posterior e medial à base do processo estiloide do osso temporal, ligeiramente lateral e posterior ao canal carotídeo e lateral ao canal do nervo hipoglosso.1,2

A veia jugular interna, principal via de drenagem venosa do cérebro, e três nervos cranianos, o nervo glossofaríngeo ou o nervo craniano IX, o nervo vago ou o nervo craniano X e o nervo acessório ou craniano XI, atravessam o forame jugular, também chamado forame lacerum posterior,3 para chegar ao pescoço. O seio petroso inferior, que drena o sangue do seio cavernoso para o bulbo jugular ou para a própria veia jugular interna, e um ou mais ramos da artéria faríngea ascendente ou da artéria occipital até as meninges,1,2,4 também são encontrados na região do forame jugular.

Essa complexidade anatômica torna a realização de procedimentos cirúrgicos nessa região delicada e difícil.5 As relações anatômicas das estruturas que emergem da abertura inferior do forame jugular e suas relações no espaço lateral-faríngeo são de grande interesse nos campos de cirurgia de cabeça e pescoço e base do crânio. Este estudo foi feito com o objetivo de estudar a anatomia do forame jugular, a veia jugular interna e os nervos glossofaríngeo, vago e acessório na região do forame jugular e no espaço faríngeo-lateral.

Método

Foram feitas 60 dissecções em 30 cadáveres frescos adultos, antes da autópsia. Este estudo foi aprovado pelo comitê de pesquisa da instituição e está de acordo com os padrões éticos e metodológicos.

O grupo de estudo consistiu em 36 (60%) dissecções de 18 cadáveres do sexo masculino e 24 (40%) dissecções de 12 cadáveres femininos. A distribuição etária variou de 34 a 87 anos, com mediana de 58 anos, média de 60 anos e desvio-padrão de 17,34 anos. Com relação ao lado estudado, 30 (50%) foram dissecções do lado esquerdo e 30 (50%) do lado direito. Em relação à cor da pele, 28 (46,7%) dissecções foram feitas em cadáveres brancos e 32 (53,3%) foram feitas em cadáveres não brancos. O tipo físico também foi observado, com 16 corpos longilíneos (26,7%) e 44 corpos normolíneos (73,3%). Nenhum dos cadáveres foi classificado como brevilíneo.

O estudo incluiu apenas cadáveres sem doenças do pescoço que pudessem interferir na anatomia ou na sintopia das estruturas analisadas, como aqueles com tumores, aqueles em que a morte ocorreu por causas traumáticas e aqueles com grandes deformidades da região cervical. O estudo foi feito em cadáveres não embalsamados, poucas horas após a morte, para que os resultados pudessem refletir condições realistas, tanto quanto possível. Após cuidadosa dissecção da área e exposição das estruturas estudadas, foram anotadas as dimensões, a trajetória e as relações anatômicas.

Resultados

A abertura inferior do forame jugular apresentou o maior diâmetro, variando de 2,8 mm a 13 mm, com mediana de 9,0 mm, média de 8,5 mm e desvio-padrão de 2,53 mm (fig. 1). Em 73,3% dos cadáveres estudados, o lado direito era maior do que o esquerdo.

Figura 1 Forame jugular (FJ) direito após remoção da veia jugular interna, nervo acessório (AC), nervo glossofaríngeo (G), nervo vago (VG), processo estiloide (ES). 

A veia jugular interna apresentou diâmetros de 2,5 a 9,0 mm, com mediana de 6,0 mm, média de 6,2 mm e desvio-padrão de 1,81 mm. Em 66,6% dos espécimes, a veia era maior no lado direito, 10% tinham diâmetros iguais e em 23,4%, a veia jugular interna era maior no lado esquerdo (fig. 2).

Figura 2 Nervo acessório (AC) esquerdo cruza posteriormente a veia jugular interna (VJI). FJ, forame jugular; GF, nervo glossofaríngeo; HPG, nervo hipoglosso; VG, nervo vago. 

O seio petroso inferior foi encontrado abaixo da abertura inferior do forame jugular em 5% dos espécimes estudados (3 casos 60). Estava localizado no lado direito, ocupava a porção anterior e medial do forame entre os nervos glossofaríngeo e vago (fig. 3) e terminava a uma distância que variou entre 23 e 40 mm abaixo do forame, com um diâmetro de 2,0 a 4,0 mm.

Figura 3 Seio petroso inferior (SPI) direito no pescoço, nervo acessório (AC) cruzando à frente da veia jugular interna (VJI). HPG, nervo hipoglosso. 

O nervo glossofaríngeo apresentou diâmetros de 0,6 a 2,0 mm, com mediana de 1,0 mm, média de 1,1 mm e desvio-padrão de 0,3 mm. O nervo emergiu do forame jugular em todos os casos estudados, através da porção anterior e medial, em frente ao nervo vago, e curvava-se medialmente, próximo à face posterior e inferior do músculo estiloglosso e da parede anterior da artéria carótida interna (fig. 2).

O nervo vago apresentou diâmetros de 1,2 a 3,8 mm, com mediana de 2,4 mm, média de 2,4 mm e desvio-padrão de 0,45 mm. Em todos os casos estudados, o nervo emergiu do forame jugular através da porção anterior e medial, entre os nervos glossofaríngeo e acessório. Em todos os espécimes, o nervo vago apresentou estreita relação com o nervo hipoglosso, que, após sair do crânio, continuava em torno do nervo vago via gânglio inferior, entre a veia jugular interna e a artéria carótida interna, seguia sua trajetória em direção à base da língua (fig. 2).

O nervo acessório exibiu diâmetros de 0,9 a 2,0 mm, com mediana de 1,2 mm, média de 1,3 mm e desvio-padrão de 0,34 mm. Em todos os casos estudados, o nervo emergiu do forame jugular através da porção anterior e medial, posterior ao nervo vago. Após sair do crânio, seguiu uma trajetória diferente em relação à veia jugular interna. Em 71,7% dos casos, o nervo acessório cruzou a VJI por sua parede anterior (fig. 3) e, em 28,3% dos casos, cruzou a VJI por sua parede posterior (fig. 2).

Discussão

O diâmetro do forame jugular foi maior no lado direito em 73,3% dos cadáveres analisados neste estudo. Outros autores encontraram resultados semelhantes.2,4-9

A conclusão mais importante deste estudo foi o achado de seio petroso inferior no pescoço. Essa malformação pode ser uma importante causa de sangramento durante procedimentos cirúrgicos nessa região.

A extensão extracraniana do seio petroso inferior que termina na veia jugular interna abaixo do forame jugular é incomum. Tal situação foi observada por Gailloud et al.10 em 5 de 101 pacientes estudados. De acordo com esses autores, essa estrutura deveria ser chamada de veia jugular acessória. Para Miller et al.,11 em 10% dos casos estudados, o seio petroso inferior juntou-se à veia jugular interna através de uma pequena veia na região correspondente à porção média do processo transverso do atlas.

Por sua vez, Katsuta et al.4 notaram que o seio petroso inferior drena o sangue para o bulbo jugular através de múltiplos canais; o maior tem um diâmetro entre 2,0 mm e 3,0 mm e passa entre o nervo glossofaríngeo, anteriormente, e o nervo vago, posteriormente. Eles também observaram que, raramente, esse canal sinusal principal drena para a veia jugular interna abaixo da abertura extracraniana do forame jugular.

Rubinstein et al.12 confirmaram que, como relatado em outros estudos, a área onde o seio petroso inferior drena o sangue para o sistema venoso jugular é variável e pode ocorrer dentro do forame, na abertura inferior ou abaixo da abertura.

Lv and Wu13 descreveram uma duplicação da parte superior da veia jugular interna, separada pelo nervo acessório, em 0,4% dos casos. Mitsuhashi14 encontrou o fim do seio petroso inferior abaixo do forame jugular em 37,3% dos casos estudados. Zhang et al.15 encontraram essa alteração em 34,6% dos casos, com diâmetro médio de 2,51 mm e terminando a 40 mm do forame jugular.

Em nossa amostra, essa alteração anatômica foi encontrada em 5% dos casos, todas do lado direito, a extensão cervical variou de 23,0 mm a 40,0 mm e o diâmetro entre 2,0 mm e 4,0 mm. A veia saía do crânio através da região medial e anterior ao forame jugular, posterior ao nervo glossofaríngeo e à frente do nervo vago, o que confirmou os achados de outros estudos.

Call e Pullec,16 Petriglieri17 e Rhoton e Buza7 relataram uma variação anatômica na qual o nervo glossofaríngeo deixava o crânio através de um canal próprio. Essa variação não foi encontrada em qualquer dos cadáveres que estudamos. Tubbs et al.18 encontraram um septo meníngeo que separava o nervo glossofaríngeo dos nervos vagal e acessório em 36% dos casos e, desses, 7,2% eram ossificados. Encontramos um diâmetro médio do nervo glossofaríngeo de 1,1 mm. Tekdemir et al.19 encontraram um diâmetro médio de 2,3 mm.

Após sair do crânio, o nervo acessório exibe uma trajetória variável em relação à veia jugular interna. Esse nervo curva-se lateralmente em um nível correspondente à apófise transversa do atlas e cruzao a veia jugular interna com maior frequência através de sua parede frontal. Encontramos essa relação em 71,7% dos casos estudados. Nos restantes 28,3% dos casos, o nervo passava atrás da veia. Katsuta et al.4 e Cock 20 encontraram resultados similares.

Parsons e Keith, citados por Cock,20 obtiveram resultado semelhante, embora tenham observado uma modificação na qual, em 3,2% dos 415 lados dos crânios estudados, o nervo craniano XI passava através da veia jugular. Hinsley21 também encontrou um caso dentre 116, no qual o nervo acessório passava através da veia jugular na altura do ventre posterior do músculo digástrico. Não encontramos tal variação em nossa amostra.

Caliot et al.22 encontraram uma frequência maior (90%) de casos com o nervo na frente da veia. Eles também relataram que o nervo acessório era posterior à veia jugular interna em ambos os lados em apenas um caso. Alguns outros estudos, no entanto, encontraram um leve predomínio do nervo acessório cruzando a veia lateralmente através de sua parede anterior. Diop et al.23 encontraram uma taxa de 57,6% e Saleh et al.24 52,5%. Isso ocorre em um nível correspondente ao processo transverso do atlas, como também confirmamos em nosso estudo.

Um resultado similar foi obtido por Soo et al.,25 56% e 44% dos nervos passavam anteriormente e posteriormente a VJI, respectivamente. Berrone et al.26 também encontraram um nervo acessório com uma trajetória “pré-venosa” em pouco mais de 50% dos casos e uma trajetória “retro-venosa” nos casos restantes.

Lee et al.27 estudaram a relação entre o nervo acessório e a veia jugular interna em 181 pacientes submetidos a esvaziamento cervical e encontraram um resultado ligeiramente diferente, com o nervo em posição dorsal à veia jugular interna em 57,4% dos casos e com o nervo passando através da veia jugular interna em 2,8% dos casos. Piffer et al.28 analisaram 32 lados de cadáveres e também relataram ter encontrado o nervo acessório em posição dorsal em 81,2% dos casos.

Conclusão

Existem variações anatômicas importantes na abertura inferior do forame jugular. Os diâmetros do forame jugular e da veia jugular interna foram variáveis e maiores no lado direito na maioria dos espécimes estudados. O seio petroso inferior pode terminar na veia jugular interna até 40 mm abaixo do forame jugular em até 5% dos casos. O nervo vago está intimamente relacionado ao nervo hipoglosso, esse último tem seu próprio canal para sair do crânio. O nervo glossofaríngeo tem uma relação anatômica íntima com o músculo estiloglosso após sair do crânio. O nervo acessório passava com mais frequência ao redor da veia jugular interna através de sua parede anterior e menos frequentemente através de sua parede posterior.

REFERÊNCIAS

1 Tummala RP, Coscarela E, Morcos JJ. Surgical anatomy of the jugular foramen. Oper Tech Neurosurg. 2005;8:2-5.
2 Dias GJ, Perumal V, Smith C, Cornwal J. The relationship between jugular foramen asymmetry and superior sagital venous sinus laterality. Anthropol Sci. 2014;22:115-20.
3 Prades JM, Martin CH, Veyret CH, Merzougui N, Chelikh L. Anatomic basis of the infratemporal approach of the jugular foramen. Surg Radiol Anat. 1994;16:11-20.
4 Katsuta T, Rhoton AL, Matsushima T. The jugular foramen: microsurgical anatomy and operative approaches. Neurosurgery. 1997;41:149-201.
5 Keles B, Semaan MT, Fayad JN. The medial wall of the jugular foramen: a temporal bone anatomic study. Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;141:401-7.
6 Rhoton AL, Buza R. Microsurgical anatomy of the jugular foramen. J Neurosurg. 1985;42:541-50.
7 Sturrock RR. Variations in the structure of the jugular foramen of the human skull. J Anat. 1988;160:227-30.
8 Glassman DM, Dana SE. Handedness and the bilateral asymmetry of the jugular foramen. J Forensic Sci. 1992;37:140-6.
9 Hatiboglu MT, Anil A. Structural variations in the jugular foramen of the human skull. J Anat. 1992;180:191-6.
10 Gailloud P, Fasel JHD, Muster M, Desarzens F, Ruefenacht DA. Termination of the inferior petrosal sinus. Clin Anat. 1997;10:92-6.
11 Miller DL, Doppman JL, Chang R. Anatomy of the junction of the inferior petrosal sinus and the internal jugular vein. Am J Neuroradiol. 1993;14:1075-83.
12 Rubinstein D, Burton BS, Walker AL. The anatomy of the inferior petrosal sinus, glossopharyngeal nerve, vagus nerve, and accessory nerve in the jugular foramen. Am J Neuroradiol. 1995;16:185-94.
13 Lv X, Zhongxue W. Anatomic variations of internal jugular vein, inferior petrosal sinus and its confluence pattern: implications in inferior petrosal sinus catheterization. Interv Neuroradiol. 2015;21:769-73.
14 Mitsuhashi Y, Nishio A, Kawahara S, Ichinose T, Yamauchi S, Naruse H, et al. Morphologic evaluation of the caudal end of the inferior petrosal sinus using 3D rotational venography. Am J Neuroradiol. 2007;28:1179-84.
15 Zhang W, Ye Y, Chen J, Wang Y, Chen R, Xiong K, et al. Study on inferior petrosal sinus and its confluence pattern with relevant veins by MSCT. Surg Radiol Anat. 2010;32:563-72.
16 Call WH, Pullec JL. Neurilemoma of the jugular foramen. Transmastoid removal. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1978;87:313-7.
17 Petriglieri P. Research on the morphology of the jugular foramen: presence of an accessory canal for the glossopharyngeal nerve in the skulls of new-born infants. Boll Soc Ital Biol Sper. 1969;45:1436-8.
18 Tubbs RS, Griessenauer CJ, Bilal M, Raborn J, Loukas M, Coen-Gadol AA. Dural septation on the inner surface of the jugular foramen: an anatomical study. J Neurol Surg B Skull Base. 2015;76:214-7.
19 Takdemir I, Tuccar E, Aslan A, Elhan A, Ersoy M, Deda H. Comprehensive microsurgical anatomy of the jugular foramen and review the terminology. J Clin Neurosci. 2001;8:351-6.
20 Cock M. Accessories nerves. Acta Otorhinolaryngol Belg. 1986;40:243-57.
21 Hinsley ML, Hartig GK. Anatomic relationship between the spinal accessory nerve and internal jugular vein in the upper neck. Otolaryngol Head Neck Surg. 2010;143:239-41.
22 Caliot P, Bousquet V, Midy D, Cabanié P. A contribution to the study of accessory nerve: surgical implications. Surg Radiol Anat. 1989;11:11-5.
23 Diop EM, Sow ML, Diop LS, Sila S. Anatomical considerations concerning the spinal accessory nerve. Dakar Med. 1984;29:353-61.
24 Saleh E, Naguib M, Aristegui M, Cokkeser Y, Sanna M. Lower skull base: anatomical study with surgical implications. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1995;104:57-61.
25 Soo KC, Hamlyn PJ, Pegington J, Westbury G. Anatomy of the accessory nerve and its cervical contributions in the neck. Head Neck Surg. 1992;9:111-5.
26 Berrone S, Viterbo S, De Gioanni PP. Anatomic surgical comments on the importance of the spinal accessory nerve. Minerva Stomatol. 1992;41:459-65.
27 Lee SH, Lee JK, Jin SM, Kim JH, Park IS, Chu HR, et al. Anatomical variations of the spinal accessory nerve and its relevance to level IIb lymph nodes. Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;141:639-44.
28 Piffer CR, Garcia PJ, Soares JC. Anatomical and surgical considerations concerning the importance of the spinal accessory nerve. Anat Anz. 1980;148:252-7.