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Estudo histeroscópico e histológico do endométrio de mulheres menopausadas submetidas à ação continuada do raloxifeno

Estudo histeroscópico e histológico do endométrio de mulheres menopausadas submetidas à ação continuada do raloxifeno

Autores:

Vanessa Maria Caetano Soares,
Braz Martorelli Filho,
Luiz Roberto Araujo Fernandes,
Umberto Gazi Lippi

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.8 no.1 São Paulo jan/mar. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1227

INTRODUÇÃO

O raloxifeno é uma substância que faz parte da classe de medicamentos conhecidos como moduladores seletivos do receptor estrogênico (SERMs) derivados dos benzotiofênicos. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos e na Europa(1) indicam que o raloxifeno protege o esqueleto da perda óssea, inibindo a sua reabsorção e aumentando significativamente a densidade mineral óssea. Por outro lado, há evidências de efeitos favoráveis sobre diversas condições de risco para doença cardiovascular, tais como: redução do LDL-colesterol, aumento do HDL-colesterol, redução do fibrinogênio e redução da lipoproteína (a)(23). Parece também válido como alternativa para reduzir o risco elevado de doença coronária que as mulheres têm após a menopausa. É certamente necessário esperar os resultados de futuros ensaios clínicos para estabelecer definitivamente os benefícios neste contexto clínico. Os SERMs podem ser uma opção ideal para a mulher na pós-menopausa com risco de osteoporose, história familiar ou fatores de risco de doença cardiovascular, história familiar/temor de câncer de mama, resistente ou não-apta a receber terapia de reposição hormonal(1). Também já foi demonstrado(45) que tanto o raloxifeno como outros SERMs têm efeito antagonista sobre o tecido mamário, inibindo a proliferação dependente de estrogênio de células de câncer de mama humano in vitro e o desenvolvimento dos tumores mamários induzido em ratos in vivo.

O raloxifeno parece não ter efeito estimulador sobre o endométrio(4-6). Dados coletados de três estudos(7) que comparam raloxifeno na dose de 60 mg/dia ao placebo, à terapia estrogênica (TE) e à terapia com estrógeno e progesterona (TEP) mostraram que a incidência de metrorragia entre as mulheres que tomaram raloxifeno foi semelhante à encontrada entre aquelas que receberam placebo e houve uma incidência maior de metrorragia no grupo em tratamento à base de estrogênio e em tratamento combinado (estrogênio e progestagênio). Também já se observou(68) que, como entre as mulheres que tomaram raloxifeno as metrorragias não são esperadas, é recomendável que as pacientes sejam submetidas a uma avaliação médica prévia à terapêutica em relação à espessura endometrial no intuito de descartar afecções endometriais preexistentes.

OBJETIVO

O objetivo do presente estudo foi avaliar a ação da droga sobre o endométrio de um grupo de mulheres, cujas características estão descritas mais adiante, por meio de histeroscopia e de biópsia seguida de exame histopatológico do material.

MÉTODOS

Foram estudadas 31 mulheres menopausadas atendidas nos ambulatórios de climatério do Hospital “Guilherme Álvaro” de Santos do Centro Universitário Lusíada, da cidade de Santos (SP) e do Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Morato de Oliveira” da cidade de São Paulo (SP), entre 10 de setembro de 2003 e 22 de junho de 2004. Os critérios de inclusão no estudo foram: ter idade acima de 40 anos, estar na menopausa, sem doença endometrial diagnosticada por meio da história clínica, exame ginecológico e por ultrassonografia pélvica transvaginal (espessura do eco endometrial igual ou inferior a 4 mm) e ter indicação de uso de raloxifeno.

Os critérios de exclusão foram: ter sido submetida a tratamento com esteroides sexuais nos seis meses prévios ao presente estudo, uso de DIU ou endoceptivos nos últimos seis meses, contraindicação ao fármaco (história prévia ou atual de eventos tromboembólicos venosos) e ser portadora de sintomas vasomotores importantes.

As indicações para o uso desta substância na casuística aqui apresentada foram: história familiar de osteoporose em 10 casos (32,3%) e estilo de vida sedentário em 21 (67,7%).

A média de idade das mulheres foi 60,9 anos e o desvio padrão de 6,6. A maioria das participantes da amostra eram mulheres brancas (29-93,5%). Havia duas negras (6,5%).

A dose de raloxifeno utilizada foi de 60 mg/dia no período da manhã durante seis meses. O endométrio foi avaliado por meio da histeroscopia e da anatomia patológica ao início da terapêutica e ao final dos seis meses.

Todos os exames endoscópicos foram realizados sob consentimento informado em nível ambulatorial e 3 (9,6%) pacientes necessitaram de anestesia local. Utilizaram-se dois tipos de histeroscópios: um de 3 mm de diâmetro, 25º, da marca Wolff e outro de 5 mm, 30º, da marca Storz. A distensão uterina foi realizada com gás carbônico e controlada eletronicamente com um histeroflator da marca Storz. Utilizou-se sistema de videocâmara que permitiu a gravação de vários exames em fotos com videoprinter colorido.

O material para estudo anatomopatológico foi obtido por meio de biópsias de endométrio: uma prévia (basal) à utilização do fármaco e outra após seis meses. As biópsias de endométrio foram realizadas de forma dirigida e com uso de pinça de biópsia de 3 ou 5 mm em parede anterior da cavidade uterina. O exame histopatológico foi processado pelos Serviços de Anatomia Patológica dos respectivos hospitais da seguinte forma: os espécimes obtidos foram depositados em frascos contendo solução de formol a 10% para serem processados no laboratório. Foram examinados em relação à cor, textura, consistência e volume antes de serem incluídos em blocos de parafina para exame histológico. A coloração utilizada foi hematoxilina-eosina e realizou-se a leitura em microscópio Zeiss com objetiva de 400 aumentos. Usou-se ocular graduada para histometria.

Foram estudadas as eventuais modificações histológicas e histeroscópicas do endométrio sob ação do raloxifeno. Essas biópsias foram avaliadas pelo escore estrogênico segundo Boss et al. apoiando-se em critério basal de indução estrogênica proliferativa frente ao endométrio típico das pacientes menopausadas(39).

Apresenta-se, na tabela 1, o escore individual das biópsias de acordo com as alterações morfológicas.

Tabela 1 Escore das biópsias endometriais de acordo com as alterações morfológicas segundo Boss et al.(9) 

Alterações morfológicas Nenhuma * (0) Limitada (1) Alta (2)
Efeitos glandulares
Forma Pequena, tubular, reta Aberta, reta Cística ou aberta, tortuosa
Relação núcleo/citoplasma Muito alta (>75%) Moderada (50-75%) Baixa (50%)
Pseudo-estratificação Nenhuma Limitada Difusa
Mitoses Nenhuma Rara Muitas
Efeitos estromais
Densidade Compacto ou fibroso Poucas células Edemaciada
Mitoses Nenhum Raras Algumas
Outros efeitos
Metaplasias Nenhuma Raras Algumas
Volume tissular Ruptura ou fracamente intacto Moderado - praticamente intacto Abundantes - intacto

*Pontuação entre parêntesis

A tabela 2 traz o escore estrogênico: escore das alterações morfológicas endometriais e a gradação dos efeitos estrogênicos.

Tabela 2 Escore estrogênico das alterações morfológicas e a gradação dos efeitos estrogênicos, segundo Boss et al.(9) 

Escore Graduação do efeito estrogênico Descrição
0-3 0 Endométrio pós-menopausal típico com pouco ou nenhum efeito estrogênico
4-6 1 Efeito estrogênico presente, mas limitado
7-10 2 Efeito estrogênico significativo
>10 3 Efeito estrogênico marcante

A comparação entre os resultados das duas avaliações foi feita com o emprego do teste de McNemar (teste de homogeneidade marginal).

RESULTADOS

A tabela 3 mostra a distribuição da amostra quanto à avaliação inicial, ou seja, pré-medicamento, em relação ao efeito estrogênico em nível endometrial e a distribuição dessa amostra após seis meses de tratamento.

Tabela 3 Efeito estrogênico pré e pós-tratamento 

Efeito estrogênico Pós-tratamento Pré-tratamento
n FR% n FR%
Pouco ou nenhum efeito estrogênico (Escore 0) 8 25,8 29 93,5
Efeito estrogênico limitado (Escore 1) 23 74,2 2 6,5
Total 31 100 31 100

FR%: frequência relativa percentual

É importante ressaltar que não se observou maior atividade endometrial. Das 31 pacientes estudadas, 21 (68%) mostraram modificação do estado inicial, passando do escore 1 para escore 0, o que equivale a menor atividade endometrial.

Na comparação dos resultados das duas avaliações, feita empregando-se o teste de McNemar, obteve-se p = 0,001, o que indica diferença significativa entre os efeitos estrogênicos avaliados em diferentes momentos.

DISCUSSÃO

Os SERMs têm sido alvo de pesquisas relacionadas aos seus potenciais efeitos agonista e antagonista em relação aos esteroides sexuais nos diferentes tecidos. Essa atividade seletiva decorre da sua interação com o receptor intranuclear de estrogênio, promovendo mudanças conformacionais no receptor que podem inibir o efeito do estrogênio ou induzir a transcrição gênica. Existem alguns inconvenientes para a administração dos SERMs(1011). Os sintomas vasomotores comuns na pós-menopausa podem não responder a esses agentes da mesma forma como respondem à terapia de reposição hormonal. Outros autores(7) observaram que a maioria das ondas de calor ocorre no período de seis meses após o início do tratamento e muito raramente são observadas após esse período. Além disso, a maioria dos casos é leve ou moderada. Apenas uma percentagem muito pequena de mulheres apresentou sintomas intensos. Não foi observada diferença entre raloxifeno e placebo no que se refere a outros sintomas, como alterações do sono. Ao se examinar a frequência de câimbras dos membros inferiores na mesma população, verificou-se que a incidência aumenta com a idade e que esse efeito indesejado aparece com uma frequência significativamente maior sob efeito do raloxifeno do que do placebo. No presente estudo, nas 31 pacientes analisadas não se observou suspensão do tratamento devido a sintomas vasomotores.

O raloxifeno exerce função relevante no tratamento da osteoporose na pós-menopausa em uma população muito grande de mulheres sujeitas ao aumento considerável da frequência de fraturas vertebrais(710).

Pesquisas em ratas mostraram que o tratamento com o fármaco reduz o peso do útero(1,12).

Em outro estudo feito com ratas ooforectomizadas(13), nas quais se administrou raloxifeno ou estrogênio por um período de um ano, foram verificados diferentes efeitos sobre as características histológicas do endométrio. Foram encontrados inicialmente, no endométrio dos roedores que receberam o hormônio, importante proliferação das células glandulares e aumento da espessura. Após a administração do raloxifeno, o padrão histolólogico manteve-se similar ao das ratas ooforectomizadas, sem aumento da espessura e com escassa proliferação das células glandulares.

O presente estudo corrobora esse resultado sobre os efeitos histológicos endometriais, uma vez que o efeito estrogênico no grupo II (seis meses após o uso do raloxifeno) mostrou que 68% das 31 mulheres estudadas tiveram menor atividade estrogênica do ponto de vista endometrial (espessura endometrial reduzida e escassa proliferação das células glandulares). Este resultado requer uma reflexão devido à interface do uso do raloxifeno com o estado menopausal das pacientes em questão, ou seja, pode-se estar frente a dois fatores concomitantes que levam à diminuição da atividade estrogênica no endométrio.

Diferentes estudos clínicos com o raloxifeno(1415) procuraram avaliar os efeitos endometriais do fármaco em grandes populações de pacientes. Por exemplo, foram determinados a espessura do endométrio e o tamanho uterino mediante ultrassonografia transvaginal e, em um subgrupo de pacientes, o padrão histológico mediante biópsia de endométrio. Não ocorreu aumento da espessura desse tecido e do tamanho do útero e nem sinais histológicos de alteração do endométrio pelo efeito estrogênico nas usuárias de raloxifeno.

Estudos controlados com placebo(1), que incluíram cerca de 3.000 mulheres tratadas com raloxifeno durante no mínimo seis meses, mostraram a incidência de metrorragia de 2,9% entre aquelas que receberam o raloxifeno e de 3,9% nas que receberam placebo. No presente estudo não houve casos de metrorragia.

Em dois estudos multicêntricos controlados com placebo, e efetuados em aproximadamente 2.200 pacientes na Europa e nos Estados Unidos, avaliou-se o efeito do raloxifeno sobre a espessura do endométrio por meio da ultrassonografia. Depois de dois anos de tratamento, não foi possível detectar diferenças na espessura do endométrio entre os dois grupos de estudo, o que sugere que o uso do composto é seguro em relação aos efeitos sobre o aumento da espessura do endométrio, uma alteração associada a hiperplasias e ao câncer endometrial(1).

Também está sendo investigado se há diferenças no efeito sobre o útero em mulheres submetidas à terapia hormonal com estrogênios associada à medroxiprogesterona e com o raloxifeno. Depois de um ano de tratamento, o tamanho do útero não se modificou entre as mulheres tratadas com raloxifeno, ao passo que houve aumento significativo nas mulheres que receberam terapia de reposição hormonal. Com respeito à espessura do endométrio, no final do primeiro ano de tratamento foi observado aumento significativamente maior entre as mulheres que receberam terapia de reposição hormonal em relação às que receberam raloxifeno. Foi efetuada biópsia de endométrio em 43 pacientes do grupo raloxifeno que, no início do estudo, tinham endométrio atrófico inativo. No período citado, todas conservavam as mesmas características histológicas. Ao contrário, dentre as 37 pacientes do grupo da terapia de reposição hormonal com atrofia endometrial basal, 12 apresentaram mudanças proliferativas e pólipos uterinos. Os resultados parciais desses estudos indicam que o emprego do raloxifeno é muito seguro com relação aos efeitos estrogênicos sobre o endométrio(1,16). Esses resultados coincidem com os achados do estudo aqui apresentado.

Um grande estudo multicêntrico realizado no Canadá, Estados Unidos, Bélgica, Dinamarca avaliou durante cinco anos o uso de raloxifeno em pacientes menopausadas, mostrando preservação da densidade mineral óssea, redução significativa da progressão da osteoporose, efeitos antiproliferativos sobre a mama e a nãoassociação com o aumento das taxas de sangramento vaginal, hiperplasia endometrial ou carcinoma endometrial quando comparadas com o grupo placebo(6,17)

CONCLUSÕES

No presente estudo não ocorreram evidências histopatológicas de estímulo endometrial nas pacientes menopausadas usuárias de raloxifeno, tendo sido observado, inclusive, que em 68% dos casos houve menor efeito estrogênico em nível endometrial.

REFERÊNCIAS

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