versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.1 Rio de Janeiro jan. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017221.13522015
A avaliação dos serviços de saúde tem sido uma necessidade amplamente discutida pelas políticas de estado mundiais, considerada um dos caminhos de gestão para buscar a qualidade dos serviços prestados1-6. Um componente importante deste processo avaliativo é a apreensão da satisfação do usuário. Ela oferece suporte para a reorganização dos serviços, por meio de informações pertinentes e confiáveis, além de ser uma ferramenta de participação popular na gestão da saúde7,8.
Apesar da crescente utilização da satisfação do usuário como um indicador sensível de qualidade dos serviços em saúde2,4, ela vem sendo acessada de maneira concisa e isolada, sem a desejável articulação entre as apreciações dos atores envolvidos na produção do cuidado.
Para apreender e ampliar o entendimento da multiplicidade de fatores que afetam a satisfação do usuário é necessário possuir, inicialmente, uma compreensão aprofundada de suas necessidades. Estudos têm evidenciado discrepâncias entre as análises de usuários e de profissionais acerca da qualidade e da priorização dos serviços em saúde2,8,9. Enquanto usuários tendem a valorizar aspectos relacionais do processo de trabalho, trabalhadores da saúde atribuem maior importância às competências técnicas do cuidado10 e tendem a apresentar, em diferentes contextos avaliativos, níveis de satisfação mais elevados2,8,9.
Neste sentido, é importante que se desenvolvam estratégias de escuta, integração ou, minimamente, de gradual aproximação entre as distintas opiniões. O primeiro passo nessa direção é a promoção de práxis de avaliação inovadoras dentro das equipes e gerências governamentais de saúde². Este estudo oportuniza o alinhamento da expressão de trabalhadores e usuários sobre um mesmo objeto de estudo: a satisfação com o serviço público odontológico, acreditando que seus resultados possam fomentar melhorias nas relações de trabalho, nos processos decisórios e no exercício de controle da gestão pública em saúde.
Diante o exposto, na presente pesquisa buscou-se comparar a visão de usuários com a de profissionais, envolvidos direta ou indiretamente com a saúde bucal, acerca da satisfação com aspectos inerentes ao serviço público odontológico.
Trata-se de uma pesquisa de caráter transversal, desenvolvida na zona urbana de um município de médio porte do estado do Paraná, com população estimada de 311.611 habitantes, predominantemente urbana e de perfil adulto-jovem11. A população de estudo foi composta por usuários e profissionais do serviço odontológico no âmbito da Atenção Primária à Saúde, distribuídos nas 27 unidades regulares de saúde da área urbana do município, subdivididas em 14 unidades básicas de saúde e 13 unidades de saúde da família.
No campo dos profissionais foi incluída a totalidade de sujeitos em jornada de trabalho no período avaliado, vinculados aos cenários de estudo, a saber: 40 cirurgiões-dentistas, 06 técnicos em saúde bucal, 21 auxiliares em saúde bucal e 159 agentes comunitários de saúde. Para fins da pesquisa, todas as categorias acima citadas foram consideradas como ‘envolvidas direta ou indiretamente com a saúde bucal’.
Frente à inviabilidade da coleta de informações junto ao número total de usuários adscritos nas regiões de estudo, realizou-se cálculo amostral. Uma amostra representativa deu-se então através do software Epi.Info 7.1.4, considerando-se a população adulta estimada no município estudado (172.600 habitantes), com uma precisão de 5%, intervalo de confiança de 95% e efeito de desenho 1, para uma prevalência de 50% de adultos satisfeitos com a qualidade dos serviços odontológicos. Esta prevalência foi utilizada na intenção de obter a maior amostra possível. O total calculado (384) foi acrescido de 20% a fim de potencializar os resultados, resultando na amostra final de 461 adultos.
Os usuários foram selecionados de forma aleatória e estratificada nas diversas unidades de saúde, em dias e períodos alternados de funcionamento, visando acessar a multiplicidade de olhares e ampliar a representatividade da amostra.
Os critérios de elegibilidade para os indivíduos foram: ser usuário da rede odontológica pública brasileira de atenção primária à saúde; ter recebido atendimento odontológico em sua unidade de referência há, no máximo, um ano da realização da entrevista; apresentar idade igual ou superior a 18 anos; ou ser acompanhante de menores de idade em consulta odontológica no dia da entrevista.
Os critérios de elegibilidade dos profissionais foram: fazer parte do quadro das profissões anteriormente pautadas e das unidades de saúde envolvidas no estudo e estar em exercício da profissão.
Para a obtenção das informações desenvolveu-se dois formulários estruturados, um para os usuários e outro para os profissionais, abordando questões relacionadas ao objeto do estudo representadas pelas variáveis descritas no Quadro 1, com padrões de resposta: satisfeito, mais ou menos satisfeito e insatisfeito. Vale destacar que ambos os formulários investigaram as mesmas variáveis, porém com arranjo de escrita adequado a cada grupo de investigação.
Quadro 1 Domínios avaliativos da satisfação com os serviços públicos odontológicos e suas variáveis formadoras.
Domínio | Variável |
---|---|
Cuidado Médico | Qualidade do atendimento clínico ofertado pela equipe de saúde bucal. |
Capacidade de resolução de todos os problemas de saúde bucal. | |
Informação e Apoio | Esclarecimento de dúvidas, preocupações e problemas de saúde bucal, por parte da equipe odontológica. |
Orientação durante a consulta sobre a prevenção de doenças bucais, por parte da equipe odontológica. | |
Orientação ao paciente após tratamento realizado na especialidade, por parte da equipe odontológica. | |
Organização dos Serviços | Período de funcionamento do atendimento odontológico na unidade de saúde. |
Tempo para agendar a consulta odontológica na unidade de saúde. | |
Forma de marcação da consulta odontológica na unidade de saúde. | |
Tempo aguardado para ser atendido pela equipe de saúde bucal. | |
Estrutura Física | Limpeza dos ambientes em que a equipe de saúde bucal presta atendimento. |
Conforto dos ambientes em que a equipe de saúde bucal presta atendimento. | |
Sinalização do consultório odontológico na unidade de saúde. |
Os formulários foram adaptados dos protocolos para avaliação da satisfação dos usuários do PNASS (Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde)12 e do PMAQ (Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica)13, instrumentos de base nacional propostos pelo Ministério da Saúde para avaliação da qualidade de serviços de saúde e apoio à gestão do SUS (Sistema Único de Saúde). A adaptação realizada ocorreu no sentido de adequar esses instrumentos, que são essencialmente voltados ao campo da saúde médica, à abordagem de aspectos específicos da realidade odontológica. Para assegurar a compreensão do instrumento quanto ao texto, ao vocabulário utilizado e à sensibilidade das respostas, realizou-se estudo piloto e quantificação da consistência interna entre as questões, por meio do α de Cronbach (α = 0,70), com usuários da área urbana e com profissionais das unidades de saúde da zona rural do município. Os dados obtidos nesta etapa não fizeram parte da amostra.
A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevista individualizada, conduzida por um pesquisador treinado para angariar as informações necessárias e acolher dúvidas, sem influenciar as respostas. Esta etapa ocorreu em um ambiente reservado, no interior das unidades de saúde. O tempo médio da duração da entrevista foi de quinze minutos e, ao seu término, o entrevistado recebeu kits de higiene bucal e um manual informativo impresso, desenvolvido especialmente para o estudo, contendo informações sobre direitos e deveres dos usuários do SUS e cuidados em saúde bucal aos diferentes ciclos de vida.
Previamente à análise propriamente dita, a amostra de profissionais foi dividida em dois grupos: o daqueles considerados ‘indiretamente envolvidos com a saúde bucal’, formado por agentes comunitários de saúde (ACS); e o grupo dos ‘envolvidos diretamente com a saúde bucal’, formado por cirurgiões-dentistas, técnicos em saúde bucal e auxiliares em saúde bucal e que juntos compõem uma equipe de saúde bucal (ESB).
Para a primeira análise as variáveis de interesse foram agrupadas em domínios. Para a formação destes domínios optou-se inicialmente pela utilização de análise fatorial, por meio de diagnóstico com rotação ortogonal, o qual busca identificar similaridades entre variáveis que permitam o seu agrupamento, geralmente por uma relação linear das respostas dos indivíduos com os traços latentes14. Contudo, a análise fatorial faz algumas postulações fortes que nem sempre se coadunam com a realidade dos fatos14, especialmente quando se trata de uma amostra muito homogênea, como a estudada. Ao aplicar o teste um único grupo foi proposto, deste modo, optou-se pelo emprego da análise conceitual para criação dos domínios, a qual decorreu de revisão da literatura e análise aprofundada acerca dos conceitos dimensionais rotineiramente utilizados na avaliação dos serviços de saúde15.
As variáveis foram então agrupadas pelos pesquisadores de acordo com a proximidade das dimensões básicas de avaliação dos serviços públicos de saúde no Brasil, a saber: Cuidado Médico, Informação e Apoio, Organização dos Serviços e Estrutura Física, as quais se mostraram em consonância com os agrupamentos adotados em estudos equivalentes7,16-18 (Quadro 1).
Para obtenção do nível de satisfação geral e em cada domínio, criou-se um índice de 0 a 1, calculado por meio da média de suas variáveis formadoras, atribuindo valores às respostas possíveis, a saber: satisfeito (valor 1), mais ou menos (valor 0,5) e insatisfeito (valor 0).
A fim de explorar melhor os resultados, além da análise por domínios foi realizada uma outra, nas quais as variáveis formadoras de cada domínio foram avaliadas individualmente. Apenas o número de indivíduos satisfeitos em cada variável avaliativa foi considerado na exposição dos dados. A porcentagem de satisfeitos foi calculada em função do número total de indivíduos respondentes em cada variável, uma vez que este, para algumas variáveis avaliativas, foi diferente do número total da amostra do estudo.
Foi empregado o teste de normalidade (Kolmogorov-Smirnov) a fim de definir a utilização de análise paramétrica ou não paramétrica. Os dados não apresentaram distribuição normal, deste modo, aplicou-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis com pós teste de Dunn´s ao nível de significância de 5%.
Todos os sujeitos foram informados sobre o objetivo da pesquisa, seu caráter de voluntariedade e de não identificação, assim como a forma de coleta, análise e destino dos dados. Os que aquiesceram com sua participação, o fizeram por meio da assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido. A pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Faculdade de Odontologia de Araçatuba – UNESP e da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, respeitando os ditames da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde Brasileiro.
A amostra final foi composta por 461 usuários, 133 profissionais indiretamente envolvidos com a saúde bucal (ACS) e 52 envolvidos diretamente com a saúde bucal (30 cirurgiões-dentistas, 5 técnicos em saúde bucal e 17 auxiliares em saúde bucal). A perda de sujeitos ocorreu pela ausência do profissional nos dias de entrevista, por motivo de férias ou de licença médica.
A Figura 1 apresenta os resultados da avaliação dos usuários e dos profissionais, por dissociação em domínios.
Figura 1 Índice médio da satisfação de usuários e de profissionais do serviço público odontológico, segundo domínios. Ponta Grossa/PR, 2014.
O índice de satisfação geral de usuários foi 0,8 e o de ACS 0,75, com diferença significativa (p < 0,05). Já a satisfação geral exposta pela ESB (0,80) não mostrou diferença significativa quando comparada a do grupo de usuários (p > 0,05).
Analisando individualmente os domínios, o grupo de ACS apresentou valores de satisfação abaixo do exposto pelos usuários em todos os domínios avaliados, com diferença significativa para Estrutura Física (p < 0,05) e Cuidados Médicos (p < 0,05). Frente à comparação de ESB com usuários, maior satisfação foi apresentada grupo de ESB em todos os domínios, com diferença significava apenas para Cuidados Médicos (p < 0,05). Todas as categorias de sujeitos investigadas atribuíram ao domínio Organização dos Serviços o mais baixo índice de satisfação, contudo, os valores não apresentaram diferença significativa (p > 0,05).
A Tabela 1 apresenta a porcentagem da satisfação de usuários e profissionais em cada variável formadora dos domínios, e os valores estatísticos resultantes da comparação da satisfação entre usuários e ACS e entre usuários e ESB.
Tabela 1 Frequência e comparação da satisfação de usuários, ACS e ESB com o serviço público odontológico, segundo variável de cada domínio de avaliação. Ponta Grossa/PR, 2014.
Domínio | Variável | Usuário (n = 461) | ACS (n = 133) | ESB (n = 52) | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
(n)a | (%)b | (n)a | (%)b | p valorc | (n)a | (%)b | p valorc | ||
Cuidado Médico | Qualidade do atendimento clínico ofertado pela equipe de saúde bucal. | 356 | 77% | 78 | 59% | p < 0,001* | 48 | 92% | p > 0,05 |
Capacidade de resolução de todos os problemas de saúde bucal. | 283 | 63% | 75 | 58% | p > 0,05 | 40 | 78% | p < 0,05* | |
Informação e Apoio | Esclarecimento de dúvidas, preocupações e problemas de saúde bucal, por parte da equipe odontológica. | 343 | 76% | 85 | 70% | p > 0,05 | 47 | 96% | p < 0,01* |
Orientação durante a consulta sobre a prevenção de doenças bucais, por parte da equipe odontológica. | 316 | 70% | 79 | 68% | p > 0,05 | 43 | 88% | p < 0,01* | |
Orientação ao paciente após tratamento realizado na especialidade, por parte da equipe odontológica. | 42 | 84% | 54 | 53% | p < 0,01* | 38 | 76% | p > 0,05 | |
Organização dos serviços | Período de atendimento odontológico na unidade de saúde | 358 | 78% | 76 | 60% | p < 0,01* | 35 | 70% | p > 0,05 |
Tempo para agendar a consulta odontológica na unidade de saúde. | 221 | 49% | 50 | 40% | p > 0,05 | 30 | 62% | p < 0,01* | |
Forma de marcação da consulta odontológica na unidade de saúde. | 299 | 66% | 67 | 54% | p > 0,05 | 37 | 80% | p > 0,05 | |
Tempo aguardado para ser atendido pela equipe de saúde bucal. | 258 | 57% | 54 | 44% | p > 0,05 | 27 | 56% | p > 0,05 | |
Estrutura física | Limpeza dos ambientes em que a equipe de saúde bucal presta atendimento. | 401 | 87% | 88 | 67% | p < 0,001* | 47 | 92% | p > 0,05 |
Conforto dos ambientes em que a equipe de saúde bucal presta atendimento. | 363 | 79% | 72 | 55% | p < 0,001* | 35 | 68% | p > 0,05 | |
Sinalização do consultório odontológico na unidade de saúde. | 399 | 88% | 89 | 69% | p < 0,001* | 46 | 91% | p > 0,05 |
aForam computados apenas o total de satisfeitos.
bPorcentagem de indivíduos satisfeitos em cada variável avaliativa. Este número foi calculado em função do n total obtido em cada variável, uma vez que este, em algumas variáveis avaliativas, foi diferente do n da amostra do estudo.
cKruskal-Wallis Test com pós teste de Dunn's. Tendo como variável dependente, a satisfação do usuário.
*Valores significantes estatisticamente.
De modo geral, os usuários relataram estar satisfeitos com o serviço público odontológico ofertado. O grupo de ACS expôs menor satisfação do que usuários, apresentando diferença significativa para as variáveis: ‘qualidade do atendimento clínico ofertado pela equipe de saúde bucal’ (p < 0,001); ‘orientação ao paciente após tratamento realizado na especialidade’ (p < 0,01); ‘período de atendimento odontológico na unidade de saúde (p < 0,01)’; e para todas as variáveis do domínio Estrutura Física (p < 0,001).
Os profissionais da ESB expressaram elevada satisfação, sendo esta estatisticamente maior que a dos usuários para as variáveis: ‘capacidade de resolução de todos os problemas de saúde bucal’ (p < 0,05); ‘esclarecimento de dúvidas, preocupações e problemas de saúde bucal, por parte da equipe odontológica’ (p < 0,01); ‘orientação durante a consulta sobre a prevenção de doenças bucais, por parte da equipe odontológica’ (p < 0,01); e ‘tempo para agendar a consulta odontológica na unidade de saúde’ (p < 0,01).
Um primeiro aspecto a ser destacado a partir dos resultados deste estudo foi o elevado grau de satisfação indicado por usuários em relação ao serviço público odontológico investigado. Este achado corrobora as pesquisas de satisfação encontradas na literatura nacional e internacional4,7,8,18,19.
No entanto esses resultados devem ser analisados com cautela, uma vez que, usuários de saúde brasileiros tendem a expor certo conformismo em relação aos serviços², baixo teor crítico e reivindicativo2,7 e ainda uma visão equivocada no reconhecimento do serviço de saúde como um benefício e não como um direito podendo levar a uma falsa alta qualidade dos serviços de saúde pesquisados7. Neste sentido, é importante a construção de um espaço no qual os usuários possam compreender os seus direitos e sentir-se estimulados a desenvolver uma visão crítico-reflexiva acerca de suas necessidades e do processo de trabalho nas unidades de saúde20.
Apesar da estreita proximidade com o usuário e do envolvimento indireto com a saúde bucal, os agentes comunitários de saúde, quando comparados aos usuários, mostraram maior insatisfação com os serviços públicos odontológicos. Estes achados refletem a importância um repensar de gestores e formadores de políticas avaliativas sobre a inclusão deste grupo de profissionais no planejamento dos serviços de saúde, fato que permitiria a visualização de um mesmo objeto em investigação por outra lente e certamente o enriquecimento de todo o processo.
O fato dos agentes comunitários de saúde não atuarem de forma direta nos serviços odontológicos, pode levá-los a apresentar uma visão mais crítica, exigente e de menor predisposição a conflitos de interesse do que os sujeitos diretamente envolvidos (ESB), expondo uma percepção ampliada de direitos e deveres de cidadania, condições fundamentais para que haja avanços no planejamento de ações e melhorias na qualidade dos serviços de saúde. Outra proposição consiste na relação de proximidade estabelecida entre ACS e usuários, com suposta apreensão e exposição de anseios e aspirações de usuários, os quais permanecem, muitas vezes, velados quando investigados por pesquisadores. Infere-se que os motivos que levam os usuários a não se expressarem adequadamente podem estar relacionados ao receio de perder o direito ao serviço e de serem mal vistos pelos profissionais4.
Estudos mostram que um fator recorrente de insatisfação entre usuários e profissionais da saúde é a precariedade da estrutura física das unidades de saúde4,21. No entanto, para os usuários do presente estudo, essas condições mostraram-se bastante satisfatórias, resultado que diverge significativamente da percepção dos ACS investigados. Esta discrepância de opiniões pode sugerir níveis diferentes de expectativas entre os sujeitos8, considerando-se vários aspectos da área física e dos sistemas normativos das unidades de saúde, e ainda uma suposta carência de conhecimento dos usuários sobre os aspectos técnicos (tecnologia dura) dos serviços20, levando-os a avaliar mais positivamente a estrutura das unidades.
O domínio detentor de críticas entre usuários e profissionais de saúde é a Organização dos Serviços4,7,8,20-22, o qual alcançou o mais baixo índice de satisfação entre os investigados. Estudos relatam elevada insatisfação quanto ao tempo de espera prolongado para agendar a consulta, à ineficiente organização do fluxo para o acolhimento e ainda ao período insuficiente de atendimento odontológico4,7,8,20-22. Esses fatores constituem-se grande desafio na busca da integralidade e da resolubilidade da atenção, quando a aproximamos da articulação entre as ações da rede de serviços em distintos níveis de complexidade e de competências. Iniciativas de reorganização dos processos de trabalho, assim como otimização dos fluxos internos podem contribuir demasiadamente para a melhoria da qualidade dos serviços e consequentemente na satisfação dos usuários7, devendo, dessa forma, a organização dos serviços e das práticas de saúde ser capaz de realizar uma apreensão ampliada das necessidades da população sob a sua responsabilidade.
No domínio Cuidados Médicos a opinião entre usuários, ESB e ACS foi divergente. Os ACS apresentaram satisfação mais baixa e os profissionais da ESB satisfação mais alta, quando comparados aos usuários, ambas com valores significativos. Essa diferença de opiniões sugere a necessidade de maior aproximação entre profissionais e usuários, assim como o fortalecimento de ações de monitoramento e avaliação local para que as fragilidades e as novas possibilidades no processo de produção dos serviços públicos de saúde sejam identificadas20.
Ao analisar individualmente as variáveis avaliativas também foram observadas divergências entre as opiniões dos usuários e do grupo de profissionais da ESB para a variável ‘qualidade do atendimento clínico ofertado pela equipe de saúde bucal’. O estudo de Reis et al.20 converge com o presente estudo, visto que os profissionais investigados nesses estudos mostraram-se mais propensos a avaliar positivamente a qualidade dos serviços em saúde, quando confrontados com usuários.
A variável ‘orientação ao paciente após tratamento realizado na especialidade’ foi avaliada pelo grupo de ACS com valores de satisfação significativamente abaixo do expresso pelos usuários. Essa baixa satisfação pode estar relacionada à interpretação dos profissionais ao considerar os entraves existentes no processo de encaminhamentos e contrarreferência, os quais dificultam o retorno do usuário e o seu acesso às orientações. Exemplos desses obstáculos são as dificuldades encontradas em muitos serviços na marcação das consultas para o atendimento especializado, o tratamento não cordial nos serviços de referência e a inexistência da contrarreferência4. Ainda, a significativa insatisfação exposta pelos ACS, quando da comparação com usuários, pode ter relação com o desenvolvimento de inúmeras atividades extrafuncionais exercidas por essa categoria, como o agendamento de consultas externas à unidade de saúde, que os levaria a um olhar ainda mais próximo das dificuldades existentes.
Ainda confrontando-se as opiniões de usuários e ACS, a satisfação em relação ao período de atendimento odontológico na unidade de saúde foi significativamente mais baixa para os ACS. É possível que esta visão mais crítica proveniente dos ACS esteja relacionada ao fato deles conhecerem os anseios da comunidade como um todo, em especial dos trabalhadores formais, que frequentemente apresentam dificuldades no acesso às unidades e serviços de saúde em virtude da disposição de seu horário de funcionamento23, e que no momento da entrevista tenham levado em consideração estes aspectos. A ampliação do horário de atendimento das unidades de saúde para além do horário de trabalho dito comercial e para os finais de semana poderia ser uma estratégia de facilitação do acesso à utilização dos serviços de saúde20.
Na comparação de opiniões entre usuários e ESB verificou-se que os profissionais demonstraram satisfação significativamente maior nas variáveis relacionadas à prestação de orientação, esclarecimento de dúvidas e resolubilidade na atenção. A visão mais favorável da ESB em relação a esses fatores laborais, os quais refletem diretamente as atividades que são desenvolvidas nas unidades de saúde, pode ser explicada pela tendência natural dos indivíduos em emitir juízo de valor favorável de sua relação com seus próprios atos e comportamentos. Além disso, pode estar relacionada a uma baixa criticidade e alta receptividade exposta por usuários durante a prestação de serviços públicos e a não realização de reclamações formais10.
O tempo para agendar uma consulta na unidade de saúde é fonte de elevada insatisfação para usuários do serviço de saúde em geral4,7,8,20-22,24. Este achado converge com os dados expostos pelos usuários do presente estudo, ainda que sobre uma perspectiva menos rigorosa da ESB. No estudo de Reis et al.20 também foi verificada uma percepção mais condescendente de profissionais em relação ao tempo de agendamento. Esta visão dos profissionais chama a atenção para a necessidade das categorias atuantes nos serviços estarem mais atentas aos entraves do sistema público de saúde e aos anseios da comunidade.
Sonneveld et al.9 também encontraram diferenças significativas entre o ponto de vista de usuários e profissionais em diversos aspectos organizacionais dos serviços odontológicos. Os achados evidenciaram ainda que profissionais da saúde bucal foram capazes de estimar corretamente o ponto de vista de usuários somente metade das vezes em que foram questionados. Os autores sugerem maior atenção às prioridades de usuários e aos canais de comunicação com a equipe.
Os achados aqui expostos emergem da valorização de diferentes sujeitos implicados no processo de produção da saúde, com vistas à efetivação e ampliação da humanização nos serviços públicos. Assim, este estudo vem contribuir para o conhecimento sobre a satisfação com o serviço público odontológico, por meio da ótica de usuários e de distintos profissionais da saúde, abordagem ainda pouco explorada no campo científico.
Sugere-se então o desenvolvimento de diferentes tecnologias de apreensão da percepção de trabalhadores da saúde e seus usuários sobre os serviços de saúde, em cenários de práticas distintas, como método complementar aos instrumentos governamentais preestabelecidos. É importante que o gestor lance mão de inovações metodológicas de avaliação para ampliar a comunicação entre diferentes percepções, fomentar o conhecimento teórico e conceber subsídios para a melhora da qualidade dos serviços de saúde. Como sugestões, além da inserção de agentes comunitários no processo avaliativo, a aplicação de metodologia qualitativa concomitante com métodos quantitativos pode ser uma estratégia bastante útil aos gestores, pois possibilita o aprofundar de questões e o apontar com mais clareza de razões que inferem na qualidade dos serviços.
Os resultados expostos pelos usuários revelaram índices elevados de satisfação quanto a vários aspectos inerentes aos serviços públicos odontológicos. De maneira geral, os ACS expuseram olhares mais críticos sobre esses serviços, quando comparados aos usuários. Os profissionais envolvidos diretamente com a saúde bucal (ESB), na maioria das vezes, demonstraram satisfação similar a dos usuários, e em algumas poucas situações, expuseram uma visão positivamente ampliada.
Apesar da elevada paridade entre a opinião de usuários e ESB, julga-se importante dedicar atenção às discrepâncias encontradas. Sugere-se então que as práticas públicas de saúde bucal do município sejam aprimoradas e estejam atreladas a avaliações sensíveis e periódicas, visando aprofundar a qualidade da relação entre profissionais e usuários; e ainda, sejam capazes de responder positivamente às normativas da Atenção Primária à Saúde no Brasil para o âmbito odontológico.