versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.29 no.2 São Paulo 2017 Epub 30-Mar-2017
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016074
A mastigação é o primeiro estágio da digestão e envolve simultaneamente vários processos motores com a finalidade de gerar o torque mastigatório necessário para a redução mecânica dos alimentos e formação eficiente do bolo alimentar(1,2). A sequência mastigatória é composta de uma série de ciclos mastigatórios que compreendem eventos espacialmente sincronizados, tais como a contração alternada dos músculos elevadores e depressores da mandíbula, movimentos de língua e segmento craniocervical(1,3).
Assim, o sistema estomatognático recebe continuamente estímulos sensoriais intra e extraorais, que informam as características do alimento e interferências sobre o sistema. Estas informações retroalimentam o sistema sobre a necessidade de adaptações, gerando variabilidade intra e interindividual em cada fase da mastigação do bolo alimentar(2).
Neste sentido, vários fatores extrínsecos podem interferir sobre o padrão mastigatório, incluindo o tamanho e a consistência do bolo alimentar(4-6). O aumento da consistência pode levar ao aumento da duração e número de ciclos durante a sequência mastigatória, à maior amplitude vertical e lateral de movimento mandibular, maior duração da fase oclusal do ciclo(4) e ao aumento da velocidade da mastigação(5). Além disso, a influência do tamanho e espessura do bolo alimentar sobre a amplitude de movimento craniocervical durante a mastigação também tem sido verificada(6).
Diversos fatores podem levar às compensações observadas durante a função. O padrão mastigatório pode ser alterado, com predominância unilateral ou mastigação unilateral crônica(7), frequentemente encontrados em indivíduos com disfunção temporomandibular (DTM)(8,9). Este padrão mastigatório promove estímulos diferenciados entre o lado de trabalho e lado de balanceio da mastigação, podendo estar associado ao desenvolvimento desarmônico do esqueleto facial e desequilíbrio na musculatura mastigatória(9,10).
O padrão mastigatório típico envolve a mastigação bilateral alternada, com lábios selados, sem a participação exagerada da musculatura perioral(7). Fisiologicamente, durante a abertura, ocorrem movimentos de abertura inclinados para o lado de balanceio e de fechamento dirigidos para o lado de trabalho, concomitantemente à protrusão mandibular durante a incisão do alimento(7,10). Quando o alimento se encontra mais triturado, o movimento predominante da mandíbula se dá no plano vertical(7). Portanto, o movimento mandibular é tridimensional, com rotação e translação das articulações temporomandibulares (ATM), que trabalham simultaneamente embora não apresentem movimentos idênticos(11).
A mastigação bilateral alternada é o padrão ideal para estimulação das estruturas que dão suporte ao ato de mastigar, permitindo excursões amplas, contatos oclusais fisiológicos, atividade muscular bilateralmente sincrônica e força uniforme para a trituração do alimento(10).
Assim como outras funções cíclicas vitais (respiração e locomoção), o padrão básico da mastigação é explicado pela ativação rítmica dos diferentes grupos musculares controlados por um gerador de padrão central (GPC). O GPC é constituído de uma rede neuronal localizada no tronco cerebral, associada aos neurônios trigeminais(1), capaz de produzir a atividade rítmica mesmo na ausência de estímulos descendentes ou aferentes sensoriais(2). A mastigação habitual se dá quando o indivíduo pode selecionar um padrão de mastigação preferencial e confortável, com menor probabilidade de erro e com o mínimo de envolvimento consciente(12).
Para selecionar o conjunto de respostas motoras adequadas à função mastigatória, o sistema nervoso central necessita de informações sobre a posição e a velocidade da mandíbula, sobre as forças que atuam sobre a mandíbula e os dentes, e sobre o comprimento e a ativação dos músculos envolvidos, inclusive na região craniocervical. Isto é particularmente evidente quando se verifica que a atividade neuromuscular é muito menor durante a mastigação fictícia (movimentos mandibulares sem a presença do bolo alimentar entre os dentes), comparada à mastigação natural(13).
Sistemas de captura de movimento têm sido amplamente empregados na avaliação e detalhamento biomecânico dos movimentos envolvidos na marcha humana(14). No entanto, sua utilização na análise das variáveis cinemáticas da mastigação tem sido recentemente utilizada, sendo necessária a realização de pesquisas na área que permitam identificar e caracterizar os diferentes padrões mastigatórios.
A compreensão das características da mastigação depende de uma descrição detalhada de seus padrões de movimento(1). Variáveis do movimento mandibular foram associados à performance mastigatória. O melhor desempenho mastigatório foi relacionado à maior amplitude de movimento vertical da mandíbula, maior velocidade de fechamento e menor duração da fase de fechamento do ciclo mastigatório(15,16).
O estudo do comportamento das variáveis cinemáticas da mastigação unilateral e habitual em indivíduos saudáveis pode contribuir para a compreensão do possível impacto do padrão adotado sobre a performance mastigatória em casos de disfunções que interfiram na função mastigatória, tais como DTM, respiração oral e alterações oclusais.
Desta maneira, os objetivos deste estudo foram descrever e comparar as variáveis cinemáticas temporoespaciais do movimento mandibular relacionadas à sequência (duração, frequência e número de ciclos) e ao ciclo mastigatório (amplitude de movimento vertical e médio-lateral, velocidade máxima durante as fases de abertura e fechamento) durante a mastigação unilateral deliberada e habitual, em indivíduos saudáveis.
O presente estudo foi conduzido no Laboratório de Análise de Movimento da Faculdade de Ceilândia, Universidade de Brasília (DF). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Saúde - UnB (sob o número 16626913.4.0000.0030) e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Participaram da pesquisa oito indivíduos saudáveis do gênero masculino com faixa etária entre 19 e 24 anos, com índice de massa corpórea (IMC) de até 30 kg/m2, tipologia facial mesomórfica e mastigação típica (bilateral alternada, com oclusão labial e sem participação exagerada da musculatura perioral). Foram excluídos os voluntários que apresentavam disfunção temporomandibular (DTM); autorrelato de bruxismo e respiração oral; histórico de traumas ortopédicos ou má formação na região facial e cervical; diagnóstico de doenças sistêmicas/reumatológicas; enxaqueca ou queixa de disfunção cervical ou na cintura escapular. Também foram considerados critérios de exclusão: alterações oclusais classe II e III de Angle(17), mordida aberta, mordida cruzada, sobremordida, presença de falhas dentárias e uso de aparelho ortodôntico.
Todos os voluntários participaram de uma entrevista para identificação dos critérios de inclusão e exclusão do estudo. A presença de sinais e sintomas de DTM foi avaliada por meio do exame clínico preconizado pelo protocolo Critérios de Diagnóstico para Pesquisa de Desordens Temporomandibulares (RDC/TMD)(18). Nessa avaliação, foram determinados: padrão de abertura; amplitudes mandibulares; presença de ruídos articulares (estalidos, crepitação); sensibilidade dolorosa à palpação da ATM e dos músculos mastigatórios (masseter, temporal, supra-hioideos, pterigoideo medial e lateral).
Para a avaliação da presença de maloclusões e falhas dentárias, foram realizadas três fotografias intraorais, em máxima intercuspidação, com o auxílio de afastadores externos para melhor visualização da relação entre modo primeiro molar superior e primeiro molar inferior(17). As fotografias foram posteriormente analisadas por um ortodontista.
A avaliação da função mastigatória e do tipo facial foram realizadas a partir da análise de filmagens e registros fotográficos (vistas frontal e perfil). Nesses procedimentos, a câmera foi posicionada em um tripé a uma distância de 50 cm e centralizada pelo plano de Frankfurt do voluntário, enquanto este permaneceu sentado (sem suporte da cabeça) e realizou três incisões seguidas de mastigação e deglutição de pão francês. As imagens foram arquivadas em mídia digital e analisadas por uma fonoaudióloga, habilitada no exame da motricidade orofacial. O tipo facial foi classificado por meio de análise antroposcópica(19) e a função mastigatória foi avaliada conforme os critérios estabelecidos no Exame Miofuncional Orofacial – MBGR(20).
Os dados cinemáticos foram obtidos pelo sistema de análise de movimento Qualysis (QTM - Qualisys Track Manager), que fornece as posições absolutas dos segmentos corporais durante a trajetória dos movimentos, por meio de marcadores esféricos retrorreflexivos que são identificados pelas câmeras. Foram utilizadas oito câmeras, com frequência de amostragem de 250Hz, posicionadas em volta da cadeira em que o voluntário estava posicionado. Os marcadores reflexivos (12 mm de diâmetro) foram posicionados na ponta do mento e sobre a região da glabela do osso frontal e fixados com fita adesiva padrão hipoalergênica(21).
Para a calibração do sistema, foi utilizado o kit do tipo Ward Kit 300 mm (small). O kit de calibração consiste de estrutura metálica em forma de “L”, na qual são acoplados marcadores reflexivos que indicam os eixos x (anteroposterior) e y (médio-lateral) e z (ínfero-superior), permitindo a determinação das coordenadas de referência global. A partir da calibração, é gerada a localização e a orientação do plano e volume de trabalho, utilizados como referência para a reconstrução tridimensional das posições dos marcadores pelo sistema Qualysis.
Os registros foram realizados durante a mastigação unilateral deliberada à direita (MU) e durante a mastigação em padrão habitual do indivíduo (MH), de uma bala de goma de gelatina de consistência firme, marca Fini®, medindo 30×10×15 mm(5,22). Este modelo alimentar foi escolhido por prover um bolo de resistência elástica e dureza suficiente para promover alguma dificuldade à função mastigatória. Foram realizados dois registros mastigatórios para cada situação teste, com intervalo de 30 segundos a um minuto entre estes. Durante os registros, o indivíduo permaneceu sentado, com o dorso completamente apoiado, olhos abertos e orientados ao horizonte, pés paralelos apoiados no solo e membros superiores apoiados sobre a mesa.
Antes de iniciar a mastigação, o voluntário foi orientado a manter o contato dentário e, após o período de três segundos nesta posição, ao ouvir o comando “vai”, foi instruído a levar o alimento à boca, iniciando a mastigação. Também foi solicitado que, após a deglutição, o voluntário realizasse a máxima abertura bucal confortável, como forma de marcar o final da mastigação. Estes procedimentos permitiram criar uma posição de referência para a análise.
O processamento dos dados cinemáticos foi realizado em rotina desenvolvida no Software Matlab R2012a, para a análise dos movimentos mastigatórios. Foram analisadas variáveis relacionadas: (1) à sequência mastigatória: duração, número de ciclos e frequência mastigatória); (2) ao ciclo mastigatório: amplitude de deslocamento vertical e médio-lateral da mandíbula em relação ao crânio, velocidade máxima da mandíbula durante as fases de abertura e fechamento do ciclo mastigatório.
As variáveis relacionadas ao movimento mandibular durante a mastigação foram estimadas a partir do deslocamento do marcador mento (referente ao movimento da mandíbula) em relação ao marcador de referência localizado sobre o osso frontal do crânio (referente ao movimento da cabeça), nas dimensões vertical e médio lateral. O início da sequência mastigatória foi considerado como o momento no tempo em que o marcador mento inicia seu deslocamento vertical para baixo, a partir da posição de contato oclusal. O fim da sequência mastigatória foi determinado como o momento no tempo em que o marcador mento atinge a posição de contato oclusal, imediatamente antes da deglutição (marcada como o movimento amplo de abertura mandibular).
O primeiro ciclo, no qual a bala foi transferida da língua para a arcada dentária, foi excluído da análise(22). Para análise das variáveis relacionadas ao ciclo mastigatório, foram considerados os primeiros 10 ciclos mastigatórios das sequências mastigatórias nas situações de mastigação unilateral à direita (MU) e habitual (MH). Depois da plotagem dos gráficos das sequências mastigatórias e seleção do intervalo de 10 ciclos, foram definidos os picos de deslocamento vertical em abertura (máximo deslocamento inferior do ponto mento) e fechamento (máximo deslocamento superior do ponto mento a partir do máx. deslocamento inferior) mandibular, além dos picos de velocidade de abertura e fechamento na dimensão vertical (Figura 1).
Figura 1 Representação gráfica do deslocamento e velocidade mandibular vertical durante a mastigação. (a) Deslocamento mandibular vertical durante os ciclos mastigatórios. Cada ciclo mastigatório inicia com a fase de abertura, a partir da posição mais superior da mandíbula até atingir sua posição mais inferior. A fase de fechamento inicia no momento em que a mandíbula se desloca de sua posição vertical mais inferior da mandíbula até uma nova posição de maior elevação mandibular. As setas azuis indicam a amplitude máxima do movimento mandibular durante as fases de abertura e fechamento do ciclo mastigatório; (b) Picos de velocidade atingidos durante as fases de abertura e fechamento mandibular
A seleção dos ciclos mastigatórios válidos e a definição de picos de abertura e fechamento mandibular, bem como picos de velocidade máxima e mínima em cada ciclo do segmento analisado, foram realizadas visualmente nos gráficos correspondentes (Figura 1).
Para análise das variáveis relacionadas à sequência mastigatória, foi considerado todo o período da mastigação - do primeiro ao último ciclo pré-deglutição (Figura 2).
Figura 2 Representação gráfica do movimento mandibular vertical em uma sequência mastigatória típica. As setas azuis indicam os momentos de início e fim da sequência mastigatória
Como os dados das variáveis de desfecho apresentaram distribuição normal (teste de Shapiro-Wilk), foi utilizado o teste t pareado para a comparação dos dados registrados durante a MU e MH. Os dados foram analisados utilizando o Software Graphpad Prisma seis e, para todas as análises, foi considerado o nível de significância α < 0,05.
O tamanho de efeito (d) de Cohen e o poder estatístico do teste foram calculados post-hoc para variáveis pareadas utilizando o programa G*Power 3.1.9.2. O tamanho de efeito é definido pela magnitude da distância entre duas médias em termos de desvios padrões enquanto o poder estatístico indica a capacidade do teste de encontrar uma diferença quando esta existe(23).
A magnitude do tamanho do efeito tem sido interpretada como um índice de relevância clínica. Assim, quanto maior o tamanho do efeito, maior a diferença entre os grupos e maior a relevância dos resultados. Tamanhos de efeito de 0,2, 0,5 e 0,8 tem sido descritos como pequeno, moderado e grande, respectivamente(23). No entanto, estes valores são apenas uma orientação para a tomada de decisões e devem levar em consideração as características da variável em estudo(23,24). Tamanhos de efeitos superiores a 0,4 foram considerados clinicamente relevantes e de efeito moderado(24).
Oito voluntários participaram do estudo e apresentaram média de idade (média±DP) de 21,12±1,64 anos e IMC de 21,76±8,26 kg/m2.
Entre as variáveis da sequência mastigatória, observou-se menor frequência mastigatória durante a MU em comparação à MH e o tamanho de efeito desta diferença foi moderado (>0,5). Entretanto, não foram encontradas diferenças entre os padrões mastigatórios para as variáveis relacionadas à duração e número de ciclos durante a sequência mastigatória (Tabela 1).
Tabela 1 Descrição da frequência mastigatória, número de ciclos e duração da sequência mastigatória durante a mastigação habitual e unilateral deliberada
Variáveis da Sequência Mastigatória | Habitual | Unilateral | p valor | d | P(%) |
---|---|---|---|---|---|
Média (DP) | Média (DP) | ||||
Frequência mastigatória (Hz) | 1,29 (0,16) | 1,19 (0,21) | 0,004* | 0,53 | 0,25 |
Duração (s) | 21,27 (7,17) | 21,17 (5,98) | 0,942 | 0,02 | 0,05 |
Número de ciclos | 26,88 (7,84) | 24,44 (5,28) | 0,146 | 0,35 | 0,14 |
*Valores estatisticamente significantes (p<0,05) - Teste t pareado
Legenda: DP = desvio padrão; d = d de Cohen, tamanho de efeito; P = poder estatístico
Em relação às variáveis cinemáticas do ciclo mastigatório, não foram observadas diferenças em relação ao máximo deslocamento vertical e lateral (mm) e à duração do ciclo mastigatório. Por outro lado, as velocidades máximas de abertura e fechamento foram menores durante MU comparada à MH. Efeitos moderados e grandes (>0,5 e >0,8, respectivamente) foram observados para estas variáveis, embora, em relação à fase de abertura, a significância estatística não tenha sido atingida (Tabela 2).
Tabela 2 Parâmetros cinemáticos temporoespaciais do ciclo mastigatório durante a mastigação habitual e unilateral deliberada
Parâmetros cinemáticos do ciclo mastigatório | Habitual | Unilateral | p | d | P(%) | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Média (DP) | IC 95% | Média (DP) | IC 95% | ||||
Duração do ciclo mastigatório (s) | 0,76 (0,14) | 0,65-0,88 | 0,73 (0,34) | 0,44-1,01 | 0,745 | 0,10 | 0,06 |
Amplitude vertical (mm) | 12,43 (3,11) | 9,83-15,03 | 12,21 (2,34) | 10,25-14,17 | 0,575 | 0,08 | 0,05 |
Amplitude médio-lateral (mm) | 9,49 (0,87) | 8,75-10,22 | 9,61 (1,77) | 8,13-11,09 | 0,843 | 0,08 | 0,05 |
Velocidade máx. abertura (mm/s) | 80,02 (17,87) | 65,08-94,96 | 67,4 (11,96) | 57,39-77,4 | 0,053 | 0,80 | 0,50 |
Velocidade máx. fechamento (mm/s) | 83,51 (17,2) | 69,13-97,89 | 71,77 (9,35) | 63,95-79,59 | 0,014* | 0,79 | 0,48 |
*Valores estatisticamente significantes (p<0,05) - Teste t pareado
Legenda: DP = desvio padrão; IC = intervalo de confiança; máx = máxima; d = d de Cohen, tamanho de efeito; P = poder estatístico
Neste estudo, as variáveis cinemáticas mandibulares da sequência e dos ciclos mastigatórios da mastigação habitual foram comparadas às da mastigação unilateral deliberada. Os resultados apresentados podem contribuir para a compreensão de como a função mastigatória de indivíduos saudáveis pode se reorganizar em resposta a fatores extrínsecos, como a imposição de um padrão mastigatório artificial. Adicionalmente, pode-se inferir que a adoção do padrão mastigatório unilateral deliberado interfira no desempenho da mastigação.
Os presentes resultados demonstram menor frequência mastigatória durante a mastigação unilateral deliberada em relação ao padrão habitual e o tamanho de efeito desta diferença foi moderado (>0,5). Entretanto, o padrão adotado não teve efeito sobre a duração ou número de ciclos mastigatórios.
A sequência mastigatória é composta pelo conjunto de movimentos que ocorrem desde a ingestão até a deglutição do alimento. O número de ciclos mastigatórios necessários para preparar um mesmo tipo de alimento para a deglutição é relativamente constante para um mesmo indivíduo. Por outro lado, grandes variações são observadas entre indivíduos, ao comparar o número de ciclos mastigatórios até a deglutição(13). Neste sentido, deve-se considerar que a frequência mastigatória é uma variável que expressa a normalização do número de ciclos mastigatórios pelo tempo dispendido para a execução. É possível que este processo de normalização tenha evidenciado diferenças mais sutis relativas à sequência mastigatória não perceptíveis em variáveis absolutas como o tempo ou número de ciclos. No presente estudo, para eliminar a influência do tempo de execução (que é variável entre indivíduos) sobre as variáveis cinemáticas, a frequência mastigatória foi analisada durante os 10 primeiros ciclos. Além disso, a análise dos ciclos iniciais da sequência permite a melhor avaliação do efeito imediato (ou agudo) da atenção sobre o padrão mastigatório.
Habilidades específicas a uma tarefa são progressivamente aprendidas em resposta às informações aferentes sobre a direção, magnitude e duração das cargas oclusais durante o movimento mandibular, bem como a localização do alimento na cavidade oral(25). Portanto, uma explicação para a menor frequência mastigatória durante a mastigação unilateral deliberada seria a necessidade de ajustes para os quais o indivíduo não está funcionalmente preparado. Isto é, sendo seu padrão habitual a mastigação bilateral alternada, esta pode ser executada com fases de abertura e fechamento mais rápidas.
Em relação às variáveis mandibulares relativas ao ciclo mastigatório, não foram encontradas diferenças em sua duração, bem como na amplitude de movimento mandibular vertical e médio-lateral, nas comparações realizadas. O tempo de duração médio do ciclo observado neste estudo é consistente com relatos prévios que demonstraram variações entre 0,61 e 1,04s(3,5). Para que a duração total do ciclo se mantenha estável, o controle neuronal dos movimentos mastigatórios (GPC) pode atuar modulando a duração das fases de abertura, fechamento e oclusal do ciclo mastigatório(26). Embora não tenham sido investigadas no presente estudo, é possível que estas modulações tenham contribuído para a ausência de efeitos sobre variáveis temporais tais como o número de ciclos, duração da sequência e do ciclo mastigatório.
A literatura descreve valores de amplitude de movimento mandibular vertical que variam entre 10-13 mm durante o ciclo mastigatório(27,28), tal como encontrado neste estudo. O padrão mastigatório adotado não influenciou as amplitudes de movimento mandibular avaliadas. Uma explicação para este resultado pode ser o fato de que não há qualquer restrição musculoesquelética que possa interferir na quantidade do movimento necessário para a execução da tarefa proposta, embora o padrão mastigatório unilateral não seja fisiológico para estes indivíduos.
Ainda que as amplitudes de movimento mandibular vertical e médio-lateral não tenham sido alteradas, a máxima velocidade vertical durante a abertura e fechamento mandibular foi menor durante a mastigação unilateral, comparada à habitual. Além disso, o tamanho de efeito destas variáveis (0,8 e 0,79) sugere a relevância clínica deste achado para a avaliação cinemática da mastigação de indivíduos que adotam cronicamente o padrão mastigatório unilateral.
A mastigação habitual se dá quando o indivíduo pode selecionar um padrão de mastigação preferencial e confortável com o mínimo de envolvimento consciente. Este padrão mastigatório é descrito como uma série de golpes mastigatórios unilaterais em que o bolo alimentar é deslocado de forma aleatória entre o lado direito e esquerdo(12). Um GPC possibilita a mastigação com padrões de movimento e ativação muscular automáticos, que contribuem para uma função mais eficiente e com menor gasto energético(2). Estudo anterior reportou a menor amplitude de ativação eletromiográfica dos músculos mastigatórios do lado de trabalho durante a mastigação unilateral deliberada, em comparação à mastigação habitual(12). Isso poderia indicar uma mastigação mais vigorosa durante seu desempenho habitual e também pode explicar os maiores valores de velocidade máxima atingidos durante a mastigação habitual encontrados neste estudo.
Corroborando estes resultados, estudos prévios mostraram correlação positiva entre a velocidade de movimento mandibular e o desempenho mastigatório(15,16). Isto sugere que a maior velocidade durante a fase de fechamento do ciclo mastigatório transmite maior quantidade de energia ao bolo alimentar e, consequentemente, torna sua trituração mais eficiente. Deste modo, seria possível inferir que o padrão mastigatório unilateral, em que menor velocidade de fechamento é desenvolvida, possa trazer prejuízos à eficiência mastigatória.
Por outro lado, a redução da frequência mastigatória e velocidade máxima atingida durante as fases de abertura e fechamento na mastigação unilateral deliberada sugere que, na adoção deste padrão mastigatório, que não é automatizado para o indivíduo, possivelmente haja maior conscientização da tarefa. Isto pode ser explicado pelo envolvimento cortical relacionado ao uso de estratégias cognitivas de atenção durante esta tarefa.
Brandini et al.(29) relataram que durante a mastigação padronizada há um maior envolvimento de áreas motoras voluntárias do córtex cerebral que atuam modulando o GPC na geração dos movimentos envolvidos. Por outro lado, durante a mastigação em padrão mastigatório habitual há maior participação relativa do tronco cerebral gerador de padrão central.
Neste sentido a mastigação unilateral deliberada, pode ser entendida como um fator mastigatório extrínseco (imposto ao indivíduo). Diante da necessidade de manter o alimento em uma das arcadas dentárias, novas informações sensório-motoras orais de posição do alimento e língua devem ser processadas. Em resposta a isto, ocorre uma adaptação na velocidade atingida durante as fases de abertura e fechamento do ciclo mastigatório, com possível impacto sobre a frequência mastigatória.
A magnitude do tamanho do efeito é um dos métodos utilizados para determinar a relevância clínica dos achados de uma pesquisa(24), permitindo ainda, comparar efeito observado sobre variáveis que possuam diferentes unidades de medida(30). Os resultados deste estudo demonstraram tamanho de efeito moderado relativo às modificações na frequência mastigatória (d=0,53) e moderado-grande em relação à velocidade máxima durante as fases de abertura e fechamento (d=0,8 e 0,79). Estes achados sugerem a influência aguda e clinicamente significante do padrão mastigatório sobre estes parâmetros cinemáticos.
Em situações nas quais o indivíduo necessite adotar cronicamente este padrão mastigatório (causadas por dor, por exemplo), a redução da velocidade associada à diminuição do deslocamento mandibular pode levar, em longo prazo, a modificações mecanoelásticas do tecido, gerando rigidez musculoarticular e prejuízos no desempenho mastigatório.
As variáveis cinemáticas relacionadas à sequência e ao ciclo mastigatório foram influenciadas pelo padrão mastigatório adotado – unilateral ou habitual. Sugere-se que, durante a mastigação unilateral deliberada, não automatizada para o indivíduo, o maior envolvimento cortical durante a tarefa tenha influenciado as variáveis cinemáticas do movimento mandibular. O efeito do padrão mastigatório unilateral sobre a velocidade mandibular pode ter reflexos indiretos sobre o desempenho mastigatório quando este padrão for adotado cronicamente.