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Estudo clínico e imuno-histoquímico de tumor neuroectodérmico melanocítico da infância em maxila

Estudo clínico e imuno-histoquímico de tumor neuroectodérmico melanocítico da infância em maxila

Autores:

Hellen Bandeira de Pontes Santos,
Aníbal Henrique Barbosa de Luna,
Pedro Everton Marques Goes,
Alexander Tadeu Sverzut,
Cassiano Francisco Weege Nonaka,
Pollianna Muniz Alves

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.16 no.2 São Paulo 2018 Epub 14-Maio-2018

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082018rc4025

INTRODUÇÃO

O tumor neuroectodérmico melanocítico da infância (TNMI) é uma neoplasia melanótica muito rara, geralmente diagnosticada durante o primeiro ano de vida.(14) Aproximadamente 314 casos foram relatados nos ossos gnáticos.(4) A discussão sobre a origem deste tumor levou os autores a usarem uma variedade de nomenclaturas, como melanocarcinoma congênito, tumor anlage da retina, epúlide pigmentado congênito ou progonoma melanocítico.(1,4) No entanto, ele tem sido considerado originário da crista neural, conforme demonstrado por estudos imuno-histoquímicos, ultraestruturais e de cultura de células.(1,2,4)

Apesar de ser classicamente um tumor benigno, o TNMI, na maioria dos casos, cresce rapidamente, apresenta invasão destrutiva local e pode causar deformidades em estruturas adjacentes.(13) Além disto, relata-se uma taxa de recorrência de cerca de 60% para estes tumores; alguns sofrem transformação maligna; e 5 a 10% produzem metástases.(1,3) Assim, o diagnóstico precoce minimiza os problemas e os riscos associados ao tratamento, favorecendo um desfecho ideal e o desenvolvimento normal do bebê.(3) Relatamos aqui um caso de TNMI, enfatizando suas características clínicas, imaginológicas, histológicas e imuno-histoquímicas.

RELATO DE CASO

Uma menina de 6 meses de idade apresentava tumefação no rebordo alveolar anterior da maxila por 4 semanas, causando dificuldades de alimentação. A paciente não apresentava anomalias congênitas nem qualquer outro achado físico ou clínico anormal. O exame extrabucal mostrou deslocamento superior da região paranasal e do lábio superior direito (Figura 1A). O exame intrabucal revelou massa firme e vermelho-azulada, de aproximadamente 4cm, que se estendia desde o rebordo alveolar direito até o palato duro, recoberta por mucosa intacta (Figura 1B). A aspiração com agulha apresentou resultados negativos. A tomografia computadorizada mostrou massa expansiva osteolítica bem circunscrita na maxila anterior direita, associada ao incisivo central superior direito (Figura 1C).

Figura 1 Achados clínicos e imaginológico do paciente. (A) Exame extrabucal mostrando elevação do lábio superior direito e da região paranasal. (B) Aspecto intrabucal do tumor neuroectodérmico melanocítico da infância, revelando massa expansiva recoberta por mucosa intacta. (C) Tomografia computadorizada mostrando lesão osteolítica unilocular bem definida, causando expansão e destruição do osso cortical bucal com envolvimento do incisivo primário (decíduo) 

Os diagnósticos de cisto dentígero, tumor odontogênico adenomatoide, TNMI ou rabdomiossarcoma foram sugeridos, com base nos achados clínicos e de imagem. Para o diagnóstico definitivo, a paciente foi submetida a uma biópsia incisional em ambiente cirúrgico. Microscopicamente, a lesão apresentava proliferação bifásica de pequenas células redondas, semelhantes a neuroblastos, e células epitelioides com citoplasma eosinofílico, contendo quantidades variáveis de melanina (Figura 2A). Não foram observadas características de malignidade. Na imuno-histoquímica, o componente do tipo melanocítico foi forte e difusamente positivo para HMB-45 e Melan A (Figuras 2B e 2C), e fracamente positivo para S100 (Figura 2D). O componente do tipo neuroblástico não foi reativo a estes anticorpos.

Figura 2 Aspectos histopatológicos e imuno-histoquímicos. (A) Ilhas de células pigmentadas epitelioides em meio a agregados alveolares de células redondas em tecido conjuntivo fibroso (H-E, 400×). (B) Os componentes epitelioides foram fortemente positivos para HMB-45 (100×). (C) Melan A difusamente positivo nas células tipo epiteliais (100×). (D) Fraca positividade para S100 nos componentes epitelioides 

Com base nestes achados, o diagnóstico histopatológico foi de TNMI. Depois disto, a lesão foi facilmente enucleada, e a cavidade óssea foi curetada e lavada com cuidado. O incisivo primário (decíduo) foi extraído, uma vez que tinha sido deslocado bucalmente e não possuía suporte ósseo. Não foi observada morbidade pós-operatória. O exame microscópico da amostra cirúrgica confirmou o diagnóstico de TNMI. Não houve evidência de recorrência após 2 anos (Figura 3).

Figura 3 Tomografia axial computadorizada mostrando neoformação óssea na maxila, sem nenhuma evidência de recorrência tumoral 

DISCUSSÃO

O TNMI é um tumor benigno raro de crescimento rápido, originário da crista neural, que geralmente ocorre durante o primeiro ano de vida.(14) Em uma revisão sistemática abrangente de 472 casos de TNMI, de 1918 a 2013, Rachidi et al.,(4) encontraram que a maioria dos casos ocorreu na região da cabeça e pescoço, com bastante frequência na maxila (62,2%), no crânio (15,6%) e na mandíbula (7,8%). Até presente a data, cerca de 314 casos localizados nos ossos gnáticos foram relatados na literatura. Além disso, metade dos pacientes tinha menos de 4,5 meses de idade, sendo relatada ligeira predominância do sexo masculino (56%).(4)

Clinicamente, como visto no presente caso, o TNMI se apresenta como massa tumoral indolor, expansiva, lobulada e parcialmente pigmentada.(1,2) Embora bem definido, geralmente é uma lesão não encapsulada que afeta principalmente os maxilares de recém-nascidos, causando frequentemente destruição óssea e deslocamento dos folículos dentários.(1,2) Alguns pacientes apresentam altos níveis de ácido vanilmandélico na urina, corroborando a noção de que o tumor seja originário da crista neural.(4,5)

Exames radiográficos, como a tomografia computadorizada, podem contribuir para o diagnóstico, além de fornecerem informações relevantes para o planejamento cirúrgico.(3,5) As lesões intraósseas do TNMI são comumente caracterizadas por uma massa hipodensa bem circunscrita, e os tumores de estágio avançado mostram extensa destruição óssea.(5,6) O presente caso mostrou uma lesão osteolítica bem definida, unilocular, causando expansão e destruição do osso cortical maxilar. O diagnóstico diferencial do TNMI que acomete a região da cabeça e pescoço inclui o sarcoma de Ewing, linfomas, lesões odontogênicas, cistos de desenvolvimento, rabdomiossarcoma, neuroblastoma metastático, infecção e lesões não odontogênicas, como fibromatose e displasia fibrosa.(4,5) Devido à grande variabilidade nos resultados dos exames de imagem para o TNMI, faz-se necessária uma biópsia de tecido para o diagnóstico correto.(5)

Histologicamente, os TNMI são compostos por áreas com pequenas células redondas semelhantes a neuroblastos, e áreas com células grandes e poligonais contendo melanina, que combinam células tipo neurais, melanocíticas e epiteliais.(4) No presente caso, estas características microscópicas foram encontradas tanto na biópsia incisional quanto na amostra cirúrgica. Este fenótipo celular heterogêneo provavelmente é explicado pelas características morfológicas mesodérmicas e ectodérmicas exibidas pelas células da crista neural em diferentes estágios de sua ontogenia.(4) Estudo recente realizado por Strieder et al.,(7) investigou as células imunes intratumorais de dois casos de TNMI usando imuno-histoquímica e sugeriu o envolvimento de macrófagos polarizados para o fenótipo M2 na patogênese do TNMI. Em um caso, foram observadas células tipo dendríticas com positividade para HLA-DR, XIIIa, CD68 e CD163 nos septos fibrosos e em tecido semelhante à glia, e no estroma tumoral, em outro caso. Para os autores, estas células podem agir modulando o crescimento do tumor e/ou o remodelamento do estroma tumoral.

O TNMI pode ter aspectos histológicos e imunofenotípicos em comum com outras lesões, como nevo azul celular, melanoma, neuroblastoma e rabdomiossarcoma, mas o TNMI geralmente não expressa reatividade difusa para S-100,(2,3,6,8) conforme observado em nosso caso. Outros marcadores, como HMB45, Melan A e citoqueratina, e marcadores neuroblásticos, como sinaptofisina e a enolase neurônio-específica, podem ajudar no diagnóstico.(1,4) No presente caso, as células epiteliais produtoras de melanina foram fortemente positivas para HMB-45 e Melan A. Estes achados são corroborados por Barrett et al.,(1) Cui et al.,(3) e Krishnamurthy et al.(9)

Geralmente a ressecção ampla com margens livres de 5mm e a remoção dos dentes envolvidos compõem o tratamento de escolha para lesões de TNMI.(4,9) Também foram propostas quimioterapia exclusiva, radioterapia exclusiva ou em combinação com quimioterapia, e ressecção.(2,4) No entanto, no presente caso, a lesão foi removida por enucleação e curetagem. Esta modalidade de tratamento é curativa quando os tumores são facilmente separados do osso, como neste caso.(8) Além disto, as sequelas estéticas e as alterações no desenvolvimento normal da face podem ser prevenidas por esta abordagem cirúrgica conservadora.(10) Rachidi et al.,(4) relataram que a recorrência geralmente se dá dentro de 6 meses após o tratamento e em pacientes com menos de 4,5 meses de idade. Em nosso caso, a paciente teve um pós-operatório livre de intercorrências e, após 2 anos de seguimento, não houve evidência clínica ou radiográfica de recorrência.

Devido ao rápido crescimento do TNMI e sua capacidade de causar deformidades importantes nos tecidos circunjacentes, nosso caso destaca a importância do diagnóstico precoce, proporcionando aos pacientes um desfecho favorável e funcional. Assim, médicos, dentistas e outros profissionais devem estar atentos a este tumor e encaminhar os pacientes para tratamento, a fim de minimizar as cirurgias mutiladoras.

REFERÊNCIAS

1. Barrett AW, Morgan M, Ramsay AD, Farthing PM, Newman L, Speight PM. A clinicopathologic and immunohistochemical analysis of melanotic neuroectodermal tumor of infancy. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2002;93(6):688-98.
2. Maroun C, Khalifeh I, Alam E, Akl PA, Saab R, Moukarbel RV. Mandibular melanotic neuroectodermal tumor of infancy: a role for neoadjuvant chemotherapy. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2016;273(12):4629-35.
3. Cui Y, Mao Z, Liao C. Melanotic neuroectodermal tumor of infancy: a case report and review of the surgical treatment. Oncol Lett. 2015;9(1):29-34.
4. Rachidi S, Sood AJ, Patel KG, Nguyen SA, Hamilton H, Neville BW, et al. Melanotic neuroectodermal tumor of infancy: a systematic review. J Oral Maxillofac Surg. 2015;73(10):1946-56. Review.
5. Haque S, McCarville MB, Sebire N, McHugh K. Melanotic neuroectodermal tumour of infancy: CT and MR findings. Pediatr Radiol. 2012;42(6):699-705.
6. Tandon PN, Sah K, Kale A, Kadam A, Shah H, Chandra S. Melanotic neuroectodermal tumor of infancy: Report of a case associated with high urinary excretion of Vanilmandelic acid. Contemp Clin Dent. 2011;2(4):337-41.
7. Strieder L, Carlos R, León JE, Ribeiro-Silva A, Costa V, Kaminagakura E. Protumorigenic M2-like phenotype cell infiltration in the melanotic neuroectodermal tumor of infancy. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2016;121(2):173-9.
8. Piperi EP, Rake SA, Tosios KI, Vasilopoulou EE, Rake AP, Sandler NA, et al. Mandibular melanotic neuroectodermal tumor of infancy treated conservatively with enucleation. J Craniofac Surg. 2010;21(3):685-8. Review.
9. Krishnamurthy A, Vaidhyanathan A, Majhi U. Malignant melanotic neuroectodermal tumor of infancy arising in the mandible. J Cancer Res Ther. 2011;7(3): 368-72.
10. Pinheiro TP, Carneiro Jr. JT, Alves Jr. SM, Pinheiro JJ, Tuji FM. Melanotic neuroectodermal tumor of infancy in an African-indigenous patient from the Amazon: a case report. Head Face Med. 2013;9:35.