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Estudo por Analisador de Gases do Teste de Caminhada de Seis Minutos na Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal

Estudo por Analisador de Gases do Teste de Caminhada de Seis Minutos na Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal

Autores:

José Antônio Caldas Teixeira,
Leandro Rocha Messias,
Kátia Pedreira Dias,
Washington Luiz Batista da Costa,
Roberto Macedo Cascon,
Sandra Marina Ribeiro de Miranda,
Pedro Soares Teixeira,
Juliana Grael Jorge,
Antonio Claudio Lucas da Nobrega,
Denizar V Araujo

ARTIGO ORIGINAL

International Journal of Cardiovascular Sciences

versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647

Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.31 no.2 Rio de Janeiro mar./abr. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20180001

Introdução

A insuficiência cardíaca (IC) evoca a imagem de um coração dilatado, com função sistólica e fração de ejeção reduzidas (IC com fração de ejeção reduzida, ICFER). Porém, o estudo de Burkhoff et al.,1 mostrou que uma grande proporção de pacientes com sintomas de IC tem fração de ejeção dentro da faixa normal, sendo então classificados como portadores de IC com fração de ejeção normal (ICFEN).2,3 A limitada tolerância aos esforços na IC é frequentemente a primeira e principal característica clínica da doença.4 Na identificação dessa intolerância ao esforço, o teste de caminhada de seis minutos (T6m) tem sido utilizado como instrumento para avaliar a evolução após diferentes intervenções.5

Há poucos estudos realizados com utilização de analisadores de gases portáteis para descrever e analisar o comportamento de variáveis no T6m e possíveis características ou marcadores que auxiliem na orientação terapêutica e na melhora prognóstica na IC,6-10 especialmente em portadores de ICFEN.

O objetivo deste estudo foi descrever e analisar o comportamento cinético a cada minuto de variáveis hemodinâmicas, ventilatórias e metabólicas em portadores de ICFEN durante o T6m com a utilização de um analisador de gases portátil e comparar os resultados com os obtidos durante o teste de esforço cardiopulmonar (TECP).

Métodos

Estudo prospectivo, analítico, com amostra não probabilística, intencional e por conveniência, conforme critérios adotados, realizado no Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) da Universidade Federal Fluminense (UFF) no período de março de 2010 a julho de 2013. O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do HUAP sob o nº 152A/2010, e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013.

Os critérios de inclusão adotados para caracterizar a ICFEN foram os descritos por Paulus et al.,11 além dos seguintes fatores: (A) queixas sugestivas de IC (dispneia e/ou fadiga e/ou edema); (B) relato de hospitalização prévia por doença cardíaca descompensada, porém no momento do teste em classe funcional II a III pela New York Heart Association (NYHA); (C) idade > 18 anos; (D) duração da doença maior que 6 meses; (E) uso de medicação e (F) doença estável.

Os critérios de exclusão adotados foram: (A) doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) por critérios clínicos, (B) classe funcional IV ou outros critérios de contraindicação para a realização do TECP12 e (C) participação em programas de reabilitação cardíaca supervisionada.

Os pacientes foram orientados a manter os medicamentos em uso. Os testes compreenderam três momentos: T6m convencional (T6m1), T6m acoplado a um analisador de gases portátil (T6m2) e TECP em esteira. Por questão de fluxo do hospital, alguns pacientes realizaram de forma aleatória primeiro o T6m e outros o TECP.

O T6m foi realizado em um corredor com 30 metros de extensão. O primeiro T6m (T6m1) tinha por objetivo um efeito de aprendizagem, conforme recomendado pela literatura.6 O segundo T6m (T6m2) foi realizado no mínimo 3 dias e no máximo 3 semanas após o primeiro, quando o paciente repetia o T6m, agora acoplado ao analisador de gases portátil. O intervalo máximo entre o T6m e o TECP foi também de 3 semanas. O T6m e o TECP foram coordenados pelo mesmo avaliador e aplicados pela mesma equipe para evitar variabilidade na sua aplicação.

Utilizou-se para as avaliações o analisador metabólico MedGraphics (MGC) VO2000 (Imbrasport, Porto Alegre, RS, Brasil), sistema Ergo PC Elite 13 e esteira Centurion 300 (MicroMed, Brasília, DF, Brasil). O analisador de gases foi calibrado antes de cada teste pelo sistema de autocalibração em ambiente ventilado. O controle biológico da calibração ocorreu a cada mês e o controle pelo representante do equipamento (CAEL, Rio de Janeiro, RJ, Brasil) foi realizado a cada 3 meses.

No TECP, cada paciente passava por 2 minutos de coleta basal e realizava 1 minuto de aquecimento a 1 km/h e 0º de inclinação, para então iniciar o protocolo de rampa. Para a análise e obtenção das variáveis do TECP, utilizou-se o programa ErgoPCElite para Windows 13W (MicroMed, Brasília, DF, Brasil). A percepção de esforço (PE), avaliada pela escala de Borg (variação de 0-10), e as variáveis hemodinâmicas e eletrocardiográficas eram registradas a cada minuto. Durante a fase de recuperação o paciente permanecia sentado. Dois árbitros analisaram o laudo do teste para obtenção das seguintes informações: valor da inclinação VE/VCO2, presença de ventilação periódica (VP) e estabelecimento do limiar ventilatório I, a partir desse momento denominado limiar anaeróbio (LA). Para determinar o LA, foram consideradas as curvas dos equivalentes ventilatórios do VO2 e VCO2, além das curvas das frações expiradas do VO2 e VCO2, conforme recomenda a diretriz para TECP da American Heart Association (AHA).13

As avaliações foram realizadas durante vigência dos medicamentos usuais utilizados pelos pacientes, durante o mesmo horário do dia e pelo menos 2 horas após a última refeição. O VO2 pico foi definido como o maior valor de VO2 obtido até os 30 segundos finais ou 10 segundos na recuperação imediata. A avaliação da ocorrência de VP e a determinação do valor da inclinação VE/VCO2 foram realizadas com base na diretriz da AHA13 e nas recomendações de Guazzi et al.,14 Como não foi realizada espirometria, a reserva ventilatória não foi considerada na análise. Foi realizado somente um TECP, conforme recomendado por Scott et al.,15

A frequência cardíaca (FC) máxima estimada foi obtida pela fórmula de Tanaka et al., 16 e utilizada para o cálculo do índice cronotrópico.

Durante o T6m, foi registrada a FC (monitor Polar modelo T31, Oulu, Finlândia) a cada minuto, juntamente com a PE pela escala de Borg e a saturação capilar de O2 por oxímetro de pulso marca Onyx (Minneapolis, MN, EUA).

Para a análise dos gases expirados durante o T6m e obtenção dos valores das variáveis, utilizou-se o mesmo VO2000 no modo portátil, conectado a um computador por um sistema de telemetria sem fio. Utilizou-se o programa Aerograph, versão 4.3 (Imbrasport, Porto Alegre, RS, Brasil), que organizou os dados para posterior análise.

Na realização do T6m2, o paciente acoplado ao analisador de gases permanecia sentado por 4 minutos e 30 segundos. Após a coleta das variáveis nesse período de repouso, o paciente permanecia em pé por 30 segundos antes de iniciar o T6m2, que foi realizado de acordo com as orientações da American Thoracic Society (ATS).5

Todos os pacientes concluíram os 6 minutos de caminhada. A análise dos gases se encerrava após o 5º. minuto de recuperação. A pressão arterial (PA) máxima considerada foi a obtida imediatamente após o esforço, ou seja, terminado o 6º. minuto de caminhada, o paciente se sentava e então era realizada a medida da PA, entre 30-40 segundos durante a recuperação.

Análise estatística

Os dados numéricos estão expressos como média ± desvio padrão (DP), uma vez que todas as variáveis incluídas apresentaram distribuição aproximadamente normal (valor de p do teste de Kolmogorov-Smirnov > 0,05). Os dados categóricos estão expressos como frequência (n) e percentual (%).

A variação das medidas hemodinâmicas, metabólicas e ventilatórias entre os testes (exames) TECP e T6m foram analisadas pelo teste t de Student para amostras pareadas.

Realizou-se uma análise descritiva gráfica apresentando a média e o DP das medidas obtidas a cada minuto das variáveis FC e VO2, indicando-se, para cada uma delas, os valores máximos do TECP e os valores equivalentes aos do LA.

Para avaliar os níveis de correlação entre a distância do T6m2 com o VO2 pico e com o VO2 pico do TECP, utilizou-se o teste de correlação de Pearson (r).

Foi adotado o nível de significância de 5%. A análise estatística foi realizada com o programa SAS 6.11 (SAS Institute, Inc. Cary, NC, EUA).

Resultados

Foram estudados 24 pacientes. Destes, 22 realizaram ambos os testes (TECP e T6m) e dois realizaram apenas o TECP; assim, a comparação entre o TECP e o T6m incluiu somente os dados de 22 pacientes. As características clínicas da população estudada podem ser observadas na Tabela 1. Observou-se predomínio do sexo feminino (70,8%) e de obesidade (58,3%). A hipertensão arterial sistêmica (HAS) esteve presente em 100,0% dos pacientes.

Tabela 1 Características clínicas da população estudada 

Variáveis n = 24 %
Sexo masculino 7 29,2
feminino 17 70,8
Média DP
FE (%) 64,7 8,2
Peso (kg) 84,3 16,6
Estatura (cm) 160,2 7,4
IMC 32,9 6,7
Cintura (cm) 104,4 13,3
Quadril (cm) 110,8 11,6
C/Q 0,944 0,086
Idade (anos) 59,6 10,2

Abreviaturas: FE: fração de ejeção; IMC: índice de massa corporal; C/Q: relação cintura quadril; DP: desvio padrão.

A maioria dos pacientes (70,8%) estava em uso de betabloqueadores. O perfil de medicamentos utilizados pelos pacientes evidenciou a abordagem terapêutica usual para HAS: betabloqueadores, inibidores da enzima de conversão da angiotensina (25,0%) ou bloqueadores dos receptores da angiotensina (54,1%), bloqueador de canal de cálcio (37,5%), tiazídicos (29,1%) e vasodilatadores (48,5%).

Uma estratificação dos pacientes de acordo com os resultados ao TECP e seguindo a classificação de Weber,17 mostrou um maior percentual de pacientes categorizados na classe B (30,4%).

Os pacientes apresentaram um E/E’ médio de 15,9 ± 4,3, caracterizando um dos critérios para o diagnóstico de ICFEN.11

A distância média percorrida no T6m1 foi de 419,2 ± 76,5 metros e no T6m2 foi de 446,2 ± 67,7 metros, com diferença significativa entre ambos (p = 0,002).

A Tabela 2 apresenta os valores máximos das variáveis obtidas no T6m2 e no TECP. Não houve diferença entre os valores máximos do quociente respiratório (QR) entre os dois testes, e seus valores máximos foram superiores a 1,0. Os resultados mostram valores elevados ao final do T6m2 (1,04), sendo que dos 22 pacientes que realizaram o T6m2, 11 obtiveram um QR ≥ 1,0 (50% do grupo). Destes 11 pacientes, 7 obtiveram um QR ≥ 1,10 (31,8% da amostra).

Tabela 2 Valores máximos das variáveis obtidas no segundo teste de caminhada de seis minutos (T6m2) e no teste de esforço cardiopulmonar (TECP; n = 22) 

Valores médios - T6m2 versus TECP
T6m2 DP TECP DP p < 0,05
PAS max 187,04 26,60 215,3 27,4 0,002
PAD max 97,80 13,7 104,1 16,0 0,09
DP Max 20951 5497 27524 6130 0,0004
PotCirc 2533 957 3462 1266 0,002
FCmax 110,9 18,1 125,4 19,6 0,004
FC1Rec 23,1 10,1 17,2 10,1 0,035
ICrono 0,42 0,2 0,57 0,1 0,002
Pulso O2 10,5 3,6 10,5 3,5 0,95
QRmax 1,06 0,24 1,08 0,09 0,47
Inclinação VE/VCO2 22,3 4,8 23,2 4,4 0,10
PV 8,31 1,92 9,59 2,11 0,0002
VO2 pico (mL.kg-1. min-1) 13,8 4,1 15,9 5,4 0,025
T1/2 61,4 16,5 111,2 25,7 0,0001
OUES 1,26 0,74 1,34 0,59 0,10
VO2 do LA 11,76 3,79

Abreviaturas: PAS max: pressão arterial sistólica máxima; PAD max: pressão arterial diastólica máxima; DP max: duplo-produto máximo; PotCirc: potência circulatória; FCmax: frequência cardíaca máxima; FC1Rec: frequência cardíaca no primeiro minuto da recuperação; ICrono: índice cronotrópico; Pulso O2: pulso de oxigênio (mL.kg-1.min-1/bpm); QRmax: quociente respiratório máximo; Inclinação VE/VCO2: relação da ventilação minuto com a produção de dióxido de carbono; PV: potência ventilatória; VO2 pico (mL.kg-1. min-1): consumo de oxigênio pico; T1/2: tempo (em segundos) da cinética de recuperação do consumo de oxigênio até a metade do valor do pico de esforço; OUES (oxygen uptake efficiency slope): inclinação da eficiência do consumo de oxigênio; LA: limiar anaeróbio; T6m2: segundo teste de caminhada de seis minutos; TECP: teste de esforço cardiopulmonar; DP: desvio padrão. Todas as frequências cardíacas estão representadas em batimentos por minuto.

Devido à impossibilidade de se medir a PA durante o T6m, esta só foi obtida na situação basal e no pós-esforço imediato ao T6m. Como não era realizada espirometria prévia, não foram avaliados outros parâmetros ventilatórios.

A análise longitudinal da FC durante o T6m2 mostrou que o grupo atingiu valores estáveis de FC após o segundo minuto do T6m2 (T3). A FC máxima durante o T6m2 (108,9 bpm) foi semelhante à FC do LA no TECP (108 bpm), demonstrado na linha tracejada (Figura 1), e 85,7 % em relação à FC máxima do TECP (126 bpm), mostrado em destaque na Figura.

Figura 1 Comportamento longitudinal da frequência cardíaca (FC) durante o segundo teste da caminhada de 6 minutos (T6m2) no grupo estudado. Abreviaturas: ICFEN: insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal; TECP: teste de esforço cardiopulmonar; FC: frequência cardíaca; FCmax: frequência cardíaca máxima; LA: limiar anaeróbio no TECP; T1: tempo zero do T6m (situação basal); T2, T3, T4, T5, T6, T7 - respectivamente: primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto minutos do T6m. 

O comportamento longitudinal do VO2 relativo (mL.kg-1.min-1) durante o T6m2 no grupo estudado encontra-se na Figura 2. Observa-se na linha tracejada o valor do VO2 do LA do TECP (11,76 mL.kg-1.min-1) e o valor de 15,9 mL.kg-1.min-1 do VO2 pico do TECP em destaque (Figura 2).

Figura 2 Comportamento longitudinal do consumo de oxigênio (VO2) relativo (mL/kg/min-1) durante o segundo teste da caminhada de 6 minutos (T6m2). Abreviaturas: T6m: segundo teste de caminhada de seis minutos; TECP: teste de esforço cardiopulmonar; VO2: consumo de oxigênio (mL.kg-1.min-1); T1: tempo zero do T6m (situação basal); T2, T3, T4, T5, T6, T7 - respectivamente: primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto minutos do T6m; LA: limiar anaeróbio. 

O comportamento longitudinal da produção de dióxido de carbono (VCO2) relativo durante o T6m2 evoluiu de forma semelhante à do VO2, atingindo valores máximos no T6m2 de 11,5 mL.kg-1.min-1 (Figura não apresentada).

Os níveis de correlação de Pearson (r) encontrados entre a distância máxima percorrida no T6m2 com o VO2 pico obtido neste mesmo teste, e desta distância percorrida com o VO2 pico do TECP foram, respectivamente, r = 0,528 (p = 0,014) e r = 0,532 (p = 0,013).

Discussão

Uma revisão de literatura realizada sobre o tema deste estudo – T6m e ICFEN – evidenciou que a quase totalidade dos trabalhos sobre este tema está voltada para a ICFER. Tornou-se difícil, então, comparar os resultados encontrados neste estudo, que incluiu pacientes com ICFEN, com os achados da literatura. Por isso, a discussão abaixo será realizada com base em resultados similares encontrados em estudos com ICFER.

Riley et al.,6 Foray et al.,7 Faggiano et al.,8 e Kervio et al.,10 analisaram a cinética de variáveis utilizando analisador de gás portátil e demonstraram que a cinética e outros parâmetros cardiovasculares estão alentecidos na população de ICFER, em resposta ao esforço representado pelo T6m. Entretanto, não se encontram estudos que descrevam como a cinética de um grupo de portadores de ICFEN se comporta durante esse teste.

No grupo de pacientes estudados, predominou o sexo feminino, portador de HAS e índice de massa corporal (IMC) elevado,3,11 características que confirmam o perfil clínico típico da ICFEN.

A distância média percorrida encontra-se dentro de valores que indicam bom prognóstico, ou seja, acima dos 300 metros.5,18 Um percentual significativo (81,81%) igualou ou elevou no T6m2 a distância percorrida no T6m1, mas não obteve valores para ter significado clínico, ou seja, acima dos 50 metros.5 Isto reforça a importância da realização de pelo menos um teste de aprendizagem e de familiarização, por potencial influência nos resultados do T6m.6,19

As distâncias obtidas estão de acordo com as médias encontradas em estudos com grupos de ICFER, tais como os de Kervio et al.,10 (452,6 ± 18,7 metros), Faggiano et al.,8 (419 ± 120 metros) e Guimarães et al.,9 (470 ± 48 metros).

Os níveis de correlação encontrados entre T6m2 com o VO2 pico do T6m1 e com o VO2 pico do TECP estão de acordo com achados da literatura, apesar das divergências. Alguns autores citam uma boa correlação entre a distância do T6m e VO2 pico, com uma média de 0,73 em pacientes com IC6,19 (todos com ICFER). Riley et al.,6 encontraram uma correlação alta (r = 0,63), já Lucas et al., 20 e Roul et al.,21 encontraram baixa correlação com a distância percorrida no T6m (r = 0,28 e r = 0,24, respectivamente). Tais divergências poderiam ser atribuídas a diferentes metodologias do T6m e tipos de ergômetros utilizados.

Os estudos em ICFER encontrados na literatura que avaliam o T6m realizados em um corredor e com analisadores de gases portáteis acoplados foram os de Riley et al.,6 Foray et al.,7 Faggiano et al.,8 e Kervio et al.,10 Já Guimarães et al.,9 utilizaram o analisador de gases durante dois testes T6m realizados em esteira, também em portadores de ICFER.

No comportamento da FC, observa-se que o grupo estudado mostra valores mais estáveis a partir do segundo minuto do T6m (T3). Kervio et al.,10 destacam que a obtenção de um estado estável mais precoce reflete melhores condições clínicas e, portanto, condições menos graves.

As FC ao final do T6m situaram-se em 85,7% em relação à FC máxima do TECP, assemelhando-se aos valores percentuais do VO2 pico do T6m em relação ao VO2 pico do TECP.

Destaca-se que as FC finais do T6m são semelhantes às FC do LA do TECP, reforçando que o T6m representa um esforço intenso, realizado a nível ou acima do LA do TECP para portadores de IC.6-8,10

Apesar dos autores afirmarem que pacientes com ICFEN apresentam alterações na recuperação da FC no primeiro minuto da recuperação (FC1Rec)22 e de não haver dados na literatura em relação ao T6m, se considerarmos o valor preconizado de 12 bpm, este dado ficou dentro da normalidade tanto no T6m quanto no TECP.23

Pela análise do índice cronotrópico, demonstrou-se incompetência cronotrópica, mesmo se considerarmos o uso do betabloqueadores (normal > 0,60), tanto em relação ao T6m quanto para o TECP, conforme encontrado na literatura.24

O pulso O2 máximo do T6m e TECP não evidenciou diferença entre os dois testes, obtendo-se valores de pulso O2 reduzidos em relação ao previsto (< 85%), em torno de 70%, e com valores absolutos abaixo de 12 mL.kg-1.min-1/bpm, considerado de mau prognóstico.25

Em relação às duas variáveis ventilatórias analisadas, não foi observada diferença para a inclinação VE/VCO2. Os valores da inclinação VE/VCO2 se encontraram dentro dos citados como de bom prognóstico (< 30),13 e tal fato associado à falta de diferença entre os dois testes pode reforçar a capacidade prognóstica do T6m. A análise da potência ventilatória (PV) também demonstrou diferença entre os dois testes, com maiores valores para o TECP. A PV, que conjuga a reposta da PAS com a inclinação VE/VCO2 (PV = PAS x inclinação VE/VCO2)26 apresentou diferença provavelmente devido à maior PAS no TECP. Entretanto, para ambos os testes, observaram-se valores de bom prognóstico (>3,5).26

O QR é critério para se obter esforços intensos (> 1,0) ou máximos em exercícios de intensidade crescente (> 1,15).13 Não houve diferença entre os valores máximos do QR entre os dois testes. Os dados aqui encontrados concordam com os de Kervio et al.,10 que consideram o QR do T6m como de esforço intenso. Tanto na população com ICFER10 quanto nos pacientes com ICFEN no presente estudo, 50% de cada amostra obteve QR > 1,0. Outros autores concordam e afirmam que quanto maior ao deficiência funcional do grupo estudado, mais o T6m seria executado próximo ao máximo.6-8

A análise da VE/VO2 demonstrou que a curva apresentou descenso e posterior ascensão, que se tornou significativa após o quinto minuto de teste (T6 e T7). Tal comportamento é um dos critérios utilizados na identificação do LA em um TECP.13,24 Ao se transferir este conceito para o T6m, confirma-se que ele representou esforço equivalente ao LA ou pouco acima.

Em relação a VE/VCO2, observou-se estabilização dos valores após o segundo minuto de esforço (T3), com valores de pico pouco superiores aos do LA obtido no TECP (24,5 ± 3,1 no T6m versus 23,6 do LA no TECP). O VE/VCO2 se estabilizou em valores que não traduzem ineficiência ventilatória.

O VO2 relativo no T6m demonstrou valores estáveis. Seu comportamento nos pacientes com ICFEN não diferiu do encontrado em estudos semelhantes em pacientes com ICFER, tanto em termos de evolução durante todo o T6m quanto em relação aos percentuais obtidos em relação ao TECP:6-8,10 atingem valores acima do VO2 correspondente ao LA do TECP e de percentuais significativos do VO2 pico do TECP (86,45%).

A variável VCO2 tendeu a se estabilizar a partir do T5 (quarto minuto do T6m), discordando dos dados de Kervio et al.,10 que, para portadores de ICFER, não observaram estado estável nesta variável até o final do T6m.

Os pacientes com ICFER no estudo de Kervio et al.,10 realizaram o T6m acima do VO2 relativo do LA no TECP, concordando com os achados para pacientes com ICFEN no presente estudo. Os VO2 do LA no TECP obtidos por Kervio et al., 10 (11,7 ± 0,6 mL.kg-1.min-1) também se encontram bem semelhantes aos encontrados neste estudo (11,76 mL.kg-1.min-1).

Interessante notar que 7 dos 22 pacientes no presente estudo obtiveram VO2 pico do T6m igual ou acima do VO2 pico do TECP, representando 31,8% do total da amostra. Este valor percentual concorda e supera os de Faggiano et al.,8 (27,0%) para uma população de ICFER.

A alta intensidade do T6m para os portadores de IC é reforçada por achados do estudo de Kervio et al.,10 Faggiano et al.,8 e Foray et al.,7 que demonstraram que o T6m causa uma demanda acima de 85% dos valores do VO2 relativo de pico do TECP.

Faggiano et al.,8 encontraram VO2 pico a 86% do TECP, que representava 73,0% do VO2 do LA do TECP. O presente estudo mostrou percentuais semelhantes em relação ao TECP, mas o VO2 do LA no TECP apresentou percentuais mais elevados, correspondendo a 85,03% do VO2 pico do T6m para o grupo ICFEN. Guimarães et al.,9 realizaram um TECP e um T6m, também em esteira, com os participantes acoplados a um analisador de gás e, utilizando incentivo, encontraram um VO2 pico a 90% do TECP.

Os valores do VO2 pico relativo encontrados no TECP concordam com os achados de Guazzi et al.,27 Esses autores encontraram valores de VO2 pico de 15 mL.kg-1.min-1 no TECP em pacientes com ICFEN.

Na inclinação da eficiência do consumo de oxigênio (oxygen uptake efficiency slope, OUES), apesar de valores mais baixos para o T6m, não houve diferença entre o T6m e o TECP. Apesar da literatura indicar que tanto a ICFER quanto a ICFEN podem obter valores reduzidos,13 os pacientes com ICFEN avaliados obtiveram valores acima de 1,2, considerados de mau prognóstico.28

A variável metabólica que mais mostrou diferença foi a cinética do consumo de oxigênio na recuperação (T1/2), que mostrou diferença significativa entre os dois testes, com um tempo de recuperação significativamente maior no TECP. Os valores do T1/2 no T6m não chegaram a preencher critérios de mau prognóstico.13,24,29 Considerando o valor de 90 segundos29 no TECP, os participantes estudados ultrapassaram este valor.

Conclusão

Há uma real possibilidade dos pacientes portadores de ICFEN realizarem um T6m em intensidade máxima ou quase máxima. Tal estimativa é embasada nas seguintes observações: altos percentuais obtidos nos valores de pico do T6m em relação aos valores máximos das variáveis FC (85,7%) e VO2 relativo (86,4%) no TECP, valores de QR semelhantes, valores do VO2 pico do T6m semelhantes aos do LA no TECP e pela observação do comportamento do VE/VO2 que, após atingir seu nadir, mostrou tendência à curva ascendente.

Observa-se que em relação aos estudos revisados, todos em pacientes com ICFER, a ICFEN mostra em média igual perfil de comportamento das variáveis avaliadas durante o T6m.

Limitações do estudo

São identificadas algumas limitações neste estudo:

  • Tamanho reduzido da amostra estudada. Sugerem-se estudos adicionais com um número maior de pacientes para validar algumas das conclusões.

  • A predominância do sexo feminino e do sobrepeso/obesidade, característicos da ICFEN, pode ter influenciado as variáveis referentes à capacidade funcional tanto no T6m quanto no TECP.

  • Os determinantes periféricos do VO2 pico, como o sistema de transporte de oxigênio ou alterações da musculatura periférica, não foram considerados na avaliação funcional.

  • O uso de betabloqueadores e de outros fármacos pode ter influenciado a interpretação das variáveis que integram a FC ou PA no seu cálculo.

REFERÊNCIAS

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