versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.107 no.1 São Paulo jul. 2016 Epub 27-Jun-2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160092
As doenças cerebrovasculares e hipertensivas estão entre as principais causas de óbito no mundo. Porém, existem poucos dados sobre o comportamento destas doenças ao longo dos anos.
Avaliar a evolução temporal das taxas de mortalidade e mortalidade proporcional por doenças cerebrovasculares e hipertensivas, de acordo com sexo e idade, no Brasil entre 1980 e 2012.
Foram avaliadas as causas básicas de óbito, entre 1980 e 2012, em ambos os sexos e por grupos etários, para as doenças do aparelho circulatório (DAC), doenças cerebrovasculares (DCBV) e doenças hipertensivas (DHIP). Foram também avaliadas todas as causas (TC), causas externas (CE) e causas mal definidas (CMD) de óbito. Dados sobre óbitos e população foram obtidos do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Foram estimadas as taxas anuais brutas e padronizadas de mortalidade por 100.000 habitantes e os percentuais dos coeficientes de mortalidade proporcional.
Com exceção das CE, nas demais ocorreu elevação das taxas de mortalidade por 100 mil habitantes com o avanço da idade. Nas DAC, DCBV e DHIP, a mortalidade proporcional cresceu até a faixa dos 60-69 anos nos homens, e até 70-79 anos nas mulheres, com posterior estabilização em ambos os sexos. As taxas padronizadas de DAC e DCBV em ambos os sexos declinaram. Entretanto, as taxas de DHIP apresentaram comportamento oposto e aumentaram discretamente no período estudado.
Apesar do declínio nas taxas de mortalidade padronizadas para as DAC e DCBV, houve crescimento dos óbitos por DHIP, o que pode estar relacionado a fatores ligados ao preenchimento das declarações de óbito, declínio das taxas de CMD e aumento na prevalência de hipertensão.
Palavras-chave: Doenças Cardiovasculares / mortalidade; Hipertensão / mortalidade; Epidemiologia; Mortalidade
Cerebrovascular and hypertensive diseases are among the main causes of death worldwide. However, there are limited data about the trends of these diseases over the years.
To evaluate the temporal trends in mortality rates and proportional mortality from cerebrovascular and hypertensive diseases according to sex and age in Brazil between 1980 and 2012.
We evaluated the underlying causes of death between 1980 and 2012 in both sexes and by age groups for circulatory diseases (CD), cerebrovascular diseases (CBVD), and hypertensive diseases (HD). We also evaluated death due to all causes (AC), external causes (EC), and ill-defined causes of death (IDCD). Data on deaths and population were obtained from the Department of Information Technology of the Unified Health System (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, DATASUS/MS). We estimated crude and standardized annual mortality rates per 100,000 inhabitants and percentages of proportional mortality rates.
With the exception of EC, the mortality rates per 100,000 inhabitants of all other diseases increased with age. The proportional mortality of CD, CBVD, and HD increased up to the age range of 60-69 years in men and 70-79 years in women, and reached a plateau in both sexes after that. The standardized rates of CD and CBVD declined in both sexes. However, the HD rates showed the opposite trend and increased mildly during the study period.
Despite the decline in standardized mortality rates due to CD and CBVD, there was an increase in deaths due to HD, which could be related to factors associated with the completion of the death certificates, decline in IDCD rates, and increase in the prevalence of hypertension.
Keywords: Cardiovascular Diseases / mortality; Hypertension / mortality; Epidemiology; Mortality
As doenças crônicas não transmissíveis são as principais causas de morte no mundo. Somente em 2010, foram responsáveis por quase 35 milhões de óbitos, 30% a mais do ocorrido em 1990.1 Dentre elas, as doenças isquêmicas do coração (DIC) e doenças cerebrovasculares (DCBV), principais representantes das doenças do aparelho circulatório (DAC), foram responsáveis em 2012 por 7,4 e 6,7 milhões de mortes, respectivamente.2 Este comportamento global se observa também no Brasil, onde de acordo com o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS),3 28,2% de todos os óbitos em 2012 tiveram sua causa básica classificada como devida a DAC (333.295). Desses óbitos por DAC, 31,1% ocorreram por DIC, 30,1% por DCBV e 13,6% por doenças hipertensivas (DHIP).
Entender o comportamento de uma doença a longo prazo é fundamental para aprimorar seu tratamento e reduzir o número de óbitos por ela causados. As tendências na mortalidade por DCBV foram avaliadas na Europa e em outras regiões do mundo.4,5 Porém, há poucas informações disponíveis no Brasil sobre a distribuição, comportamento e tendências de mortalidade das DCBV. Além disso, os dados publicados a respeito dessas doenças apenas apresentam a sua evolução em alguns estados6-8 ou se referem a intervalos de tempo inferiores a 10 anos.9
Estes dados são de tal importância que informações semelhantes permitiram um projeto intitulado Carga Global de Doença (Global Burden of Disease)10 avaliar o impacto das doenças não transmissíveis em vários países entre 1990 e 2013.10 Com estes dados, Roth et al.11 avaliaram a mortalidade por doenças cardiovasculares e concluíram que seus principais determinantes estavam relacionados ao crescimento e ao envelhecimento da população, com pouca relação com o produto interno bruto (PIB) per capita.
Desta forma, visto que há pouca divulgação de dados de âmbito nacional sobre o comportamento das DCBV e das DHIP em período mais longo a partir das informações disponíveis, este estudo pretendeu avaliar a evolução temporal das taxas de mortalidade e de mortalidade proporcional por estas doenças, de acordo com sexo e idade no Brasil, de 1980 a 2012.
Trata-se de um estudo ecológico e descritivo de séries históricas de registro de óbitos ocorridos no Brasil entre 1980 e 2012, em todas as faixas etárias e em ambos os sexos.
As informações sobre as causas básicas dos óbitos foram obtidas no site do DATASUS.3 Os bancos originais de declarações de óbito estão em formato DBC e foram convertidos para o formato XLS com o programa Tabwin.12 Os óbitos foram classificados de acordo com os seguintes grupos de causas: todas as causas (TC), causas externas (CE; capítulos XVII da CID-9 e XX da CID-10), causas mal definidas (CMD; capítulos XVI da CID-9 e XVIII da CID-10), DAC (capítulos VII da CID-9 e IX da CID-10), DCBV (códigos 430-438 da CID-9 e I60-I69 da CID-10) e DHIP (códigos 401-405 da CID-9 e I10-I15 da CID-10). Entre os anos de 1980 e 1995, foram utilizados códigos da CID-913 e de 1996 a 2012, códigos da CID-10.14
A idade foi estratificada nos seguintes grupos: até 29 anos, 30-39 anos, 40-49 anos, 50-59 anos, 60-69 anos, 70-79 anos e 80 anos ou mais. Foram criados três períodos de 10 anos: 1980 a 1989, 1990 a 1999 e 2000 a 2009, além de um período de 3 anos, de 2010 a 2012. Foram estimadas taxas anuais brutas e padronizadas de mortalidade por 100.000 habitantes pelo método direto,15 utilizando-se como padrão a distribuição etária da população brasileira de 1980 a 2012. Foram estimados ainda coeficientes de mortalidade proporcional, relatados em percentuais.
Os dados sobre a população foram obtidos no site do DATASUS,3 que apresenta distribuições etárias das populações recenseadas nos anos de 1980, 1991, 2000 e 2010. Foram obtidos também do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dados relativos à contagem populacional de 1996. As populações dos anos intercensitários foram estimadas pelo método de progressão aritmética em segmentos entre cada censo ou contagem para cada faixa etária.
Foram construídos gráficos cartesianos de taxas de mortalidade por grupos de causa básica de óbito segundo os períodos de tempo de acordo com sexo. Para análise de dados foi utilizado o programa Microsoft Excel®.16
As Tabelas 1 e 2 apresentam as taxas de mortalidade anual por 100.000 habitantes e a mortalidade proporcional registradas no Brasil entre 1980 e 2012.
Tabela 1 Taxas de mortalidade por grupos de causas selecionados e sexo, por 100 mil habitantes, e razões de taxas entre sexos, segundo grupos etários – Brasil de 1980 a 2012.
Causa | Todas as Causas | Causas Externas* | Causas Mal Definidas** | DAC*** | DCBV**** | DHIP***** | ||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Mort./100 mil | Razão | Mort./100 mil | Razão | Mort./100 mil | Razão | Mort./100 mil | Razão | Mort./100 mil | Razão | Mort./100 mil | Razão | |||||||
G. Etário | Masc | Fem | M/F | Masc | Fem | M/F | Masc | Fem | M/F | Masc | Fem | M/F | Masc | Fem | M/F | Masc | Fem | M/F |
Até 29 anos | 249,9 | 141,5 | 1,8 | 92,2 | 17,2 | 5,4 | 30,5 | 23,0 | 1,3 | 6,2 | 5,0 | 1,2 | 1,4 | 1,3 | 1,1 | 0,3 | 0,3 | 1,0 |
30 a 39 anos | 370,5 | 142,2 | 2,6 | 171,2 | 22,4 | 7,6 | 36,2 | 16,2 | 2,2 | 42,2 | 28,2 | 1,5 | 12,0 | 10,9 | 1,1 | 3,3 | 2,8 | 1,2 |
40 a 49 anos | 623,9 | 303,4 | 2,1 | 151,1 | 23,4 | 6,5 | 72,4 | 34,4 | 2,1 | 139,5 | 87,9 | 1,6 | 41,1 | 34,8 | 1,2 | 11,4 | 9,4 | 1,2 |
50 a 59 anos | 1224,2 | 660,7 | 1,9 | 138,1 | 25,8 | 5,4 | 142,4 | 72,4 | 2,0 | 388,4 | 221,3 | 1,8 | 114,6 | 78,1 | 1,5 | 32,4 | 24,3 | 1,3 |
60 a 69 anos | 2442,6 | 1458,2 | 1,7 | 131,3 | 34,4 | 3,8 | 297,8 | 169,6 | 1,8 | 895,6 | 546,7 | 1,6 | 276,4 | 177,1 | 1,6 | 73,2 | 58,3 | 1,3 |
70 a 79 anos | 5328,6 | 3674,4 | 1,5 | 163,9 | 69,6 | 2,4 | 773,2 | 504,2 | 1,5 | 2011,3 | 1473,2 | 1,4 | 677,9 | 496,6 | 1,4 | 164,6 | 149,9 | 1,1 |
80 anos e mais | 12222,1 | 10542,4 | 1,2 | 289,1 | 213,9 | 1,4 | 2182,9 | 1700,0 | 1,3 | 4401,2 | 4232,1 | 1,0 | 1479,6 | 1388,7 | 1,1 | 416,5 | 461,5 | 0,9 |
Bruta****** | 683,6 | 477,7 | 1,4 | 117,8 | 23,8 | 4,9 | 89,5 | 66,6 | 1,3 | 172,5 | 148,7 | 1,2 | 54,5 | 50,1 | 1,1 | 14,5 | 15,7 | 0,9 |
Padronizada******* | 724,4 | 447,4 | 1,6 | 118,7 | 23,3 | 5,1 | 96,0 | 62,1 | 1,5 | 188,0 | 136,2 | 1,4 | 59,6 | 46,0 | 1,3 | 15,8 | 14,3 | 1,1 |
*Causa externa: capítulo XVII da CID-9 e XX da CID-10;
**Causa mal definida: capítulo XVI da CID-9 e XVIII da CID-10;
***Doença do aparelho circulatório (DAC): capítulo VII da CID-9 e IX da CID-10;
****Doença cerebrovascular (DCBV): códigos 430‑438 da CID-9 e 160-169 da CID-10;
*****Doença hipertensiva (DHIP): códigos 401-405 da CID9 e I10-I15 da CID-10;
******Taxa total (todas as idades);
*******Taxa padronizada pelos grupos etários (padrão: população total do Brasil de 1980 a 2012)
Tabela 2 Percentuais de mortalidade proporcional por grupos de causas selecionados e sexo e razões entre sexos, segundo grupos etários – Brasil de 1980 a 2012.
Causa | Causas externas* | Causas Mal Definidas** | DAC*** | DCBV**** | DHIP***** | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Mort. Prop. (%) | Razão | Mort. Prop. (%) | Razão | Mort. Prop. (%) | Razão | Mort. Prop. (%) | Razão | Mort. Prop. (%) | Razão | ||||||
G. Etário | Masc | Fem | M/F | Masc | Fem | M/F | Masc | Fem | M/F | Masc | Fem | M/F | Masc | Fem | M/F |
Até 29 anos | 36,9 | 12,2 | 3,0 | 12,2 | 16,3 | 0,7 | 2,5 | 3,6 | 0,7 | 0,6 | 0,9 | 0,6 | 0,1 | 0,2 | 0,6 |
30 a 39 anos | 46,2 | 15,8 | 2,9 | 9,8 | 11,4 | 0,9 | 11,4 | 19,8 | 0,6 | 3,2 | 7,7 | 0,4 | 0,9 | 2,0 | 0,5 |
40 a 49 anos | 24,2 | 7,7 | 3,1 | 11,6 | 11,3 | 1,0 | 22,4 | 29,0 | 0,8 | 6,6 | 11,5 | 0,6 | 1,8 | 3,1 | 0,6 |
50 a 59 anos | 11,3 | 3,9 | 2,9 | 11,6 | 11,0 | 1,1 | 31,7 | 33,5 | 0,9 | 9,4 | 11,8 | 0,8 | 2,6 | 3,7 | 0,7 |
60 a 69 anos | 5,4 | 2,4 | 2,3 | 12,2 | 11,6 | 1,0 | 36,7 | 37,5 | 1,0 | 11,3 | 12,1 | 0,9 | 3,0 | 4,0 | 0,7 |
70 a 79 anos | 3,1 | 1,9 | 1,6 | 14,5 | 13,8 | 1,0 | 37,7 | 40,4 | 0,9 | 12,7 | 13,6 | 0,9 | 3,1 | 4,1 | 0,8 |
80 anos e mais | 2,4 | 2,0 | 1,2 | 17,9 | 16,1 | 1,1 | 36,0 | 40,1 | 0,9 | 12,1 | 13,2 | 0,9 | 3,4 | 4,4 | 0,8 |
Bruta****** | 17,2 | 5,0 | 3,5 | 13,1 | 13,9 | 0,9 | 25,2 | 31,1 | 0,8 | 8,0 | 10,5 | 0,8 | 2,1 | 3,3 | 0,6 |
Padronizada******* | 16,4 | 5,2 | 3,1 | 13,3 | 13,9 | 1,0 | 26,0 | 30,4 | 0,9 | 8,2 | 10,3 | 0,8 | 2,2 | 3,2 | 0,7 |
*Causa externa: capítulo XVII da CID-9 e XX da CID-10;
**Causa mal definida: capítulo XVI da CID-9 e XVIII da CID-10;
***Doença do aparelho circulatório (DAC): capítulo VII da CID-9 e IX da CID-10;
****Doença cerebrovascular (DCBV): códigos 430-438 da CID-9 e 160-169 da CID-10;
*****Doença hipertensiva (DHIP): códigos 401-405 da CID9 e I10-I15 da CID-10;
******Mortalidade Proporcional total (todas as idades);
*******Razão entre a taxa para a causa específica e as taxas padronizadas POR todas as causas por grupos etários (padrão: população total 1980-2012.
Com exceção dos óbitos por CE, as taxas de mortalidade por 100.000 habitantes para as demais causas de óbito aumentaram nitidamente com o avanço da idade. Os aumentos mais marcantes foram nas taxas de DAC e seus componentes, DCBV e DHIP em ambos os sexos. As taxas brutas dos homens em qualquer grupo etário foram quase sempre maiores do que às das mulheres, especialmente nas CE. Uma exceção a isto foi observada nas DHIP, porém nestas causas, como nas demais, a taxa padronizada dos homens foi superior à das mulheres (Tabela 1).
A mortalidade por 100.000 habitantes devido a CE foi mais elevada em homens em relação às mulheres. Porém, a razão da mortalidade entre homens e mulheres diminuiu com o aumento da idade. O mesmo ocorreu com as CMD, à exceção do grupo mais jovem, cuja razão entre os sexos foi a mesma do grupo mais velho. Já a razão entre os sexos em relação à mortalidade nas DAC, DCBV e DHIP cresceu até o grupo de 50 a 59 anos, estabilizou e decresceu a partir do grupo de 70 a 79 anos (Tabela 1).
A Tabela 2 mostra que a mortalidade proporcional ao longo dos grupos etários apresentou, em ambos os sexos, queda nítida dos mais jovens para os mais velhos. As taxas referentes às CMD mostraram relativa estabilidade ao longo dos grupos etários, com discreto predomínio dos mais velhos nos homens e dos extremos de idade nas mulheres. A mortalidade proporcional relacionada às DAC, DCBV e DHIP cresceu até o grupo dos 60 a 69 anos nos homens e 70 a 79 anos nas mulheres e em seguida estabilizou. Uma exceção foram as taxas de DHIP que mostraram maior mortalidade proporcional no grupo etário mais velho.
A mortalidade proporcional relacionada às CE mostraram uma razão entre os sexos marcadamente desfavorável aos homens (Tabela 2), especialmente até o grupo de 60 a 69 anos. O oposto ocorreu com as CMD que mostraram equilíbrio entre homens e mulheres em quase todas as idades. Nas DAC, DCBV e DHIP, a razão entre os sexos foi sempre desfavorável às mulheres, especialmente até o grupo de 40 a 49 anos.
Os gráficos na Figura 1 apresentam as tendências temporais das taxas de mortalidade brutas e padronizadas por 100.000 habitantes de acordo com a causa de óbito. As taxas brutas de mortalidade por TC de óbito declinaram até a primeira década do século XXI, mas aumentaram depois deste período (Figura 1-A). Porém, quando a estrutura etária da população é considerada, nota-se que o declínio das taxas padronizadas foi constante ao longo dos períodos, ainda que um pouco menor nos últimos anos (Figura 1-B). Todas as taxas de mortalidade brutas e padronizadas foram mais altas em homens do que mulheres.
Figura 1 Taxas de mortalidade por Todas as Causas (TC), Doenças do Aparelho Circulatório (DAC), Causas Externas (CE), Causas Mal Definidas (CMD), Doenças Cerebrovasculares (DCBV) e Doenças Hipertensivas (DHIP), por 100.000 habitantes, brutas e padronizadas, de acordo com o sexo e período de observação – Brasil, 1980-2012
As taxas de mortalidade por CE, apesar de sempre mais altas no sexo masculino, apresentaram discreta tendência à elevação nos homens e relativa estabilidade nas mulheres. Já as taxas relativas às CMD apresentaram declínio acentuado em ambos os sexos. Estas tendências foram semelhantes tanto nas taxas brutas como nas padronizadas por idade (Figura 1-C e 1-D).
As taxas brutas de mortalidade por DAC (Figura 1-C) e dois de seus componentes, as DCBV e as DHIP (Figura 1-E), apresentaram comportamento diverso ao longo do período de estudo. Enquanto as taxas das DAC e DCBV declinaram até a primeira década do século XXI e apresentaram posterior elevação, a mortalidade bruta por DHIP apresentou elevação em todo período, especialmente na transição entre os séculos XX e XXI. Após a padronização por idade das taxas de mortalidade, nota-se que as taxas das DAC (Figura 1-D) e DCBV (Figura 1-F) apresentaram declínio similar, o que não ocorreu com as DHIP (Figura 1-F), que até mesmo apresentaram elevação discreta a partir da década de 1990.
Nas mulheres, a mortalidade proporcional por DAC, DCBV e DHIP em praticamente todas as idades foi superior à dos homens, apesar do predomínio masculino nas taxas de mortalidade por 100.000 habitantes. Isto ocorreu pois as CE foram mais importantes nos homens do que nas mulheres, especialmente nos mais jovens. A contribuição das taxas das CMD para o mesmo efeito foi mais discreta em todos os grupos etários.
A predominância masculina nas taxas de mortalidade por DAC, DCBV e DHIP pode estar relacionada com a proteção hormonal proporcionada às mulheres.17 Isto se destaca uma vez que essa proteção parece menos nítida justamente no grupo mais jovem e no grupo mais velho a partir da sexta década de vida. Entretanto, é preciso considerar outros fatores, como por exemplo fatores ambientais, especialmente aqueles relacionados à vida laborativa que distinguem homens e mulheres. Ainda, é preciso considerar que as mulheres se oferecem mais à exposição diagnóstica tornando suas causas de óbito mais fáceis de serem estabelecidas,18 o que pode explicar o porquê das menores razões entre os sexos terem ocorrido nas mortes por DHIP.
As taxas de mortalidade por DCBV vêm decaindo de forma consistente nos países desenvolvidos4,5,19-21 e o mesmo se observa no Brasil,9,22 tanto em homens quanto mulheres. Entretanto, o mesmo não foi observado em relação às DHIP, como também encontrado por Kung e Xu.23 Estes autores analisaram os óbitos relacionados à hipertensão entre 2000 e 2013 nos Estados Unidos e observaram aumento de 23,1% na taxa de mortalidade padronizada por DHIP por 100.000 habitantes.
Vários são os fatores que podem explicar este aumento encontrado nos óbitos por DHIP. Ele pode representar um reflexo da elevação da prevalência de hipertensão arterial sistêmica, que em 2012 foi de 24,3%3 e em 2006 foi estimada em 20%.24 Esse aumento pode ainda estar relacionado com a maior área de cobertura do programa Estratégia de Saúde da Família, que ao contemplar cerca de 54 milhões de brasileiros em 2006, permitiu diagnóstico mais frequente e precoce de hipertensão.25 Aliado a isso, houve mudanças nos critérios para diagnóstico de hipertensão ao longo do período de observação deste estudo, fazendo com que indivíduos com níveis tensionais mais baixos fossem diagnosticados como novos casos de hipertensão.26
Além disso, podem ter ocorrido modificações na forma de preenchimento dos atestados de óbito. A partir do instante em que se despende cada vez mais atenção às causas primárias de óbito, como a hipertensão arterial, a influência destas causas na codificação da causa básica de óbito das declarações de óbito não pode ser ignorada.27 Por fim, destaca-se crescimento populacional em número e em idade, fazendo com que mais indivíduos alcancem idades mais avançadas, aumentando a probabilidade de óbito por doenças crônicas, como as DHIP.11,25
Apesar do foco principal deste estudo ter sido analisar as taxas de DCBV e DHIP como causas de óbito, foi necessário observar também o que ocorreu com a mortalidade por CE e CMD. Isto porque as CE, das quais a quase totalidade compreende acidentes e violências, competem com as demais causas de óbito, retirando da população indivíduos que poderiam vir a falecer por estas últimas. Como as CE foram nitidamente as causas mais relevantes nos homens com menos de 40 anos, este grupo perturba a análise das tendências das demais causas, efeito este não tão relevante nas mulheres, que apresentaram tendência de equilíbrio das taxas de mortalidade por CE ao longo do período de observação.
Já as CMD estão relacionadas a estados mórbidos cuja natureza não é revelada nos atestados de óbito, muitas vezes porque as mortes ocorrem em emergências ou não há acompanhamento médico adequado.28 Portanto, este grupo de causas pode conter casos não diagnosticados de DCBV e DHIP, como observado por Oliveira et al.29 Entretanto, ainda que as taxas de CMD possam ter incluindo as demais causas de óbito, pode-se esperar que este efeito deletério seja atenuado ao longo do tempo, uma vez que as taxas foram nitidamente declinantes.
As causas múltiplas de óbito não foram analisadas neste estudo, que considerou apenas a causa básica registrada nas declarações de óbito. Isto se tornou uma limitação deste estudo, por não se ter conhecimento de causas associadas à hipertensão arterial e outros estados mórbidos que possam ter também se relacionado aos óbitos.27 No futuro será necessário avaliar como estas doenças associadas às DHIP e DCBV evoluem ao longo do tempo.
Destaca-se também, que por tratar-se de um estudo sobre a causa básica de óbito, as falhas no preenchimento das declarações de óbito podem ter interferido na codificação adequada da causa de óbito. Como observado por Mendonça et al.30, um dos principais problemas encontrados no preenchimento das declarações é justamente o desconhecimento do médico declarante sobre a importância do correto preenchimento da cadeia de eventos que culminam no óbito.30 Entretanto, por representar um problema generalizado de preenchimento, possíveis falhas afetariam TC de óbito, e não apenas as DAC ou DCBV. Deve-se ressaltar que a redução das taxas de mortalidade por CMD pode representar melhora evolutiva no preenchimento das declarações de óbito no país.
Este estudo descreve a evolução da mortalidade por DAC, DCBV e DHIP no Brasil ao longo de um período recente de 32 anos, e mostra o crescimento da importância das DHIP como causas de óbito, ao contrário do que ocorre com a DCBV e até mesmo do conjunto maior, as DAC. Também evidencia que a mortalidade proporcional por DAC e DCBV nas mulheres foi maior do que nos homens, provavelmente devido à distribuição desigual entre os sexos das CE como causas de óbito, já que estas foram muito mais relevantes nos homens. Por fim, mostramos a necessidade de maior esclarecimento sobre a participação das DHIP nos óbitos para que se possa estimular reduções nas taxas de hipertensão arterial com a finalidade de evitar mortes a ela relacionadas, uma vez que a elevação em sua taxa de mortalidade não pode ser explicada em sua totalidade à luz dos conhecimentos atuais.