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Estudo da carga de doença das condições orais em Minas Gerais, Brasil, 2004-2006

Estudo da carga de doença das condições orais em Minas Gerais, Brasil, 2004-2006

Autores:

Jurema Corrêa da Mota,
Joaquim Gonçalves Valente,
Joyce Mendes de Andrade Schramm,
Iuri da Costa Leite

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123

Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.7 Rio de Janeiro jul. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014197.09312013

ABSTRACT

Oral disease is a major public health problem due to its prevalence in practically all age groups. This is a study of the overall burden of dental caries, edentulism and periodontal disease. The Disability-Adjusted Life Year (DALY) indicator was used as it simultaneously measures the impact of mortality and of health problems that affect the quality of life. The overall burden of oral diseases was analyzed in absolute terms and in rates per 1000 inhabitants. The number of Years Lived with Disability (YLD) due to dental caries was 4,489. An estimated 33,888 YLD were lost due to edentulism, with a rate of 1.8/1000 (2.2/1000 among women). An estimated 3217 YLD were lost due to periodontal disease, with a rate of 0.2/1000 for both sexes. Edentulism was the condition that contributed most to the overall burden of oral diseases and is more frequent among women. Higher rates of edentulism and periodontal disease were found in persons aged 45-69 years, while dental caries was more frequent from 15-49 years. The overall burden of oral disease studies represent an important aspect of health diagnosis, integrating both fatal and non-fatal outcomes. Furthermore, these studies provide highly relevant information for preventive and therapeutic policy making.

Key words: Disability-Adjusted Life Years; Epidemiology; Oral health

Introdução

Os agravos orais são um problema de saúde pública de relevante importância devido a sua significativa prevalência em praticamente todos os grupos etários1. A cárie dentária e a doença periodontal são causas de perda dentária que podem gerar edentulismo2. As consequências dos agravos orais envolvem aspectos relacionados à comunicação, à funcionalidade da capacidade mastigatória, bem como à autoimagem3.

Culturalmente, a dentição sempre esteve associada à idade, vinculando-se a ausência de dentes ao surgimento da velhice. Até meados do século 20, a grande maioria dos idosos não tinha dentes, mas, nas últimas décadas, a busca por tratamento odontológico, principalmente nos países industrializados, gerou redução da prevalência de dentes perdidos, modificando a relação entre idade avançada e edentulismo4.

Tanto em regiões desenvolvidas como em desenvolvimento a tendência foi de queda na prevalência de cárie dentária e edentulismo nas últimas décadas5,6, ainda que tenham sido observadas diferenças na distribuição de casos entre diferentes grupos socioeconômicos, caracterizando persistentes desigualdades em saúde7-9.

No Brasil, evidencia-se uma melhora na saúde bucal em anos mais recentes. Em 1986, o índice CPOD (número de dentes cariados, perdidos e obturados) esteve entre os maiores do mundo, em todas as faixas etárias, alcançando um valor médio de 6,6 dentes para crianças de 12 anos. Após dezessete anos, em 2003, este índice apresentou redução para 2,8 dentes por pessoa. Entretanto, o percentual de indivíduos com periodonto saudável ainda apresentava valores baixos, chegando a 46,0% em crianças, 22,0% em adultos e 8% em idosos10.

A mensuração das condições orais pode ser também empiricamente investigada por meio de medidas sintéticas. Uma delas é o indicador composto que mede, simultâneamente, o impacto da mortalidade e dos problemas de saúde na população e quantifica a carga de determinada doença, denominado DALY (Disability Adjusted Life Year). DALY para uma doença ou conjunto de doenças é a soma dos anos de vida perdidos devido à morte prematura (Years of Life Lost) e anos de vida vividos com incapacidade (Years Lived With Disability). Um DALY pode ser interpretado como um ano de vida saudável perdido devido ao agravo11.

No mundo, estimou-se que, em 2004, a taxa de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALY) devido às condições orais foi de 1,2 por 1.000 habitantes11. O primeiro estudo de Carga Global de Doença realizado no Brasil, em 1998, estimou uma taxa de 3,0 por 1.000 habitantes, representando 1,2% do total da carga global de doença do país12.

Os agravos orais e suas consequencias perfazem um grupo de doenças que atualmente recebe prioridade dos programas de saúde nacionais. Como estão associados a algumas doenças cardiovasculares, câncer, doenças respiratórias e diabetes, além de serem fortemente influenciadas por fatores comportamentais, as estimativas de morbidade supracitadas justificam sua importância no contexto das políticas de saúde.

O objetivo deste estudo foi apresentar a carga global das doenças orais, no período de 2004 a 2006, para as Macrorregionais de Saúde de Minas Gerais, incluindo os métodos e processos usados nas estimações e discutir vantagens e limitações dos mesmos.

Métodos

Estudo descritivo da carga global de doença das condições orais em Minas Gerais e suas Macrorregionais de Saúde, no período de 2004 a 2006, por sexo, faixa etária. Os agravos contemplados foram cárie dentária, doença periodontal e edentulismo.

O indicador usado para mensurar a carga global de doença foi o DALY (Disability Adjusted Life Years - anos de vida perdidos ajustados por incapacidade), medida que estende o conceito de anos potenciais de vida perdidos por morte prematura ao contemplar anos equivalentes de vida saudáveis perdidos devido a problemas de saúde ou incapacidade. O DALY constitui-se na soma de dois componentes: anos de vida perdidos por morte prematura (Years of Life Lost, YLL) e anos de vida vividos com incapacidade (Years Lived With Disability, YLD)11.

Cálculo do componente de mortalidade - YLL

O componente que mede o efeito da mortalidade no DALY, o número de anos de vida perdidos devido à morte prematura para um indivíduo com idade x é, basicamente, a expectativa de vida observada àquela idade. No cálculo do YLL foi utilizado o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, referente ao período 2004 a 2006, considerando uma correção de sub-registro por sexo e faixa etária e redistribuição dos óbitos por causas mal definidas13. Após as estimativas para o cômputo dos três agravos orais observou-se não haver, no período analisado, óbitos tendo como causas básicas essas condições, sendo o total da carga global de doenças desses agravos atribuído ao componente de morbidade YLD.

>Cálculo do componente de morbidade - YLD

Na estimação do YLD, utilizaram-se, como parâmetros clínico-epidemiológicos, os casos incidentes, a duração e os pesos das incapacidades. Os pesos permitem a soma dos componentes YLL e YLD e são medidas representativas do declínio no estado de saúde, cuja escala varia de zero (saúde plena) a 1 (saúde equivalente à morte)13.

No caso dos agravos orais contemplados neste estudo, foi necessário estimar as incidências de cárie dentária, doença periodontal e edentulismo por sexo e faixa etária, informações menos disponíveis do que prevalência. Não foram encontrados estudos que apresentassem estimativas de incidência para cárie dentária, doença periodontal e edentulismo para o Estado de Minas Gerais no período 2004 -2006 e os processos para obtenção dos casos incidentes de cada agravo oral estão descritos a seguir.

Estimativa de incidência de cárie dentária

Ainda que a cárie dentária seja usualmente medida por meio dos índices CPOD e CEO, os estudos de Carga Global de Doença consideram a mensuração do agravo por pessoa e não por número de dentes, razão pela qual estes índices não foram considerados neste estudo. Desta forma, esta condição oral, assim como nos estudos da Carga Global de Doença, foi definida como episódios de cárie dentária por pessoa, calculando-se incidências para duas sequelas destes episódios: casos que receberam tratamento, considerados como dentes obturados, e casos sem tratamento, considerados como dentes perdidos.

A incidência foi obtida do inquérito Pesquisa Mundial de Saúde Atenção Básica (PMS AB) a partir da assistência recebida no ano anterior à pesquisa. Este inquérito, realizado em 2005, objetivou desenvolver indicadores para avaliação da atenção básica, contemplando também a atenção bucal14. Os indivíduos que receberam tratamento dental foram classificados como casos tratados e aqueles que receberam assistência odontológica relativa à extração dentária foram classificados na sequela de casos não tratados. Por último, indivíduos que receberam os demais tratamentos odontológicos foram classificados como "outros tratamentos". Para aqueles que responderam terem realizado, simultaneamente, tratamento dental e extração de dente alocou-se para tratamento dental, considerado como de menor gravidade.

A cárie dentária foi considerada como dependente de um modelo de regressão multinomial que incluiu, como fatores independentes de nível individual, a faixa etária e, como fatores contextuais, o PIB per capita e a proporção de indivíduos com menos de oito anos de escolaridade, dentre os indivíduos com 25 anos e mais.

Com base nos coeficientes do modelo gerado, foi aplicada uma função logística para estimar, por sexo e faixa etária, a incidência de cárie para o Estado de Minas Gerais e Macrorregionais de Saúde, tomando-se as informações de PIB per capita e proporção de indivíduos com menos de oito anos de estudo de cada localidade.

Entretanto, como a PMS AB foi conduzida em indivíduos de 18 anos e mais de idade, não foi possível extrair deste inquérito a incidência para faixas etárias mais jovens. A incidência de obturação e perda dentária por cárie para menores de um ano foi assumida como zero. Para as faixas etárias de 1 a 6 anos e 7 a 14 anos, as estimativas consistiram em uma interpolação por idade, utilizando-se a distribuição proporcional de dentes perdidos e obturados das faixas etárias-índice de 5 e 12 anos da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal de 200315.

Quanto ao peso da incapacidade, assumiu-se um valor de 0,005 para casos de obturação e 0,014 para casos de perda16. Uma vez que não foram localizados estudos nacionais que disponibilizassem a duração dos episódios de cárie dentária que resultam em obturação ou perda, considerou-se o consenso do Australian Institute of Health and Welfare17 para o qual a duração da doença, para ambos os sexos, é de, em média, 2,5 anos para cárie dentária tratada com obturação e 2 anos para cárie dentária não tratada que resulta em perda de dente.

Estimativa de incidência de doença periodontal

A doença periodontal foi definida como a presença de bolsa profunda (6 mm ou mais), atendendo a proposta do Estudo da Carga Global de Doença16 e as informações são provenientes do inquérito Pesquisa Nacional de Saúde Bucal, de 200315. A partir das prevalências estimadas para as faixas etárias de 35 a 44 anos e de 65 a 74 anos deste inquérito, projeções foram calculadas para as faixas etárias do presente estudo.

Foram igualmente calculadas a variação das idades, que se constituíram na diferença (em anos) dos pontos médios de classe das faixas etárias de 35-44 anos e 65-74 anos, e a variação da proporção de bolsa profunda, que resultou na diferença entre a proporção de bolsa profunda nas faixas etárias de 35-44 anos e 65-74 anos. Para cada faixa etária a ser projetada havia um ponto médio de classe. O cálculo da proporção de bolsa profunda estimada para determinada faixa etária resultou na multiplicação da razão entre as variações de proporção e idade pela diferença dos pontos médios de classe entre esta faixa etária e a imediatamente anterior.

As informações de prevalência foram utilizadas para se obter os casos incidentes por meio do software DISMOD II, assim como a duração do agravo. Este programa, de domínio livre, é usado para estimar parâmetros necessários para o cálculo do YLD, tais como incidência e duração do agravo, além de aumentar a consistência das informações disponíveis18. O peso da incapacidade foi de 0,001 tanto para tratados quanto não tratados19 e a duração da doença foi fornecida pelo output do DISMOD II.

Estimativas de incidência de edentulismo

A definição de edentulismo utilizada no presente estudo foi a ausência de todos os dentes naturais, conceito empregado nos estudos de Carga Global de Doença16.

A partir do inquérito PMS AB, o edentulismo foi definido como uma variável dicotômica que assumiu os valores 1 (edêntulo) e zero (não edêntulo). Um modelo de regressão logística foi usado tendo como variável dependente o edentulismo e como variáveis explicativas, em nível individual, o sexo e a faixa etária. O PIB per capita e a proporção de indivíduos com menos de oito anos de escolaridade, dentre os indivíduos com 25 anos de idade ou mais, foram considerados como variáveis contextuais.

Com base nos coeficientes do modelo gerado, foi aplicada uma função logística para estimar, por sexo e faixa etária, as prevalências de edentulismo para Minas Gerais e Macrorregiões de Saúde, tomando-se as informações de PIB per capita e proporção de indivíduos com menos de oito anos de estudo de cada localidade.

Os casos incidentes, por sexo e faixa etária, e a duração foram obtidos a partir dos casos prevalentes, através de modelagem com o software DISMOD II.

O peso da incapacidade utilizado foi obtido através de média ponderada, no qual o peso de 0,001 referiu-se aos casos tratados, assumindo-se que 70% da população brasileira é tratada para edentulismo no Brasil e um peso de 0,061 aos não tratados19 conforme estudo da Carga Global de Doença para a região da América Latina e Caribe, obtendo-se um valor de 0,019. A estimativa de duração usada foi a fornecida pelo software DISMOD II que calculou como sendo a própria expectativa de vida.

Análise

As prevalências, as incidências e os anos de vida vividos com incapacidade (YLD) de cárie dentária, doença periodontal e edentulismo foram analisadas em termos de taxas por 100.000 habitantes, por sexo e faixa etária. Analisaram-se também os anos de vida vividos com incapacidade (YLD) por meio de distribuição proporcional com os grandes grupos de doenças infecciosas e parasitárias, doenças maternas, perinatais e nutricionais (Grupo I), doenças não transmissíveis (Grupo II) e causas externas (Grupo III).

As taxas do YLD (por 100.000 habitantes) de cárie dentária, doença periodontal e edentulismo para as Macrorregionais de Saúde de Minas Gerais e para cada sexo, foram padronizadas por faixa etária segundo a população de Minas Gerais por sexo. Razões de taxas foram obtidas tomando-se a de Minas Gerais como referência.

A comparação da prevalência de edentulismo por Macrorregionais de Saúde e sexo considerou as faixas etárias dos indivíduos de 45 anos e mais e naqueles de 60 anos e mais. Esta análise foi conduzida somente para o edentulismo, uma vez que este agravo foi o único que apresentou diferenças expressivas entre sexos.

Resultados

A Tabela 1 mostra as taxas de prevalências e de incidência de cárie dentária, doença periodontal e edentulismo por sexo e faixa etária. No caso da cárie dentária, as taxas de incidência de obturação expressaram redução a partir da faixa etária de 7 a 14 anos, ao passo que as taxas de perda dentária expressaram redução somente a partir de 60 anos. A taxa de incidência de obturação nos indivíduos de 1 a 6 anos foi de 4.825/100.000 habitantes-ano (para ambos os sexos), ao passo que nos idosos de 80 anos e mais declinou para 929/100.000 habitantes-ano. Os casos novos de perda dentária por cárie deteve aumento até a faixa etária de 45 a 59 anos, alcançando 6.309 casos por 100.000 habitantes-ano, declinando a partir de 60 anos e mais.

Tabela 1 Distribuição das taxas* de prevalência e incidência de cárie dentária, edentulismo e doença periodontal, por faixa etária e sexo. Minas Gerais, 2004-2006. 

Cárie Doença Periodontal Edentulismo
Sexo/Faixa
Taxa de Taxa de Taxa de Taxa de Taxa de Taxa de
Etária Incidência Incidência Prevalência Incidência Prevalência Incidência
Obturação Perda
Masculino
< 1 0 0 0 0 0 0
1-6 4.825 156 0 0 0 0
7-14 21.342 467 0 0 0 0
15-29 18.792 4.969 8.021 5.495 337 48
30-44 18.260 5.477 17.379 9.930 1.734 143
45-59 13.319 6.309 24.531 12.628 11.454 1.417
60-69 4.273 1.613 35.815 16.546 35.862 4.506
70-79 2.290 864 38.419 14.967 50.154 101
80+ 929 351 34.793 11.899 50.436 0
Feminino
< 1 0 0 0 0 0 0
1-6 4.825 156 0 0 0 0
7-14 21.342 467 0 0 0 0
15-29 18.792 4.969 8.114 5.547 678 96
30-44 18.260 5.477 17.387 9.933 3.323 269
45-59 13.319 6.309 24.572 12.649 18.007 2.192
60-69 4.273 1.613 35.869 16.545 46.172 5.212
70-79 2.290 864 38.373 14.929 59.749 116
80+ 929 351 34.771 11.893 60.007 0

* taxa por 100.000 habitantes Fonte: Núcleo de Pesquisa em Métodos Aplicados aos Estudos de Carga Global de Doença, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz.

No que tange à doença periodontal, as prevalências apresentaram tendências crescentes por idade até a faixa etária de 70 a 79 anos (38.419 e 38.373/100.000 habitantes para homens e mulheres, respectivamente), quando, a partir de 80 anos, a propensão é de queda nas proporções de indivíduos atingidos. As taxas de incidência deste agravo apresentaram comportamento semelhante às prevalências, ou seja, houve gradual aumento, por faixa etária, nas taxas de incidência. Também a partir de 70 anos, o número de indivíduos que se tornaram doentes sofre redução, que se reflete em taxas menores para ambos os sexos.

De forma geral, o diferencial por sexo apresentou-se somente para o edentulismo, no qual as prevalências e incidências do sexo feminino foram superiores para todas as faixas etárias analisadas. As taxas de prevalência deste agravo foram consideravelmente crescentes até a faixa etária de 70 a 79 anos, alcançando 50.154/100.000 habitantes no sexo masculino e 59.749/100.000 habitantes no feminino. No tocante às taxas de incidência, foram observados valores crescentes até a faixa etária de 60 a 69 anos em ambos os sexos e decréscimo de casos novos, por ano, nas faixas etárias posteriores (70 a 79 anos e 80 e mais).

O diferencial nas prevalências de edentulismo entre os indivíduos de 45 anos ou mais e de 60 anos ou mais, segundo as Macrorregionais de Saúde de Minas Gerais, estão representados no Gráfico 1. Em ambas as situações, as proporções foram mais expressivas no sexo feminino, independente da região. Entretanto, houve variação por Macrorregionais, tanto no sexo masculino quanto no feminino, e nos dois pontos de corte de idade considerados. O percentual mais expressivo de mulheres edêntulas de 45 anos ou mais foi na Macrorregião Nordeste (39,5%), enquanto naquelas de 60 anos ou mais foi mais elevado em Jequitinhonha (57,7%). Quanto aos homens de 45 anos ou mais, a proporção de edentulismo foi maior na Macrorregião Nordeste (30,9%), e naqueles de 60 anos ou mais, na Macrorregião Leste do Sul (47,8%). Nas Macrorregiões Centro, Triângulo do Norte e Triângulo do Sul, prevaleceram menores proporções de população edêntula em ambos os sexos e em ambas faixas etárias.

Gráfico 1 Distribuição da prevalência de edentulismo nos indivíduos de 45 anos e mais e de 60 anos e mais, segundo Macrorregionais de Saúde e sexo. Minas Gerais, 2004-2006. Fonte: Núcleo de Pesquisa em Métodos Aplicados aos Estudos de Carga Global de Doença, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. 

A Tabela 2 apresenta o número e a distribuição proporcional da carga de morbidade segundo Grandes Grupos de causas e sexo. De forma geral, o Grande Grupo I foi responsável por 11,4% dos anos de vida vividos com incapacidade (YLD) para Minas Gerais, o Grande Grupo II por 87,2%, e o Grande Grupo III por 1,4% do total da carga de morbidade em Minas Gerais no período 2004 - 2006.

Tabela 2 Número absoluto e distribuição proporcional dos anos de vida vividos com incapacidade (YLD) segundo grandes grupos de causas e grupo de condições orais e segundo sexo. Minas Gerais, 2004-2006. 

Sexo/Faixa Cárie Doença Edentulismo
Etária dentária Periodontal
Masculino
< 1 0,0 0,0 0,0
1-6 4,5 0,0 0,0
7-14 19,5 0,0 0,0
15-29 30,5 10,7 23,5
30-44 31,5 22,2 59,8
45-59 29,8 33,9 466,4
60-69 8,3 54,4 1.052,0
70-79 4,5 43,9 16,3
80+ 1,8 29,9 0,0
Feminino
< 1 0,0 0,0 0,0
1-6 4,5 0,0 0,0
7-14 19,5 0,0 0,0
15-29 30,5 10,8 49,4
30-44 31,5 22,3 121,5
45-59 29,8 34,6 798,6
60-69 8,3 56,6 1.382,2
70-79 4,5 46,0 21,4
80+ 1,8 31,3 0,0

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Métodos Aplicados aos Estudos de Carga Global de Doença, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz.

Ainda em 2004-2006, foram estimados para cárie dentária 4.489 YLD em Minas Gerais, correspondendo a 10,8% do total de YLD estimados para todo o grupo das doenças orais, sendo 13,7% para o sexo masculino e 8,9% para o feminino. Para doença periodontal, foram estimados 3.217 YLD, gerando 7,7% do total da doenças orais, com 9,4% no sexo masculino e 6,6% no feminino. O edentulismo participou com 34.035 YLD, perfazendo 81,5% do total. Entretanto, 84,5% deste agravo foram atribuídos ao grupo feminino, ao passo que 76,9% ao sexo masculino.

A Tabela 3 apresenta a distribuição das taxas dos anos de vida vividos com incapacidade (YLD) de cárie dentária, doença periodontal e edentulismo, por sexo e faixa etária. As taxas de YLD de cárie dentária foram mais expressivas na faixa etária de 15 a 44 anos (em torno de 30 casos por 100.000 habitantes-ano para ambos os sexos) com valores decrescentes a partir de 45 anos.

Tabela 3 Distribuição das taxas* dos anos de vida vividos com incapacidade (YLD) de cárie dentária, doença periodontal e edentulismo, e segundo faixa etária e sexo. Minas Gerais, 2004-2006. 

Grupos de causas Masculino Feminino Total
Número % Número % Número %
Grupo I – Infecciosas e Parasitárias, 88.185 12,7 95.763 10,4 183.948 11,4
Maternas, Perinatais e Nutricionais
Grupo II – Não Transmissíveis 587.462 84,9 815.314 88,9 1.402.776 87,2
Grupo III - Causas Externas 16.180 2,3 6.482 0,7 22.662 1,4
Grupo II – Orais 16.249 100,0 25.492 100 41.741 100
Cárie 2.226 13,7 2.263 8,9 4.489 10,8
Periodontite 1.534 9,4 1.683 6,6 3.217 7,7
Edentulismo 12.489 76,9 21.546 84,5 34.035 81,5
Subtotal 691.827 100,0 917.559 100,0 1.609.386 100,0

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Métodos Aplicados aos Estudos de Carga Global de Doença, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz.

No edentulismo, as taxas de YLD de ambos os sexos foram crescentes por faixa etária até 60 a 69 anos, cujos valores alcançaram 1.052 casos nos homens e 1.382 nas mulheres, com decréscimo para os indivíduos a partir de 70 anos. No que tange à doença periodontal, observou-se semelhanças para ambos os sexos na distribuição da taxa de YLD, crescente até a faixa etária de 60 a 69 anos.

A Tabela 4 apresenta as taxas brutas e as razões de taxas de YLD em relação à taxa global do Estado de Minas Gerais para cárie dentária, doen ça periodontal e edentulismo, segundo Macrorregionais de Saúde e sexo. No tocante à cárie, as disparidades das taxas em relação ao Estado foram menores, para ambos os sexos, quando comparadas ao edentulismo. No entanto, o padrão de distribuição entre as Macrorregionais de Saúde foi similar no que diz respeito às taxas superiores ao valor obtido para Minas Gerais como um todo para ambos os sexos. Em contrapartida, nas Macrorregionais Sul, Oeste, Leste, Noroeste, Triângulo do Norte e Triângulo do Sul, as taxas foram inferiores ao Estado como um todo: 98%, 99%, 97%, 92% e 97%, respectivamente, para ambos os sexos.

Tabela 4 Taxas dos anos de vida vividos com incapacidade (YLD)* de cárie, doença periodontal e edentulismo e razão de taxa padronizada, segundo Macrorregionais de Saúde e por sexo. Minas Gerais, 2004-2006. 

Cárie Doença Periodontal Edentulismo
Macrorregionais/Sexo Taxa RTP** Taxa RTP** Taxa RTP**
Masculino
Sul 23 98 17 101 142 105
Centro Sul 23 100 17 100 141 105
Centro 24 103 17 100 115 86
Jequitinhonha 24 102 16 98 171 127
Oeste 23 99 17 101 146 109
Leste 23 99 16 100 146 108
Sudeste 24 104 17 100 136 101
Norte 24 102 16 98 164 122
Noroeste 23 97 17 100 151 112
Leste do Sul 23 100 17 100 164 122
Nordeste 24 101 16 98 164 122
Triângulo do Sul 21 92 17 100 111 82
Triângulo do Norte 23 97 17 101 118 87
Minas Gerais 23 100 17 100 134 100
Feminino
Sul 23 98 17 100 220 102
Centro Sul 23 100 17 100 219 102
Centro 24 103 17 101 200 93
Jequitinhonha 24 102 16 97 255 118
Oeste 23 99 17 101 225 105
Leste 23 99 17 100 224 104
Sudeste 24 104 17 100 217 101
Norte 24 102 17 98 246 114
Noroeste 23 97 17 100 230 107
Leste do Sul 23 100 17 100 248 115
Nordeste 24 101 17 98 253 117
Triângulo do Sul 21 92 17 100 190 88
Triângulo do Norte 23 97 17 101 198 92
Minas Gerais 23 100 17 100 215 100

* por 100.000 mil habitantes (2) Razão de taxa padronizada Fonte: Núcleo de Pesquisa em Métodos Aplicados aos Estudos de Carga Global de Doença, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz.

Não foram observadas grandes variações na distribuição das taxas padronizadas de doença periodontal para ambos os sexos. Em relação ao edentulismo, observou-se que as Macrorregiões de Saúde Jequitinhonha, Norte de Minas, Leste do Sul e Nordeste alcançaram as maiores taxas do YLD por 100.000 habitantes para o sexo masculino, resultando em taxas padronizadas de 22% a 27% superiores à taxa de carga global de doença de Minas Gerais como um todo. Entretanto, no sexo feminino, estas macrorregiões atingiram taxas padronizadas superiores às do Estado, de 14% a 18%. Todavia, os percentuais foram sempre inferiores ao do sexo masculino. No outro extremo, nas Macrorregionais Centro, Triângulo do Norte e Triângulo do Sul, as taxas padronizadas foram inferiores às de Minas Gerais como um todo, respectivamente: 86%, 87% e 82% para homens e 93%, 92% e 88% para mulheres.

Discussão

A estimativa da carga global de doença de cárie dentária, doença periodontal e edentulismo para o Estado de Minas Gerais, no período 2004 a 2006, evidenciou a ocorrência destas doenças em praticamente todas as faixas etárias e afetaram, sobremaneira, o sexo feminino.

O número de YLD estimados para as condições orais foi de 41.741, com percentual participativo no total da carga de morbidade do Estado de Minas Gerais na ordem de 2,9%. No Brasil, resultados do Estudo de Carga Global de Doença para o ano de 199812 evidenciaram que 2,4% do total de YLD corresponderam às condições orais.

No tocante ao componente de morbidade, foram estimados, para cárie dentária, 4.489 YLD, com participação relativa de 10,8% no total das doenças orais e 0,3% no total da morbidade. Outros estudos sobre carga global de doença estimaram percentuais para cárie dentária que variaram de 0,9% a 1,1%20,21.

No tocante à contribuição de cada agravo oral à carga global de doença, os achados do presente estudo foram diferenciados aos encontrados em outros com temática semelhante. Enquanto alguns trabalhos apontam a cárie dentária como a condição oral com participação percentual mais relevante20-22, este estudo estimou que o edentulis mo foi o agravo mais contributivo para a carga global de doenças orais no Estado de Minas Gerais.

A participação relativa do edentulismo no cômputo das doenças orais foi de 81,5% e no total de morbidade foi de 2,1%, com estimativa de 34.035 YLD. A estimativa, para a região das Américas em 2004, foi de 0,3% do total da carga global de doença11 e outros estudos apontam estimativas de edentulismo na ordem de 0,3% a 0,4% do total de carga de morbidade21,22. Na Austrália, em 2003, foram estimados 5.264 YLD, perfazendo uma participação relativa de 0,3% (0,2% para o sexo masculino e 0,4% para o feminino) no total da carga de morbidade17.

O número de DALY estimados para doença periodontal no Estado de Minas Gerais foi de 3.217, correspondendo a 0,2% do total de YLD. Em Victoria, Austrália, em 1996, cerca de 0,6% do total de YLD foram atribuídos à doença perio dontal, com estimativa 0,6% para homens e 0,7% para mulheres22. Em relação a este agravo, o estudo da Organização Mundial de Saúde de 2004, estimou 39.000 DALY, resultando em 0,01% do total de carga de doença11.

Como as estimativas de edentulismo de Minas Gerais evidenciaram uma maior participação deste agravo no cômputo do total de YLD de doenças orais supõe-se que as estimativas de Minas Gerais estariam superiores porque, no presente estudo, o peso da incapacidade, ponderado para tratamento e não tratamento dos casos foi de 0,019, valor quase cinco vezes superior àquele empregado, por exemplo, no estudo de Carga Global de Doença na Austrália em 2003, por exemplo. No estudo australiano, o número de indivíduos edêntulos foi menor, mas também se considerou que 100% eram tratados e o peso estimado foi de 0,004.

Quanto à análise de edentulismo por Macrorregionais de Saúde, este estudo demonstrou que regiões menos desenvolvidas, como Jequitinhonha, Norte de Minas e Nordeste, refletem tendência de maiores prevalências para as condições orais quando comparadas às localidades de melhor nível socioeconômico. Ao longo de toda a análise, independentemente do indicador de saúde utilizado, se a prevalência ou os anos de vida vividos com incapacidade, estas regiões concentraram maiores casos de edentulismo, sempre ainda mais desfavoráveis no sexo feminino.

Todavia, especificamente no tocante à prevalência de edentulismo nos indivíduos de 45 anos e mais e nos de 60 anos e mais, observou-se que, além das regiões menos favorecidas reunirem maiores proporções de indivíduos com edentulismo e no sexo feminino, estas áreas contam com proporções um pouco mais elevadas de mulheres que se tornam edêntulas precocemente, pois as diferenças nas prevalências entre os grupos etários são menores quando comparadas às regiões de melhor nível de desenvolvimento.

Quanto menor a divergência entre os anos de vida vividos com incapacidade aos 45 anos e 60 anos de idade, pior é a situação do agravo, pois mais indivíduos desenvolvem a condição em questão em idades menos avançadas. Naturalmente, a expectativa é de que esses diferenciais sejam significativamente maiores, ou seja, que a prevalência de indivíduos edêntulos de 60 anos e mais seja expressivamente maior do que aquela nos de 45 anos e mais.

A importância do edentulismo no contexto das condições orais destaca-se no momento em que se torna consequência de alguns agravos bucais, dentre eles a cárie e a doença periodontal. Sendo a cárie uma doença infecciosa que ataca as estruturas dos dentes e a doença periodontal uma inflamação causada por infecção dos tecidos de suporte dos mesmos, estes agravos, quando não tratados têm, como consequência, a perda dentária.

Partindo-se da observação de que o edentulismo afeta mais as mulheres8,23,24, pressupõe-se que esta associação entre sexo e frequência da doença seja influenciada pelo uso de serviços de saúde. Dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) de 2003 apontaram uma chance 1,2 vezes maior de os homens nunca terem procurado serviço odontológico quando comparados a mulheres10. Este diferencial por sexo também foi encontrado em alguns estudos internacionais4,5.

De outro modo, cabe ressaltar que o impacto da cárie não foi o mesmo nos diferentes momentos da evolução da sociedade humana. O desenvolvimento introduziu novos hábitos alimentares e modos de vida e, a partir do processo de urbanização, este agravo tornou-se mais prevalente25. Salienta-se que o padrão alimentar de baixa qualidade, aliado ao consumo excessivo de açúcar, relaciona-se à presença de cárie e que uma dieta inadequada geralmente é mais previsível de acometer indivíduos de classes sociais menos favorecidas, razão pela qual cresce a chance de estes desenvolverem mais frequentemente o agravo. Aliada a esta lógica está a questão dos hábitos de higiene, fortemente associados à cárie, e o acesso a serviços odontológicos.

As condições orais fazem parte do cômputo dos agravos mais comuns e dos principais problemas de saúde a nível mundial. Grande parcela de seus efeitos relaciona-se à dor, desconforto, sequelas físicas e autoestima, ou seja, os sintomas estão fixados mais nos aspectos ligados à morbidade do que à mortalidade. Além disso, merece destaque o impacto no sistema de saúde relacionado às despesas inerentes ao tratamento.

Ponderando-se que, em sua maioria, os diag nósticos de cárie e de doença periodontal são feitos mediante exames clínicos, com o uso dos índices CPOD/CEO para o primeiro e do Índice Periodontal Comunitário (CPI) para o segundo, um maior impedimento para vigilância destes agravos seriam os altos custos e recursos necessários para coleta de dados clínicos.

Uma das limitações do presente estudo diz respeito à escassez de parâmetros locais para o cálculo da carga de doenças das condições orais de Minas Gerais e suas Macrorregionais de Saúde. As informações de prevalência e incidência de cárie, doença periodontal e edentulismo foram obtidas estimando-se, para nível local, informações de âmbito mais abrangente, principalmente nacional. Isto implicou em assumir que, mesmo sendo o Brasil um país heterogêneo, com diferenciais regionais marcantes, as estimativas possuíam comportamento semelhante ao conjunto das localidades pesquisadas nos diferentes inqué ritos usados neste estudo.

Outra limitação das estimativas apresentadas para a cárie dentária refere-se à possibilidade de a carga de doença deste agravo possivelmente encontrar-se superestimada em função, principalmente, do uso das informações de assistência dental para caracterizar o agravo. Para as informações de sequelas de cárie, necessárias para estimar a carga global de doença, os casos tratados (obturados) foram definidos a partir do tratamento dental recebido no último ano do inquérito PMS AB, que pode abarcar cuidados odontológicos mais abrangentes do que necessariamente aqueles relacionados somente à doença. O mesmo diz respeito aos casos não tratados (dentes perdidos), definidos a partir da extração de dente, que podem não contemplar somente a extração devido à cárie.

Optou-se por não utilizar os índices CPOD e CEO na estimativa de carga global de doença de cárie dentária pois, mesmo sendo a forma mais usual para quantificar o agravo, estes índices expressam cárie por número de dentes e, na metodologia dos estudos de Carga Global de Doença, as estimativas são baseadas na incidência anual por pessoa.

Algumas limitações do uso do CPOD e CEO para diagnóstico de cárie já foram apontadas na literatura, tais como: não retratam perdas do dente por doença periodontal ou razões ortodônticas, são passíveis de interpretações distintas dos estágios iniciais de cárie por parte dos examinadores, ocorrendo subestimação quando cáries de esmalte não são consideradas e não permitem identificar cárie radicular26.

O edentulismo, mesmo atingindo mais expressivamente a população adulta e idosa, não é resultado do envelhecimento populacional e sim consequência de precárias condições de saúde oral, pois foi observada, neste estudo, a presença da doença nos adultos jovens de faixa etária 15 a 29 anos. Isso pode ser explicado pela alta prevalência de cárie na população brasileira, possivelmente não tratada, e ainda reflexo das políticas de oferta de serviços odontológicos de exodontia27.

A metodologia proposta para os estudos de Carga Global de Doença estima a carga do edentulismo a partir da perda total de dentes, não abarcando estimativas de edentulismo funcional. Entretanto, o edentulismo funcional acarreta efeitos muito mais significativos devido à ausência de alguns, mas não todos os dentes, pois além de gerar danos físicos, estéticos e psicológicos, há o problema do custo para restauração, evidentemente menos acessível para indivíduos com rendimento precário.

De forma geral, as estimativas da carga global de doença das condições orais deste estudo foram robustas e comparáveis a outras pesquisas da mesma natureza. As limitações metodológicas de ausência de informação local de prevalência ou incidência dos agravos por sexo e faixa etária, para o cálculo do componente de incapacidade YLD, impelindo o uso de pressupostos para preenchimento de lacunas de informação, foram semelhantes àquelas encontradas nos outros estudos executados no mundo17,21.

Ressalta-se o caráter deste estudo ao adotar as Macrorregionais de Saúde como escala de análise geográfica. Considerando que se trata de uma divisão político-administrativa, novas análises poderão ser conduzidas a fim de reavaliar a ocorrência dos problemas orais em outros níveis de agregação.

De forma geral, os resultados evidenciaram a importância de se estimar a Carga Global de Doença das condições orais, enquanto a análise ecológica mostrou que piores condições de vida não podem ser dissociadas das doenças bucais, pois para as áreas com menor nível de desenvolvimento estimaram-se maiores taxas de YLD.

As características sociais e econômicas de uma localidade tendem a determinar, pelo menos em parte, o acesso local aos serviços de saúde oral. Contudo, ainda que a pobreza não seja determinante direta dos agravos bucais, o presente estudo aponta evidências empíricas expressas pelas maiores cargas de doença na população com baixas condições de vida.

A integração da saúde oral nas estratégias de promoção da saúde geral pode melhorar significativamente ambas, pois além de os agravos orais associarem-se com outras doenças crônicas, um e outro possuem geralmente fatores de risco em comum. Torna-se igualmente relevante a disponibilização de dados, mais especificamente, registros de morbidade que permitam prover informa ções que auxiliem na formulação de políticas públi cas, não somente para o diagnóstico e tratamento, mas, de forma prioritária, para a prevenção.

A contribuição ao DALY dos agravos orais foi predominantemente no componente de incapacidade YLD. A integração de desfechos fatais e não fatais na metodologia de estimação para a Carga Global de Doença, ressalta sua importância no diagnóstico de saúde de uma população. Por outro lado, um padrão de saúde retratado por indicadores de mortalidade, em sua natureza mais acessíveis devido à disponibilidade dos sistemas de informação brasileiros de domínio público, não revelaria o peso das morbidades. As doenças que participam quase que exclusivamente do quadro de morbidade, como as orais, incapacitantes do ponto de vista da qualidade de vida dos indivíduos, não participariam do perfil de saúde populacional, se apenas a mortalidade fosse computada para compor as estimativas de doenças que mais grassam nos indivíduos.

Tendo em vista que os estudos de Carga Global de Doença utilizam o indicador DALY como uma medida sumária para eventos fatais e não fatais combinados, as aplicações no campo da Saúde Pública deste indicador assemelham-se à utilização comum de outros, que resumem a situação de saúde de uma população, podendo ser utilizados também para avaliação de mudanças ou tendências durante um período de tempo.

As doenças orais são um fenômeno complexo, multifacetado, com variadas determinações que se interligam e se interagem. Entretanto, o padrão de utilização da assistência em saúde oral é reflexo das oportunidades de consumo de serviços nos diferentes segmentos sociais, mostrando que esses serviços continuam sendo um produto desigualmente distribuído e essas desigualdades são, também, moldadas por fatores socioeconômicos.

Ainda que as diretrizes da política de atenção à saúde oral estabeleçam a atenção básica como componente principal na reestruturação da assistência, utilizando os recursos humanos das Equipes de Saúde Família, é essencial a ampliação e a qualificação constantes do acesso aos serviços, garantindo a incorporação da atenção integral à saúde bucal.

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