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Estudo comparativo da perda transepidérmica de água em pacientes com e sem hiperidrose por mensurador de câmara fechada em ambiente climatizado

Estudo comparativo da perda transepidérmica de água em pacientes com e sem hiperidrose por mensurador de câmara fechada em ambiente climatizado

Autores:

Andre Miotto,
Pedro Augusto Antunes Honda,
Thiago Gangi Bachichi,
Caio Santos Holanda,
Ernesto Evangelista Neto,
João Alessio Juliano Perfeito,
Luiz Eduardo Villaça Leão,
Altair da Silva Costa Jr

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.16 no.4 São Paulo 2018 Epub 08-Nov-2018

http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2018ao4312

INTRODUÇÃO

A hiperidrose é uma disfunção relativamente frequente, com incidência de 0,6 a 1% da população. Pode ser dividida em generalizada e localizada, sendo esta última caracterizada por suor excessivo bilateral e simétrico em determinadas regiões do corpo, sem relação com as necessidades de perda calórica do organismo. É mais frequente em adultos jovens e adolescentes, com predomínio do sexo feminino.(1-3)A hiperidrose localizada primária constitui a indicação mais frequente para a simpatectomia torácica, com melhora de 80 a 95% dos casos.

O diagnóstico da hiperidrose é subjetivo e varia conforme a queixa de cada paciente. A hiperidrose está associada ao prejuízo das atividades sociais, profissionais e de lazer, com impacto negativo na qualidade de vida. Foram desenvolvidas ferramentas para transformar a avaliação subjetiva em um parâmetro mensurável, como os questionários de qualidade de vida específicos. Outra ferramenta é a medida objetiva do suor, por meio da taxa de evaporação de água pela pele, chamada de “perda transepidérmica de água” (PTEA). A quantificação deste fluxo de água pode ser útil no diagnóstico, no seguimento pós-operatório e na avaliação de sudorese compensatória após simpatectomia.(4,5)

Diversas formas de aferição já foram desenvolvidas para quantificar a PTEA, definidas em protocolos publicados pela European Society of Contact Dermatitis (ESCD) e pelo European Group on Efficacy Measurements of Cosmetics and other Topical Products (EEMCO). Os mais utilizados hoje são os medidores de fluxo de água de câmara aberta ou fechada. Dentre eles, destacam-se os medidores de câmara fechada, por sua facilidade na utilização em relação aos aparelhos de câmara aberta.

Nos estudos sobre a PTEA, é importante estabelecer valores de referência, tanto para pacientes com diagnóstico de hiperidrose quanto para participantes do Grupo Controle. Estes valores podem mudar, de acordo com o clima, a população e a localidade, onde o estudo é realizado. Poucos estudos descrevem os valores de normalidade de transpiração, e aqueles realizados com temperatura controlada são ainda mais escassos.(2,5-7)

A importância deste artigo está em estabelecer valores de referência para futuros estudos, além de comprovar a efetividade da mensuração objetiva como método diagnóstico da hiperidrose e seu acompanhamento pós-operatório, mesmo em ambientes com a temperatura controlada.(7)

OBJETIVO

Avaliar a diferença entre a perda transepidérmica de água entre pacientes com e sem diagnóstico de hiperidrose em ambiente climatizado.

METODOS

Estudo do tipo caso-controle realizado com pessoas hígidas e em pacientes com diagnóstico de hiperidrose palmar e/ou axilar, avaliados pela Disciplina de Cirurgia Torácica do Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, entre agosto de 2014 e março de 2015. Foram incluídos 40 participantes, sendo que 20 formaram o Grupo Hiperidrose e 20, o Grupo Controle.

Para o Grupo Hiperidrose, foram selecionados pacientes com sintomas de sudorese exacerbada, bilateral, simétrica e localizada há, pelo menos, 6 meses e com alguma limitação nas atividades diárias. Para o Grupo Controle, foram selecionadas pessoas hígidas, assintomáticas, sem morbidades, sem queixa de sudorese excessiva e sem histórico familiar de hiperidrose.

Foram excluídos pacientes com índice de massa corporal ≥25kg/m2, outras morbidades, gestantes, com idade menor que 14 anos ou maior que 40 anos, hiperidrose generalizada ou craniofacial, tabagistas, com doenças infecciosas em atividade ou que não concordaram em participar do estudo.

Todos os pacientes avaliados foram submetidos à aferição da PTEA de maneira quantitativa, com mensurador de câmara fechada VapoMeter®(Delfin Technologies Ltd, Kuopio, Finlândia) em seis locais previamente estabelecidos:(5,7)palmas das mãos, plantas dos pés, axilas, região torácica anterior mediana (altura do apêndice xifoide), lombar e abdominal infraumbilical. O aparelho definido para o presente estudo foi é portátil e prático, já tendo sido utilizado anteriormente em outros artigos, com resultados comprovados.(5-10)

A pele de pacientes e controles encontrava-se íntegra e sem lesões nos locais de aferição. As aferições foram realizadas em ambiente com temperatura entre 18 e 19°C e umidade relativa do ar entre 48 e 50%.(11)

Os pacientes ficaram em repouso antes da mensuração por 10 a 20 minutos no ambiente, para aclimatação. Foram orientados a não aplicar nenhum produto sobre a pele no dia da aferição (mínimo de 12 horas) e a não realizar atividades físicas antes da avaliação.(7,10)Todas as aferições foram realizadas no período da manhã, pelo mesmo examinador, previamente treinado para o uso do aparelho.

Foi realizado o cálculo do tamanho da amostra para o desenho de estudo com diferença esperada nos resultados de 30%, tendo sido obtido o número mínimo de 19 participante por grupo. A análise estatística foi realizada utilizando o teste t de Student para variáveis de distribuição normal e o teste de Shapiro-Wills ou teste de Wilcoxon-Mann-Whitney, para as variáveis de distribuição assimétrica.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, conforme parecer número 554.150, CAAE: 23156614.1.0000.5505.

RESULTADOS

Todos os participantes foram avaliados quanto ao tipo de pele (classificação de Fitzpatrick) e obtivemos classificações entre I e IV, apesar de não haver restrição aos tipos V e VI.

A média do índice de massa corporal no Grupo Controle foi de 23,02 (±1,42) e, no Grupo Hiperidrose, foi de 21,78 (±2,17). No Grupo Controle, a aferição foi feita em ambiente com temperatura média de 18,00°C (±0,00) e umidade de 48,00% (±2,42). Já o Grupo Hiperidrose foi avaliado em temperatura de 18,25°C (±0,43) e umidade de 49,05% (±4,66). Analisamos a hipótese de nulidade entre os grupos antes das medidas das variáveis relatadas. Não houve diferença entre os grupos nos parâmetros analisados pelo teste t de Student.

Foi realizada a análise entre os grupos no ambiente climatizado nas regiões mais frequentes acometidas pela hiperidrose: mãos, pés e axilas. Em todas, houve diferença estatística significante ( Tabelas 1 e 2 ).

Tabela 1 Comparação entre os valores de perda transepidérmica de água das mãos, axilas e pés, obtidos pela aferição com VapoMeter® em ambiente climatizado 

Região Grupo Controle Grupo Hiperidrose Valor de p


Mediana p25 p75 Mediana p25 p75
Mão direita 46,4 36,0 57,6 123,5 54,3 161,2 0,001
Mão esquerda 41,4 31,2 54,0 111,5 42,5 137,7 0,001
Pé direito 41,5 31,3 63,5 61,2 38,6 117,0 0,023
Pé esquerdo 41,5 31,8 61,2 64,9 41,3 110,0 0,033
Axila direita 14,8 11,8 19,0 83,5 29,5 161,7 0,001
Axila esquerda 13,7 12,3 16,2 76,9 38,5 162,0 0,001

Teste de Mann-Whitney U. Medidas em g/m2/hora.

Tabela 2 Comparação entre os valores de perda transepidérmica de água em conjunto das mãos, pés e axilas em ambiente climatizado 

Região Grupo Controle Grupo Hiperidrose Valor de p


Mediana p25 p75 Mediana p25 p75
Mãos 46,4 36,0 57,6 123,5 54,3 161,2 0,001
Pés 41,5 31,3 63,5 61,2 38,6 117,0 0,023
Axilas 14,8 11,8 19,0 83,5 29,5 161,7 0,001

Teste de Mann-Whitney U. Medidas em g/m2/hora.

Nas mensurações nos locais mais frequentes acometidos pela sudorese compensatória (região torácica anterior, região lombar e abdome), houve diferença estatística significativa somente em um local ( Tabela 3 ).

Tabela 3 Comparação entre as medianas dos valores de perda transepidérmica de água da região do tronco, obtidos pela aferição com VapoMeter®, em ambiente climatizado 

Região Grupo Controle Grupo Hiperidrose Valor de p


Mediana p25 p75 Mediana p25 p75
Esterno 12,5 9,7 14,6 13,2 10,6 16,2 0,32
Lombar 11,9 10,8 14,6 11,5 10,2 15,1 0,94
Abdome 13,4 11,2 17,4 16,0 13,6 23,7 0,04

Teste de Mann-Whitney U. Medidas em g/m2/hora.

DISCUSSÃO

A maioria dos pacientes com hiperidrose é avaliada pelos serviços de cirurgia torácica e encaminhada para cirurgia com base apenas na queixa. Outros centros realizam a avaliação por questionários de qualidade de vida direcionados para a hiperidrose, também utilizados na comparação pós-operatória.(12,13)A quantificação objetiva da hiperidrose é pouco realizada, talvez por ser dispendiosa em tempo, não ter relação estabelecida com o diagnóstico e terapêutica desta doença, ou, ainda, pelo custo elevado. Apesar disso, ela mostra-se ferramenta válida para estudos clínicos e para comparação de resultados pré- e pós-operatórios, além da possibilidade de documentação e registro.(2,5,7)

Neste estudo, foi utilizado um aparelho de câmara fechada, o VapoMeter®, usado em outras pesquisas, por ser prático e preciso na quantificação da hiperidrose. Por sua facilidade de manuseio e portabilidade, pode ser usado para comparação pré- e pós-operatória em ambulatório.(2,3,9)Steiner et al., compararam o uso de aparelhos de câmara aberta e fechada, mas concluíram que, apesar das qualidades de cada um, seus resultados não poderiam ser comparados, pela diferença da forma de aferição.(10)

A PTEA pode ser afetada por diversos fatores, como tabagismo, obesidade, diabetes, entre outros.(14,15)Por isso, foram excluídos pacientes com estas condições. Fatores exógenos que influenciam na PTEA, como alimentação e profissão dos pacientes, não foram levados em consideração neste estudo, pois não influenciam no diagnóstico e na indicação de simpatectomia. Ainda sim, podem alterar resultados de aferição de PTEA em menor escala.(14)O tipo de pele pode também influenciar na aferição da PTEA, e o grupo dos tipos V/VI de Fitzpatrick apresenta barreira epidérmica mais resistente à perda de água.(16)Não tivemos participantes com estes tipos de pele neste estudo. O sexo não tem influência sobre a PTEA.(14,16)

As medidas realizadas com o VapoMeter®no nosso estudo mostraram valores diferentes de PTEA em pessoas hígidas e nos pacientes com hiperidrose. Ishy et al.,(7)encontraram valores distintos em medidas realizadas com o mesmo tipo de aparelho antes e depois da simpatectomia. As médias dos valores encontrados nos pacientes em pós-operatório e em pessoas hígidas são comparáveis. Nas mãos, tivemos mediana de 46,4g/m2/hora, enquanto Ishy et al.,(7)encontraram médias de 45,75 a 30,81g/m2/hora, um mês após a cirurgia. Nos pés, nossa mediana foi de 41,5g/m2/hora, enquanto os valores deles foram de 66,44 a 53,50g/m2/hora. As medidas axilares que realizamos são inéditas e apontam diferenças entre os grupos.(5,7)Entendemos, por estes resultados, que a medida de PTEA pelo aparelho VapoMeter®pode ser utilizada como forma quantitativa e objetiva de diagnóstico da hiperidrose, em ambiente climatizado.

A variação dos valores medianos mensurados da PTEA, do Grupo Controle em relação ao Hiperidrose, foi 140% nas mãos; 72% nos pés e 490% nas axilas. As regiões torácica e lombar não mostraram diferença entre pacientes com hiperidrose e controles. Isto pode ter ocorrido porque a hiperidrose não é evidente nestes locais, sendo mais percebida em mãos, pés e axilas. As regiões do tronco passam a ser objeto de avaliação e estudo após a simpatectomia torácica, pela presença da sudorese compensatória em alguns casos. Antes da cirurgia, a diferença entre os grupos não é significativa ao exame clínico, pois as queixas que levam à indicação de simpatectomia são de sudorese localizada em mãos e axilas.(5,7,12,13)

Os resultados apresentados ajudam também a normatizar a temperatura ambiente para aferição da PTEA. Após a revisão da literatura, encontramos diversos estudos que utilizam o VapoMeter®como forma principal de aferição, mas não há uma padronização na temperatura estabelecida para as medições, apesar da preocupação com seu controle.(1,4,6,8-10)Apenas Singh et al., observaram diferença no padrão de sudorese com a temperatura do ambiente. Entretanto, não há estudo comparativo, nem definição do valor de temperatura de corte, que leve a alterações nos valores encontrados nas aferições até o presente estudo ser realizado.(11)Acreditamos que, com a padronização da temperatura, podemos tornar a aferição PTEA mais fidedigna, bem como o diagnóstico da hiperidrose.

Apesar do número de pacientes e controles avaliados ter sido pequeno, ele foi suficiente para comprovar a hipótese proposta. Estudos futuros, com maior número de participantes, podem comprovar nossos resultados. Enfatizamos a importância da temperatura ambiente e da umidade para o entendimento e a avaliação específica da hiperidrose, sobretudo em países com clima tropical, como o Brasil.

CONCLUSÃO

Existem diferenças nos resultados das aferições da perda transepidérmica de água, principalmente nas mãos, pés e axilas, entre pacientes com e sem hiperidrose, em ambiente com temperatura controlada.

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