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Estudo de 19 anos dos procedimentos odontológicos realizados no Sistema Único de Saúde brasileiro

Estudo de 19 anos dos procedimentos odontológicos realizados no Sistema Único de Saúde brasileiro

Autores:

Luiz Alexandre Chisini,
Alissa Schmidt San Martin,
Ana Luiza Cardoso Pires,
Thaís Gioda Noronha,
Flávio Fernando Demarco,
Marcus Cristian Muniz Conde,
Marcos Britto Correa

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.27 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2019 Epub 30-Set-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201900030215

Abstract

Background

Public health in Brazil has undergone major changes in recent decades.

Objective

To describe the overview of dental production performed by the Brazilian Unified Health System from 1999 to 2017 in Brazil and its macroregions.

Method

Data were obtained from the Outpatient Information System (SIA/SUS) and from the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). Procedures rates (per 100,000 inhabitants per year) were established in each macroregion: restorative, prosthetic, collective, endodontic, exodontia, periodontic and preventive procedures. Statistical analysis of the time series was performed using a regression linear model.

Results

Prosthetic and periodontal procedures were the only ones with a positive linear trend in all Brazilian macroregions (p<0.001). Endodontics did not show a positive trend in Brazil (p=0.173). Restorations showed a growth in the North (p=0.003) and Center-west (p<0.001) macroregions. Exodontia presented a tendency to increase in the North macroregion (p=0.046), while the Midwest presented a decrease of it (p=0.049). Preventive (p=0.042) and collective (p=0.017) procedures showed a decrease in their production during the period.

Conclusion

Oral health showed great growth within the single health system in the 19 years evaluated. Periodontal procedures and dental prostheses were those with the highest growth trends.

Keywords:  community dentistry; public health; epidemiology; health services

INTRODUÇÃO

A saúde pública no Brasil sofreu grandes mudanças nas últimas décadas, tornando-se direito fundamental de todos a partir da Constituição de 19881. Neste mesmo ano, ocorreu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que foi consolidado no Congresso Nacional em 1990 através da Lei Orgânica de Saúde, a qual detalhou o seu funcionamento2. Nos anos subsequentes, o Programa Saúde da Família (PSF) foi criado com o propósito de contribuir na reorganização da atenção em saúde, passando a priorizar ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde3-6. Esta mudança de paradigma na saúde pública brasileira buscou romper com o antigo modelo médico-curativista vigente até então e passou a compreender a saúde de forma integral e contínua5,7.

Com o avanço de tais políticas públicas, houve uma ampliação para áreas mais específicas dentro da Estratégia de Saúde da Família (ESF)5,8,9, na qual a odontologia foi incluída no ano de 2000, apresentando um importante impacto na saúde bucal de populações assistidas por tais equipes10,11. Além disso, o programa Brasil Sorridente foi criado com o objetivo ampliar as equipes de saúde bucal e o acesso ao tratamento odontológico gratuito, por meio do SUS12-14. Este programa expandiu os recursos da atenção básica odontológica e iniciou o processo de organização e qualificação da atenção odontológica especializada principalmente através dos Centros de Especialidades Odontológicos (CEO) e dos Laboratórios Regionais de Prótese Dentária (LRPD)4,12-14.

O monitoramento dessa produção pode ser realizado através do Sistema de Informação Ambulatorial do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS)15. O SIA/SUS é um grande portal no qual constam os dados de todos os procedimentos realizados pelo SUS nas suas mais diversas áreas15. Ele apresenta-se como um grande banco de dados de domínio público e pode ser uma ferramenta extremamente importante para a realização de diagnóstico dos sistemas de saúde, servindo assim para o planejamento das políticas públicas15.

Alguns estudos longitudinais utilizando esse sistema de informações têm sido conduzidos16-19, observando uma tendência de decréscimo na realização de procedimentos restauradores e de exodontia. Além disso, uma grande flutuação na realização destes procedimentos tem sido apontada, principalmente quando estratificada pelas macrorregiões do Brasil16,17. No entanto, uma parte considerada destes estudos foi realizada considerando-se apenas municípios ou regiões específicas18,19, curtos períodos de tempo ou não investigaram a realização de procedimentos endodônticos e de prótese dental. Tendo em vista que a demanda por procedimentos endodônticos20 e protéticos21 na população também é elevada, entender o panorama destes e dos demais procedimentos odontológicos realizados durante um grande período de tempo pode ajudar a esclarecer a abrangência dos serviços de saúde bucal do SUS para a população do Brasil e de cada macrorregião. Desta forma, o objetivo deste estudo foi descrever o panorama da produção odontológica realizada pelo SUS de 1999 a 2017 no Brasil e suas macrorregiões.

MÉTODO

Foi conduzido um estudo ecológico longitudinal retrospectivo com a utilização de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Departamento de Informática do SUS (DATA/SUS) através do SIA/SUS, como proposto por Barros e Chaves15. Na busca referente aos procedimentos odontológicos, foram utilizados dados do período de janeiro de 1999 a dezembro de 2017. Dados da população brasileira foram investigados utilizando os censos (1991, 2000 e 2010) e as projeções intercensitárias do período, além da projeção populacional das unidades da federação (2010-2030). Desta forma, adotaram-se como unidades de observação o Brasil e suas cinco macrorregiões.

Coleta das variáveis

O SIA/SUS pertence à Secretaria de Atenção à Saúde e foi criado em 1992, sendo implementado em 1994 em todo o território nacional, substituindo antigos sistemas. Desta forma, encontra-se desde a sua criação em uma plataforma que está disponível de forma universal eletronicamente22. Tem por objetivo geral receber a transcrição da produção (médica, odontológica, entre outras) assim como a validação dos pagamentos orçamentários estipulados pelos próprios gestores de saúde. Os gestores devem enviar ao DATA/SUS, de forma mensal, os dados referentes à realização dos procedimentos municipais. Estes, após conferência, recebem autorização e o repasse dos recursos orçamentários. Procedimentos odontológicos estão disponíveis nessa plataforma após o ano de 1999. Além disso, em 2008, ocorreu uma mudança de classificação, em que alguns procedimentos foram agrupados e outros separados.

Desta forma, foi realizada a coleta de dados de todos os procedimentos odontológicos registrados no SIA/SUS. Esses dados foram investigados através do SIA/SUS, item informações de saúde. Apenas procedimentos aprovados durante o período foram considerados no presente estudo.

Procedimentos analisados

A nomenclatura e os códigos da tabela de procedimentos do SUS foram alterados em 2008. Desta forma, os procedimentos foram coletados de duas formas: a) de 1999 a 2007; e b) procedimentos após 2007. A nomenclatura dos procedimentos investigados assim como os seus códigos tiveram as seguintes alterações:

Restaurações: de 1999 a 2007: Restauração com amálgama duas ou mais faces (0303104), restauração com amálgama uma face (0303105), restauração com compósito duas ou mais faces (0303106), restauração com compósito uma face (0303107), restauração com compósito envolvendo ângulo incisal (0303108), restauração com silicato duas ou mais faces (0303109), restauração com silicato uma face (0303110), restauração fotopolimerizável duas ou mais faces (0303111), restauração fotopolimerizável uma face (0303112), restauração com ionômero de vidro duas ou mais faces (0303115 e 1001101), restauração com ionômero de vidro uma face (1001102). Após 2007: Restauração em dente decíduo (0307010023), restauração em dente permanente anterior (0307010031), restauração em dente permanente posterior (0307010040).

Exodontias: de 1999 a 2007: exodontia de dente decíduo (0304101), exodontia de dente permanente (0304102), remoção de resto radicular (0304103), exodontia múltipla com alveoloplastia por hemiarco (1005114). Após 2007: Exodontia de dente decíduo (0414020120), exodontia de dente permanente (0414020138), exodontia múltipla com alveoloplastia por sextante (0414020146).

Procedimentos preventivos: de 1999 a 2007: Aplicação terapêutica intensiva com flúor por sessão (0302201), aplicação de cariostático por dente (0302202), aplicação de selante por dente (0302203), controle da placa bacteriana (0302204). Após 2007: Aplicação tópica de flúor individual por sessão (0101020074), aplicação de cariostático por dente (0101020058), aplicação de selante por dente (0101020066), profilaxia/remoção de placa bacteriana (0307030040).

Procedimentos coletivos: de 1999 a 2007: Ação coletiva escovação dental supervisionada (0301102), ação coletiva de bochecho fluorado (0301103), ação coletiva aplicação tópica de flúor (0301104), ação coletiva exame bucal finalidade epidemiológica (0301105). Após 2007: Ação coletiva de escovação dental supervisionada (0101020031), ação coletiva de aplicação tópica de flúor gel (0101020015), ação coletiva de bochecho fluorado (0101020023), ação coletiva de exame bucal com finalidade epidemiológica (0101020040).

Prótese dental: de 1999 a 2007: Prótese total mandibular (1008210 e 1008213), prótese total maxilar (1008211 e 1008214), prótese parcial removível maxilar e mandibular (1008302), próteses parciais removíveis mandibular (1008303) e próteses parciais removíveis maxilar (1008304), coroa de aço (1008401), prótese parcial fica por elemento (1008406), prótese adesiva metalocerâmica por elemento (1008407) prótese adesiva metaloplástica por elemento (1008408). Após 2007: Prótese parcial mandibular removível (0701070099), prótese parcial maxilar removível (0701070102), prótese temporária (0701070110), prótese total mandibular (0701070129), prótese total maxilar (07010070137), próteses coronárias intrarradiculares fixas/adesivas por elemento (0701070145), prótese dentária sobre implante (0701080027).

Endodontia: de 1999 a 2007: Retratamento endodôntico de dente permanente unirradicular (1004102), tratamento endodôntico de dente decíduo unirradicular (1004103), retratamento endodôntico de dente decíduo unirradicular (1004104), tratamento endodôntico de dente permanente unirradicular (1004105), retratamento endodôntico de dente permanente birradicular (1004201), tratamento endodôntico de dente permanente birradicular (1004202), retratamento endodôntico de dente permanente trirradicular (1004301), tratamento endodôntico de dente permanente trirradicular (1004303), tratamento endodôntico de dente decíduo multirradicular (1004401), retratamento endodôntico de dente decíduo multirradicular (1004402). Após 2007: Retratamento endodôntico em dente permanente birradicular (0307020088), retratamento endodôntico em dente permanente com três ou mais raízes (0307020096), retratamento endodôntico em dente permanente unirradicular (0307020053), obturação em dente permanente birradicular (0307020045), obturação em dente permanente com três ou mais raízes (0307020053), obturação em dente permanente unirradicular (03070200261), obturação de dente decíduo (0307020037).

Periodontia: de 1999 a 2007: curetagem subgengival/polimento dental por hemiarcada (0302207), curetagem subgengival por indivíduo (1002108), raspagem coronorradicular por hemiarcada (1002106). Após 2007: Raspagem alisamento e polimento supragengivais (por sextante) (0307030016), raspagem alisamento subgengivais (por sextante) (0307030024), raspagem coronorradicular (por sextante) (0307030032), raspagem alisamento e polimento supragengivais (por sextante) (0307030059).

Análise dos dados

Os dados foram exportados e tabulados em uma planilha no software Microsoft Excel® 2013. Criou-se, então, uma série histórica (de janeiro de 1999 a dezembro de 2017), em que os dados foram exportados para o Software Stata 12.0, sendo analisados de maneira descritiva e analítica.

Foram criadas sete taxas de procedimentos realizados em cada macrorregião: 1) Procedimentos restauradores; 2) Procedimentos protéticos; 3) Procedimentos coletivos; 4) Procedimentos de endodontia; 5) Procedimentos de exodontia; 6) Procedimentos de periodontia, e 7) Procedimentos preventivos. Foram consideradas as produções anuais referentes ao respectivo ano, isto é, de janeiro a dezembro. Em relação aos procedimentos coletivos, os dados foram analisados apenas a partir de 2008 devido à ausência dos dados na base investigada referente ao período precedente. Ademais, o cálculo de taxas (por 100 mil habitantes/ano) foi realizado utilizando-se a quantidade aprovada para cada mês de cada macrorregião definida, sendo o denominador a população estimada (censo e projeções intercensos) de cada ano, segundo o IBGE.

A análise estatística das séries temporais foi realizada utilizando um modelo de regressão linear no programa Stata 12.0. Esse modelo pode ser utilizado quando se deseja relacionar ou explicar uma variável de interesse (dependente) por meio de outra variável, objetivando encontrar a equação de regressão que melhor descreve a relação entre a variável independente e a variável dependente. No presente estudo, foram consideradas, como variáveis dependentes (Y), as taxas de procedimentos, e como variável independente, os anos da realização dos procedimentos. Com a finalidade de evitar a autocorrelação entre os termos da equação, foi utilizado o método de centralizar a variável ano e transformá-la em ano menos o ano médio da série histórica23-25. Assim, os testes de hipóteses foram realizados para os coeficientes de regressão. Para cada um dos sete modelos finais (procedimentos restauradores, procedimentos protéticos, procedimentos coletivos, procedimentos de endodontia, procedimentos de exodontia, procedimentos de periodontia e procedimentos preventivos), foram calculadas as taxas médias por 100 mil habitantes e foram estimados os coeficientes da regressão e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Foi admitido como uma tendência linear estatisticamente significante quando um valor de p<0,05 foi observado.

RESULTADOS

Durante o período de 19 anos avaliados, cerca de 3,5 bilhões de procedimentos foram registrados, dos quais cerca de 35% foram de periodontia e 30% de atividades coletivas (Figura 1). Procedimentos de endodontia (0,5%) e prótese dental (0,1%) foram os menos realizados.

Figura 1 Porcentagem de procedimentos odontológicos realizados no Brasil distribuídos por tipo de procedimento nos 19 anos de avaliação. Brasil, 1999 a 2017 

Embora apresentem as menores quantidades absolutas, os procedimentos protéticos foram, juntamente com os de periodontia, os únicos que apresentaram uma tendência linear positiva em todas as macrorregiões brasileiras (p<0,001) assim como quando o Brasil foi considerado como unidade (p<0,001) (Tabela 1). Além disso, a maior tendência de crescimento foi observada no Nordeste, enquanto que o menor crescimento foi observado no Norte. Considerando a taxa média de procedimentos por 100 mil habitantes, o Brasil apresentou uma taxa média de quase 130 procedimentos por 100 mil habitantes, sendo mais expressiva nas regiões Sul e Nordeste.

Tabela 1 Análise de regressão linear e taxa média de procedimentos odontológicos por 100 mil/habitantes por procedimento e macrorregião. Brasil (1999 a 2017) 

Procedimento/região Taxa Média* Coeficiente (IC 95%) Valor de p
Prótese
Brasil 129,9 18,8 (14,5 - 23,1) < 0,001
Nordeste 154,5 27,3 (20,3 - 34,3) < 0,001
Norte 59,7 6,5 (4,7 - 8,3) < 0,001
Sudeste 121,0 15,0 (10,9 - 19,1) < 0,001
Sul 158,2 22,9 (19.8 - 26.1) < 0,001
Centro-Oeste 113,1 15,3 (11,3 - 19,2) < 0,001
Endodontia
Brasil 477,3 8,9 (-12,8 - 15,1) 0,173
Nordeste 343,7 16,2 (9,1 - 23,3) < 0,001
Norte 708,1 0,2 (-29,2 - 29,5) 0,991
Sudeste 417,0 6,7 (-3,5 - 17,0) 0,186
Sul 272,7 9,8 (4,2 - 15,5) 0,002
Centro-Oeste 429,1 25,5 (15,4 - 35,5) < 0,001
Restaurações
Brasil 15352,0 266,9 (-39,4 - 573,3) 0,084
Nordeste 14375,0 376,8 (-5,5 - 759,1) 0,053
Norte 13639,2 621,5 (244,8 - 998,2) 0,003
Sudeste 15048,3 137,2 (-185,1 - 459,5) 0,382
Sul 17133,3 -9,6 (-351,0 - 331,7) 0,953
Centro-Oeste 18937,6 763,6 (216,1 - 1311,9) < 0,001
Exodontias
Brasil 146500,4 88,1 (-87,1 - 263,2) 0,304
Nordeste 209427,1 285,9 (-68,5 - 640,3) 0,107
Norte 163117,9 305,9 (6,7 - 605,3) 0,046
Sudeste 107977,9 -16,4 (-159,4 - 126,6) 0,812
Sul 138576,4 17,9 (-186,3 - 222,1) 0,855
Centro-Oeste 126171,1 -176,1 (-351,1 - 1,2) 0,049
Periodontia
Brasil 33256,7 4282,3 (2379,8 - 6184,8) <0,001
Nordeste 28956,6 3345,5 (1274,2 - 5416,9) 0,003
Norte 21562,6 2764,7 (1586,9 - 3942,6) <0,001
Sudeste 35105,1 4602,0 (2719,5 - 6484,5) <0,001
Sul 44213,4 6249,5 (4010,2 - 8488,7) <0,001
Centro-Oeste 30878,0 3918,3 (2064,7 - 5771,9) <0,001
Preventivos
Brasil 10337,8 -268,9 (-527,0 - –10,9) 0,042
Nordeste 8166,1 -21,0 (-248,8 - 206,7) 0,848
Norte 9058,6 162,2 (-91,2 - 415,6) 0,195
Sudeste 9980,3 -455,6 (-745,2 - 165,9) 0,004
Sul 15703,1 -413,2 (-849,2 - 22,8) 0,062
Centro-Oeste 11299,5 -301,6 (-658,7 - 55,5) 0,093
Coletivos
Brasil 45698,4 -1921,3 (-3412,8 - –429,8) 0,017
Nordeste 37742,5 -2980,4 (-5297,0 - 663,7) 0,017
Norte 26373,3 -723,5 (-2281,6 - 834,5) 0,325
Sudeste 48344,5 -1942,2 (-3164,7 - 719,7) 0,005
Sul 64517,1 -319,4 (-2427,5 - 1788,7) 0,743
Centro-Oeste 45569,3 -2058,3 (-3572,7 - –543,8) 0,013

*Taxas médias por 100 mil habitantes. IC 95% = intervalo de confiança de 95%; Valor de p = valor estatístico relativo à análise de regressão linear, foram considerados como significativos valores de p <0,05

Em relação aos procedimentos de endodontia, foi observada uma tendência de crescimento na macrorregião Nordeste (p<0,001), na região Centro-Oeste (p<0,001) e na região Sul (p=0,002). No entanto, quando considerado o Brasil, não observamos a manutenção dessa tendência positiva (p=0,173). No Norte, observamos um grande incremento na produção de procedimentos endodônticos a partir de 2002, os quais posteriormente retornam aos mesmos patamares iniciais (Figura 2). Além disso, a taxa média de procedimentos para cada 100 mil habitantes foi de 477,3 no Brasil.

Figura 2 Taxa de procedimentos odontológicos por 100 mil/habitantes no Brasil e suas respectivas macrorregiões, entre 1999 e 2017 

Procedimentos restauradores apresentaram um crescimento durante o período avaliado nas macrorregiões Norte (p=0,003) e Centro-Oeste (p<0,001), enquanto que, nas demais macrorregiões, nenhuma tendência (positiva ou negativa) foi observada. Embora mostre uma tendência positiva, o Centro-Oeste apresentou uma grande oscilação, principalmente a partir do ano de 2009, a qual pode ser observada na Figura 2. Considerando-se o Brasil, foi observado um incremento na realização de restaurações nos 19 anos avaliados, o qual não foi estatisticamente significativo (p=0,084). Ademais, uma taxa média de cerca de 15,3 mil restaurações/100 mil habitantes foi realizada no Brasil.

Procedimentos de exodontias permaneceram estáveis até o ano de 2009 e, posteriormente, apresentaram uma grande oscilação, principalmente no Norte e no Nordeste. Enquanto que o Norte apresentou uma tendência de aumento de procedimentos (p=0,046), a macrorregião Centro-Oeste apresentou uma queda na realização destes procedimentos (p=0,049). Uma taxa média de cerca de 165 mil exodontias por 100 mil habitantes foi observada considerando-se os 19 anos avaliados.

Procedimentos de periodontia apresentaram um grande salto na produção a partir de 2008. Este crescimento resultou em uma tendência linear positiva em todas as macrorregiões. Dentre elas, a região Sul foi a que apresentou o maior coeficiente de regressão assim como a maior taxa média de procedimentos (44 mil/100 mil habitantes), enquanto que a média do Brasil foi de aproximadamente 33 mil/100 mil habitantes.

Procedimentos preventivos (p=0,042) e coletivos (p=0,017) apresentaram uma diminuição da sua produção durante o período avaliado, considerando-se o Brasil. Além disso, uma taxa de cerca de 10 mil procedimentos/100 mil habitantes foi observada para procedimentos preventivos e 45 mil para procedimentos coletivos.

DISCUSSÃO

De acordo com o melhor de nosso conhecimento, este é o estudo com maior período de avaliação do sistema de informações do SUS objetivando descrever o panorama da produção odontológica realizada pelo Sistema Único de Saúde. É possível observar, assim, que a odontologia teve um amplo crescimento dentro do Sistema Único de Saúde durante os 19 anos avaliados, resultado que tem se refletido no crescente números de dentistas que atuam no SUS26. Assim, procedimentos de periodontia e de prótese dentária foram os que apresentaram as maiores tendências de crescimento.

Procedimentos protéticos eram quase inexistentes no ano de 1999 e apresentaram um crescimento significativo principalmente a partir de 2007/2008. Esse resultado pode ser justificado devido à implementação que ocorreu em 2005 dos LRPD12. Esses laboratórios consolidaram-se através do estabelecimento de critérios, normas e requisitos para sua habilitação pelo Ministério da Saúde, e possibilitaram a realização de próteses dentárias na Atenção Básica12. Porém, a sistemática de funcionamento dos LRPD ainda apresenta alguns desafios e contradições4,12. Enquanto se observa que a maior necessidade de prótese total (7% da população) ocorre na região Norte e a maior prevalência de edêntulos é na região Sudeste, os LRPD se concentram disponíveis na região Nordeste4. Esses dados da literatura corroboram com as observações do presente estudo, que verificou o maior crescimento da realização de próteses dentais na região Nordeste, a qual apresenta também uma maior população SUS-dependente.

Embora o Nordeste tenha apresentado os maiores crescimentos de tratamentos protéticos, essa tendência positiva foi observada em todas as regiões, podendo ser um reflexo da Política Nacional de Saúde Bucal, a qual promoveu uma expressiva expansão dos serviços odontológicos. O possível reflexo desta política foi observado no presente estudo através da tendência de aumento da produção na maioria dos procedimentos investigados. De forma semelhante, procedimentos de periodontia apresentaram um expressivo incremento nesse período, sendo reportado em diversos estudos como um reflexo da expansão das equipes de saúde bucal na estratégia da saúde da família em diversas regiões27,28. No entanto, uma importante variação entre as regiões foi claramente evidenciada. Isso pode ser explicado pela municipalização e descentralização do SUS, em que a iniciativa de implementação dos serviços (tais como os LRPD e os CEOs) é responsabilidade dos governos municipais, cabendo a eles o encargo de organizar o sistema e buscar, juntamente ao Estado e à União, a implementação dos serviços e ofertá-los aos usuários12,13.

Esse encargo dos municípios em gerir tais serviços muitas vezes pode estar vulnerável a mudanças políticas nos respectivos municípios e estados, resultando também em oscilações na gestão das políticas públicas de saúde e no cumprimento das metas pactuadas. Neste contexto, um recente estudo avaliando o cumprimento das metas pelos municípios com CEOs no estado do Rio Grande do Sul observou um baixo cumprimento dos mesmos29. Dos 27 municípios investigados, 13 cumpriram 25% ou menos das metas estabelecidas, sendo que a área de endodontia foi a que apresentou o maior déficit na produção29. Esses resultados corroboram com as observações referentes aos tratamentos endodônticos, os quais não apresentaram uma tendência significativamente positiva, quando consideramos o Brasil. Outros estudos avaliando a realização de tratamentos endodônticos têm observado que esses procedimentos são os que apresentam os maiores percentuais de absenteísmo e as menores taxas de resolutibilidade30-32, a qual pode chegar a apenas 50% dos casos32.

Além disso, procedimentos preventivos e coletivos apresentaram uma tendência de decréscimo da produção quando consideramos o Brasil como unidade. Estes resultados corroboram, em parte, com os relatados na literatura16. Enquanto uma tendência de decréscimo de procedimentos preventivos já tenha sido reportada em outra série histórica (1994-2007)16, os presentes resultados divergem dos observados quanto aos procedimentos coletivos. Isso pode ser explicado principalmente pela divergência quanto aos anos investigados. De fato, o principal decréscimo observado nos procedimentos coletivos é a partir do ano de 2010. No entanto, esses achados são conflitantes com a proposta das políticas públicas implementadas, que visam ao incremento de práticas preventivas e abordagens coletivas.

O presente estudo é um trabalho de caráter exploratório, o qual apresenta importantes limitações e pontos fortes que devem ser discutidos. Tratando-se de um estudo que utiliza informações secundárias, é possível que os dados possam apresentar algumas imprecisões e subnotificações, o que poderia sub ou superestimar os resultados. Desta forma, podemos considerar que as subnotificações sejam a principal limitação, podendo afetar a qualidade dos dados do presente estudo. No entanto, podemos assumir que esses vieses tenham se dado de forma aleatória, não comprometendo o resultado do estudo. Além disso, este é um estudo com uma grande longitudinalidade, mostrando a abrangência dos serviços odontológicos no Brasil utilizando o banco informatizado do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS. Esta ferramenta é justamente a utilizada no monitoramento dos serviços. Assim, os resultados deste estudo podem servir de base e ferramenta auxiliar na construção de políticas públicas de saúde, além de serem utilizados como instrumento para a integralização e o aperfeiçoamento da odontologia dentro do SUS13,14,33.

A saúde bucal apresentou um grande crescimento dentro do Sistema Único de Saúde nos 19 anos avaliados. Procedimentos de periodontia e de prótese dentária foram aqueles com as maiores tendências de crescimento. Além disso, procedimentos preventivos e coletivos apresentaram um decréscimo significativo no Brasil, embora uma grande variação tenha sido observada nas diferentes regiões.

REFERÊNCIAS

1 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 de outubro de 1988.
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