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Estudos de impedância da orelha média em pacientes idosos: implicações na perda auditiva relacionada à idade

Estudos de impedância da orelha média em pacientes idosos: implicações na perda auditiva relacionada à idade

Autores:

Olusola Ayodele Sogebi

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.81 no.2 São Paulo mar./abr. 2015

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.09.007

Introdução

A audição envolve inter-relação e integração complexas de vários mecanismos, inclusive a condução das ondas sonoras provenientes do ambiente através do canal auditivo externo, vibrações da membrana timpânica, estimulação do mecanismo de transformação na orelha média e também das células ciliadas sensoriais da cóclea, e das conexões neuronais centrais com terminação no córtex auditivo primário. As funções de alguns desses mecanismos são afetadas pelo envelhecimento e tendem a se manifestar com deficiência da audição, que é particularmente comum em idosos.

Uma deficiência na acuidade auditiva é o transtorno sensitivo mais comumente associado ao envelhecimento.1 Com efeito, estudos demonstraram que aproximadamente um terço dos adultos com 61 a 70 anos de idade e mais de 80% daqueles com mais de 85 anos exibem uma dificuldade clinicamente óbvia na compreensão da fala e no acompanhamento de conversas na presença de ruído de fundo.2 , 3 Na média, o limiar auditivo aumentou aproximadamente 1 dB por ano para indivíduos com 60 anos ou mais, com uma tendência para maior deterioração com o passar do tempo.4 Na audiometria, até 35% dos idosos com mais de 60 anos exibiram um limiar médio para tons puros de 25 dB de perda auditiva (PA) ou mais, nas frequências entre 0,5 e 4 kHz. Essa perda foi ainda expressiva (50%) na faixa etária entre 70 e 80 anos.5 Embora a prevalência informada para a perda da audição em idosos varie em diferentes locais, é fato estabelecido que essa perda aumenta com o avanço da idade.6

Tradicionalmente, a perda da audição é classificada, como condutiva, sensorioneural ou mista. As alterações na orelha interna e em suas conexões centrais relacionadas à idade já foram devidamente documentadas entre indivíduos idosos. Essas alterações incluem a perda das células ciliadas sensoriais da cóclea em consequência de processos degenerativos generalizados, disfunção da stria vascularis (que é o principal aporte sanguíneo para o órgão de Corti) e degeneração dos neurônios do nervo coclear, ou de suas conexões centrais.7 Na orelha externa, a impactação de cerume no meato auditivo externo tem sido relatada ser desproporcionalmente mais comum em idosos, em comparação com outros grupos de pacientes, provocando perda auditiva condutiva.8 Esta é uma consequência da degeneração generalizada do epitélio, inclusive da região dos microcílios afetando o canal auditivo externo, mas sem redução concomitante na velocidade de produção de cera. Outras causas de perda condutiva frequentemente têm a ver com o funcionamento da orelha média.

Em comparação com outras categorias de pacientes, pouca atenção tem sido dada aos componentes condutivos da orelha média em pacientes idosos. As controvérsias relativas ao funcionamento da orelha média aumentam com o avanço da idade. Embora alguns estudos tenham concluído que os mecanismos de condução da orelha média permanecem normais e funcionais, ou que podem não desempenhar um papel importante no comprometimento auditivo associado ao processo de envelhecimento,9 , 10 outros observaram algumas alterações nas características dinâmicas da orelha média que podem estar relacionadas ao envelhecimento.11 , 12 Isso pode ter resultado de diferentes tipos de instrumentos utilizados na avaliação das funções da orelha média. Como parte de nosso estudo sobre a epidemiologia para o comprometimento da audição entre pacientes idosos, realizamos audiometrias de tons puros e de impedância (timpanometria) com o objetivo de avaliar, respectivamente, as funções da orelha interna e da orelha média.13 A observação de alguns traçados timpanométricos anormais em alguns pacientes com audiogramas normais e de pacientes supostamente com perda auditiva puramente neurossensorial (PANS) estimularam nossos objetivos de pesquisa.

Esse estudo teve por objetivo avaliar a ocorrência de mudanças na impedância da orelha média que possam estar relacionadas ao processo de envelhecimento e verificar uma possível associação dessas mudanças com as da orelha interna nos idosos. Isso se justifica, porque a perda da audição tem influência na qualidade de vida dos idosos.

Método

Modelo do estudo

Este é um estudo prospectivo (transversal) comparativo de pacientes idosos tratados em ambulatórios especializados em otorrinolaringologia (ORL) durante um período de três anos.

Cenário/localização do estudo

Ambulatórios de ORL de um hospital de referência terciário e de um hospital privado/missionário. A comissão de Ética em Pesquisa na Saúde (CEPS) aprovou este estudo (número OOUTH/DA.326/T/197).

Critérios/técnica de amostragem

Os critérios de inclusão foram: pacientes idosos com 60 anos ou mais, sem doença clínica da orelha média, atendidos nos ambulatórios de ORL e recrutados consecutivamente para o presente estudo. Os pacientes foram informados da natureza geral do estudo e seu significado, assim como de suas necessidades, inclusive com a informação de que a recusa em participar no estudo não afetaria o tratamento. Os pacientes que deram seu consentimento foram incluídos no estudo. As categorias de pacientes excluídas foram: pacientes que não deram consentimento, história de secreção otológica recorrente e pacientes com perfurações na membrana timpânica. Aqueles com impactação por cerume foram tratados antes de dar prosseguimento ao protocolo, enquanto que pacientes sem investigações completas [ambas as formas de audiometria - audiometria de tons puros (ATP) e timpanometria], com audiogramas assimétricos, ou com evidência de perda auditiva condutiva ou mista em seus ATPs, foram subsequentemente excluídos.

Período de estudo

De janeiro de 2010 a junho de 2013.

Fontes de dados e procedimento/técnica de coleta

Os dados foram gerados mediante o uso de questionários administrados por entrevistadores, divididos em três seções. Na seção A foram abordados os aspectos sociodemográficos dos pacientes; a seção B continha perguntas relacionadas às condições clínicas dos mesmos, incluindo, entre outras, perguntas sobre a história de perda auditiva percebida, duração da deficiência auditiva e cirurgias otológicas contemporâneas ou precedentes.

A seção C consistiu de uma documentação dos achados do exame físico, especialmente a situação da membrana timpânica, e de registros dos perfis audiométricos dos pacientes, consistindo de ATPs, timpanometrias e reflexos acústicos.

Na realização da ATP, a avaliação da audição aérea e óssea foi feita em uma cabine de som de tipo comercial, utilizando um audiômetro diagnóstico Amplivox modelo 240, com fones de ouvido comuns envoltos em almofadas auditivas supra-aurais, e com um oscilador padrão de condução óssea e uma alça de cabeça, para avaliação de gaps aéreo-ósseos. A timpanometria foi realizada por reflectância de banda larga para a orelha média e medida com um sistema computadorizado calibrado comercial (Interacoustics, modelo MT 10.SN 156607) que incorporava uma sonda de alta qualidade para a transdução dos estímulos e para o registro das respostas acústicas provenientes do canal auditivo. Os limiares do reflexo acústico foram testados com reflexos contralaterais do estribo para frequências de 500, 1.000, 2.000 e 4.000 Hz. Consideramos como normais os limiares que se situavam entre 75 e 110 dB de PA.

Medida primária de desfecho: os pacientes foram divididos em diferentes categorias, com base nos achados da ATP, como normais ou com comprometimento auditivo-presbiacusia relacionados ao processo de envelhecimento. Os timpanogramas foram classificados de acordo com a tipologia de Jerger: A, As, Ad, B e C14; o tipo A foi considerado como normal, e qualquer outra configuração de timpanograma foi avaliada como anormal, enquanto que os reflexos acústicos foram classificados com base em sua presença ou ausência.

Análise dos dados

Empreendemos uma análise descritiva dos dados, aqui apresentada em forma de tabela e gráfico. Realizamos uma análise comparativa para detectar diferenças intergrupais entre os achados clínico-audiométricos e as diferentes medidas na orelha média, a saber, com timpanogramas e reflexos acústicos, por tabulação cruzada com tabelas de contingência. As variáveis categóricas foram apresentadas como percentagens e proporções, tendo sido analisadas com o uso do teste do Qui-quadrado, enquanto que as variáveis contínuas, descritas na forma de valores absolutos e médias, foram comparadas com o uso do teste t de Student. Estabelecemos como nível de significância estatística p < 0,05. A análise dos dados foi realizada com o programa SPSS, versão 19.0 (SPSS Inc., Chicago, IL).

Resultados

Participaram do estudo 103 pacientes idosos; 52,4% eram homens, (H:M = 1,1:1). As idades dos pacientes variaram entre 61 e 96 anos, com uma média de 70,0 ± 6,3 anos. As características sociodemográficas dos pacientes estão listadas na tabela 1. Mais de metade (59,2%) dos pacientes exibia evidência audiométrica de perda auditiva relacionada à idade (PARI), com a tipologia de Schuknecht representada na figura 1. Os achados de impedância, baseados nos traçados timpanométricos de acordo com a classificação de Jerger, revelaram que, na média, 60,7% dos participantes tinham timpanogramas normais (tipo A), com grande concordância entre as duas orelhas. Na média, os reflexos acústicos estavam presentes em 62,1% dos pacientes. Os detalhes do perfil audiométrico de impedância dos pacientes estão listados na tabela 2.

Tabela 1 Características sociodemográficas dos pacientes 

Variável n (%)
Faixa etária (anos)
61-65 27 (26,2)
66-70 35 (34,0)
71-75 25 (24,3)
76-80 10 (9,7)
≥81 6 (5,8)
Média±DP 70,0±6,3
Gênero
Homens 54 (52,4)
Mulheres 49 (47,6)
Estado civil
Casado 83 (80,6)
Outros [divorciado/viúvo(a)] 20 (19,4)
Nível educacional
Sem educação formal 3 (2,9)
Escola primária 21 (20,4)
Escola secundária 55 (53,4)
Superior 24 (23,3)
Grupo ocupacional
Não especializado 17 (16,5)
Semiespecializado 44 (42,7)
Profissional 42 (40,7)

Figura 1 Distribuição da ATP com base na tipologia de Schuknecht. 

Tabela 2 Achados audiométricos de impedância nos pacientes 

Variável Ouvido direito, n (%) Ouvido esquerdo, n (%) Média (%)
Timpanometria (tipo de Jerger)
A 60 (58,3) 65 (63,1) 62,5 (60,1)
B 6 (5,8) 7 (6,8) 6,5 (6,3)
C 14 (13,6) 9 (8,7) 11,5 (11,2)
AS 22 (21,4) 21 (20,4) 21,5 (20,9)
Ad 1 (1,0) 1 (1,0) 1 (1,0)
Reflexos acústicos
Presentes 65 (63,1) 63 (61,2) 64 (62,1)
Ausentes 38 (36,9) 40 (38,8) 39 (37,9)

Realizamos uma análise comparativa entre idade, gênero e achados da ATP dos pacientes, e os achados timpanométricos (tabela 3). Com base na faixa etária, os pacientes foram subdivididos em dois grupos: ≤ 70 e > 70 anos. Não houve diferenças estatisticamente significantes nos timpanogramas no que diz respeito à idade (t = 1,498, p = 0,137) e gênero (x2 = 1,837, p = 0,175) dos pacientes. Entretanto, foi observada diferença na comparação dos achados da ATP; um número significantemente maior de pacientes com PARI apresentou exames timpanométricos anormais. Isso também ficou óbvio quando consideramos os padrões anormais dos achados audiométricos que foram observados em pacientes com PARI. Também fizemos uma análise da ATP de pacientes com PARI, levando em consideração os graus de perda auditiva calculados como médias da audiometria de tons puros (ATPm) em dB de PA nas frequências baixas (0,25, 0,50 e 1,0 kHz) e altas (2,0, 4,0 e 8,0 kHz).

Tabela 3 Relação entre achados clínico-audiométricos e timpanográficos 

Achados clínico-audiométricos Achados timpanográficos
Normal Anormal Estatística Valor de p
Idade (média) 69,2 71,1 1,498a 0,137
Gênero
Homens 46,6% 60,0% 1,837 0,175
Mulheres 53,4% 40,0% 1,837 0,175
PARI (todos os casos) 46,6% 75,6% 8,827 0,003
Tipo de Schuknecht em pacientes com PARI
A 19,0% 6,7% 14,252 0,001
B 3,4% 20,0% 13,542 0,001
C 15,5% 28,9% 8,012 0,018
D 8,6% 20,0% 6,641 0,036
ATPm na melhor orelha
Baixa fq. (0,25-1,0 kHz) 21,6 37,7 5,001a <0,001
Alta fq. (2,0-8,0 kHz) 38,2 54,6 3,833a <0,001
Acentuação de tons graves 11,1% 64,7% 17,872 <0,001
Preponderância de tons agudos 53,9% 29,4% 5,482 0,019

a Estatística: teste t de Student.

O cálculo da ATPm na melhor orelha na frequências baixas (0,25-1,0 kHz) revelou uma média de 28,7 dB de PA (DP = 18,0). Considerou-se o comprometimento mais acentuado das frequências baixas do audiograma (acentuação de tons graves) quando a ATPm apresentou pelo menos 40 dB de PA (classificação da OMS para perda moderada da audição). Nas altas (2,0-8,0 kHz) frequências, a análise da ATPm na melhor orelha resultou em uma média de 45,4 dB de PA (DP = 23,0). A estimativa das diferenças na ATPm entre os tons agudos e os graves nas melhores orelhas revelou uma média de 24,1 dB de PA (DP = 10,1); assim, utilizamos um valor de diferença ≥ 25 dB de PA como critério para preponderância de tons agudos do audiograma.

Comparamos a ATPm nas frequências baixas e altas na melhor orelha e também outros parâmetros, como o comprometimento mais acentuado dos tons graves e preponderância de comprometimento dos tons agudos, com os achados timpanográficos nos pacientes com PARI. Observamos que todos os parâmetros exibiam diferença estatisticamente significante para anormalidades timpanométricas, conforme demonstra a tabela 3.

Foi feita uma análise comparativa similar com os reflexos acústicos considerados como variável de desfecho. Analogamente aos achados timpanométricos, não foram observadas associações entre idade dos pacientes com reflexos acústicos ausentes (t = 0,970, p = 0,334) e o gênero dos pacientes (x2 = 0,363, p = 0,549) (tabela 4). Foram observadas diferenças estatisticamente significantes em pacientes com PARI, em pacientes com padrão audiométrico do tipo B de Schuknecht, nas ATPms e também em pacientes com acentuação dos tons graves nas ATPs.

Tabela 4 Relação entre achados clínico-audiométricos e reflexos acústicos 

Achados clínico-audiométricos Reflexo acústico
Normal Anormal Estatística Valor de p
Idade em anos (média) 69,5 70,8 0,970a 0,334
Gênero
Homens 54,8% 48,8% 0,363 0,549
Mulheres 45,2% 51,2% 0,363 0,549
PARI (todos os casos) 50,0% 73,2% 5,487 0,019
Tipo de Schuknecht
A 12,9% 14,6% 4,961 0,085
B 4,8% 19,5% 10,106 0,006
C 17,7% 26,8% 2,937 0,230
D 14,5% 12,2% 0,154 0,925
ATPm na melhor orelha
Baixa fq. (0,25-1,0 kHz) 24,1 35,9 3,326a 0,001
Alta fq. (2,0-8,0 kHz) 39,3 54,5 3,448a 0,001
Acentuação de tons graves 19,4% 63,3% 12,191 <0,001
Preponderância de tons agudos 48,4% 36,7% 0,856 0,355

a Estatística: teste t de Student.

Discussão

Este estudo revelou que pacientes idosos apresentavam algumas anomalias funcionais nas impedâncias e nos reflexos acústicos da orelha média. As anormalidades audiométricas de impedância foram significativamente mais expressivas em pacientes idosos com várias formas e graus de PARI, sendo mais pronunciadas nos tipos neural e estrial, e na acentuação das frequências baixas de PARI. Os reflexos estapedianos parecem ser menos influenciados pela PARI, em comparação com a timpanometria. Este pode ser um indicador mais confiável do funcionamento anormal da orelha média.

Ao longo dos anos, os pesquisadores que avaliam a audição e seu comprometimento entre pacientes idosos se concentraram desproporcionadamente na PARI, no que tange ao aspecto neurossensorial da audição, com aparente negligência do componente condutivo. Mas os achados do presente estudo revelaram que, na média, 39,3% dos nossos pacientes exibiam anormalidades em seus traçados timpanométricos, e uma média de 37,9% exibia ausência de reflexos acústicos. Não se pode afirmar conclusivamente se essas anormalidades da orelha média foram decorrentes do processo de envelhecimento ou se foram achados meramente coincidentes. Mas Nondahl et al. 15 observaram pequeno grau de enrijecimento da orelha média, ocorrente ao longo dos anos entre idosos. Um estudo experimental também observou alterações estruturais na orelha média de camundongos atribuídas ao envelhecimento.16

Não foi notada diferença significante entre as idades dos pacientes idosos com timpanogramas normais ou anormais, e também entre participantes com e sem reflexos acústicos. Gaihede e Koefoed-Nielsen17compararam a complacência e a pressão na orelha média, medidas pela timpanometria, entre idosos normais (média de idade de 77 anos) e pacientes normais mais jovens (média de idade de 29 anos), tendo constatado que a complacência na orelha média não foi influenciada pela variação na idade. Da mesma forma, não foi observada qualquer associação entre o gênero dos pacientes e a mecânica da orelha média - de maneira análoga aos achados da investigação Blue Mountains Hearing Study na Austrália.18 Estes achados estão em desacordo com estudo relacionado à presbiacusia, que informou uma associação significativa com o avanço da idade e também com o gênero masculino.19

No presente estudo, a prevalência de anomalias observadas nos mecanismos da orelha média foi comparável à prevalência informada de PARI em outros estudos.20 , 21 Esse achado pode sugerir um efeito simultâneo ou concorrente, tanto na orelha interna como na orelha média. Os achados timpanométricos anormais observados em nossos pacientes revelaram que o timpanograma do tipo As de Jerger foi o mais comum entre os pacientes, de maneira parecida com os achados obtidos entre indivíduos centenários na China,20 fornecendo evidências de aumento da rigidez (redução da complacência) dos mecanismos de condução.15 Em seguida, observamos um timpanograma do tipo C sugestivo de disfunção da trompa de Eustáquio. Diante disso, foi proposta uma hipótese - que as anomalias funcionais comuns da orelha média podem ser atribuíveis a qualquer dessas duas situações clínicas. Em alguns casos, as anomalias ocorrem na membrana timpânica e na cadeia ossicular, resultando em significativo comprometimento funcional da orelha média.16 Há evidência de que, com o avanço da idade, a membrana timpânica humana exibe uma perda da vascularização, redução na estrutura colagenosa e na elasticidade e maior rigidez na camada fibrosa intermediária.22 Seria de se esperar que essas mudanças estruturais alterassem a resposta de complacência da orelha média. Além disso, uma antiga investigação dos limiares de condução aérea e óssea demonstrou perdas na orelha média de até 12 dB em pacientes idosos.23

Também deve ser levada em consideração a possibilidade de que uma PARI inicie ou agrave as anormalidades nas características de impedância da orelha média. O padrão audiométrico dos pacientes com PARI examinados no presente estudo demonstrou preponderância do tipo C de Schuknecht, como ocorreu em outra população africana,24 diferentemente do audiograma de tons puros tipicamente inclinado, que é comum entre indivíduos da raça branca.25 A observação de que todos os padrões audiométricos de Schuknecht em pacientes com PARI estavam associados a anormalidades timpanométricas sugeriu uma ligação em pacientes idosos, em algum ponto na etiopatogênese dessas duas entidades. Espera-se que indivíduos com timpanogramas anormais devam se manifestar com perda auditiva do tipo condutivo. Entretanto, o achado desses padrões timpanométricos também em pacientes com audição normal e com perda auditiva neurossensorial (PANS) deve servir de estímulo para a realização de novas pesquisas abordando mecanismos de impedância na orelha média.

Através dos padrões descritos por Schuknecht em pacientes com PARI, dois tipos específicos de audiogramas (B e C) teoricamente exibiram maior comprometimento das frequências baixas. Nesse estudo, estes dois tipos audiométricos representaram mais da metade (33/61 = 54,1%) dos tipos audiométricos em pacientes com PARI. Portanto, a associação da acentuação de tons graves nos audiogramas com timpanogramas anormais pode ser decorrente de uma distribuição desproporcionada desses dois padrões audiométricos em nossos pacientes com PARI. Foi observado que a complacência da trompa de Eustáquio muda com a idade,26 mas ainda está por ser confirmado se essa alteração é mais influenciada pelo tipo de presbiacusia neural ou estrial. Contrariamente aos relatos de Feeney e Sanford,9 nossos achados sugerem um aumento na rigidez da orelha média diante de tipos específicos de PARI. Portanto, essas alterações da impedância na orelha média podem ser particularmente comuns na população africana, e merecem mais esclarecimentos.

É digna de nota a existência de achados discordantes em algumas das medidas na orelha média entre as orelhas. Isso sugere que, apesar de as orelhas estarem sendo expostas a condições praticamente iguais, as influências e respostas podem não ser as mesmas. A possibilidade de fatores complicadores (p.ex., osteoartrite) que poderiam afetar desigualmente as articulações na cadeia ossicular também foi relatada em pacientes com PARI.13 , 24

Muitos especialistas consideram 2,0 kHz como o início da alta frequência, embora haja variação nessa definição.4 , 27 , 28 Em nosso estudo, a ATPm em altas frequências e a preponderância de tons agudos na PA estavam associadas com anormalidades nos achados timpanométricos. Wiley et al.29 informaram que, nas faixas etárias mais baixas (50-69 anos), as alterações limiares foram maiores para as frequências mais altas, enquanto que nas faixas etárias mais avançadas (70-89 anos) as alterações limiares foram maiores para as frequências mais baixas. Curiosamente, a distribuição etária de nossos pacientes está situada entre essas duas divisões. As causas de perda auditiva de altas frequências são muito variáveis,21 havendo a possibilidade de coexistência de algumas delas em parte de nossos pacientes. Assim, é possível que não tenhamos estudado pacientes apresentando exclusivamente PARI. Por outro lado, não é fácil identificar a perda auditiva em frequências baixas, visto que essa disfunção tende a ser assintomática. Com efeito, os sons de frequência mais baixa não transmitem tanta informação como aqueles nas frequências mais altas.30 Um dos poucos indícios para a perda auditiva de baixa frequência é quando a pessoa tem dificuldade de ouvir em grupos, ou em um local barulhento. Há relatos de que a inércia da orelha média não contribui de maneira importante para a percepção dos sons de condução óssea em frequências abaixo de 1,5 kHz, mas aparentemente contribui em frequências entre 1,5 e 3,5 kHz.30 No entanto, essa colocação talvez não se aplique aos sons da condução aérea.

A trajetória envolvida no reflexo acústico é complexa, podendo envolver a cadeia ossicular, a cóclea, o nervo auditivo, o tronco cerebral e o nervo facial, além de outros componentes. Foi demonstrado que a ausência do reflexo acústico detecta efetivamente perdas auditivas excedendo 30 dB em indivíduos adultos,31 embora esse dado possa não ser conclusivo para a identificação da origem do problema.32 Como ocorre nas medidas de impedância, em nosso estudo, os parâmetros relacionados à PARI, nomeadamente o audiograma do tipo B de Schuknecht, a ATPm e a acentuação dos tons graves, estavam significativamente associados com a ausência de reflexos acústicos. Contudo, aparentemente a ausência do reflexo acústico foi menos influenciada pelos parâmetros relacionados à PARI, e possivelmente este é um parâmetro mais confiável para a avaliação do efeito da PARI no funcionamento da orelha média.

Nosso estudo tem algumas limitações perceptíveis, como, por exemplo, a sensibilidade mais baixa do timpanômetro convencional para a avaliação da função da orelha média, em comparação com o frequencímetro de varredura da orelha média, e o fato de não ter sido determinada a magnitude dos reflexos acústicos. Ademais, a natureza do estudo (realizado em um hospital) tende a viés, pois nossos pacientes possivelmente não representam uma população normal de idosos. Apesar dessas limitações, este se revelou capaz de indicar que o funcionamento da orelha média de pacientes idosos pode não ser completamente normal.

Conclusão

Foram observadas algumas anormalidades nas medidas audiométricas de impedância de pacientes idosos, significativamente associadas com parâmetros relacionados à PARI. Esse achado levantou a suspeita de presença de algumas alterações da orelha média que podem ser atribuíveis ao processo de envelhecimento. É imperativo que pacientes idosos com comprometimento auditivo passem por uma avaliação das orelhas interna e média, para que possam ser tratados mais apropriadamente. São necessários estudos longitudinais com base na comunidade para que esses achados sejam clarificados.

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