versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.3 Rio de Janeiro mar. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017223.12742016
Uma das metas propostas nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), na área de saúde materno infantil, era reduzir a taxa de mortalidade infantil (TMI) a níveis inferiores a 15,7 óbitos por mil nascidos vivos (NV), em 20151. O Brasil conseguiu cumpri-la antecipadamente ao atingir a taxa de 15,3, em 20111,2.
Dentre os países emergentes pertencentes ao grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o Brasil foi aquele que apresentou melhor desempenho na redução da mortalidade infantil entre 1990 e 2010, seguido pela China3. Entretanto, comparativamente aos demais países sul-americanos, o Brasil apresenta taxas mais elevadas do que Equador, Colômbia, Argentina, Uruguai e Chile, sendo que os dois últimos apresentaram taxas inferiores a 10/1.000 NV em 20131.
Embora o Brasil tenha diminuído na última década as disparidades sociais, econômicas e de indicadores de saúde4,5, as diferenças intra e inter-regionais das taxas de mortalidade infantil persistem5. Em 2010, a região norte do país apresentou taxas que variavam de 11,0 a 21,8 óbitos/1.000 NV; na região nordeste, a TMI situou-se entre 11,9 e 17,8 óbitos/1.000 NV; nas regiões sudeste e sul as TMI variaram menos, situando-se entre 9,1 e 13,2 óbitos/1.000 NV. Por sua vez, as capitais da região centro-oeste apresentam TMI muito similares entre si, variando de 12,6 a 13,2 óbitos/1.000 NV2.
As capitais da região centro-oeste destacam-se entre aquelas que apresentaram as maiores quedas nas taxas de mortalidade infantil nas duas últimas décadas, acompanhando a expressiva melhora dos indicadores sociais e econômicos neste período6. No entanto, a mortalidade infantil, nessa região, foi pouco estudada7,8.
Métodos como o linkage com o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) têm sido amplamente utilizados para estudos de fatores associados à mortalidade infantil7,9. Alguns desses fatores são bem conhecidos como baixa escolaridade materna, baixo número de consultas de pré-natal, idade materna, prematuridade e baixo peso ao nascer4,5,9-13.
O linkage torna possível identificar indivíduos ou registros que façam parte de dois ou mais bancos distintos14. Esse recurso tem como vantagens o baixo custo operacional, a rapidez e a viabilidade por utilizar dados já registrados pelos serviços de saúde7,14. Apesar dessa facilidade, na capital Cuiabá foi realizada apenas uma pesquisa sobre mortalidade infantil utilizando esse método7.
Cuiabá possui boa cobertura do Sinasc e SIM (superior a 90%)15 e boa completitude das variáveis de ambos os sistemas16,17, imprescindíveis para realização do linkage. Em função das lacunas de pesquisa na região Centro-oeste do país, desenvolvemos este estudo com o objetivo de investigar fatores associados à mortalidade infantil nas coortes de NV de mães residentes em Cuiabá, no período de 2006 a 2010.
Estudo de coorte retrospectiva de base populacional. A população de estudo foi formada pelas coortes de nascidos entre 01/01/2006 a 31/12/2010, filhos de mães residentes no município de Cuiabá (MT), perfazendo 47.018 NV. A área de interesse foi a capital Cuiabá (MT), com população de 550.000 habitantes no último censo, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,785, Índice de Gini de 0,59, taxa de fecundidade de 1,79 filhos por mulher em idade fértil e renda per capita média de 1.161,49 reais em 20106.
Foram incluídos no estudo os nascidos vivos, com Declaração de Nascido Vivo (DNV) preenchida e foram excluídos os óbitos infantis não pareados pelo método de linkage, sem informações sobre data de nascimento e nome da mãe e que não foram localizados após a busca manual.
As crianças incluídas no estudo foram selecionadas na base de dados do Sinasc e os óbitos foram identificados na base de dados do SIM. Após a padronização das duas bases de dados (utilização de letra maiúscula, sem pontos e vírgulas) foi realizado o linkage probabilístico, formando, assim, uma única base de dados. Utilizou-se o software Registry Plus™ Link Plus versão 3.0 beta (Centers for Disease Control and Prevention, CDC, http://www.cdc.gov) para o linkage.
Para o linkage, foi utilizada estratégia de blocagem para variável o sexo e para o pareamento, em que foram formados pares (um registro do Sinasc com um registro do SIM) utilizou-se o nome da mãe e a data de nascimento18. O ponto de corte estabelecido foi seis para encontrar o maior número de pares possíveis18. Em caso de divergência de dados entre a Declaração de Óbito (DO) e a DNV, considerou-se as informações contidas na DNV como padrão ouro por ser considerado de boa qualidade e com baixo percentual de informações ignoradas7. Os óbitos não ligados eletronicamente foram processados manualmente, examinando-se o Sinasc e os registros originais das DNV.
As fontes de dados desta pesquisa foram a Gerência de Vigilância de Nascimentos e Óbitos da Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá (MT) e a Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso. As análises univariadas e a regressão logística foram processadas no Stata, versão 13.0.
Após o linkage, foram estimadas as taxas de mortalidade infantil, tomando como numerador os óbitos entre os menores de um ano e como denominador o número de NV e multiplicados por mil. O método de cálculo para os componentes da mortalidade infantil considerou os períodos neonatal precoce – óbitos de 0 a 6 dias de vida; neonatal tardio – 7 a 27 dias de vida e pós-neonatal – óbitos de 28 a 364 dias de vida como numerador e os NV como denominador e multiplicados por mil.
Considerou-se como variável dependente a probabilidade de morte no primeiro ano de vida e como variáveis independentes os potenciais fatores associados ao óbito, divididos em determinantes para a investigação dos fatores associados à mortalidade infantil.
Foram estimadas as odds ratio (OR) brutas e ajustadas com os respectivos intervalos de confiança de 95%, utilizando a regressão logística múltipla hierarquizada19. Utilizou-se o teste de Hosmer e Lemeshow para verificar a significância do modelo final.
Para a análise do modelo hierarquizado tomamos como determinantes distais as variáveis socioeconômicas: situação conjugal materna e escolaridade materna em anos de estudo. As variáveis dos determinantes intermediários (assistenciais) foram: número de consultas de pré-natal, local de nascimento, tipo de hospital, e tipo de parto. Como determinantes proximais uma variável biológica materna (idade) e variáveis biológicas da criança: tipo de gravidez, idade gestacional em semanas, peso ao nascer em gramas, sexo, raça/cor, índice de Apgar no 1º e 5º minuto, malformação congênita.
A análise estatística hierarquizada é baseada em um modelo conceitual que descreve a relação entre fatores de risco19. Neste estudo, a análise hierarquizada seguiu o sentido distal-proximal, utilizando como ponto de partida as variáveis do bloco 1, que se juntam às do bloco 2 e, por último, do bloco 3, formando assim o modelo hierarquizado final. Dentro de cada um dos blocos, as variáveis que tiveram valor de p < 0,20 na análise univariada foram incluídas na montagem do modelo do respectivo bloco, utilizando o procedimento stepwise forward. Permaneceram dentro de cada bloco as variáveis que tiveram valor de p < 0,05 e aquelas com plausibilidade biológica.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller da Universidade Federal de Mato Grosso.
Do total inicial de 698 óbitos referentes às cinco coortes de nascimentos (2006 a 2010), foram excluídos dois (0,3%) por não terem o nome da mãe e nem a data de nascimento. Após o linkage entre SINASC (47.018 NV) e SIM (696 óbitos), foram pareados 607 óbitos (87%), sendo 594 (98%) pares verdadeiros e 13 (2%) pares não verdadeiros. Após a exclusão dos 13 pares não verdadeiros e a inclusão dos 23 pares verdadeiros resultantes da busca manual, a casuística final foi de 617 óbitos (Figura 1).
Figura 1 Linkage entre o Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC) e o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), 2006-2010.
A TMI média no quinquênio foi de 13,1 óbitos/1.000 NV, sendo que a maioria dos óbitos ocorreu no período neonatal n = 414 (67,1%), principalmente no período neonatal precoce 48,1% (n = 297).
A TMI aumentou de 11,4 óbitos/1.000 NV, em 2006, para 14,6, em 2008, seguido de queda para 12,0 óbitos por mil NV, em 2010. No período estudado o principal componente responsável pela mortalidade infantil foi o neonatal (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição dos números de óbitos e das taxas de mortalidade infantil das coortes de nascidos vivos segundo o ano, Cuiabá-MT.
Óbitos | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | Total | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Período neonatal (n) | 74 | 87 | 86 | 90 | 77 | 414 | |
Período neonatal precoce (n) | 58 | 66 | 63 | 55 | 55 | 297 | |
Período neonatal tardio (n) | 16 | 21 | 23 | 35 | 22 | 117 | |
Período pós-neonatal (n) | 34 | 35 | 54 | 45 | 35 | 203 | |
Primeiro ano de vida (n) | 108 | 122 | 140 | 135 | 112 | 617 | |
Número de nascidos vivos (NV) | 9.443 | 9.284 | 9.601 | 9.351 | 9.339 | 47.018 | |
TMIN | 7,8 | 9,4 | 9,0 | 9,6 | 8,2 | 8,8 | |
TMINP | 6,1 | 7,1 | 6,6 | 5,9 | 5,9 | 6,3 | |
TMINT | 1,7 | 2,3 | 2,4 | 3,7 | 2,4 | 2,5 | |
TMIP | 3,6 | 3,8 | 5,6 | 4,8 | 3,7 | 4,3 | |
TMI | 11,4 | 13,1 | 14,6 | 14,4 | 12,0 | 13,1 |
Legendas: TMIN =Taxa de mortalidade infantil neonatal; TMINP = Taxa de mortalidade infantil neonatal precoce; TMINT = Taxa de mortalidade infantil neonatal tardio; TMIP = Taxa de mortalidade infantil pós-neonatal; TMI: Taxa de mortalidade infantil.
Dos nascidos vivos, 6,85% (3.178/46.401) nasceram prematuros, 7,20% (3.339/46.401) com baixo peso ao nascer, 51,52% (23.905/46.401) eram do sexo masculino, 35,85% (16.606/46.401) foram de mães que tiveram menos que sete consultas de pré-natal, 59,64% (27.675/46.401) nasceram por cesárea e 67,22% (31.182/46.401) de mães sem companheiro.
Dos recém-nascidos que foram a óbito 58,05% (357/617) nasceram prematuros, 61,59% (380/617) com baixo peso ao nascer, 57,21% (353/617) eram do sexo masculino, 62,38% (383/617) foram de mães que tiveram menos que sete consultas de pré-natal, nasceram por via de parto cesárea 52,51% (324/617) dos óbitos e eram de mães sem companheiro 75,53% (466/617).
Na análise univariada apresentaram-se associadas ao óbito todas as variáveis analisadas (Tabela 2).
Tabela 2 Análise univariada das variáveis associadas ao óbito infantil segundo determinantes (distais, intermediários e proximais), no município de Cuiabá, 2006-2010.
Variáveis | Óbitos | OR bruta | IC 95% | p-valor | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
| |||||||
Sim n = 617 | Não n = 46.401 | ||||||
| |||||||
n | % | n | % | ||||
Determinantes distais | |||||||
Escolaridade materna (anos de estudo) | |||||||
≥ 8 | 448 | 72,85 | 36.883 | 79,50 | 1 | ||
< 8 | 167 | 27,15 | 9.510 | 20,50 | 1,46 | 1,21;1,73 | <0,001 |
Situação conjugal | |||||||
Com companheiro | 151 | 24,47 | 15.209 | 32,78 | 1 | ||
Sem companheiro | 466 | 75,53 | 31.182 | 67,22 | 1,51 | 1,25;1,81 | <0,001 |
Determinantes Intermediários | |||||||
Número de consultas de pré-natal | |||||||
≥ 7 | 231 | 37,62 | 29.721 | 64,15 | 1 | ||
< 7 | 383 | 62,38 | 16.606 | 35,85 | 2,97 | 2,52;3,50 | <0,001 |
Local de nascimento | |||||||
Hospital | 610 | 98,87 | 46.309 | 99,80 | 1 | ||
Domicílio | 7 | 1,13 | 92 | 0,20 | 5,78 | 2,67;12,51 | <0,001 |
Tipo de hospital | |||||||
Privado e/ou Conveniado SUS | 530 | 87,17 | 43.324 | 93,64 | 1 | ||
Não Privado | 78 | 12,83 | 2.943 | 6,36 | 2,17 | 1,70;2,76 | <0,001 |
Tipo de parto | |||||||
Cesárea | 324 | 52,51 | 27.675 | 59,64 | 1 | ||
Vaginal | 293 | 47,49 | 18.726 | 40,36 | 1,34 | 1,14;1,57 | <0,001 |
Determinantes proximais maternos | |||||||
Idade (anos) | |||||||
20 - 34 | 403 | 65,32 | 33.899 | 73,06 | 1 | ||
< 20 | 161 | 26,09 | 8.925 | 19,23 | 1,52 | 1,26;1,82 | <0,001 |
≥ 35 | 53 | 8,59 | 3.577 | 7,71 | 1,25 | 0,93;1,66 | |
Determinantes proximais da criança | |||||||
Tipo de gravidez | |||||||
Única | 563 | 91,40 | 45.520 | 98,11 | 1 | ||
Múltipla | 53 | 8,60 | 876 | 1,89 | 4,89 | 3,66;6,53 | <0,001 |
Idade gestacional (semanas) | |||||||
37 - 41 | 256 | 41,63 | 42.937 | 92,57 | 1 | ||
< 37 | 357 | 58,05 | 3.178 | 6,85 | 18,84 | 15,98;22,21 | <0,001 |
≥ 42 | 2 | 0,32 | 268 | 0,58 | 1,25 | 0,31;5,06 | |
Peso ao nascer (gramas) | |||||||
≥ 2.500 | 237 | 38,41 | 43.061 | 92,80 | 1 | ||
< 2.500 | 380 | 61,59 | 3.339 | 7,20 | 20,68 | 17,51;24,41 | <0,001 |
Sexo | |||||||
Feminino | 264 | 42,79 | 22.496 | 48,48 | 1 | ||
Masculino | 353 | 57,21 | 23.905 | 51,52 | 1,26 | 1,07;1,48 | 0,005 |
Raça/cor | |||||||
Branca | 107 | 18,35 | 11.743 | 26,91 | 1 | ||
Preta+Parda | 476 | 81,65 | 31.899 | 73,09 | 1,64 | 1,33;2,02 | <0,001 |
Apgar 1° minuto | |||||||
8 - 10 | 258 | 42,36 | 42.448 | 91,58 | 1 | ||
0 - 7 | 351 | 57,64 | 3.903 | 8,42 | 14,80 | 12,56;17,43 | <0,001 |
Apgar 5° minuto | |||||||
8 - 10 | 393 | 64,32 | 45.564 | 98,31 | 1 | ||
0 - 7 | 218 | 35,68 | 784 | 1,69 | 32,24 | 26,93;38,59 | <0,001 |
Malformação congênita | |||||||
Não | 538 | 87,20 | 46.097 | 99,39 | 1 | ||
Sim | 79 | 12,80 | 284 | 0,61 | 23,83 | 18,32;31,02 | <0,001 |
Nota: Os totais para algumas variáveis podem variar por causa dos valores em branco. OR bruta = odds ratio bruta; IC95% = Intervalo de Confiança 95%.
A Tabela 3 apresenta o resultado do modelo aplicado para cada bloco na primeira coluna. Na segunda coluna, observa-se o modelo intermediário, compondo o bloco 1 (determinantes distais) com o bloco 2 (determinantes intermediários). Na terceira coluna encontra-se o modelo final, acrescentando-se, aos dois blocos anteriores, o bloco 3 (determinantes proximais). Por ser hierárquico, os resultados podem ser lidos na horizontal (uma dada variável ao longo do ajuste) e na diagonal (ajuste entre blocos), conforme indicado em negrito na Tabela 3.
Tabela 3 Fatores associados ao óbito infantil segundo o bloco de determinantes, em Cuiabá, 2006-2010.
Modelo/Variável | Modelo I | Modelo II n = 46.778 | Modelo III n = 44.037 | |||
---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||
Blocos 1, 2 e 3 isolados | Blocos 1 + 2 | Blocos 1+2+3 | ||||
| ||||||
ORa | IC 95% | ORa | IC 95% | ORa | IC 95% | |
1. Bloco 1 (determinantes distais) | ||||||
Situação conjugal | ||||||
Com companheiro | 1 | 1 | 1 | |||
Sem companheiro | 1,42 | 1,18;1,72 | 1,12 | 0,92;1,36 | 1,32 | 1,04;1,68 |
Escolaridade materna | ||||||
≥ 8 anos de estudo | 1 | 1 | 1 | |||
< 8 anos de estudo | 1,35 | 1,12;1,62 | 1,04 | 0,87;1,26 | 1,12 | 0,90;1,40 |
2. Bloco 2 (determinantes intermediários) | ||||||
Número de consultas pré-natal | ||||||
≥ 7 consultas | 1 | 1 | 1 | |||
< 7 consultas | 2,93 | 2,48;3,46 | 2,82 | 2,38;3,36 | 1,65 | 1,34;2,03 |
Tipo de hospital | ||||||
Privado e/ou conveniado SUS | 1 | 1 | 1 | |||
Não Privado | 2,12 | 1,66;2,70 | 2,11 | 1,66;2,69 | 1,15 | 0,86;1,54 |
3. Bloco 3 (determinantes proximais) | ||||||
Peso ao nascer | ||||||
> 2.500 gramas | 1 | 1 | ||||
< 2.500 gramas | 5,30 | 4,07;6,90 | 4,83 | 3,70;6,31 | ||
Idade gestacional | ||||||
37 a 41 semanas | 1 | 1 | ||||
< 37 semanas | 3,02 | 2,31;3,94 | 3,05 | 2,33;4,00 | ||
≥ 42 semanas | 1,32 | 0,31;5,64 | 1,30 | 0,31;5,45 | ||
Apgar 1º minuto | ||||||
8 a 10 | 1 | 1 | ||||
0 a 7 | 3,20 | 2,53;4,04 | 3,19 | 2,52;4,05 | ||
Apgar 5º minuto | ||||||
8 a 10 | 1 | 1 | ||||
0 a 7 | 5,01 | 3,86;6,50 | 4,95 | 3,80;6,45 | ||
Malformação congênita | ||||||
Não | 1 | 1 | ||||
Sim | 15,16 | 10,69;21,50 | 14,91 | 10,46;21,26 | ||
Sexo | ||||||
Feminino | 1 | 1 | ||||
Masculino | 1,26 | 1,05;1,52 | 1,26 | 1,04;1,52 | ||
Raça/cor | ||||||
Branca | 1 | 1 | ||||
Preta+Parda | 1,58 | 1,25;2,00 | 1,21 | 0,94;1,55 |
Obs.: O Teste de ajuste de Pearson (p=0,96) e de Hosmer-Lemeshow (p=0,19) indicam um bom ajuste do modelo. ORa=odds ratio ajustada; IC95%=Intervalo de Confiança 95%; SUS=Sistema Único de Saúde.
No bloco 1 (determinantes distais), a situação conjugal materna sem companheiro e baixa escolaridade materna foram associadas ao óbito infantil, porém, somente mãe sem companheiro manteve-se independentemente associada no modelo final. No bloco 2 (determinantes intermediários), o baixo número de consultas de pré-natal e o hospital não privado estiveram associados ao desfecho, entretanto apenas o baixo número de consultas de pré-natal permaneceu independentemente associado ao óbito no modelo final. No bloco 3 (determinantes proximais), a idade gestacional pós-termo não esteve associada ao óbito, não permanecendo no modelo final. A raça/cor preta+parda esteve associada isoladamente, porém perdeu significância após ajuste do modelo.
Permaneceram independentemente associadas aos óbitos infantis a situação conjugal da mãe sem companheiro (OR = 1,32 IC95% = 1,04;1,68) e baixo número de consultas de pré-natal (OR = 1,65 IC95% = 1,34;2,03), pertencentes ao determinante distal e intermediário, respectivamente. As variáveis pertencentes aos determinantes biológicos foram as mais fortemente associadas ao desfecho, conferindo uma OR = 4,83 (IC95% = 3,70;6,31) para baixo peso ao nascer, prematuridade (OR = 3,05 IC95% = 2,33;4,00), anóxia no 1º (OR = 3,19 IC95% = 2,52;4,05) e 5º minuto (OR = 4,95 IC95% = 3,80;6,45), presença de malformação congênita (OR = 14,91 IC95% = 10,46;21,26), sexo masculino (OR = 1,26 IC95% = 1,04;1,52) (Tabela 3).
O linkage mostrou-se útil na identificação dos nascidos vivos que evoluíram para óbito para determinação dos fatores associados à mortalidade infantil, viável do ponto de vista operacional e de baixo custo por utilizar software gratuito. Seu emprego é um estímulo à utilização de dados secundários, sendo possível ser adotado na rotina dos serviços municipais de saúde7,9.
Houve variação da TMI em Cuiabá no período estudado. De 2006 a 2008 sofreu um aumento, voltando a declinar em 2009 e 2010. Deve-se ter cuidado ao interpretar tais resultados, pois eles não significam necessariamente que a TMI tenha aumentado, mas sim que houve uma melhoria dos sistemas de informações ao longo dos anos.
Entre os anos de 2006 e 2010, a TMI em Cuiabá situou-se abaixo da média para região centro-oeste e Brasil, variando de 17,7 a 15,9 óbitos por mil NV e 19,4 a 16,2 óbitos por mil NV, respectivamente11. No entanto, os achados deste estudo são similares aos publicados em outras regiões do Brasil e em outros países1-9,20.
Essa evolução foi reflexo de políticas públicas como Bolsa Alimentação21 e o Programa Bolsa Família22adotadas nas últimas décadas que tiveram influência positiva na redução da mortalidade infantil, como políticas sociais, principalmente na área de saúde, educação e combate à pobreza, tornando mais favoráveis os indicadores sociais, econômicos e de saúde5,21,22.
Os fatores associados ao óbito infantil em Cuiabá foram situação conjugal sem companheiro, baixo número de consultas de pré-natal, baixo peso ao nascer, prematuridade, Apgar ≤ 7 no 1º minuto, Apgar ≤ 7 no 5º minuto, presença de malformação congênita e sexo masculino. Esses fatores corroboram aos encontrados por outros autores5,7-9,11,20.
Chama a atenção a prevalência de malformação congênita, que permaneceu estável na região Centro-Oeste de 1990 a 2007, enquanto nas regiões Sul e Sudeste diminuíram e na Norte e Nordeste aumentaram4. A exposição materna aos agrotóxicos que é amplamente utilizado em Mato Grosso foi associada à maior ocorrência de malformações congênitas no estado23. Por sua vez, malformações congênitas apresentaram associação com óbito, resultado consistente com o de outro estudo8, também para a capital Cuiabá.
A partir de 2003 e 2004 as taxas de baixo peso ao nascer permaneceram estáveis em todas as regiões brasileiras, exceto nas capitais do centro-oeste que apresentam aumento de 0,87% ao ano24. Autores5 têm discutido que o baixo peso ao nascer pode ter relação com o aumento da prevalência de cesárea. Isso pode fazer sentido para Cuiabá, uma vez que o percentual de cesárea entre os NV deste estudo foi de aproximadamente 60% e entre os óbitos de 52,5%.
A natureza retrospectiva e a utilização de dados secundários são as principais limitações metodológicas deste estudo, porém, houve baixo percentual de perdas devido a sub-registros e erros de codificação que impossibilitaram o pareamento no momento do linkage.
Houve queda na mortalidade infantil em Cuiabá, com o período neonatal respondendo por 67,1% dos óbitos infantis. Os fatores associados ao óbito infantil no município mostram que esforços são necessários para aumentar o número de consultas pré-natais, equipe treinada para reanimação em sala de parto e ter unidades intensivas neonatais preparadas para atender prematuros, pois segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)25, até 75% dos óbitos em recém-nascidos podem ser evitados se forem tomadas medidas de saúde eficazes no momento do nascimento e durante a primeira semana de vida. Devido à importante participação do componente neonatal precoce em quase a metade dos óbitos infantis, há necessidade de novos estudos para identificar quais as causas evitáveis que resultam em óbitos nesse subgrupo para direcionamento de políticas públicas pelos gestores locais.