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Estudo do teste de fala comprimida em crianças

Estudo do teste de fala comprimida em crianças

Autores:

Fernanda Yasmin Odila Maestri Miguel Padilha,
Maria Madalena Canina Pinheiro

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.29 no.5 São Paulo 2017 Epub 09-Nov-2017

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016239

INTRODUÇÃO

A capacidade do Sistema Nervoso Central (SNC) em analisar, processar e interpretar os sons é denominada Processamento Auditivo Central (PAC). A American Speech-Language-Hearing Association (ASHA) definiu processamento auditivo central (PAC) como a competência e o êxito pelo qual o SNC utiliza a informação auditiva(1).

O PAC é responsável pelo mecanismo e processo de localização e lateralização do som, discriminação auditiva, reconhecimento de padrões auditivos, aspectos temporais da audição (ordem e sequência temporal, resolução temporal) e desempenho auditivo com sinais acústicos competitivos e degradados(2).

O PAC depende de fatores como: maturação neurobiológica, preservação da audição, habilidades cognitivas como atenção, memória e linguagem e estímulos ambientais. O acometimento de algum desses fatores pode causar inabilidades auditivas que caracterizam um déficit funcional denominado Transtorno de Processamento Auditivo Central (TPAC)(3).

O TPAC ocorre quando há alteração de uma ou mais habilidades auditivas, as quais ocasionam dificuldades no processamento da informação auditiva, manifestando desempenho alterado em um ou mais testes da avalição comportamental do PAC(4).

Indivíduos com TPAC podem apresentar características peculiares como desatenção; dificuldade em acompanhar diálogos com muitas pessoas envolvidas falando ao mesmo tempo ou com ruído competitivo; não compreender facilmente piadas e “duplo sentido”; não atender prontamente quando chamadas ou precisam ser chamadas várias vezes; ter dificuldades para aprender a ler e escrever e matemática; trocar letras; não compreender o que leem; ter problemas para memorizar; ter dificuldades para se relacionar com crianças da mesma faixa etária(5).

Na avaliação do PAC, é necessário analisar todas as habilidades auditivas por meio de testes comportamentais, um teste aplicado de maneira isolada não é suficiente para diagnosticar um TPAC. A bateria completa deve ser composta por testes monoaurais de baixa redundância, dicóticos, processamento temporal e testes de interação binaural(6).

Os testes monoaurais de baixa redundância são caracterizados por apresentarem uma redução extrínseca do sinal da fala, ou seja, o estímulo auditivo é exposto de forma degradada por meio de modificações eletroacústicas, cuja habilidade avaliada é de fechamento auditivo(7).

Na habilidade de fechamento auditivo, estão envolvidas as funções de discriminação auditiva e decodificação, tal habilidade é necessária para que o indivíduo consiga completar a informação quando parte dela foi perdida durante o discurso por uma degradação do sinal de fala. Uma alteração nessa habilidade pode interferir na capacidade de compreensão do discurso, o que pode acarretar dificuldade no aprendizado, principalmente em crianças(8).

Entre os testes que avaliam o fechamento auditivo, encontra-se o Teste de Fala Comprimida (TFC), o qual possui o sinal auditivo degradado por modificações temporais (compressão). O TFC foi traduzido, adaptado e padronizado para o português brasileiro para jovens adultos normo-ouvintes em 2007, disponibilizado para a prática clínica em 2011(9), contendo listas de monossílabos e dissílabos com compressão de tempo de 60%(10).

Há poucos estudos na literatura nacional sobre o TFC e não foram encontrados na literatura nacional estudos com a população infantil. Em razão disso, justifica-se a importância do estudo, pois este auxiliará na padronização do TFC na população infantil além de trazer mais dados sobre o diagnóstico do TPAC.

Diante disso, a presente pesquisa teve como objetivo principal analisar o desempenho das crianças sem alteração do PAC no TFC. Como objetivos específicos, busca-se comparar os resultados segundo as variáveis: gênero, idade e orelha; e comparar desempenho entre as listas de palavras monossílabas e dissílabas do TFC para verificar se há diferença alternando a ordem de apresentação das listas de aplicação.

MÉTODO

O presente estudo é do tipo descritivo, quantitativo, observacional, transversal aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob o número de parecer 95.472. Antes de iniciar a coleta, os responsáveis que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram esclarecidos sobre o sigilo das informações. A pesquisa foi realizada na Clínica Escola de Fonoaudiologia da UFSC no período de junho a outubro de 2016.

Fizeram parte da amostra 22 escolares com idades entre 7 e 11 anos e normo-ouvintes. Para as crianças que não apresentaram alterações do PAC, constatadas por meio do questionário Scale of Auditory Behaviors (SAB)(11), da Avaliação Simplificada do Processamento Auditivo (ASPA)(9) e do Teste Dicótico de Dígitos (TDD) etapa de integração binaural(12), foi aplicado o TFC.

Como critérios de inclusão, foram elencados os seguintes itens: faixa etária entre 7 e 11 anos, TDD (etapa de integração binaural) com valores dentro dos padrões da normalidade para a faixa etária. Além de normalidade na ASPA e no questionário SAB. Bem como ausência de alterações na linguagem oral, comprometimentos auditivos e condutivos(13).

A população que fez parte do estudo foi distribuída nos seguintes grupos: Grupo 1 (G1) - crianças que realizaram o TFC inicialmente pela lista de monossílabos e posteriormente pela lista com dissílabos e Grupo 2 (G2) - crianças que realizaram o teste primeiramente pela lista de dissílabos e posteriormente pela lista de monossílabos. Ambos os grupos, independentemente da lista de estímulos selecionada para iniciar o teste, sempre o realizavam inicialmente na orelha direita seguida da esquerda e, posteriormente, era trocada a lista de estímulos e realizado o mesmo procedimento iniciando pela orelha direita.

No início da pesquisa, foi entregue o questionário SAB para que os pais ou responsáveis o respondessem. Depois da entrega dos questionários respondidos, os indivíduos que apresentaram escores dentro dos valores de referência estabelecidos foram encaminhados para a avaliação audiológica básica constituída pela meatoscopia, audiometria tonal liminar (ATL) e imitanciometria.

O questionário SAB possui 12 perguntas, as quais têm como opção de resposta de 1 a 5, sendo 1 frequentemente e 5 nunca. As perguntas estão relacionadas ao comportamento da criança no dia a dia e devem ser respondidas por pais, responsáveis ou professores. O questionário ajuda na identificação de possíveis TPAC e deve possuir como score mínimo de 36 para entrar na pesquisa(11).

Na ATL, foram pesquisados os limiares auditivos por via aérea, nas frequências sonoras de 250 a 8000 Hz e, na imitanciometria, foi realizada a pesquisa da curva timpanométrica e dos reflexos acústicos contralaterais nas frequências de 500Hz, 1kHz, 2kHz e 4kHz(6). Os indivíduos com ATL(6) e imitanciometria dentro dos padrões de normalidade realizaram a ASPA e o TDD.

Na ASPA, foram utilizados os seguintes testes dióticos: localização sonora (LS) em cinco direções, memória sequencial para sons verbais (MSV) e memória sequencial para sons não verbais (MSNV). Nesta avaliação, foram analisadas as habilidades auditivas de localização sonora e ordenação temporal(9).

O TDD(12) é composto por quatro listas com 20 itens, sendo formado por quatro algarismos dissílabos. A apresentação foi feita a 50dBNS da média tritonal de 500, 1000 e 2000 Hz. Neste estudo, foi avaliada apenas a etapa de integração binaural, na qual o indivíduo precisa repetir os quatro números independentemente da ordem em que lhe foram apresentados. Foram apresentados 10 itens e invertido o fone auricular para descartar qualquer possibilidade de interferência na avaliação. Este teste está disponível na faixa 12 do MP3 que acompanha o material de avaliação Testes Auditivos Comportamentais para Avaliação do Processamento Auditivo Central.

Foi selecionada a etapa de integração binaural por ser considerado o teste mais sensível para exclusão de alterações de PAC(14). Os indivíduos que apresentaram resultados dentro dos padrões da normalidade na ASPA e no TDD realizaram o TFC.

O TFC(10) é composto por quatro listas, com 50 palavras em cada uma, disponíveis nas faixas 6, 7, 8 e 9 do MP3 no material de avaliação Testes Auditivos Comportamentais para Avaliação do Processamento Auditivo Central. Nas quatro listas, as palavras sofreram compressão eletroacústica de duração numa taxa de 60%. As faixas 6 e 7 são compostas por palavras monossílabas e foram aplicadas nas orelhas direita e esquerda, respectivamente. Já as faixas 8 e 9 são compostas por palavras dissílabas e também foram aplicadas nas orelhas direita e esquerda, respectivamente. A intensidade utilizada no teste é de 40dBNS acima da média tritonal de 500, 1000 e 2000 Hz. Os resultados obtidos foram anotados em protocolo específico. As crianças foram instruídas a ouvir cada palavra e, em seguida, repeti-las conforme ouviram. O avaliador realizou uma transcrição ortográfica das respostas das crianças no lado da respectiva palavra do teste.

A pesquisa foi realizada utilizando o audiômetro modelo AC40 da marca Interacoustics e fones auriculares TDH39. Antes do início do teste, um tom de 1000 Hz foi apresentado em cada receptor para a calibração do estímulo, por meio do ajuste do VU meter.

Os dados foram tabulados em uma planilha do Excel Office 2010 contendo a identificação numérica de cada indivíduo, idade, faixa etária de 7 a 11 anos, gênero, desempenho na orelha direita e esquerda e número de acertos ou erros das palavras em cada orelha, bem como o desempenho em cada lista de palavras. Posteriormente, os dados passaram por uma análise estatística descritiva e inferencial por meio do software SPSS para Windows versão 13.0 com aplicação dos testes Mann-Whitney e coeficiente correlação de Spearmann.

O teste Mann-Whitney foi utilizado para verificar associação de ordem de apresentação das listas do TFC e para verificar a associação da idade com o desempenho do teste e ordem de apresentação das listas.

Já o coeficiente de correlação de Spearmann (r) foi utilizado para verificar a correlação entre a idade, orelha e gênero com as listas de estímulos.

O coeficiente de correlação de Spermann de 0 a 0,3 é considerado desprezível, de 0,31 a 0,5, fraco; de 0,51 a 0,7, moderado; de 0,71 a 0,9, forte; e >0,91, muito forte. O p-valor foi considerado significante para valores menores do que 0,05 (p<0,05) e será representado com asterisco sobrescrito (*). Os valores de 0,051 a 0,09 serão considerados quando houver uma tendência de associação e serão representados por dois asteriscos sobrescritos (**).

Foi comparado o desempenho no TFC considerando as variáveis determinadas anteriormente. No final, foi realizada uma análise quantitativa e qualitativa dos erros apresentados pelas crianças.

RESULTADOS

A população do estudo foi composta por 22 crianças, com média de idade de 8,9 anos (± 1,23), sendo 13 (59%) do gênero feminino e 9 (41%) do gênero masculino.

Na Tabela 1, será apresentada estatística descritiva do desempenho no questionário SAB e dos testes auditivos que foram realizados para selecionar a população de estudo.

Tabela 1 Estatística descritiva do desempenho no questionário SAB, ASPA, TDD-OD, TDD-OE 

Média/Desvio Padrão Mínimo - Máximo Mediana
SAB 47,9 ± 7,39 36 - 60 49,5
LS 4,55 ± 0,51 5 - 4 5
MSV 2,86 ± 0,35 2 - 3 3
MSNV 2,34 ± 0,49 2 - 3 2
7-8 anos- TDD – OD (%) 96,11 ± 1,09 97,5 - 100 100
9-11 anos- TDD – OD (%) 99,42 ± 1,09 97,5 - 100 100
TDD – OD (%) - geral 98,07 ± 3,07 90 - 100 100
7-8 anos TDD – OE (%) 92,7 ± 5,78 85 - 100 100
9-11 anos TDD – OE (%) 98,46 ± 1,65 95 - 100 100
TDD – OE (%) - geral 96,25 ± 5,16 85 - 100 98,75

Legenda: SAB = Scale of Auditory Behavior; LS = Localização Sonora em cinco direções; MSV = Memória Sequencial Verbal; MSNV = Memória Sequencial Não Verbal; TDD-OD = Teste Dicótico de Dígitos orelha direita; TDD – OE = Teste Dicótico de Dígitos orelha esquerda

Verificou-se na Tabela 1 que os dados são homogêneos, pois não há grande variabilidade no desvio padrão no desempenho dos testes. O questionário SAB foi o que apresentou maior variabilidade. Em relação ao TDD, verificou-se que na orelha direita as crianças apresentaram melhor desempenho do que na orelha esquerda.

Na Tabela 2 e Figura 1, será apresentado o desempenho do TFC por faixa etária.

Tabela 2 Desempenho do teste de fala comprimida por faixa etária 

Média/DP Mín - Máx Mediana p-valor
TFC MOD 7 - 8 anos 85 ± 2 82 - 86 86 0,394
9 - 11 anos 87,14 ± 5,01 80 - 94 86
TFC MOE 7 - 8 anos 86 ± 1,63 84 - 88 86 0,500
9 - 11 anos 88 ± 4,61 80 - 94 90
TFC DOD 7 - 8 anos 78,50 ± 8,06 70 - 88 78 0,024*
9 - 11 anos 85,71 ± 5,93 78 - 96 86
TFC DOE 7 - 8 anos 81 ± 7,39 72 - 90 81 0,022*
9 - 11 anos 82,85 ± 4,14 76 - 90 82

*Teste Mann-Whitney; Valores significativos (p≤0,05)

Legenda: TFC-MOD = Teste de Fala Comprimida monossílabo da orelha direita; TFC-MOE = Teste de Fala Comprimida monossílabo da orelha esquerda; TFC-DOD = Teste de Fala Comprimida dissílabo da orelha direita; TFC-DOE = Teste de Fala Comprimida dissílabo da orelha esquerda

Legenda: TFC-MOD = Teste de Fala Comprimida monossílabo da orelha direita; TFC-MOE = Teste de Fala Comprimida monossílabo da orelha esquerda; TFC-DOD = Teste de Fala Comprimida dissílabo da orelha direita; TFC-DOE = Teste de Fala Comprimida dissílabo da orelha esquerda. 1 - Faixa etária dos 7 aos 8 anos; 2 - Faixa etária dos 9 aos 11 anos

Figura 1 Box Plot de múltiplas variáveis agrupadas por faixa etária segundo o desempenho dos indivíduos no Teste Fala Comprimida  

Foram encontrados resultados significativos quando apresentadas as listas de palavras dissílabas, tanto na orelha direita quanto na esquerda, relacionados com a idade.

Na Figura 1, pode-se observar que, no desempenho do TFC por faixa etária, a lista de dissílabos na orelha direita foi a que apresentou maior diferença.

Em relação ao gênero, verificou-se que não houve diferença conforme a ordem de apresentação das listas (p-valor = 0,387) e também não houve influência desta variável no desempenho das listas: MOD (p-valor = 0,734), MOE (p-valor = 0,321), DOD (p-valor = 0,438) e DOE (p-valor = 0,209).

A seguir, será apresentado na Tabela 3 o desempenho do TFC de acordo com o grupo em que foi iniciada a lista de estímulos.

Tabela 3 Análise descritiva do desempenho do Teste de Fala Comprimida de acordo com a faixa etária e grupo de apresentação das listas 

Grupo 1 (n = 11) Grupo 2 (n = 11) Total
Média/DP Mín - Máx Mediana Média/DP Mín - Máx Mediana
TFC-MOD (%)
7-8 anos
85,6 ± 3,57 82 - 92 86 85 ± 2 82 - 86 86 84,44
TFC-MOD (%)
9-11 anos
81 ± 3,94 78 - 86 79 87,14 ± 5,01 80 - 94 86 84,30
TFC-MOD (%) Geral 83,09 ± 4,32 78 - 90 82 86,36 ± 4,17 80 - 94 86 84,36
TFC-MOE (%)
7-8 anos
85,6 ± 2,19 78 - 92 82 86 ± 1,63 84 - 88 86 86,22
TFC-MOE (%)
9-11 anos
83,66 ± 3,2 80 - 88 84 88 ± 4,61 80 - 94 90 86
TFC-MOE (%)
Geral
84,54 ± 2,84 80 - 88 84 87,27 ± 3,82 80 - 94 88 86,09
TFC-DOD (%)
7-8 anos
82,4 ± 5,54 78 - 92 80 78,5 ± 8,06 70 - 88 78 80
TFC-DOD (%)
9-11 anos
85,66 ± 3,44 80 - 90 86 85,71 ± 5,93 78 - 96 86 85,69
TFC-DOD (%)
Geral
84,18 ± 4,60 78 - 92 84 83,09 ± 7,34 70 - 96 84 83,36
TFC-DOE (%)
7-8 anos
82,8 ± 4,6 78 - 90 82 81 ± 7,39 72 - 90 81 80,88
TFC-DOE (%)
9-11 anos
86 ± 3,57 82 - 92 85 82,85 ± 4,14 76 - 90 82 84,33
TFC-DOE (%) Geral 84,54 ± 4,20 78 - 92 84 82,18 ± 5,25 72 - 90 82 82,91

Legenda: TFC-MOD = Teste de Fala Comprimida monossílabo da orelha direita; TFC-MOE = Teste de Fala Comprimida monossílabo da orelha esquerda; TFC-DOD = Teste de Fala Comprimida dissílabo da orelha direita; TFC-DOE = Teste de Fala Comprimida dissílabo da orelha esquerda

Na Tabela 3, foi observado que as médias encontradas em cada lista tiveram resultados semelhantes. Houve pouca diferença entre as médias das orelhas e entre as médias das listas de monossílabos e dissílabos.

Serão apresentadas na Figura 2 as variáveis agrupadas por ordem de apresentação das listas de estímulo do Teste Fala Comprimida e segundo a variável orelha.

Legenda: 1 = iniciada pela lista de palavras monossílabas; 2 = iniciada pela lista de palavras dissílabas; TFC-MOD = Teste de Fala Comprimida monossílabo da orelha direita; TFC-MOE = Teste de Fala Comprimida monossílabo da orelha esquerda; TFC-DOD = Teste de Fala Comprimida dissílabo da orelha direita; TFC-DOE = Teste de Fala Comprimida dissílabo da orelha esquerda; *Teste Mann-Whitney. Valores significativos (p≤0,05); TFC-MOD (1) X TFC-MOD (2): p-valor 0,132; TFC-MOE (1) X TFC-MOE (2): p-valor 0,064**; TFC-DOD (1) X TFC-DOD (2): p-valor 0,791; TFC-DOE (1) X TFC-DOE (2): p-valor 0,256.

Figura 2 Box Plot de múltiplas variáveis agrupadas por ordem de apresentação das listas de estímulo do Teste Fala Comprimida e segundo a variável orelha 

Verificou-se na Figura 2 que houve uma tendência de os indivíduos apresentarem diferentes resultados no TFC com estímulos monossilábicos na orelha esquerda, dependendo da ordem de apresentação do teste, ou seja, quando os indivíduos escutaram a lista com palavras monossílabas por último tiveram melhor desempenho, porém não houve valor significante. Nos demais estímulos, a ordem de apresentação não influenciou.

Foi analisado também se havia diferença da variável idade conforme a ordem de apresentação das listas do TFC e verificou-se que não houve diferença estatisticamente significante (p-valor = 0,664).

Na Tabela 4, será apresentada a correlação entre idade e desempenho com as listas de aplicação do TFC.

Tabela 4 Correlação das variáveis numéricas com cada lista de aplicação do teste de fala comprimida 

TFC-MOD TFC-MOE TFC-DOD TFC-DOE Idade
Idade r -0,105 -0,001 0,437 0,077 1,000
p 0,643 0,998 0,042* 0,732 -
TFC-MOD r 1,000 0,446 0,049 -0,187 -0,105
p - 0,038* 0,828 0,406 0,643
TFC-MOE r 0,446 1,000 -0,037 -0,133 -0,001
p 0,038* - 0,871 0,555 0,998
TFC-DOD r 0,049 -0,037 1,000 0,194 0,437
p 0,828 0,871 - 0,387 0,042*
TFC-DOE r -0,187 -0,133 0,194 1,000 0,077
p 0,406 0,555 0,387 - 0,732

*Teste de correlação de Spearmann (r); Valores significativos (p≤0,05)

Legenda: r = coeficiente de correlação de Spearmann; TFC-MOD = Teste de Fala Comprimida monossílabo da orelha direita; TFC-MOE = Teste de Fala Comprimida monossílabo da orelha esquerda; TFC-DOD = Teste de Fala Comprimida dissílabo da orelha direita; TFC-DOE = Teste de Fala Comprimida dissílabo da orelha esquerda

Observou-se que houve uma correlação positiva e fraca entre a idade e o desempenho no TFC na orelha direita na lista de palavras dissílabas, ou seja, quanto maior a idade melhor desempenho na lista de dissílabos da orelha direita. Houve também uma correlação positiva e fraca entre o desempenho do TFC com monossílabo na orelha direita com a esquerda, ou seja, quando o indivíduo teve bom desempenho em uma orelha também o apresentou na outra.

A seguir, serão apresentadas as palavras com maior ocorrência de erros do TFC segundo a lista de estímulos. Verificou-se no estudo que na lista de dissílabos do TFC houve erro em 40 palavras das 50 apresentadas, enquanto na lista de monossílabos, houve erro em 44 palavras de 50.

Verificou-se na Figura 3 que o percentual de erros foi maior nas palavras monossílabas: pá, nho e pau; e nas palavras dissílabas: pago tombo e grito.

Figura 3 Distribuição percentual das palavras com maior ocorrência de erros no Teste de Fala Comprimida, (n = 44 orelhas) 

DISCUSSÃO

O TPAC pode gerar diversos distúrbios da comunicação e está correlacionado com dificuldades de aprendizagem em escolares(15).

No intuito de avaliar estes distúrbios da comunicação, tem sido utilizada a avaliação simplificada do processamento auditivo em combinação com questionários e testes especiais do processamento auditivo para rastrear ou identificar possíveis alterações(14).

Um destes questionários é o SAB, questionário simples, objetivo e de fácil aplicação que possui perguntas referentes ao comportamento da criança em situações diárias. Não há estudos na literatura nacional que tenham se proposto a estudar e padronizar o questionário para o português brasileiro. Nunes, Pereira e Carvalho(11) o traduziram para o português europeu e encontraram como resultado para crianças de 8 a 11 anos a média de 46,1 (± 10,6); quando respondido pelos pais ou responsáveis, estes achados estão inferiores aos da média encontrada no presente estudo (47,9).

Em relação ao TDD, outro estudo refere que o teste é bastante sensível e pode ser um bom indicador de TPAC por ser uma avaliação de escuta dicótica e de baixo nível de exigência linguística(14). Este estudo reforça o desempenho adequado que a população do presente estudo apresentou (Tabela 1).

Na literatura nacional, há vários estudos com testes especiais com crianças(16,17), no entanto, com o TFC, há uma carência de estudos que apresentem padrões de normalidades para serem utilizados na prática clínica.

Pesquisas com crianças e jovens adultos(18,19) corroboraram com a presente pesquisa, a qual mostrou que ocorre melhora na inteligibilidade da fala comprimida com o aumento da idade, ou seja, quanto maior a idade melhor desempenho na lista de palavras dissílabas da orelha direita. Esse resultado pode estar relacionado à maturação do Sistema Auditivo Central. No presente estudo, houve relação com a idade apenas na lista de dissílabos, tanto na orelha direita como na esquerda (Tabela 2 e Figura 1).

Um estudo sobre maturação do PAC em crianças com e sem dificuldades escolares avaliou a habilidade de fechamento auditivo por meio do teste fala com ruído e em crianças sem dificuldades escolares verificou melhora no desempenho do teste com o aumento da idade. Tal estudo verificou uma diferença evidente de desempenho entre as idades de oito e dez anos, corroborando com os achados do presente estudo(20).

Estudo nacional com TFC determinou o índice de 90% como padrão de normalidade para adultos(10). Na versão americana, o padrão de normalidade utilizado para a população adulta é de 82%(21). No atual estudo, obteve-se uma média mais próxima da população adulta americana. Num estudo internacional com jovens de 18 a 30 anos, com audição normal, foi utilizado um TFC com compressão de 60%, com estímulos monossilábicos e encontrados, como média de acertos, 53,50%(22). Estes dados são inferiores aos encontrados no presente estudo com a população infantil.

Rabelo e Schochat(10) não verificaram influência da ordem de apresentação das listas, concordando com os achados do presente estudo (Tabela 3 e Figura 2). Desta forma, na prática clínica, a ordem de apresentação dos estímulos monossilábicos ou dissilábicos não interfere no resultado do teste.

No presente estudo, observou-se que, na ordem de apresentação das listas, não foi verificada uma melhora no desempenho da última lista aplicada, contudo, indivíduos do G2 tiveram uma tendência de associação no MOE (Figura 2), ou seja, tiveram melhor desempenho quando esta lista foi a última a ser ouvida. Um estudo(23) mostrou que a exposição à fala comprimida por tempo prolongado permite uma adaptação do indivíduo, consequentemente, uma melhora no seu desempenho. Justificando os achados encontrados nos indivíduos do G2 do presente estudo.

Outro estudo mostra que as palavras monossílabas são mais usadas, mais simples e menos redundantes, diminuindo a influência lexical e semântica, o que pode explicar porque a melhora ocorre apenas nas monossílabas, sendo que o atual estudo mostrou que quanto melhor MOD, melhor o MOE e não fez nenhuma relação de melhora entre as listas de dissílabos(24).

Um estudo nacional(10) mostrou que não houve diferença estatisticamente significante entre as orelhas, tanto nas listas monossilábicas, quantos nas dissilábicas, dado que diverge dos achados no presente estudo, o qual mostra que há uma correlação fraca no desempenho entre os estímulos monossilábicos da orelha direita em relação aos da esquerda (Tabela 4).

Observou-se que, das palavras com maior ocorrência de erros no TFC, independentemente de serem palavras monossílabas ou dissílabas (Figura 3), a grande maioria iniciava com um som plosivo. A característica dos sons plosivos é a obstrução dos articuladores, os quais têm como consequência a interrupção do fluxo de ar, percebida acusticamente como silêncio, seguida pela abertura do trato vocal e consequente soltura total do ar(25). As plosivas podem ser surdas, como em [p], [t], [k], ou sonoras como [b], [d], [g]. Além de as plosivas possuírem uma emissão rápida, o que diminui sua inteligibilidade. O teste em si já diminui a inteligibilidade das palavras, devido à compressão de tempo, consequentemente, ocorre a perda das informações, favorecendo as omissões e trocas, corroborando com os achados do presente estudo(23,24). Apenas uma das palavras iniciava com a consoante nasal palatal e caracterizava-se por ser a menos conhecida e pouco usada dentre as que obtiveram mais erros. Desta forma, acredita-se que as questões semânticas e pragmáticas influenciaram para o baixo número de acerto dessa palavra.

A importância deste estudo justifica-se por ser inédito e mostra que o TFC em português pode ser aplicado na população infantil, sendo necessários novos estudos com o TFC na população infantil com outros distúrbios da comunicação humana.

A partir dos resultados obtidos, sugerem-se mais estudos sobre o TFC na população brasileira, por serem ainda muito escassos na literatura nacional, principalmente na população infantil. Além de trabalhos comparando o desempenho do TFC com e sem TPAC e comparação entre os testes que avaliem a habilidade de fechamento auditivo para verificar sua especificidade.

CONCLUSÃO

Foi possível concluir que a média de acertos das crianças no TFC foi inferior aos achados na literatura nacional em adultos. Houve diferença no desempenho do TFC com a idade apenas na lista de dissílabos. Em relação à variável orelha, houve uma correlação positiva e fraca entre o desempenho da lista de monossílabos. Não houve diferença no desempenho do teste quanto ao gênero, nem quanto à ordem de apresentação das listas de aplicação e ao tipo de estímulo (mono ou dissilábico).

REFERÊNCIAS

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