versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.1 Rio de Janeiro jan. 2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018241.04952017
A fragilidade é uma síndrome multidimensional caracterizada por vulnerabilidade a estressores físicos, psicológicos, sociais1, desregulação neuroendócrina e susceptibilidade a desfechos desfavoráveis, particularmente a diminuição de sobrevida2. A literatura mostra que a síndrome é multifatorial e carrega características pró-inflamatórias. Condições específicas como Insuficiência Renal Crônica (IRC) e doenças cardiovasculares também são descritas como estados pró-inflamatórios que se associam à fragilidade no idoso3,4.
Similarmente, a multimorbidade é também uma síndrome determinada por perdas da reserva fisiológica e disfunção de múltiplos sistemas do organismo (neurológico, cardiovascular, urinário, endócrino, imunológico e musculoesquelético) ao longo dos anos. Cada vez mais, os estudos sobre o envelhecimento e condições de saúde associadas analisam a simultaneidade das doenças em relação aos desfechos adversos em saúde, dentre eles a mortalidade. Considera-se a coexistência de morbidades um risco independente para o óbito5.
Associada à fragilidade e multimorbidade, a incapacidade funcional refere-se à dificuldade de realizar tarefas cotidianas indispensáveis para o convívio social, e está associada à mortalidade entre a população idosa. É relevante a avaliação da capacidade funcional do idoso como um fator prognóstico em diferentes contextos de assistência em saúde (atenção primária e na complexidade terciária)6.
Fried et al.7 apresentaram o fenótipo biológico da fragilidade, verificando que a síndrome, ainda que superponível à multimorbidade e perda funcional é distinta destas outras condições. De fato, sabe-se que a fragilidade8, múltiplas doenças crônicas5 e incapacidade funcional9, avaliadas isoladamente em idosos residentes na comunidade são preditores de eventos negativos ao longo do tempo.
Particularmente em relação à fragilidade, o modelo operacional proposto por Linda Fried e colaboradores mostra associação entre a síndrome e a mortalidade, em idosos assistidos na atenção de baixa complexidade na comunidade10. Em outro contexto, como entre idosos institucionalizados, o modelo do fenótipo também tem sido validado, mostrando associação entre a síndrome e desfechos negativos como quedas, hospitalização e procura de assistência de emergência11.
Contudo, o impacto da fragilidade na sobrevida de idosos em serviço de complexidade terciária, mediante a investigação isolada e na sobreposição com multimorbidade ou perda da funcionalidade, ainda é pouco conhecido. A caracterização dos preditores de mortalidade nesta população específica trará evidências se as estratégias de atendimentos são adequadas à mudança na expectativa de vida.
Dessa forma, este estudo objetiva analisar o impacto da fragilidade, multimorbidade e incapacidade funcional, na sobrevida dos idosos assistidos em serviço ambulatorial de Geriatria, assim como identificar os fatores clínicos de risco para o desfecho óbito neste contexto de assistência em saúde.
Estudo longitudinal de informações clínicas, de saúde e sobrevida de 133 pacientes idosos de ambos os sexos, assistidos no Ambulatório de Geriatria do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, com avaliação inicial no período compreendido entre outubro de 2008 e setembro de 2010.
O Ambulatório de Geriatria do HC - Unicamp é um serviço público terciário de saúde, que atende semanalmente idosos com 60 anos ou mais de idade, encaminhados de ambulatórios das outras especialidades médicas do referido hospital e das Unidades Básicas de Saúde do município de Campinas-SP e região.
Os critérios de inclusão foram idosos usuários do Ambulatório de Geriatria, com faixa etária entre 70 a 85 anos na avaliação inicial, que concordaram em participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os critérios de exclusão foram baseados nos critérios da Cardiovascular Health Study (CHS), ou seja, idosos com incapacidades cognitivas graves que impedissem a compreensão e realização dos testes, portadores de condição terminal de vida em cuidados paliativos e aqueles que não se enquadrassem na faixa etária especificada7.
Inicialmente, os idosos foram entrevistados pelos pesquisadores responsáveis do projeto principal, previamente às consultas médicas agendadas para cada participante. Os dados primários da avaliação inicial foram obtidos por meio de ficha de avaliação padronizada, constituída de questionários relacionados às informações demográficas; socioeconômicas e de saúde.
As variáveis demográficas coletadas foram idade, sexo (masculino e feminino) e estado civil (com companheiro ou sem companheiro). As variáveis socioeconômicas analisadas foram o grau de escolaridade (analfabeto, 1-4 anos, 5-8 anos ou >8 anos de estudo) e a renda individual mensal (≥ 2 salários mínimos ou < 2 salários mínimos). Foram também investigadas as variáveis referentes à condição de saúde: número de morbidades diagnosticas e autopercepção de saúde (boa/muito boa, razoável ou ruim/muito ruim).
A fragilidade foi operacionalizada de acordo com a versão modificada12, do fenótipo de fragilidade proposto por Linda Fried e colaboradores7. Neste modelo adaptado, há quatro componentes para identificação do idoso frágil, são eles:
Perda de peso não intencional: mensurada por relato do participante. Foi considerada a perda de peso não intencional superior a 4, 5 Kg ou 5% do peso corporal os últimos 12 meses, prévios à primeira avaliação.
Exaustão: avaliada a partir de duas questões de autorelato da escala de rastreio de depressão, Center for Epidemiologic Studies- Depression (CES-D), são elas: 7ª questão eu sinto que tudo que eu fiz foi um esforço e 20ª questão eu não podia continuar13,14. Para estes questionamentos havia quatro possibilidades de respostas com os respectivos escores que variam de 0 a 3, mediante a frequência com que o participante sentira exaustão durante a semana, são elas: raramente ou nenhuma vez = 0; poucas vezes (1 a 2 dias na semana) = 1; algumas vezes (3 a 4 dias na semana) = 2 e a maior parte do tempo = 3. Os idosos que pontuaram os escores “2” ou “3”, em qualquer uma das duas questões do CES-D, foram classificados com exaustão ou fadiga e preencheram este componente para classificação de fragilidade.
Lentidão ou diminuição da velocidade da marcha: avaliada pelo tempo gasto em milésimos de segundo, para percorrer em três tentativas, caminhando em solo plano uma distância de 4,0 metros, sendo adaptado das recomendações de Guralnik et al.15 e Nakano16, ajustado por sexo e Índice de Massa Corporal (IMC).
Fraqueza muscular: valor de força do membro superior dominante, mensurado por um dinamômetro isocinético da marca Jamar® (Lafayette Instruments, Lafayette, Indiana, Estados Unidos) e ajustado por sexo e Índice de Massa Corporal (IMC). O participante realizava três tentativas de força de preensão manual permanecendo sentado, com o braço flexionado a 90° em relação ao antebraço, após o comando verbal do pesquisador para apertar com força a alavanca do referido aparelho de análise.
Os participantes classificados como “frágeis”, pontuaram em três ou mais componentes supracitados. Os “pré-frágeis” pontuaram um ou dois destes componentes, e os “não frágeis”, não apresentaram nenhum dos quatro componentes de fragilidade12.
A condição de multimorbidade foi definida como a presença de três ou mais doenças crônicas simultâneas de morbidades diagnosticadas e previamente relatadas em prontuários eletrônicos (Acidente Vascular Encefálico- AVE; Insuficiência Cardíaca Congestiva- ICC; Síndrome Coronariana Isquêmica- SCI; Arritmia Cardíaca; Hipertensão Arterial Sistêmica- HAS; Dislipidemia; Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica- DPOC; Diabetes Mellitus- DM; IRC; Doença de Chagas; osteoporose; osteoartrite; depressão e hipotireoidismo)17,18. A variável multimorbidade foi categorizada como “sem multimorbidade” indicando os indivíduos não portadores de múltiplas doenças ou “com multimorbidade” para aqueles que apresentaram a multimorbidade.
A funcionalidade foi avaliada pelo Índice de Katz19, a fim de mensurar as incapacidades nas Atividades de Vida Diária (AVD), são elas: vestir-se; tomar banho; alimentar-se; ir ao banheiro; deitar e levantar da cama; controle de micção e evacuação. A capacidade funcional foi categorizada como “sem déficit” referente aqueles com nenhuma perda funcional e “com déficit” para os que apresentaram uma ou mais perdas funcionais nas AVD.
Considerou-se seguimento de estudo, o período entre a data da avaliação inicial e a data do contato telefônico, no qual foi realizado apenas uma vez com cada idoso ou responsável a fim de verificação do estado vital (vivo ou óbito). O acompanhamento foi finalizado em outubro de 2014, de modo que o maior período de seguimento completado foi de seis anos após as avaliações iniciadas em 2008. O tempo de sobrevida, em dias, foi definido como o período entre a data da avaliação inicial e a data da ocorrência do óbito (falha)20.
Todas as análises foram realizadas por meio do programa estatístico SPSS®, versão 22.0. A descrição da amostra do estudo foi realizada segundo as frequências, para as variáveis categóricas (sexo, estado civil, escolaridade, renda, multimorbidade, incapacidade funcional nas AVD, classificação de fragilidade e óbitos), com as respectivas frequências absolutas (n) e porcentagens (%), e análises descritivas, em média e desvio padrão, das variáveis numéricas (idade, número de morbidades crônicas simultâneas e AVD preservadas).
As curvas de sobrevida foram obtidas pelo método não paramétrico Kaplan-Meier20. Para tanto, os idosos estudados foram divididos em análises segundo a presença de fragilidade, perda da funcionalidade e multimorbidade para a caracterização das diferenças de sobrevida dentro de cada condição (teste Log Rank). Foram censurados os dados que não apresentaram o evento de interesse (óbito) por encerramento do estudo, ou seja, idosos que permaneceram vivos até o contato telefônico. Os casos censurados foram introduzidos nas análises a fim de estimar a probabilidade de sobrevida de todos os participantes da pesquisa20.
Para a análise da razão de risco (Hazard Ratio) para o desfecho óbito, foi utilizada a regressão de Cox univariada e multivariada. Na análise univariada de regressão foram incluídas as variáveis doenças crônicas diagnosticadas; multimorbidade; déficit de AVD e fragilidade. Posteriormente, para a análise multivariada foram selecionadas apenas as variáveis que apresentaram p < 0,20 na análise univariada. Por último foi obtido o resultado do modelo final de regressão multivariada por meio do método stepwise forward de seleção de variáveis na equação, com os preditores clínicos que apresentaram p<0,05 e um intervalo de confiança de 95%. O nível de significância adotado para todos os testes estatísticos foi de p < 0,05.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, como adendo ao projeto principal “Investigação de anemia, fragilidade e deficiência de vitamina B12 como fatores de risco para quedas em idosos”.
A média de idade dos idosos foi de 78,09 ± 5,34 anos, sendo 26,3% do sexo masculino e 73,7% do sexo feminino. Com relação às características socioeconômicas, 45,4% dos participantes estudaram de um a quatro anos e 39,2% eram analfabetos. A maioria (73,6%) possuía renda individual mensal inferior a dois salários mínimos e relatou não ter companheiro (60,3%). Em relação à fragilidade, 56,1% idosos foram classificados como pré- frágeis; 28,8% frágeis e 15,2% não frágeis. A prevalência de multimorbidade foi de 66,2% e a média de morbidades crônicas simultâneas foi de 3,22 ± 1,78. As doenças crônicas mais prevalentes foram: HAS (66,2%), ICC (29,3%) e DM (21,1%). A respeito da perda funcional, 22,7% apresentou algum déficit nas AVD, sendo que a média de AVD preservadas foi de 5,52 ± 1,16. A maioria dos indivíduos frágeis era do sexo feminino (78,9%). Alguns idosos apresentaram sobreposição das condições fragilidade e multimorbidade (19,7%), bem como de fragilidade e perda de funcionalidade nas AVD (10,6%). Do total de participantes, 28 (21,2%) foram a óbito e 104 (78,8%) permaneceram vivos.
As Figuras 1 e 2 mostram os resultados das análises de sobrevida pelo método de Kaplan Meier20 em função da fragilidade, multimorbidade e incapacidade funcional. Os indivídos frágeis, obtiveram menor probabilidade de sobrevida, com relação aos pré-frágeis e não frágeis (p = 0,008) (Figura 1B). Na estratificação de fragilidade com incapacidade ou multimorbidade, os idosos frágeis mantiveram o menor tempo de sobrevida, independentemente da concomitância com perdas funcionais (p = 0,04) (Figura 2A) e presença de múltiplas doenças crônicas (p = 0,002) (Figura 2B).
Figura 1 Curvas de sobrevida dos idosos assistidos no ambulatório de geriatria (Hospital das clínicas [HC] da Unicamp, Brasil), entre o período de 2008 e 2010, de acordo com a incapacidade funcional nas AVD (A), classificação de fragilidade (B) e multimorbidade (C).
Figura 2 Curvas de sobrevida de idosos assistidos no ambulatório de geriatria (Hospital das clínicas [HC] da Unicamp, Brasil), entre o período de 2008 e 2010, em função da fragilidade com estratificação de incapacidade funcional nas AVD (A) e multimorbidade (B).
A Tabela 1 apresenta a regressão univariada e multivariada de Cox para as variáveis consideradas no presente estudo. Na análise múltipla os fatores clínicos independentemente associados ao risco de óbito foram IRC e fragilidade (Tabela 1).
Tabela 1 Fatores clínicos de risco para óbito em idosos assistidos em Ambulatório de Geriatria (HC-Unicamp, Brasil) em 2008 e 2010.
Variáveis | Análise Univariada | Análise Multivariada | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
*HR | **CI (95%) | p | *HR | **CI (95%) | p | |
SCI | 1.60 | 0.64-3.95 | 0.308 | |||
ICC | 2.49 | 1.19-5.23 | 0.016 | |||
Arritmia Cardíaca | 2.33 | 0.80-6.74 | 0.118 | |||
Doença de Chagas | 1.19 | 0.48-2.96 | 0.694 | |||
Doença Arterial | 1.34 | 0.57-3.17 | 0.495 | |||
Cardiopatia | 2.39 | 1.12-5.12 | 0.024 | |||
AVE | 1.84 | 0.55-6.12 | 0.316 | |||
HAS | 0.87 | 0.39-1.94 | 0.748 | |||
DLP | 1.13 | 0.51-2.50 | 0.758 | |||
DM | 0.90 | 0.36-2.23 | 0.832 | |||
IRC | 2.39 | 0.97-5.90 | 0.058 | 3.00 | 1.20-7.47 | 0.018 |
DPOC | 2.94 | 0.88-9.77 | 0.077 | |||
Depressão | 1.28 | 0.38-4.24 | 0.685 | |||
Doença Reumática | 0.49 | 0.21-1.13 | 0.097 | |||
Multimorbidade (≥3 DCNT) | 0.73 | 0.34-1.60 | 0.445 | |||
Perdas funcionais (AVD) | 1.17 | 0.55-2.52 | 0.672 | |||
Fragilidade | 3.06 | 1.45-6.43 | 0.003 | 2.26 | 1.03-4.93 | 0.040 |
*HR= Razão de Risco.
**IC (95%)= Intervalo de confiança para Razão de Risco. Significância estatística de p <0,05.
O principal resultado deste estudo mostrou que somente os idosos frágeis assistidos no ambulatório de Geriatria obtiveram a menor sobrevida. Além disso, a fragilidade e IRC foram variáveis associadas aos maiores riscos para o desfecho óbito.
A prevalência da fragilidade, multimorbidade e perdas funcionais aumenta conforme o avanço da idade. Em dados do FIBRA (Rede de Estudos sobre Fragilidade em Idosos Brasileiros)21 e SABE (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento)22, a porcentagem de idosos frágeis com 65 anos e mais de idade foi de 9,1% e 8,0%, respectivamente. Outros estudos populacionais23,24 mostram que as múltiplas doenças crônicas chegam a 50% e as perdas funcionais a 20% entre a população idosa da mesma faixa etária. No entanto, pesquisas realizadas com idosos assistidos no contexto ambulatorial mostram valores ainda maiores, correspondendo a 18% para fragilidade25, 66,2% para multimorbidade26 e 46,3% para perda funcional nas AVD27. Em nosso estudo, é provável que a alta prevalência de idosos frágeis (28,8%) tenha associação com o alto índice observado de HAS, ICC e DM. A literatura enfatiza que as doenças inflamatórias tais como HAS, IRC, doenças cardiovasculares e DM associam-se ao desenvolvimento da síndrome de fragilidade no idoso, pelo mecanismo de ativação das vias pró- inflamatórias no organismo em longo prazo. A liberação dos biomarcadores Interleucina- 6 (IL-6) e Proteína C-reativa (PCR) no organismo influencia na desregulação metabólica e homeostáica, predispondo à fragilidade28.
A relação de cada uma das três variáveis independentes de forma isolada com a sobrevida é evidenciada através de pesquisas realizadas com idosos residentes na comunidade29–31. O estudo original do fenótipo de fragilidade apresentou a síndrome em seu contexto biológico e a diferenciou de incapacidade funcional e multimorbidade, em um grupo de idosos residentes na comunidade. Entretanto, os autores analisaram a sobrevida apenas em função da classificação de fragilidade (não frágil, pré-frágil e frágil)7 e há escassez de estudos que incorporem a fragilidade, multimorbidade e perda da funcionalidade simultaneamente nas análises de sobrevida, a fim de caracterizar um perfil de maior risco.
Ainda que todas estas síndromes geriátricas tenham impacto sobre a mortalidade, nosso estudo observou que, nestes idosos de maior complexidade assistencial, somente a fragilidade esteve estatisticamente associada à diminuição da sobrevida. A estratificação dos grupos, de acordo com a sobreposição com multimorbidade ou incapacidade funcional, mostrou que a introdução da variável fragilidade nos modelos trouxe diferenças estatisticamente significativas, uma vez que idosos frágeis com ou sem múltiplas doenças crônicas simultâneas e perda de funcionalidade nas AVD tiveram menor sobrevida. Tais achados corroboram a importância da fragilidade como preditor de menor sobrevida, independentemente do status funcional e quantidade de doenças crônicas concomitantes.
Estes resultados são concordantes com a literatura, uma vez que a fragilidade é um preditor independente de sobrevida em idosos assistidos em ambulatórios após cirurgia cardiovascular32 e portadores de IRC33, ou seja, nos pacientes de alto risco para mortalidade. Interessantemente, a fragilidade e IRC foram fatores clínicos de maior risco para o óbito na amostra estudada, Tais resultados são concordantes com a literatura, uma vez que o risco de óbito entre idosos frágeis é cinco vezes maior com relação aos não frágeis29. Outrossim, a IRC também é uma condição clínica associada à mortalidade nos idosos; especificamente entre os octogenários, a função renal é reduzida pela metade e o risco para óbito é três vezes maior com relação aos não portadores da doença34.
Pugh et al.35 notaram em um estudo de seguimento de 3 anos, que a fragilidade e a IRC obtiveram razões de risco para o óbito de 1,18 (IC95%: 1,05-1,33) e 1,35(IC95%:1,16-1,57), respectivamente, sendo variáveis associadas de forma independente ao óbito em 283 idosos em atendimento ambulatorial, com média de idade de 70 anos. Associações mais fortes foram observadas em um estudo prévio36 de idosos (n = 10256) com 60 anos e mais de idade, assistidos em serviço de complexidade terciária. No modelo final de regressão múltipla, a fragilidade (HR = 2,00; IC95%:1,5-2,7) e a IRC (HR = 3,00; IC95%:2,2-4,1) foram variáveis independentes associadas ao óbito.
O atendimento de idosos em serviço de complexidade terciária limita o acesso ao serviço àqueles com condições de saúde de maior gravidade, em relação aos que residem na comunidade e usufruem da assistência primária37. Os pacientes idosos assistidos ambulatoriamente apresentam maior número de comorbidades, multimorbidade, perda funcional e mortalidade38. O achado de que a perda funcional e a multimorbidade não foram preditores de menor sobrevida é um indicativo da importância clínica da fragilidade e sua implicação na susceptibilidade ao desfecho morte neste grupo específico de idosos com maior complexidade clínica. Outra hipótese possível para explicar estes achados é de que estes indivíduos estejam em melhor situação de controle de suas doenças pelo fato de estarem vinculados ao serviço especializado, porém, estas sugestões não podem ser analisadas, pois o trabalho não foi desenhado com este objetivo.
Este estudo não analisou o suporte terapêutico em relação às diferentes condições, ou seja, fragilidade, multimorbidade e perdas funcionais, o que poderia ser uma das explicações para as diferenças nos desfechos de sobrevida. Estudos posteriores devem ser direcionados para responder estas questões em relação aos idosos atendidos ambulatoriamente. Outra limitação é o pequeno tamanho da amostra, sendo assim os resultados deste estudo não podem ser generalizados para populações maiores de idosos.
Entretanto, este trabalho traz uma informação relevante sobre a implicação destas síndromes na sobrevida de idosos em serviço de complexidade terciária. O seguimento destes pacientes aconteceu no período de seis anos, o que é um acompanhamento apropriado para análise dos desfechos de interesse. Outro aspecto positivo é que estudos23,39,40 mostram associação da multimorbidade com a sobrevida de modo genérico, porém não analisam o impacto de doenças específicas nos idosos.
A fragilidade foi um preditor de menor sobrevida em idosos assistidos em serviço de
Geriatria em um seguimento de seis anos. Verificou-se a validade do modelo do fenótipo proposto por Fried et al. no ano de 2001, na predição de desfecho mortalidade em idosos com perfil de necessidade de assistência em alta complexidade. Isto é relevante para a identificação de riscos entre grupos específicos de pessoas idosas, a fim de auxiliar os profissionais no direcionamento de prevenção e tratamento das condições que levam à mortalidade precoce. Os resultados mostram a relevância da avaliação sistemática da fragilidade na Avaliação Geriátrica Ampla para detecção de indivíduos em maior grau de vulnerabilidade para desfechos negativos.