versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.38 no.3 São Paulo jul./set. 2016
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20160050
Crianças com doença renal crônica (DRC) comumente apresentam problemas nutricionais e retardo de crescimento. Apesar de ser o transplante renal (TRx) o melhor tratamento para corrigir as anomalias metabólicas e endócrinas inerentes à insuficiência renal, a incapacidade de atingir uma estatura adequada e o ganho excessivo de peso excessivo após TRx ocorrem com frequência.1-8
Baixa estatura é determinante na qualidade de vida e autoestima das pessoas. Para adultos transplantados na infância, a estatura final está diretamente associada a nível de escolaridade, atividade remunerada, vida conjugal e moradia independente.9 Em seu estudo, Rosenkranz et al.10 identificaram que um terço dos adultos com DRC na infância estavam insatisfeitos com sua estatura. Os principais fatores ligados a crescimento insatisfatório após TRx são idade no momento do TRx, baixa estatura pré-TRx, uso de corticosteroides na imunossupressão de manutenção, baixa função do enxerto e atrasos na puberdade.3,4 Por outro lado, o ganho excessivo de peso após TRx, atribuído principalmente ao uso crônico de corticosteroides5,6, pode trazer efeitos nocivos sobre a sobrevida do enxerto11 e contribuir para a morbidade cardiovascular.12
Apesar da importância do desenvolvimento físico de crianças e adolescentes, há poucos relatos sobre ganho de peso após TRx pediátrica no Brasil e nenhum estudo sobre crescimento linear. Assim, o presente estudo teve um duplo objetivo: avaliar o desenvolvimento da estatura e do índice de massa corporal de crianças e adolescentes submetidos a transplante renal em Ribeirão Preto e identificar os fatores associados.
Este estudo longitudinal retrospectivo foi realizado por meio da revisão dos prontuários de crianças e adolescentes submetidos a transplante renal no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) em regime de tratamento ambulatorial.
Os pacientes foram selecionados segundo os seguintes critérios de inclusão: ter entre dois e 16 anos de idade no momento do TRx; ter realizado TRx há no mínimo 24 meses; ter enxerto funcional até 24 meses após TRx; ter dados clínicos e antropométricos nos prontuários; e não apresentar outras manifestações clínicas que alterassem sua composição corporal ou estado nutricional.
Dos 19 pacientes que tiveram seus registros médicos analisados, 17 satisfizeram os critérios acima e foram incluídos na amostra final. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição sob o protocolo número 446.595, o que permitiu a isenção da exigência de preenchimento de formulário de consentimento informado.
Todos os pacientes foram transplantados entre 1997 e 2012. Na revisão dos prontuários foram coletados os dados registados no dia do TRx ou até dois meses antes do transplante, além dos dados registrados durante o acompanhamento ambulatorial após 1, 3, 6, 12, 18 e 24 meses do TRx.
Foram obtidos dados demográficos (idade no momento do TRx e sexo), clínicos (doença renal primária, tempo de diálise, tipo de doador, nível de creatinina sérica, dose de prednisona e medicação prescrita após TRx) e dados antropométricos (peso e estatura). O estado nutricional foi avaliado pelo escore-z, a partir dos indicadores antropométricos estatura por idade (E/I) e índice de massa corporal por idade (IMC/I), de acordo com a população de referência da Organização Mundial da Saúde.13,14
Nas crianças com escore-z E/I < -2, o IMC foi expresso em relação a estatura-idade, ou seja, a idade em que a estatura da criança se encontraria no percentil 50.15 Elevações do escore-z E/I ≥ 0,5 desvios padrão entre o momento do TRx e 24 meses após o TRX foi considerado como recuperação do crescimento.16 A taxa de filtração glomerular (TFG) foi estimada pela fórmula de Schwartz.17 A exposição a corticosteroides foi estimada pela área sob a curva (ASC) da dose prescrita de prednisona (mg/kg) em função do tempo (dias) pela regra dos trapézios.5
Todas as variáveis foram verificadas para normalidade pelo teste de Shapiro-Wilk e por representação gráfica. Procedimentos estatísticos descritivos foram usados para a comunicação dos dados (frequências relativas e absolutas). O teste de Wilcoxon foi utilizado para comparar as médias antes e depois do TRx. Análise de regressão linear simples foi utilizada na seleção das variáveis em estudo (TFG, tipo de doador, idade no momento do TRx, escore-z no momento do TRx, ASC da dose prescrita de prednisona e pulsoterapia com corticoides para tratar episódios de rejeição aguda) para integrar o modelo múltiplo.
Análise de regressão linear múltipla foi utilizada para estimar a influência das variáveis sobre a variação (Δ) dos escores-z E/I e IMC/I 24 meses após o TRx. A adequação do modelo foi verificada por meio do gráfico dos resíduos e por multicolinearidade usando fator de inflação de tolerância e variância. As análises estatísticas foram realizadas através do programa SPSS versão 20.0 (IBM SPSS Statistics, EUA) com nível de significância de 0,05.
As características da amostra para as variáveis demográficas e clínicas estão descritos na Tabela 1. A amostra incluiu 17 pacientes com idade média de 9,1 ± 4,1 anos. Houve apenas um paciente com DRC estágio 4 ao momento do TRx (TFG = 17,2 mL/min/1,73m2); os demais apresentavam insuficiência renal. Quinze (88,2%) pacientes estavam em diálise há 36,7 ± 18,0 meses, e apenas dois (11,8%) foram transplantados preemptivamente. A TFG média seis e 24 meses após TRx foram 82,1 ± 28,7 e 85,3 ± 25,3 mL/min/1,73m2, respectivamente.
Tabela 1 Características demográficas e clínicas de crianças e adolescentes transplantados renais em ribeirão preto
n (%) | |
---|---|
Sexo masculino | 14 (82,3) |
Idade no momento do TRx | |
< 10 anos | 9 (52,9) |
≥ 10 anos | 8 (47,1) |
Raça/etnia | |
Branco | 12 (70,6) |
Negro/não-branco | 5 (29,4) |
Doença renal primária | |
Congênita | 14 (82,4) |
Adquirida | 3 (17,6) |
Terapia dialítica pré-TRx | |
Diálise peritoneal | 12 (70,6) |
Hemodiálise | 1 (5,9) |
Diálise peritoneal + hemodiálise | 2 (11,8) |
Transplante preemptivo | 2 (11,8) |
Doador falecido | 11 (64,7) |
Pulsoterapia com corticoides | |
Sim | 6 (35,3) |
Não | 11 (64,7) |
Inibidores da calcineurina (1; 6; 24 meses pós-TRx) | |
Tacrolimus | 11 (64,7); 12 (70,5); 13 (76,5) |
Ciclosporina | 6 (35,3); 5 (29,5); 4 (23,5) |
IImunossupressor (1; 6; 24 meses pós-TRx) | |
Azatioprina | 5 (29,4); 4 (23,5); 2 (11,8) |
Micofenolato mofetil | 12 (70,6); 13 (76,5); 15 (88,2) |
TFG (6; 24 meses pós-TRx) | |
≥ 90 mL/min/1,73m2 | 5 (29,4); 8 (47,1) |
60 a 89 mL/min/1,73m2 | 8 (47,1); 7 (41,2) |
45 a 59 mL/min/1,73m2 | 3 (17,6); 1 (5,9) |
30 a 44 mL/min/1,73m2 | 1 (5,9); 1 (5,9) |
TRx: transplante renal; TFG: taxa de filtração glomerular.
Após TRx, todos os pacientes faziam uso diário de imunossupressores. A dose média prescrita de prednisona foi reduzida de 0,76 mg/kg/dia (intervalo: 0,23-1,72 mg/kg/dia; ASC: 30,8 ± 9,3 mg/kg) no primeiro mês para 0,35 mg/kg/dia (intervalo: 0,13-0,88 mg/kg/dia; ASC: 60,8 ± 23,1 mg/kg) no terceiro mês; e para 0,14 mg/kg/dia (intervalo: 0,06-0,23 mg/kg/dia; ASC: 172,5 ± 52,6 mg/kg) no vigésimo quarto mês após TRx (p < 0,001). Dois (11,8%) pacientes (12,4 e 13,8 anos) iniciaram tratamento com hormônio do crescimento humano recombinante (rhGH) 18 meses após TRx com aumento máximo de 0,15 no escore-z E/I após seis meses de uso.
O desenvolvimento dos indicadores antropométricos E/I e IMC/I após TRx é exibido na Figura 1. O atraso no crescimento era evidente no momento do TRx, uma vez que o escore-z E/I médio foi de -2,66 ± 1,66 e 58,8% da amostra teve escore-z E/I médio inferior a -2. A partir de doze meses após o TRx, houve aumento significativo no escore-z E/I médio (-2,23 ± 1,20 aos 12 meses; -2,03 ± 1,08 aos 18 meses; e -1,93 ± 1,08 aos 24 meses após TRx, p ≤ 0,05). No entanto, considerando a idade no momento do TRx, o escore-z E/I médio elevou-se apenas no grupo com idade < 10 anos (-2,95 ± 1,84 no momento do TRx; e -1,72 ± 0,61 aos 24 meses após o TRx, p < 0,05) em relação ao grupo com idade ≥ 10 anos (-2,34 ± 1,50 no momento do TRx; e -2,17 ± 1,46 aos 24 meses após TRx, p > 0,05) (Figura 2).
Figura 1 Desenvolvimento da altura pontuação-z para idade e pontuação- z índice de massa corporal por idade após o transplante renal. Teste de Wilcoxon mostrou diferença no escore-z H / A entre RTX e 12, 18 e 24 meses após RTX (p < 0,05), e na pontuação-z IMC / A entre RTX e todas as outras vezes depois RTX (p < 0,001). RTX = transplante renal; H / A = altura para a idade; IMC / A = índice de massa corporal para a idade; m = meses após RTX.
Figura 2 Desenvolvimento da altura pontuação-z para idade após o transplante renal. Teste de wilcoxon mostrou diferença na altura pontuação-z para idade entre rtx e outras vezes depois rtx na faixa etária <10 anos de idade (p < 0,05). Não houve diferença entre rtx e outras vezes após rtx no grupo de idade = 10 anos de idade (p > 0,05). Rtx = transplante renal; h / a = altura para a idade; m = meses após rtx.
Vinte e quatro meses após o TRx 76,5% (n = 13) da amostra apresentaram elevação do escore-z E/I e 47,0% (n = 8) exibiram recuperação do crescimento. Entre os pacientes que apresentaram recuperação do crescimento, 62,5% (n = 5) tinham idade < 10 anos no momento do TRx. No entanto, 24 meses após TRx 47,0% (n = 8) da amostra apresentava escore-z E/I abaixo de -2.
Em relação ao IMC/I no momento do TRx, a amostra apresentou escore-z médio negativo (-0,48 ± 1,3); no entanto, os pontos de corte de IMC para idade e sexo identificaram apenas um (5,9%) paciente como abaixo do peso (escore-z < -2); quinze (82,4%) pacientes foram identificadas como eutróficos (escore-z ≥ -2 e < 1); e um (5,9%) como em sobrepeso (escore-z ≥ 1 e ≤ 2). O escore-z médio IMC/I foi maior a partir do terceiro mês após TRx (0,80 ± 0,94, p < 0,001) e manteve-se estável até 24 meses (0,94 ± 1,16, p < 0,05), quando 29,4% (n = 5) de pacientes estavam acima do peso e 11,8% (n = 2) eram obesos (escore-z > 2).
Vinte e quatro meses após TRx não havia casos de escore-z IMC/I < -2. Neste período, 64,7% (n = 11) da amostra evoluiu com ganho de peso superior a um desvio padrão no escore-z IMC/I. Entre estes, 72,7% (n = 8) obtiveram ganho de peso correspondente aos três primeiros meses após TRx.
Na análise de regressão linear simples, correlações parciais de moderadas a fortes foram identificadas entre Δ escore-z E/I 24 meses após TRx e idade no momento do TRx (r = -0,714, p = 0,001); escore-z E/I no momento do TRx (r = -0,764, p < 0,001); e ASC da dose de prednisona prescrita até 24 meses após TRx (r = 0,598, p = 0,011). No entanto, após a inclusão de variáveis no modelo de regressão linear múltipla, apenas a idade no momento do TRx e o escore-z E/I no momento do TRx continuaram a exercer efeito sobre Δ escore-z E/I 24 meses após TRx (Tabela 2). Não foram observadas na amostra associações entre Δ escore-z IMC/I 24 meses após TRx e as variáveis estudadas.
Tabela 2 Modelos de regressão linear simples e múltipla prevendo a variação do escore-z estatura por idade de crianças e adolescentes 24 meses após transplante renal em ribeirão preto
Análise por regressão linear simples | |||||||
Estimativa | IC 95% | r parcial | p | R2 | |||
Constante | 2,50 | 1,46 ; 3,55 | < 0,001 | 0,51 | |||
Idade no momento do TRx (anos) |
-0,19 | -0,30 ; -0,09 | -0,714 | 0,001 | |||
Constante | -0,63 | -1,37 ; 0,11 | 0,089 | 0,58 | |||
E/I no momento do TRx (escore-z) |
-0,51 | -0,75 ; -0,27 | -0,764 | < 0,001 | |||
Análise por regressão linear múltipla | |||||||
Estimativa | IC 95% | r parcial | p | R2 | T | FIV | |
Constante | 0,90 | -0,26 ; 2,06 | 0,119 | 0,76 | 0,81 | 1,23 | |
Idade no | |||||||
momento do | -0,13 | -0,21 ; -0,04 | -0,658 | 0,006 | |||
TRx (anos) | |||||||
E/I no | |||||||
momento do TRx | -0,38 | -0,58 ; -0,17 | -0,720 | 0,002 | |||
(escore-z) |
E/I: estatura por idade; TRx: transplante renal; T: tolerância; FIV: fator de inflação de variância.
O presente estudo avaliou a estatura e o IMC de crianças e adolescentes no momento do TRx e seu desenvolvimento até 24 meses após o TRx. Alta frequência de peso adequado e E/I baixo foram identificados no momento do TRx, seguido de elevação nos escores-z IMC/I e E/I até os 24 meses. Contudo, quase metade da amostra manteve-se com baixa estatura e novos casos de sobrepeso e obesidade foram observados. A mudança no escore-z E/I 24 meses após TRx foi inversamente associado com idade e escore-z E/I no momento do TRx, de modo que os pacientes mais jovens e com baixa estatura tiveram melhor crescimento.
O escore-z E/I no momento da TRx foi semelhante ao observado em vários estudos que avaliaram crianças transplantadas, principalmente nas décadas de 1980 e 1990.2,8,18 Não obstante, estudos recentes relataram resultados melhores. Franke et al.19 identificaram escore-z E/I médio no momento do RTx de -1,74 em pacientes pediátricos alemães transplantados entre 1998 e 2009. Segundo os dados publicados pelo North American Pediatric Renal Trials and Collaborative Studies Trials (NAPRTCS) a partir de uma amostra de cerca de dez mil crianças e adolescentes americanos transplantados entre 1987 e 2010, a média do escore-z E/I no momento do TRx foi -1,75. Este valor tem melhorado ao longo dos anos, e se considerarmos os transplantes realizados em 2009, o valor médio foi de -1,23.20
Em nossa amostra, 88,2% dos pacientes foram transplantados após 2005. Transplante preemptivo, menor tempo total de diálise e uso de rhGH foram identificados como fatores preditivos para melhor estatura no momento do TRx.2,21 A estatura no momento do TRx, por sua vez, apresentava associação direta com a estatura final.2,22
Vinte e quatro meses após TRx o escore-z E/I médio se elevou, com cerca de 75% da amostra apresentando variação positiva no escore-z E/I e 47% manifestando recuperação do crescimento. Estas mudanças já foram relatadas na literatura, mas em muitos casos são insuficientes para que as crianças consigam atingir uma estatura adequada.1,2
Os pacientes com maior déficit de crescimento no momento do TRx apresentaram maiores aumentos do escore-z E/I, como já relatado em outros estudos.2,4,22,23 Uma vez que a baixa estatura e a idade óssea estão diretamente relacionadas,22 é provável que estes pacientes tenham melhor potencial de crescimento e, portanto, apresentem maiores velocidades de crescimento.
A idade no momento do TRx também identificada como preditor de crescimento após TRx na amostra estudada. Dados do NAPRTCS mostraram que crianças de até cinco anos de idade submetidas a transplante apresentaram substancial aceleração da velocidade de crescimento até três ou quatro anos após o TRX, enquanto receptores na faixa de seis a 12 anos tiveram melhoras limitadas ou declínio da estatura e receptores com mais de 12 anos de idade exibiram diminuição discreta no escore-z E/I.4 No entanto, alguns estudos demonstraram que melhorias do crescimento em receptores pré-púberes mais velhos são possíveis.3,23
Isto pode ser explicado pela ocorrência do estirão em pré-púberes após TRx. Em comparação aos receptores pré-púberes, crianças transplantadas durante ou após a puberdade, além de não passarem pelo estirão, apresentam um ciclo de crescimento puberal curto devido ao seu início tardio. Assim, há um declínio contínuo na velocidade de crescimento durante a puberdade.3 Em nossa amostra, algumas crianças com mais de 10 anos de idade apresentaram recuperação de crescimento, mas a maioria evoluiu com variações mínimas ou negativas do escore-z E/I.
Embora as crianças mais jovens exibam crescimento acelerado nos primeiros anos após TRx, é importante mencionar que ocorre uma queda na velocidade de crescimento mais tardiamente.1,4 Jung et al.2 relataram melhora no escore-z E/I de crianças com idade abaixo de 10 anos até dois anos após TRx, enquanto Vester et al.8, em uma amostra não-estratificada por idade, relatou esta melhoria por apenas até um ano após TRx. A incapacidade de manter uma velocidade de crescimento normal ou acelerada até a idade adulta muitas vezes determina uma baixa estatura final.2,3 Tal incapacidade foi associada a reduções da função do enxerto e ao uso crônico de corticosteroides.21
T O crescimento após TRx é comumente limitado em pacientes com disfunção renal.3,24 No presente estudo, não observamos associação entre crescimento e TFG após TRx. Este resultado pode ser atribuído à manutenção de função glomerular superior a 60 ml/min/1,73m2 em 88,2% (n = 15) dos pacientes. Os dois pacientes restantes apresentaram diminuição moderada da função renal (TFG entre 30 e 59 mL/min/1,73m2).
Em contraste com estudos anteriores em que a dose de corticosteroide foi um dos principais preditores de crescimento após TRx, na análise múltipla essa associação não foi confirmada. No entanto, a utilização de prednisona em dias alternados, a suspensão precoce ou a ausência de medicação resultaram em melhor crescimento em comparação a uso diário.16,25,26 Todos os pacientes neste estudo foram tratados com regime imunossupressor semelhante, que consistia em doses diárias de prednisona.
Além disso, houve variação mínima da dose (mg/kg) em cada momento após TRx. Os dados do NAPRTCS de 1996 mostraram que a alteração média do escores padronizados de estatura do primeiro ao vigésimo quarto mês após o transplante foi significativamente maior em pacientes transplantados com menos de 13 anos de idade no regime de prednisona em dias alternados (0,5 +/- 0,06) do que naqueles que tomavam prednisona diariamente (0,1 +/- 0,03).26 Portanto, apesar da ausência de correlação entre crescimento e dose de prednisona observada no presente estudo, o efeito depressor dos corticosteroides sobre o crescimento não pode ser descartado.
Na amostra estudada apenas dois pacientes utilizaram rhGH, a partir de 18 meses após TRx, e nenhuma mudança importante no escore-z E/I foi observada nos seis meses seguintes até a conclusão do estudo. A eficácia do rhGH em crianças transplantadas renais foi confirmada após um ano de tratamento. No entanto, a sua segurança no tocante a indução da rejeição do enxerto ainda é duvidosa.27 No Brasil, o rhGH não está disponível gratuitamente para os pacientes transplantados renais, e seu alto custo e a necessidade de uso em longo prazo estão entre as principais razões para a seu não uso pela maioria dos pacientes pediátricos.
O presente estudo também avaliou o IMC/I no momento do TRx e seu desenvolvimento até 24 meses após o TRX. A frequência de sobrepeso no momento do TRx (5,9%) foi menor do que a relatada por um outro estudo brasileiro (9,1%).5 Estudos internacionais relataram frequência de obesidade no momento do TRx entre 9,7% e 13,0%, sem considerar os casos de sobrepeso.7,11,28
No entanto, tal como relatado por um estudo britânico, a frequência de excesso de peso após TRx em nossa amostra foi superior à média nacional.29 A elevação do escore-z IMC/I ocorrida nos primeiros meses após TRX não retornou aos patamares basais até 24 meses, caracterizando uma observação comum em crianças transplantadas renais.6,8 Aproximadamente 65% dos pacientes exibiram um aumento superior a um desvio padrão no escore-Z IMC/I, e esta mudança na infância foi associada a elevações de 5% a 15% no risco de doença coronariana na idade adulta.12
Em nossa amostra não houve associação entre o Δ escore-z IMC/I e as variáveis estudadas (idade no momento do TRx, IMC/I no momento do TRx, ASC da dose prescrita de prednisona e da pulsoterapia com corticoides), enquanto que na literatura os preditores de ganho de peso após TRx são alvo de grande polêmica.5-8 Assim como o crescimento, a pequena variação da dose de prednisona entre os pacientes pode ter afetado a detecção de seu efeito sobre o ganho de peso.
Acreditamos, ainda, que fatores sociais, genéticos e nutricionais também podem estar imbricados com o ganho de peso da amostra estudada. IMC materno elevado, por exemplo, foi indicado como um fator de risco para o ganho de peso em pacientes pediátricos transplantados.8 Em adultos, a adesão a uma dieta saudável foi associada a menor aumento de peso após TRx.30 Contudo, estes fatores externos ao TRX não foram avaliados neste estudo e são tratados aqui apenas de forma especulativa.
O presente estudo apresenta algumas limitações relacionadas ao seu delineamento retrospectivo. Os dados de idade óssea, estágio puberal, fatores socioeconômicos e nutricionais são escassos, e o tamanho da amostra impediu a análise utilizando subgrupos etários. No entanto, nossos resultados são semelhantes aos encontrados em outros estudos de grande porte.
O TRx promove o crescimento em crianças mais jovens e de mais baixa estatura. No entanto, quase metade dos pacientes tinham baixo E/I 24 meses após o TRx. Esta situação é particularmente preocupante, uma vez que o provável agravamento da função renal ao longo dos anos deve desacelerar a velocidade de crescimento, podendo induzir uma maior proporção de indivíduos com baixa estatura final. Foi observado aumento importante no número de pacientes com excesso de peso. Além disso, os primeiros três meses após o TRx provaram ser um período crítico para o ganho de peso.
Assim, o transplante preemptivo e uma corticoterapia menos agressiva devem estratégias ser mais exploradas a fim de aprimorar o crescimento, associadas a orientação nutricional adequada e incentivo à atividade física regular para evitar o ganho de peso excessivo. Tal manejo requer uma equipe multidisciplinar para o acompanhamento das crianças e adolescentes transplantadas renais.