versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.16 no.1 São Paulo 2018 Epub 07-Maio-2018
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082018ao4132
O aperfeiçoamento de técnicas diagnósticas, e a evolução e modernização de tratamentos na área de oncologia contribuem para maior sobrevida dos pacientes. Por isto, é necessário entender a qualidade de vida destes indivíduos.(1,2) Na prática clínica, os resultados desta investigação podem ser relevantes para orientar médicos e equipes interdisciplinares na tomada de decisões, por meio da implementação de protocolos de tratamento.
Realizar uma estimativa de qualidade de vida é um desafio. Pode-se medi-la por meio de várias dimensões, como saúde, capacidade funcional, sintomas, bem-estar psicossocial e satisfação de vida.(3) Para minimizar o viés e/ou a dificuldade de interpretar os resultados desta estimativa, diferentes teorias e instrumentos foram desenvolvidos para abordar o conceito de qualidade de vida. Cada um deles concentra-se em diferentes aspectos inerentes a este construto.
Especificamente para pacientes com câncer, o foco de alguns estudos foi em aspectos relacionados a saúde, doença e tratamento.(3,4) Um dos instrumentos mais usados nesta investigação é o European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire Core 30 (EORTC QLQ-C30), criado a partir de uma iniciativa do Grupo Qualidade de Vida da EORTC.(5) Atualmente em sua terceira versão, o EORTC QLQ-C30 foi originalmente desenvolvido na Bélgica e está disponível em diversas outras versões específicas para cada país, incluindo Estados Unidos,(6) Turquia,(7) Alemanha,(8) Cingapura,(9) Tailândia,(10) Espanha,(11) China,(12) Indonésia,(13) México,(14) Líbano,(15) Brasil(16) e Marrocos.(17)
Tal instrumento é composto por 30 itens divididos em cinco escalas funcionais (desempenho físico e funcional, função cognitiva, emocional e social), três escalas de sintomas (fadiga, dor e náusea e vômitos), uma escala que avalia a qualidade de vida em geral, cinco termos únicos (dispneia, distúrbio de sono, perda de apetite, constipação e diarreia) e um item isolado que avalia o impacto financeiro.(5) As respostas são dadas em uma escala do tipo Likert de 4 pontos, com exceção dos itens que avaliam a qualidade de vida em geral (itens 29 e 30), que utilizam a escala do tipo Likert de 7 pontos.
Atualmente, na literatura, existem sete propostas para modelos teóricos que podem ser usadas para interpretar o EORTC QLQ-C30. Estas propostas foram testadas por Gundy et al.,(18) em uma amostra obtida de uma base de dados com 48 países. A primeira proposta é baseada em um modelo padrão composto por nove fatores de primeira ordem e cinco termos únicos, agrupados em um fator chamado “espúrio”. A segunda e a terceira proposta estão alinhadas com modelos compostos por nove fatores de primeira ordem e dois fatores de segunda ordem (“saúde física” e “saúde mental”). A quarta proposta também inclui nove fatores de primeira ordem e dois fatores de segunda ordem, porém, os fatores de segunda ordem nesta proposta são chamados de “sintomas de carga” e “função”. Na quinta proposta, estes dois fatores de segunda ordem são combinados em um único fator, chamado “qualidade de vida relacionada à saúde”. Esses cinco modelos são reflexivos e oblíquos. As últimas duas propostas são modelos formativos (causais) – um deles com análise de caminhos e outro sem. Os autores concluíram que todas as propostas tinham validade adequada para a amostra, mas afirmaram que os modelos formativos eram ligeiramente inferiores aos outros modelos.
Apesar do uso extenso do EORTC QLQ-C30 em estudos no mundo todo e da existência de propostas de modelos teóricos para o questionário, não foram encontrados, na literatura, estudos em amostras brasileiras que avaliassem as propriedades psciométricas do questionário, ou que testassem todos os sete modelos teóricos apresentados.
Avaliar as propriedades psicométricas dos modelos teóricos propostos na literatura para o EORTC QLQ-C30 quando aplicados a uma amostra de pacientes brasileiros com câncer.
Foi utilizado um estudo transversal com amostragem não probabilística. Foram convidados a participar 1.099 pacientes com câncer em tratamento no Hospital de Câncer de Barretos, no Estado de São Paulo.
O tamanho mínimo da amostra foi calculado com base nas recomendações de Hair Jr. et al.,(19) que sugeriram a necessidade de cinco a dez indivíduos para cada parâmetro do modelo. Nas propostas teóricas do EORTC QLQ-C30 apresentadas por Gundy et al.,(18) o número máximo de parâmetros foi de 41. Assim, o tamanho mínimo da amostra seria entre 205 e 410 indivíduos. Considerando-se que a estabilidade do instrumento para amostras independentes também foi testada neste estudo, foi necessário o uso de uma segunda amostra do mesmo tamanho. Devido à falta de estudos brasileiros que avaliassem as qualidades psicométricas do EORTC QLQ-C30 em populações de pacientes brasileiros com câncer, decidiu-se usar uma amostra grande o suficiente para apreender a variabilidade da população.(20)
Os critérios de exclusão adotados foram pacientes submetidos a cirurgias de médio e grande porte, pacientes com deficits cognitivos, pacientes sob cuidados paliativos, pacientes com distúrbios psiquiátricos graves e pacientes com menos de 18 anos.
Para caracterizar a amostra, dados clínicos e demográficos sobre os pacientes foram coletados. As características demográficas incluíram sexo, idade, classe socioeconômica e grau de escolaridade do chefe da família. A idade foi medida em anos completos, e a classe socioeconômica e o nível de escolaridade foram classificados de acordo com o Critério de Classificação Econômica Brasil.(21) As informações clínicas consideradas no ambulatório foram presença de um diagnóstico definido (sim/não), tempo desde o diagnóstico (em meses), tipo de câncer (classificado por área e com base na localização do tumor), estágio da doença (radioterapia, quimioterapia associada à radioterapia, terapia hormonal ou imunoterapia) e presença de metástase (sim/não).
É importante notar que nem todos os pacientes responderam todas as perguntas do questionário demográfico, e que algumas informações clínicas não foram encontradas nos prontuários.
O impacto do câncer e de seu tratamento na qualidade de vida foi estimado por meio da terceira versão do EORTC QLQ-C30, proposta pela EORTC.(5) Para a coleta de dados, foi utilizada a versão original em português do EORTC QLQ-C30, apresentada pela EORTC.
Os pacientes foram recrutados na sala de espera do centro ambulatorial (97,0%) e na ala de internação clínica (3,0%) do hospital. Os dados foram coletados entre 2013 e 2014 por meio de entrevistas pessoais, realizadas no centro ambulatorial do Hospital de Câncer de Barretos, por um entrevistador que foi adequadamente treinado durante estudo piloto.
A validade de construto do EORTC QLQ-C30 foi analisada por meio das validades fatorial, convergente e discriminante.
Neste estudo, foram avaliados sete modelos (modelo a – Ma, modelo b – Mb, modelo c – Mc, modelo d – Md, modelo e – Me, modelo f – Mf e modelo g – Mg) propostos para o EORTC QLQ-C30(18) (Tabela 1). Todos os modelos foram testados para a amostra do estudo por análise fatorial confirmatória (AFC), utilizando--se a matriz de correlações policóricas e o método de estimação de mínimos quadrados ponderados robustos (WLSMV - weighed least squares mean and variance adjusted), implementado no progama MPLUS 7.2 (Muthén & Muthén, Los Angeles, CA, EUA). A razão entre o χ2 e os graus de liberdade (gl) foi usada como índice para avaliar a qualidade de ajuste do modelo (χ2/gl). Utilizaram-se também os índices comparative fit index (CFI), goodness of fit index (GFI), Tucker Lewis index (TLI) e root mean square error of approximation (RMSEA) com intervalo de confiança de 90%.(22) O ajuste do modelo foi considerado adequado quando χ2/gl ≤2,0, GFI e TLI ≥0,90, e RMSEA ≤0,10.(22) Os valores de RMSEA foram usados para comparar os modelos; aqueles com os valores mais baixos foram classificados como os melhores.(23)
Tabela 1 Modelos completos avaliados do European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire Core 30 (EORTC QLQ-C30)
Modelo | Fator de segunda ordem | Fator de primeira ordem | Itens | Fatores correlatos |
---|---|---|---|---|
a | - | Qualidade de vida | →29, 30 | Todos |
- | Desempenho físico | →1, 2, 3, 4, 5 | ||
- | Desempenho funcional | →6, 7 | ||
- | Função emocional | →21, 22, 23, 24 | ||
- | Função cognitiva | →20, 25 | ||
- | Função social | →26, 27 | ||
- | Fadiga | →10, 12, 18 | ||
- | Náusea e vômitos | →14, 15 | ||
- | Dor | →9, 19 | ||
- | Espúrio | →8, 11, 13, 16, 17 | ||
b | - | Qualidade de vida | →29, 30 | Qualidade de vida, saúde mental e saúde física |
Saúde física | →Desempenho físico | →1, 2, 3, 4, 5 | ||
→Náusea e vômitos | →14, 15 | |||
- | →11, 13, 16, 17 | |||
Saúde mental | →Função emocional | →21, 22, 23, 24 | ||
→Função cognitiva | →20, 25 | |||
Ambos os fatores (saúde mental e saúde física) | →Função social | →26, 27 | ||
→Fadiga | →10, 12, 18 | |||
→Desempenho funcional | →6, 7 | |||
→Dor | →9, 19 | |||
- | →8 | |||
b adaptado | - | Qualidade de vida | →29, 30 | Qualidade de vida, saúde mental e saúde física |
Saúde física | →Desempenho físico | →1, 2, 3, 4, 5 | ||
→Náusea e vômitos | →14, 15 | |||
→Desempenho funcional | →6, 7 | |||
→Fadiga | →10, 12, 18 | |||
→Dor | →9, 19 | |||
- | →8, 11, 13, 16, 17 | |||
Saúde mental | →Função emocional | →21, 22, 23, 24 | ||
→Função cognitiva | →20, 25 | |||
→Função social | →26, 27 | |||
→Dor | →9, 19 | |||
- | →8 | |||
c | - | Qualidade de vida | →29, 30 | Qualidade de vida, função mental e carga física |
Carga física | →Desempenho físico | →1, 2, 3, 4, 5 | ||
→Fadiga | →10, 12, 18 | |||
→Náusea e vômitos | →14, 15 | |||
→Dor | →9, 19 | |||
- | →8, 11, 13, 16, 17 | |||
Função mental | →Função emocional | →21, 22, 23, 24 | ||
→Função cognitiva | →20, 25 | |||
Ambos os fatores (função mental e carga física) | →Desempenho funcional | →6, 7 | ||
→Função social | →26, 27 | |||
c adaptado | - | Qualidade de vida | →29, 30 | Qualidade de vida, função mental e carga física |
Carga física | →Desempenho físico | →1, 2, 3, 4, 5 | ||
→Fadiga | →10, 12, 18 | |||
→Náusea e vômitos | →14, 15 | |||
→Dor | →9,19 | |||
- | →8, 11, 13, 16, 17 | |||
→Desempenho funcional | →6, 7 | |||
Função mental | →Função emocional | →21, 22, 23, 24 | ||
→Função cognitiva | →20, 25 | |||
→Função social | →26, 27 | |||
d | - | Qualidade de vida | →29, 30 | Qualidade de vida, função e carga |
Função | →Desempenho físico | →1, 2, 3, 4, 5 | ||
→Desempenho funcional | →6, 7 | |||
→Função emocional | →21, 22, 23, 24 | |||
→Função cognitiva | →20, 25 | |||
→Função social | →26, 27 | |||
Carga | →Fatigue | →10, 12, 18 | ||
→Náusea e vômitos | →14, 15 | |||
→Dor | →9, 19 | |||
- | →8, 11, 13, 16, 17 | |||
e | - | Qualidade de vida | →29, 30 | Qualidade de vida e qualidade de vida relacionada à saúde |
Qualidade de vida relacionada à saúde | →Desempenho físico | →1, 2, 3, 4, 5 | ||
→Desempenho funcional | →6, 7 | |||
→Função emocional | →21, 22, 23, 24 | |||
→Função cognitiva | →20, 25 | |||
→Função social | →26, 27 | |||
→Fadiga | →10, 12, 18 | |||
→Náusea e vômitos | →14, 15 | |||
→Dor | →9, 19 | |||
- | →8, 11, 13, 16, 17 | |||
f* e g† | Qualidade de vida | →29, 30 | Nenhum | |
Função | →Desempenho físico | →1, 2, 3, 4, 5 | ||
→Desempenho funcional | →6, 7 | |||
→Função emocional | →21, 22, 23, 24 | |||
→Função cognitiva | →20, 25 | |||
→Função social | →26, 27 | |||
Carga | ←Fadiga | →10, 12, 18 | ||
←Náusea e vômitos | →14, 15 | |||
←Dor | →9, 19 | |||
- | ←8, 11, 13, 16, 17 | |||
→Qualidade de vida, função | - |
*fatores formativos de primeira ordem com pesos estimados de forma livre;
†fatores formativos de primeira ordem com pesos fixos. As setas referem-se a direção das trajetórias que devem ser utilizadas para a confecção do modelo.
Os itens que apresentaram pesos de fatores (λ) <0,40 foram removidos dos modelos, bem como aqueles verificados como redundantes pelos índices de modificação estimados pelo método dos multiplicadores de Lagrange (LM >11; p<0,001). Índices de modificação também foram usados para identificar correlações entre erros de itens.(22)
Para avaliar a validade convergente do EORTC QLQ-C30, calculou-se a variância extraída média (VEM).(24) Valores de VEM ≥0,50 foram considerados adequados.(22)
A validade discriminante foi estimada utilizando-se a análise correlacional entre os fatores, e foram considerados valores adequados quando VEMi e VEMj ≥rij2 (quadrado da correlação entre os fatores).(22,24)
A confiabilidade foi estimada por meio da confiabilidade composta (CC)(24) e do coeficiente α de Cronbach.(25) Os valores de CC e α ≥0,70 foram considerados adequados.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital de Câncer de Barretos no Estado de São Paulo (n.º 561/2011). Foram incluídos no estudo apenas pacientes que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O estudo incluiu 1.020 pacientes (taxa de resposta de 92,8%) com diagnóstico confirmado de neoplasia. A maioria era de mulheres (n=633), pertencia à classe socioeconômica C (renda familiar mensal estimada entre R$1.147,00 e R$1.685,00; 47,1%) e foi entrevistada no ambulatório (96,9%). A média de idade dos participantes foi 53,3 ±13,0 anos. Em relação aos tipos de neoplasia os pacientes apresentaram câncer de mama (31,2%), do trato digestório inferior (20,0%), ginecológico (11,1%), do trato digestório superior (9,6%), da cabeça e pescoço (7,4%), urológico (7,4%) e outros (13,3%). A maioria dos pacientes apresentava doença no estágio III (38,5%) e sem a presença de metástase (61,8%). O número de pacientes em estágios I e II correspondeu a 34,0% dos participantes. O tratamento mais prevalente foi quimioterapia (64,0%), seguido de radioterapia (17%) e quimioterapia associada à radioterapia (15%).
As informações sobre a AFC dos diferentes modelos do EORTC QLQ-C30 estão apresentadas na tabela 2. É importante notar que, quando as estruturas fatoriais propostas para o EORTC QLQ-C30 foram analisadas, Mb e Mc, apresentados por Gundy et al.,(18) não se mostravam adequados à amostra. Para que tais modelos fossem ajustados, foi necessário remover algumas trajetórias compartilhadas. Estes modelos foram chamados de “adaptados”. Tal adaptação foi realizada pelos pesquisadores, com base na aproximação teórica do conteúdo dos fatores de primeira ordem e/ou dos itens com o fatores de segunda ordem.
Tabela 2 Indicadores para avaliação das propriedades psicométricas dos modelos fatoriais do European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire Core 30 (EORTC QLQ-C30)
Modelo | AFC | e | VEM | CC | α | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
λ | β (p<0,001) | χ2/gl | CFI | TLI | RMSEA (IC90%) | r2 | |||||
a completo* | 0,22-1,00 | - | 3,07 | 0,97 | 0,96 | 0,045 (0,042-0,049) | 0,05-0,83 | - | 0,21-0,88 | 0,54-0,94 | 0,40-0,84 |
a refinado† | 0,45-1,00 | - | 3,59 | 0,97 | 0,96 | 0,051 (0,047-0,054) | 0,05-0,83 | 16, 17 | 0,30-0,88 | 0,56-0,94 | 0,39-0,84 |
a refinado† (sem fator espúrio) | 0,53-1,00 | - | 3,99 | 0,97 | 0,96 | 0,055 (0,051-0,058) | 0,05-0,83 | - | 0,55-0,88 | 0,66-0,94 | 0,40-0,84 |
b adaptado‡ | 0,23-1,00 | 0,39-0,96 | 5,76 | 0,92 | 0,91 | 0,069 (0,066-0,072) | 0,29-0,63 | - | 0,23-0,88 | 0,57-0,94 | 0,40-0,84 |
b adaptado‡ refinado† | 0,48-1,00 | 0,39-0,97 | 6,60 | 0,92 | 0,91 | 0,075 (0,072-0,078) | 0,29-0,63 | 16, 17 | 0,32-0,88 | 0,58-0,94 | 0,40-0,84 |
c adaptado‡ | 0,22-1,00 | 0,59-0,95 | 3,54 | 0,96 | 0,95 | 0,050 (0,047-0,053) | 0,32-0,65 | - | 0,25-0,88 | 0,59-0,94 | 0,40-0,84 |
c adaptado‡ refinado† | 0,47-1,00 | 0,59-0,95 | 4,01 | 0,95 | 0,95 | 0,055 (0,052-0,058) | 0,32-0,64 | 16, 17 | 0,36-0,88 | 0,62-0,93 | 0,30-0,84 |
d | 0,23-0,99 | 0,57-0,98 | 3,99 | 0,95 | 0,95 | 0,055 (0,052-0,058) | 0,30-0,83 | - | 0,27-0,87 | 0,62-0,93 | 0,40-0,84 |
d refinado† | 0,48-0,99 | 0,58-0,99 | 4,54 | 0,95 | 0,94 | 0,059 (0,056-0,062) | 0,29-0,83 | 16, 17 | 0,39-0,87 | 0,65-0,93 | 0,30-0,84 |
e | 0,22-0,99 | 0,57-0,94 | 3,99 | 0,95 | 0,94 | 0,055 (0,052-0,057) | 0,38 | - | 0,24-0,87 | 0,58-0,93 | 0,40-0,84 |
e refinado† | 0,47-1,00 | 0,57-0,94 | 4,53 | 0,95 | 0,94 | 0,059 (0,056-0,062) | 0,38 | 16, 17 | 0,35-0,88 | 0,61-0,94 | 0,30-0,84 |
f | 0,54-1,00 | 0,20-1,00 | 3,73 | 0,96 | 0,95 | 0,052 (0,049-0,055) | - | - | 0,18-0,88 | 0,49-0,88 | 0,40-0,84 |
g | 0,54-1,00 | 0,20-1,00 | 3,74 | 0,96 | 0,95 | 0,052 (0,049-0,055) | - | - | 0,19-0,88 | 0,51-0,93 | 0,40-0,84 |
*original;
†ajustado;
‡modelo adaptado pelos autores.
AFC: análise fatorial confirmatória: λ: peso fatorial; χ2/gl: razão de χ2 por graus de liberdade; CFI: Comparative Fit Index; TLI: Tucker Lewis index; RMSEA: Root Mean Square Error of Approximation; r2: quadrado da correlação entre os fatores; e: itens excluídos; VEM: variância extraída média; CC: confiabilidade composta; α: coeficiente alfa de Cronbach.
Para Ma, Mb, Mc, Md e Me, os itens 16 e 17 apresentaram pesos fatoriais inadequados e foram excluídos. Mf e Mg apresentaram ajuste adequado sem alterações. Após refinamento, os sete modelos fatoriais testados apresentaram ajuste apropriado para os dados. Comparativamente, o Mb apresentou valores mais altos de RMSEA. As validades convergente e discriminante mostraram-se comprometidas em todos os modelos para os itens isolados relacionados a sintomas, e para os fatores das funções física e cognitiva. Os valores encontrados na CC e na consistência interna mostraram que os modelos para itens isolados relacionados a sintomas e para o fator de função cognitiva não apresentaram confiabilidade adequada.
O objetivo deste estudo foi estimar, pela primeira vez na literatura, as propriedades psicométricas dos sete modelos fatoriais propostos para o EORTC QLQ-C30, quando aplicados em uma amostra de pacientes brasileiros com câncer. Os resultados mostram que todos os modelos propostos apresentaram validade fatorial satisfatória para a amostra. Esses achados são consistentes com aqueles relatados por Gundy et al.(18) Porém, para os dados apresentados por estes autores, o Mb foi considerado o mais indicado. Já em nosso estudo, embora tal modelo tenha apresentado ajuste adequado para os dados, em comparação a outros modelos (por exemplo, valores de RMSEA), ele não parece ser o ideal. Considerando-se a adequação dos modelos aos dados, sugerimos que a escolha do modelo a ser usado no contexto clínico e/ou rastreamento seja feita com base no objetivo da investigação. Desta forma, tal escolha será centrada na teoria de base para elaboração de cada modelo, já que, estatisticamente, todas as propostas apresentaram validade fatorial adequada.
Entre as limitações encontradas nas propriedades psicométricas do EORTC QLQ-C30, destacamos os altos valores de χ2 observados na AFC, e a baixa validade convergente e discriminante dos fatores bem como a baixa confiabilidade dos mesmos. Os valores de χ2 mostraram-se elevados provavelmente devido à alta sensibilidade deste índice ao tamanho da amostra,(26) e, portanto, tal aspecto não caracteriza uma limitação para a validade fatorial dos modelos. Com relação à validade convergente e discriminante dos itens isolados, isto pode ter ocorrido devido à abordagem teórica entre seus conteúdos e de outros fatores do instrumento. Em contraste, a baixa confiabilidade observada pode ser reflexo do número reduzido de itens por fator, bem como do agrupamento de itens com baixo peso fatorial no mesmo fator. Este aspecto não pode ser considerado uma limitação do EORTC QLQ-C30, sendo apenas um sinal de alerta para seu uso em amostras com características similares às do presente estudo, já que ele não pode ser reproduzido em amostras com características e/ou contextos diferentes.
Os itens 16 e 17 precisaram ser removidos para que os modelos reflexivos apresentassem ajuste adequado aos dados (Ma, Mb, Mc, Md e Me). Tais itens se referem aos sintomas gastrintestinais (constipação e diarreia), e sua inadequação pode ser atribuída às características da amostra do estudo – pacientes oncológicos ambulatoriais. Tais sintomas, nesses pacientes, podem ser menos significativos do que outros, em relação ao impacto da doença e do tratamento na qualidade de vida.
Uma limitação deste estudo foi a amostragem de conveniência, que resultou em dados de pacientes com câncer com características clínicas específicas (por exemplo: cuidados ambulatoriais, com câncer de mama e trato digestório inferior, não metastáticos, tratados com quimioterapia), dificultando a generalização das evidências apresentadas para a população de pacientes com câncer. Tentamos minimizar esta limitação, usando um tamanho de amostra alargado. Acreditamos, porém, que, apesar desta limitação, este estudo apresentou evidências da validade e confiabilidade de diferentes modelos teóricos do EORTC QLQ-C30 para uma amostra brasileira.
Estas evidências podem ser importantes na avaliação da qualidade de vida de pacientes com câncer em contextos clínicos e epidemiológicos, não apenas com relação à escolha do instrumento de medição, mas também com relação ao modelo a ser utilizado e à sua operacionalização.
Todos os modelos teóricos apresentados na literatura para o EORTC QLQ-C30 apresentaram validade fatorial satisfatória quando aplicados em pacientes brasileiros com câncer. As validades convergente e discriminante e a confiabilidade estiveram comprometidas para o fator de função cognitiva e para itens isolados referentes a sintomas.