versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.4 São Paulo out./dez. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1707
O câncer de próstata é a segunda neoplasia mais comum entre homens em todo o mundo(1). Em 2005, nos Estados Unidos, havia 2.106.499 homens vivos com história de câncer de próstata, e a incidência dessa neoplasia foi calculada em 163 casos em 100 mil homens por ano. Segundo estudos prévios, a idade média ao diagnóstico é de 68 anos e a taxa de mortalidade é de 26,7 em 100 mil homens por ano(2).
Estudos recentes sugerem um declínio na mortalidade por câncer de próstata nos Estados Unidos e no Reino Unido a partir de 1990, e grande parte dessa melhora é atribuída a um melhor rastreamento da doença com a utilização do antígeno prostático específico (PSA, do inglês prostate specific antigen) e melhora do tratamento para casos de doença mais avançada. Em contrapartida, acredita-se que o benefício do diagnóstico precoce do câncer de próstata nas taxas de mortalidade só ocorre nos casos em que o screening pelo PSA identifica pacientes com uma doença mais agressiva; logo, isso representa uma minoria de todos os homens que são rastreados para a doença. Dessa forma, enquanto o benefício para uma minoria pode causar impacto nas taxas de mortalidade global, a maioria dos homens rastreados pode vir a receber tratamento e diagnóstico desnecessários em relação a sua qualidade de vida(3).
No Brasil, pouco se sabe sobre o comportamento do câncer de próstata na população.
O presente estudo teve como objetivo examinar a tendência das taxas de mortalidade por câncer de próstata entre a população do Estado de São Paulo, nos anos de 1980 a 2007, analisando, também, a mortalidade proporcional no período.
Foi realizado um estudo descritivo de séries temporais, utilizando-se dados de óbitos por câncer de próstata (CaP) no período de 1980 e 2007 no Estado de São Paulo. A mortalidade por CaP e por todos os cânceres (1980-2007) foi obtida dos dados do Sistema de Informação de Mortalidade do SUS (SIM/SUS – DATASUS) e a incidência dessa doença, dos dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA). A estimativa da população residente no Estado foi obtida do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A quantidade de biópsias prostáticas, entre 1995 e 2003, foi obtida pelo SIH/SUS – DATASUS. A população de risco foi considerada como homens com idade acima de 50 anos.
Os coeficientes de mortalidade específicos por idade foram calculados por fórmula padrão. A análise de tendência temporal foi realizada por diagramas de dispersão, que mostraram a relação entre as taxas de mortalidade por CaP e os anos de estudo, e em todos os casos a evolução ao longo do tempo foi linear. Para construção do modelo de regressão linear, a taxa de mortalidade por CaP foi considerada como a variável dependente (Y) e os anos de estudo como variáveis independentes (X). Optou-se por utilizar a variável de forma centralizada (X-1993), para evitar a autocorrelação entre os termos da equação. O modelo estimado foi Y = β0 + β1 (X-1993), onde Y é a taxa de mortalidade por CaP, β0 é o coeficiente médio no período, β1 é o incremento médio anual e X, o ano.
As análises foram realizadas no software SPSS v.16.0 para Windows e considerou-se tendência significativa aquela cujo modelo estimado obteve p < 0,05.
A mortalidade proporcional por CaP, de acordo com a faixa etária, está exposta na Tabela 1. Pode-se observar que a mortalidade aumenta de acordo com o aumento da faixa etária, tornando-se similar somente entre a faixa etária de 70-79 anos e ≥ 80 anos (p = 0,047). O percentual de incremento da mortalidade proporcional por câncer de próstata apresentou-se distinto quanto aos grupos etários. Enquanto que na população entre 50-59 anos esse aumento foi de 58,7%, na faixa entre 60-69 anos o aumento apresentou-se em torno de 75,7%. No grupo etário entre 70-79 anos, o percentual de incremento ficou ao redor de 80,5% e, no grupo de 80 anos ou mais, esse valor atingiu o percentual de 85,3%.
Tabela 1 Mortalidade proporcional (%) por câncer de próstata na população de 50 anos ou mais. Estado de São Paulo, 1980 a 2007
Ano | Faixa etária (anos) | |||
---|---|---|---|---|
50-59 | 60-69 | 70-79 | ≥ 80 | |
1980 | 0,3590 | 1,0174 | 1,7642 | 2,0137 |
1981 | 0,3325 | 1,0524 | 1,8091 | 2,3258 |
1982 | 0,3764 | 1,2893 | 1,8681 | 1,7794 |
1983 | 0,4198 | 1,0783 | 1,8927 | 2,0558 |
1984 | 0,3823 | 1,1896 | 2,1749 | 2,2955 |
1985 | 0,3131 | 1,1090 | 1,9942 | 2,3944 |
1986 | 0,4468 | 1,1786 | 2,0839 | 2,3888 |
1987 | 0,3563 | 1,0677 | 2,1116 | 2,2935 |
1988 | 0,4199 | 1,1634 | 2,0986 | 2,0126 |
1989 | 0,3778 | 1,3095 | 2,2213 | 2,2004 |
1990 | 0,4382 | 1,3152 | 2,3959 | 2,4408 |
1991 | 0,4081 | 1,5409 | 2,3968 | 2,6771 |
1992 | 0,5414 | 1,4997 | 2,4912 | 2,7974 |
1993 | 0,4609 | 1,3527 | 2,5326 | 2,5494 |
1994 | 0,5609 | 1,5573 | 2,6644 | 3,0453 |
1995 | 0,5344 | 1,5990 | 2,7289 | 3,1746 |
1996 | 0,5178 | 1,6384 | 3,0045 | 3,5331 |
1997 | 0,5592 | 1,7889 | 3,1791 | 3,7671 |
1998 | 0,6715 | 1,7518 | 3,2752 | 3,9037 |
1999 | 0,5368 | 1,6894 | 3,2404 | 3,6468 |
2000 | 0,5454 | 1,8924 | 3,1337 | 3,5993 |
2001 | 0,6294 | 1,8230 | 3,3405 | 4,0682 |
2002 | 0,5301 | 1,8951 | 3,3357 | 3,9665 |
2003 | 0,5674 | 1,8986 | 3,2652 | 3,9108 |
2004 | 0,5655 | 1,8933 | 3,3481 | 3,8908 |
2005 | 0,6120 | 2,0322 | 3,4848 | 4,2586 |
2006 | 0,6022 | 1,8352 | 3,0652 | 3,9233 |
2007 | 0,5696 | 1,7873 | 3,1842 | 3,7312 |
Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade do Sistema Único de Saúde (SIM/SUS).
ANOVA de uma via entre grupos: p < 0,0001;
Teste de tendência linear: p < 0,0001.
ANOVA de uma via entre grupos:
60-70 versus 70-80 anos (p < 0,0001);
60-70 versus ≥ 80 anos (p < 0,0001);
70-80 versus ≥ 80 anos (p = 0,047).
As taxas anuais de mortalidade específica por câncer de próstata segundo a faixa etária estão expostas na Figura 1. O pico de mortalidade específico por idade para cada faixa etária está exposto na Tabela 2. O pico de mortalidade entre os grupos etários de 50 a 79 anos ocorreu em época semelhante; entretanto, a queda na taxa de mortalidade desde então foi muito mais pronunciada no grupo entre 50 e 59 anos.
Figura 1 Taxas específicas de mortalidade por câncer de próstata (em 10.000 habitantes) segundo grupos etários (São Paulo, 1980 a 2007). Grupo etário: ≥ 80 anos (linha preta); 70-79 anos (linha cinza); 60-69 anos (linha pontilhada preta); 50-59 anos (linha pontilhada cinza).
Tabela 2 Pico de mortalidade do câncer de próstata específico por idade e o percentual de decréscimo desde o pico
Faixa etária (anos) | Ano do pico | Pico de mortalidade (por 10.000 pessoas/ano) | Queda desde o pico (%) |
---|---|---|---|
50-59 | 1998 | 67,15 | 35,7 |
60-69 | 2000 | 189,24 | 22,2 |
70-79 | 1999 | 324,03 | 26,7 |
≥ 80 | 2005 | 338,80 | 31,9 |
Total | 2005 | 269,54 | 21,4 |
A taxa de biópsia prostática realizada entre os anos de 1997 e 2003, corrigida pela população de risco (100 mil), está exposta na Figura 2. Pode-se observar, como esperado, um crescimento linear e diretamente proporcional entre o número de biópsias e a incidência do câncer de próstata (r = 0,714; p = 0,024).
Figura 2 Incidência do câncer de próstata e taxa de biópsias prostáticas (por 100.000 habitantes em risco) (São Paulo, 1997 a 2003). Incidência do câncer de próstata (linha preta); taxa de biópsias prostáticas (linha cinza).
A Tabela 3 apresenta os resultados da análise de tendência das taxas de mortalidade por câncer de próstata segundo os grupos etários. Houve tendência de aumento estatisticamente significante em todas as faixas etárias. O coeficiente médio do período (β0) foi maior na faixa etária de 80 anos ou mais, assim como o incremento anual médio. Por fim, na Figura 3, está exposto o cruzamento entre a taxa de mortalidade e a incidência de câncer de próstata no Estado de São Paulo entre 1997 e 2003.
Tabela 3 Análise de tendência dos coeficientes de mortalidade por câncer de próstata específico por idade. Estado de São Paulo, 1980 a 2007
Faixa etária (anos) | β0 | β1 | Valor p | r2 | Tendência |
---|---|---|---|---|---|
50-59 | 0,705 | 0,009 | < 0,0001 | 0,373 | Aumento |
60-69 | 4,353 | 0,070 | < 0,0001 | 0,676 | Aumento |
70-79 | 16,858 | 0,282 | < 0,0001 | 0,645 | Aumento |
≥ 80 | 44,212 | 1,141 | < 0,0001 | 0,722 | Aumento |
Total | 6,143 | 0,158 | < 0,0001 | 0,831 | Aumento |
Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade do Sistema Único de Saúde (SIM/SUS).
β0: coeficiente médio do período (por 10 mil habitantes); β1: incremento anual médio.
Ao acompanhar as taxas de mortalidade ao longo do tempo, observa-se um incremento real da mortalidade por câncer de próstata no período de 1980 a 2007, no Estado de São Paulo. Houve um aumento significativo das taxas de mortalidade por câncer de próstata nos grupos etários, com uma elevação anual maior entre a população mais idosa (acima de 70 anos). Certamente, além do envelhecimento da população com consequente aumento na proporção de pessoas com 70 anos ou mais, esta coorte populacional apresenta padrões de hereditariedade distintos e foi submetida a exposições prévias diferenciadas, o que também poderia influenciar as taxas de mortalidade.
A tendência à queda encontrada na taxa de mortalidade por câncer de próstata nas diversas faixas etárias no Estado de São Paulo, a partir de 2005, pode ser explicada por diversos motivos além do diagnóstico de uma doença menos avançada. O quanto o rastreio e outros fatores (como um melhor tratamento) são responsáveis pela queda na taxa de mortalidade é um assunto aberto para debate. Um exemplo é a observação do cruzamento da linha de incidência (novos casos registrados) com a linha de mortalidade, encontrada na Figura 3. Uma possível explicação para isso é a adoção de tratamentos mais efetivos para o controle da doença tanto localizada quando avançada.
A taxa de realização de prostatectomias radicais (tratamento curativo para tumores localizados) vem mantendo-se constante e similar àquela encontrada nos Estados Unidos desde o ano de 1999; logo, dificilmente a prostatectomia radical pode explicar sozinha a queda nas taxas de mortalidade por câncer de próstata. A radioterapia também é uma modalidade utilizada para o tratamento da doença localizada e, no Brasil, não temos informações sobre a quantidade de radioterapias realizadas. Nos Estados Unidos, a realização de radioterapia é mais frequente do que a cirurgia radical(3,4).
Nos Estados Unidos, a taxa de mortalidade por câncer de próstata apresenta-se em declínio desde o meio da década de 1990, em uma velocidade média de 4,17% ao ano(3). Em nosso estudo, encontramos uma velocidade média de queda de 7,1% ao ano, levemente superior à encontrada nos Estados Unidos; entretanto, nossa taxa de mortalidade ainda é superior à encontrada nesse país, sugerindo que ainda estamos no início do controle da doença (em média, dez anos atrasados em relação aos norte-americanos)(5).
No Brasil, não se tem controle sobre a quantidade de testes de PSA realizados anualmente; entretanto, nos Estados Unidos, 54% dos homens entre 50 e 69 anos relataram ter realizado um teste de PSA no último ano, o que explica, em parte, a tendência a um diagnóstico mais precoce e a detecção de uma doença localizada com maior potencial curativo(6–11).
No Estado de São Paulo, devido à dificuldade no acesso à saúde e à Medicina preventiva, boa parte dos casos de câncer de próstata devem ser diagnosticados em estágios mais avançados, nos quais a terapia hormonal constitui a única modalidade terapêutica. A maior utilização dessa terapia no Estado nos últimos anos, devido à disponibilização das drogas de alto custo à população carente, pode ser a grande responsável pela queda nas taxas de mortalidade por câncer de próstata. No Brasil, entretanto, também não temos acesso à taxa de prescrições de terapias de privação androgênica administradas; logo, essa sentença ainda é uma suposição. Em outras partes do mundo, já conhecemos o papel dessa terapia na redução da mortalidade por essa neoplasia(12–16).
As maiores limitações do nosso estudo são o fato de ele ser descritivo, e as comparações de tendência entre mortalidade, diagnóstico e tratamento foram limitadas àquelas realizadas no SUS que, embora confiáveis, representam somente uma parcela da população do Estado. As alterações no código de doenças podem ter influenciado nossos achados, uma vez que as notificações mais antigas não eram bem padronizadas. Entretanto, com a introdução do CID-9 em 1979, houve uma melhora para a análise dos dados. Por fim, algumas análises foram restritas a curtos períodos de tempo, devido à ausência de informações referentes ao período proposto no início do estudo.
Podemos concluir que a taxa de mortalidade por câncer de próstata vem apresentando um declínio desde o ano de 2005; entretanto, essa neoplasia ainda é uma importante causa de mortalidade no Estado de São Paulo.