versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.34 no.10 Rio de Janeiro 2018 Epub 11-Out-2018
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00000218
Esta revisión de alcance tiene como objetivo describir y caracterizar el sistema de farmacovigilancia de Brasil (SINAF) y constatar su adscripción a los requisitos mínimos propuestos por la Organización Mundial de la Salud, respecto al desempeño funcional de los sistemas nacionales de esta naturaleza. La estrategia de investigación bibliográfica utilizó recomendaciones del STARLITE y términos de búsqueda en las bases de datos MEDLINE/PubMed, Google, Imprenta Nacional de Brasil y de la página web de la Agencia Nacional de Vigilancia Sanitaria (Anvisa), comprendiendo el período entre 1999, año de creación de la Anvisa, y marzo de 2016. Se incluyeron 47 (4,4%) publicaciones, de un total de 1.068 identificadas, predominando por este orden: 14 normas jurídicas (29,8%), 13 (27,6%) documentos técnicos y 10 (21,3%) artículos científicos. Los estudios y documentos técnicos analizados incluyeron la creación, en el ámbito federal, de la primera unidad técnica de farmacovigilancia, el sistema de notificación de eventos adversos, el Centro Nacional de Monitoreo y la Cámara Técnica de Medicamentos. La tasa de notificación de eventos adversos en medicamentos dentro de Brasil correspondió, en 2013, a 36 notificaciones/1 millón de habitantes, bastante inferior a la meta propuesta en la literatura internacional, que sugiere 300 notificaciones/1 millón de habitantes. Este estudio identificó aspectos estructurales y funcionales que pueden comprometer el desempeño del SINAF, como la falta de legislación que instituya oficialmente al propio sistema y sus finalidades.
Palabras-clave: Evaluación en Salud; Sistemas de Información en Salud; Farmacovigilancia; Efectos Colaterales y Reacciones Adversas Relacionados con Medicamentos; Sistemas de Registro de Reacción Adversa a Medicamentos
O sistema de farmacovigilância é parte essencial de políticas de regulação de medicamentos 1 e de farmacogovernança, que é compreendida como as estruturas de governo, instrumentos de políticas, regramentos, normas e autoridade institucional instituídos são gerenciados de maneira a promover tanto os interesses da sociedade em relação à segurança dos pacientes quanto a proteção aos eventos adversos a medicamentos (EAMs) 2. Tem o propósito de identificar, avaliar, analisar e prevenir EAMs 3, relevantes causas de morbidade e de mortalidade 4,5,6.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem exercido estímulo à implantação de sistemas nacionais de farmacovigilância sustentáveis 1,7, intensificados após a “epidemia da talidomida”, ocorrida em 1961/1962. Diferentes abordagens têm caracterizado os estudos que analisam os sistemas de vigilância de saúde pública 8,9,10, notadamente os sistemas de farmacovigilância 1,11,12. Em 2010, a OMS propôs recomendações para os requisitos e atribuições mínimas de sistemas nacionais de farmacovigilância 13.
Há um arcabouço legal razoavelmente abrangente que fundamenta as ações de farmacovigilância no Brasil. No entanto, há notória escassez de estudos que avaliem as ações de farmacovigilância, sobretudo na perspectiva dos sistemas de notificação e processamento, bem como da análise e do retorno das informações aos notificadores, mediante ações efetivas que ampliem o uso racional dos medicamentos e a segurança dos pacientes. O objetivo deste estudo foi descrever e caracterizar o sistema de farmacovigilância do Brasil, denominado Sistema Nacional de Farmacovigilância (SINAF) 14,15, com ênfase nas ações desenvolvidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e também averiguar o cumprimento dos requisitos mínimos nacionais de farmacovigilância propostos pela OMS 13.
Trata-se de revisão de escopo, realizada entre abril e maio de 2016. São caracterizados a evolução do SINAF e seus elementos-chave, baseados em lista não exaustiva do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças 9. Os resultados da revisão das evidências documentais foram utilizados para averiguar em que medida o SINAF atende aos requisitos mínimos sugeridos pela OMS para a caracterização de um sistema de farmacovigilância considerado como “funcional”, compreendendo: (1) centro nacional de farmacovigilância; (2) sistema nacional de notificações espontâneas; (3) base de dados nacional ou sistema de informação para coleta e armazenamento de dados; (4) comitê assessor de farmacovigilância; e (5) estratégia de comunicação para as ações de farmacovigilância 13. No presente estudo, os termos “mínimo” e “funcional” foram interpretados como o que se deve realizar, no mínimo, para assegurar que um sistema nacional de farmacovigilância exista e seja capaz de fornecer alguma garantia de segurança aos usuários 13.
A revisão de escopo buscou identificar informações na literatura científica e técnico-jurídica (denominada como “cinzenta”) e, por conseguinte, sintetizá-las na direção de uma narrativa que descreva a evolução do SINAF e seus principais elementos-chave. Prevê seis fases 16,17, descritas a seguir. As divergências e dúvidas foram resolvidas por consenso entre os autores.
A revisão foi orientada pela seguinte questão de pesquisa: “Como se caracterizam, em âmbito federal, o SINAF e seus elementos-chave, entre 1º de janeiro de 1999 e 31 de março de 2016?”. Esse intervalo foi escolhido por representar, na visão dos autores, o período em que houve mudanças nas práticas de farmacovigilância influenciadas a partir da criação da Anvisa, concluindo em 2016 por ocasião do término da estratégia de busca e análise documental da pesquisa. O SINAF foi definido como um conjunto de ações, coordenadas pela Anvisa, capazes de detectar e notificar EAMs, investigar casos, como também coletar, analisar e interpretar dados, incluindo identificação, monitoramento de sinais de segurança, retroalimentação e divulgação de resultados e respostas, mediante ações de prevenção e controle.
A estratégia da pesquisa bibliográfica para a identificação das publicações observou recomendações do STARLITE (Standards for Reporting Literature searches) 18 (Quadro 1).
Quadro 1 Descrição sumária STARLITE da pesquisa bibliográfica.
S | Estratégia amostral (sampling strategy) seletiva Buscou identificar estudos científicos, dissertações, teses, livros, documentos técnico-jurídicos etc. (doravante denominados de publicações) sobre aspectos que pudessem descrever e caracterizar o SINAF como parte de um sistema de vigilância sanitária e dentro dos limites especificados a seguir. |
T | Tipos de publicações Quaisquer estudos qualiquantitativos, descritivos, avaliativos, legislações, diretrizes, material de palestras, conteúdos de website etc. |
A | Abordagens Pesquisas em bases de dados eletrônicas, citação em referências, pesquisas na Internet, publicações conhecidas pelos autores e conhecimento empírico de informantes-chave. |
R | Intervalo (range) de anos Identificadas publicações a partir do ano de criação da Anvisa (1999) até 31 de março de 2016, totalizando um pouco mais de 17 anos. |
L | Limites Publicações nos idiomas português, inglês e espanhol e não envolvendo estudos em animais. |
I | Inclusão Publicações que contribuam para a descrição e caracterização do SINAF quanto à evolução e elementos-chave. Exclusão Publicações referentes a: (i) estudos sobre farmacoterapia; (ii) estudo de caracterização de EAMs; (iii) estudos de qualquer natureza sobre vacinas; e (iv) estudos sobre política de medicamentos e assistência farmacêutica. |
T | Termos (palavras-chaves - MeSH e DeCS) Brazil (MeSH), Pharmacovigilance (DeCS), Anvisa, Health Surveillance National Agency, Notivisa, Notification System in Health Surveillance, Adverse drug reaction reporting systems (MeSH), Postmarketing drug surveillance (MeSH), Adverse drug event (MeSH),Vigilância sentinela (MeSH e DeCS), reação adversa (DeCS), Sistema de vigilância sanitária (DeCS), Sistema Nacional de Farmacovigilância, Medicamento (DeCS) e Câmara técnica de medicamentos. |
E | Fontes eletrônicas de dados (electronic sources) MEDLINE/PubMed, SciELO, LILACS via Portal da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Sistema de Información Esencial en Terapéutica y Salud (SIETES), Imprensa Nacional (Diário Oficial da União), Banco de Tese da Capes/Ministério da Educação, Google e website da Anvisa. |
Anvisa: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; Capes: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; DeCS: Descritores em Ciências da Saúde; EAMs: eventos adversos a medicamentos; LILACS: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde; MeSH: Medical Subject Headings; SciELO: Scientific Electronic Library Online; SINAF: Sistema Nacional de Farmacovigilância; STARLITE: Standards for Reporting Literature searches.
As buscas foram realizadas em abril de 2016, compreendendo 15 termos de pesquisa adequados a cada fonte de dados. As diferentes combinações definidas ocorreram por meio de “tentativa e erro” até atingir um arranjo final desejado.
Na base de dados MEDLINE/PubMed (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/), foram utilizados 11 termos de pesquisas em inglês, compreendendo 21 combinações acrescidas da expressão “Not animal”. Na Imprensa Nacional do Brasil (http://portal.imprensanacional.gov.br), foram utilizados dois termos: farmacovigilância e câmara técnica de medicamentos. Nessa fonte de dados, cada resultado da busca feita anualmente caracterizou-se como um documento, ao passo que, na etapa de seleção, um documento que poderia ter apresentado mais de um resultado foi incluído como uma publicação. No Google (https://www.google.com/), fez-se uso de uma única combinação de termos escritos entre aspas (“farmacovigilância” AND “Brasil”) e apenas os primeiros cem resultados (classificados por relevância pelo Google) foram verificados. Os documentos selecionados compuseram o conjunto de publicações desta pesquisa.
No website da Anvisa (http://portal.anvisa.gov.br/), a identificação das publicações ocorreu sem o uso dos termos de pesquisa, dadas as limitações do sistema de busca, com foco em documentos contidos em duas páginas de Internet: (i) área técnica de farmacovigilância (http://portal.anvisa.gov.br/farmacovigilancia); e (ii) Sistema Nacional de Notificações para a Vigilância Sanitária (Notivisa; http://portal.anvisa.gov.br/notivisa).
A partir das publicações encontradas, um dos autores (D.M.M.) procedeu à identificação daquelas potencialmente elegíveis (Figura 1), conforme os critérios de inclusão e exclusão, prevendo a análise do texto completo, quando necessário, para confirmar a relevância em relação à questão da pesquisa. O ordenamento para a escolha das publicações quando o mesmo tema aparecia em diferentes documentos foi: (i) primeiro documento publicado sobre o tema (documento primário), em casos de não publicação de artigo científico; e (ii) artigos científicos frente aos resumos de congresso, boletins, entre outros, caso não houvesse dados mais atualizados. Não foi possível cegar o revisor em relação a qualquer parte das publicações.
A extração das evidências qualitativas das publicações baseou-se em processo seletivo e iterativo, ou seja, os autores se alternaram entre ler os documentos primários e extrair informações, análise, síntese e interpretação em vários ciclos a partir dos temas-chave definidos 19. Uma planilha-sumário padronizada foi utilizada para a extração dos dados, compreendendo primeiro autor, ano, título e/ou outra parte do conteúdo, tipo de documento (artigo científico, legislação, documento técnico etc.) e fonte de dados.
A pesquisa ainda contou com o conhecimento empírico de um dos autores do artigo (D.M.M.), que atuou como técnico da área de farmacovigilância da Anvisa entre 2005 e 2010. As informações provenientes do técnico, denominado informante-chave, no texto final, foram identificadas pela abreviatura IC.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, sob parecer nº 950.737/2015.
Foram identificadas 1.068 publicações, com predomínio daquelas caracterizadas como “literatura cinza”, nas etapas de identificação (n = 783; 73,3%), seleção 1 (n = 102; 77,8%) e inclusão final (n = 37; 78,7%) (Figura 1). Do total de publicações, prevaleceram, nesta ordem, normas jurídicas (n = 14; 29,8%), documentos técnicos (n = 13; 27,6%) e artigos científicos (n = 10; 21,3%). As duas principais razões para a rejeição de 1.021 publicações foram: não atendimento ao critério de inclusão (n = 880; 86,2%) e duplicidade das publicações (n = 139; 13,6%). Em relação à rejeição de 128 artigos científicos provenientes do primeiro percurso, os motivos prevalecentes foram: (i) estudos de EAMs (n = 31; 24,2%); (ii) estudos sobre vacinas (n = 21; 16,4%); e (iii) estudos sobre farmacoterapia (n = 15; 11,7%).
As atividades regulatórias de farmacovigilância foram efetivamente organizadas no Brasil a partir da criação da Anvisa (Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999 20), que tem, entre outras funções, “estabelecer, coordenar e monitorar os sistemas de vigilância toxicológica e farmacológica”. Naquele ano, foi criada a primeira unidade técnica de farmacovigilância do país, em âmbito federal, denominada de Gerência de Farmacovigilância (GFARM), no âmbito da Gerência Geral de Medicamentos da Diretoria de Medicamentos e Produtos 21.
De acordo com os documentos analisados, em outubro de 1999, foram iniciadas as tratativas para a criação do SINAF e foi reunida a bibliografia necessária para o funcionamento do Centro Nacional de Farmacovigilância, visando à adesão do Brasil ao Programa Internacional de Monitoramento de Medicamentos da OMS 22.
Em 2000, o método de notificação espontânea para monitoramento de EAMs com abrangência nacional foi implantado pela primeira vez, por meio do formulário de notificação no website da Anvisa 22. O documento compreendia basicamente notificações de reações adversas e de desvio de qualidade do medicamento que ocasionou danos ao paciente, avaliadas e armazenadas manualmente em banco de dados (“Bdfarm”) 23. Naquele ano, a GFARM passou a ser denominada de Unidade de Farmacovigilância (UFARM) (Portaria nº 593, de 25 de agosto de 2000 24).
Alguns autores defenderam a participação dos centros (ou serviços) de informações sobre medicamentos (CIM/SIM), distribuídos em diferentes estados brasileiros, na implementação de um Sistema Nacional de Farmacovigilância 25. A participação de representantes da UFARM nos Encontros dos CIM/SIM, em outubro de 1999 e novembro de 2000, produziu propostas de cooperação, visando, entre outras atividades, à divulgação do método de notificação espontânea em unidades de saúde 25, como forma de dar publicidade às ações de farmacovigilância que ora se iniciavam sob coordenação da Anvisa.
Em 2001, foi criado o Centro Nacional de Monitorização de Medicamentos (CNMM), sediado na UFARM (Portaria nº 696, de 7 de maio de 2001 26), cujas atribuições são: (i) descentralizar a coleta e análise das notificações, com capacitação e suporte às Vigilâncias Estaduais para esse fim; (ii) desenvolver base de dados e análises periódicas para avaliar o uso racional e seguro de medicamentos e gerar sinais e hipóteses; (iii) encaminhar as notificações ao Centro de Monitoramento de Uppsala (Suécia), em formulário da OMS; e (iv) disseminar informações para profissionais de saúde, a partir de alertas, boletins e informes, com melhoria de processo decisório clínico e notificações 26.
A Câmara Técnica de Medicamentos (Cateme), criada em 2001, constituiu um banco de consultores ad hoc de medicamentos 27,28, cujas atribuições incluem, entre outras, “manifestar-se sobre questões relacionadas à farmacovigilância de medicamentos...” 28. Ainda em 2001, o Brasil tornou-se o 62º membro oficial do Programa Internacional de Monitoramento de Medicamentos da OMS, coordenado pelo Centro de Monitoramento de Uppsala 22,29, referendando as primeiras ações de farmacovigilância da Anvisa. Foi atribuída à UFARM a responsabilidade pela implantação e coordenação do SINAF, prevendo a participação de Centros de Farmacovigilância Regionais, “hospitais sentinelas” e “médicos sentinelas” 14,30.
Algumas vigilâncias sanitárias estaduais contam com Centros Estaduais de Farmacovigilância, com destaque para os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Bahia 2,31. Outros estados, como o Ceará, implantaram Centro de Farmacovigilância, sediado na Universidade Federal do Ceará, que, desde 1996, é um dos mais ativos na realização de ações de farmacovigilância no Brasil 32.
A criação do projeto Hospitais Sentinela (atualmente denominado de Rede Sentinela) pela Anvisa, em 2002, fortaleceu organizacionalmente o SINAF. Trata-se da primeira iniciativa da Anvisa para obter informações sobre a segurança de medicamentos e outros produtos. Chegou a contar com 180 hospitais brasileiros 33.
Foi encontrada uma norma, revogada em seguida, que previa ações de “médicos sentinelas” no monitoramento e notificação de evento clínico ou laboratorial, falha terapêutica ou reações adversas a medicamentos (RAMs) 34. Segundo a norma 34, o “médico sentinela” caracterizava-se como “o profissional médico de determinada especialidade de interesse da Anvisa que, voluntariamente, aceita os termos do projeto ‘Médicos Sentinelas’, contribuindo periodicamente com informações sobre reações adversas (segurança), resultados do tratamento medicamentoso (efetividade) e dados de utilização de produtos de saúde selecionados para vigilância”.
Como resultado das ações de farmacovigilância, houve aumento de 4.517% nas notificações espontâneas de casos suspeitos de RAMs analisadas pelo CNMM/UFARM, no período de 2000 a 2004. Essas notificações correspondem a respectivamente 76 para 3.585 eventos, a maior parte proveniente dos hospitais sentinelas 22.
Em 2005, o método de notificação espontânea incorporou duas formas de coleta de dados, além dos formulários para notificação de EAMs destinados aos profissionais de saúde, a saber: (i) comunicação de evento adverso feita por usuários de medicamentos (Sisfarmaco) 23; e (ii) Sistema de Notificação de Eventos Adversos e Queixas Técnicas Relacionados a Produtos de Saúde (SINEPS), para os hospitais sentinelas 22. No mesmo ano, a Anvisa instituiu o projeto piloto Farmácias Notificadoras no Estado de São Paulo, com adesão inicial de 43 farmácias de um total de 14 mil, visando a aumentar o número de notificações espontâneas qualificadas sobre reações adversas e desvios da qualidade dos medicamentos 2,22. Posteriormente, o projeto foi ampliado para outras Unidades da Federação (UF), prevendo, ao menos, três modificações: (i) mudança de denominação para Programa Farmácias Notificadoras; (ii) criação de comitê assessor para apoiar a Anvisa no desenvolvimento do Programa; e (iii) promoção do uso seguro e racional de medicamentos no contexto da Farmácia Comunitária 35.
Em 2008, foi criado pela Anvisa o Notivisa, prevendo formulário eletrônico padronizado de coleta de dados sobre medicamentos que ocasionaram danos à saúde de pacientes (Notivisa-medicamento) 2,23,36. Além de ter substituído o SINEPS, esse novo sistema passou a ser a alternativa mais propagada entre as opções de notificações de EAMs. As intoxicações por medicamentos contam com um formulário próprio no Notivisa e seu acesso atém-se aos centros de informação e assistência toxicológica (CIATs) 37. Apesar de ser o principal repositório de dados sobre EAMs do país, permanecem ainda muitas notificações do Estado de São Paulo não integradas ao referido sistema. Para essas notificações, a Anvisa possui acesso por meio de planilhas eletrônicas (IC).
O documento publicado pela Anvisa em março de 2008, intitulado Diretrizes para o Gerenciamento do Risco em Farmacovigilância, caracteriza o SINAF como parte do Sistema Nacional de Notificação e Investigação (VIGIPOS), compreendido como um subsistema do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) 15. O documento harmonizou conceitos e processos de trabalho sobre gerenciamento de risco em farmacovigilância junto ao SNVS, que envolve a Anvisa, vigilâncias sanitárias estaduais, municipais e distrital 15.
Duas normas preencheram uma lacuna importante no marco legal de consolidação do SINAF. A Resolução nº 4, de 10 de fevereiro de 2009 38, determinou a realização de ações de farmacovigilância pelos detentores de registro de medicamentos (DRM), como a notificação mandatória de eventos adversos, a criação de uma estrutura mínima de farmacovigilância nos laboratórios farmacêuticos, a definição dos eventos adversos a serem notificados ao SNVS e a realização de inspeções sanitárias das atividades de farmacovigilância desenvolvidas pelos DRM 38. A Resolução nº 36, de 25 de julho de 2013 39, instituiu ações para a segurança do paciente em serviços de saúde, com a exigência de que esses serviços notificassem os eventos adversos com óbito em até 72 horas a partir do ocorrido. Os aperfeiçoamentos do SINAF contribuíram para uma taxa média das notificações de EAMs no Notivisa-medicamento, no período de 2008 a 2013, de 25 para cada 1 milhão de habitantes, variando de 15 (2008) a 36 (2013) 40.
A caracterização explícita da finalidade e dos objetivos do SINAF não foi identificada nas publicações que compuseram este estudo. No entanto, alguns de seus componentes importantes, como o Notivisa-medicamento e CNMM, mencionam finalidades e objetivo que podem ser atribuídos ao SINAF, visando a orientar as ações de farmacovigilância desenvolvidas pelas autoridades de vigilância sanitária do país. As finalidades do Notivisa-medicamento são: (i) subsidiar o SNVS na identificação de reações adversas ou efeitos não desejados; (ii) aperfeiçoar o conhecimento sobre os efeitos dos produtos e, quando indicados, alterar recomendações sobre seu uso e cuidados; e (iii) promover ações de proteção à saúde pública por meio da regulação dos produtos comercializados no país 41. O principal objetivo do CNMM é “identificar, precocemente, uma nova reação adversa ou aumentar o conhecimento de uma reação adversa pouco descrita que tenha uma possível relação de causalidade com os medicamentos comercializados” 26.
A lista de EAMs foi identificada em norma de farmacovigilância destinada aos DRM, podendo ser estendida às demais fontes notificadoras. A lista completa inclui: (i) suspeita de reações adversas a medicamentos; (ii) eventos adversos por desvios da qualidade de medicamentos; (iii) eventos adversos decorrentes do uso não aprovado de medicamentos; (iv) interações medicamentosas; (v) inefetividade terapêutica, total ou parcial; (vi) intoxicações relacionadas a medicamentos; (vii) uso abusivo de medicamentos; e (viii) erros de medicação, potenciais e reais 42,43. No início das atividades de farmacovigilância no Brasil, apenas as RAMs e os desvios de qualidade de medicamentos com danos ao paciente eram notificados à Anvisa.
Nenhuma definição de caso padronizada para qualquer evento adverso sob vigilância foi encontrada na literatura pesquisada, nos moldes propostos pela vigilância em saúde. Essas definições deveriam incluir manifestações clínicas, resultados laboratoriais, informações epidemiológicas e/ou de comportamentos específicos, como também níveis de certeza do caso, como confirmado/definido, provável, possível ou suspeito 44. Diferentes documentos da Anvisa orientam a notificação de eventos “suspeitos” de RAMs. Os demais níveis de certeza são utilizados apenas na avaliação de causalidade de cada par reação adversa-medicamento 15. As categorias de causalidade definidas pela OMS e utilizadas no SINAF são: (i) definida; (ii) provável; (iii) possível; (iv) improvável; (v) condicional/não classificada; e (vi) não acessível/não classificável 15,45.
No documento Diretrizes para o Gerenciamento do Risco em Farmacovigilância, a Anvisa menciona a necessidade de “reavaliar causalidade/revisar definição de caso, diante de novos dados” na investigação em farmacovigilância 15.
Há a possibilidade de várias fontes notificadoras registrarem EAMs por meio de diferentes maneiras e, em especial, no Notivisa-medicamento. Essas fontes incluem profissionais liberais (como médicos, farmacêuticos e enfermeiros), profissionais de vigilância sanitária e/ou profissionais ligados aos hospitais da Rede Sentinela/Núcleo de Segurança do Paciente (NSP), além de outros hospitais, médicos sentinelas, farmácias notificadoras, DRM, CIATs, universidades e cidadão/paciente/familiar 34,36,46,47. Essa última fonte pode notificar em formulário avulso, disponível no website da Anvisa 36, mas não integrado eletronicamente ao Notivisa-medicamento.
Apesar dessa diversificação de fontes notificadoras, quatro merecem destaque, em ordem decrescente, em função do volume de notificações registradas no Notivisa-medicamento no período de 2008 a 2014: (i) profissionais da Rede Sentinela/NSP; (ii) profissionais liberais; (iii) profissionais de outros hospitais/NSP; e (iv) profissionais de vigilância sanitária 46. Nesse período, nenhuma notificação foi atribuída às farmácias do programa Farmácias Notificadoras ou aos médicos, ditos “Médicos Sentinelas” 46.
Uma tentativa de mapeamento do fluxo dos dados e informações sobre casos de EAMs encaminhados ao SINAF pode ser conferida na Figura 2. Dadas as diferentes fontes notificadoras, o fluxo apresenta, ao menos, três rotas convergindo na Anvisa, podendo algumas notificações de RAMs, caso relevantes, serem transmitidas ao Centro de Monitoramento de Uppsala, da OMS 26.
Em relação à rota que envolve a notificação no Notivisa-medicamento, cada fonte cadastrada tem a possibilidade de acompanhar o conjunto das suas notificações registradas no sistema, cujos dados são transmitidos à Anvisa em tempo real. A capacidade de gerenciar e analisar os dados com repercussão municipal, estadual e nacional, assim como as divulgações de informações são de competência das respectivas autoridades sanitárias em seu nível de gestão (IC). Informações de EAMs relatadas por cidadão/paciente/familiar chegam ao conhecimento da Anvisa também pelo sistema de atendimento ao cidadão e ouvidoria da Anvisa (Figura 2) 48.
As redes para a vigilância dos EAMs são formadas por todos os atores que participam do processo de notificações à Anvisa (IC), como a Rede Sentinela e vigilâncias sanitárias estaduais, regionais, municipais e do Distrito Federal. Atendendo às finalidades e ao objetivo do SINAF, a área técnica de farmacovigilância da Anvisa induziu o estabelecimento de redes de vigilância dentro e fora do país 49,50, possibilitando o aumento na detecção de eventos adversos, a comunicação de alertas e a capacitação de profissionais 14. As iniciativas de integração do SINAF com programas de saúde pública oriundos de outros sistemas, como o Programa Nacional de Controle da Tuberculose 51 e o Programa Nacional para a Prevenção e o Controle das Hepatites Virais 52, são exemplos de redes que têm estimulado as notificações de EAMs no país.
Compreende, basicamente, os residentes no Brasil que tenham sofrido danos à saúde, supostamente ocasionados por medicamento licenciado no país (IC). Não foram identificadas prioridades na vigilância quanto às populações vulneráveis, como crianças menores de cinco anos, idosos e pacientes com múltiplas comorbidades nas referências pesquisadas, à exceção das gestantes 38,49,50. Os medicamentos sob vigilância incluem os fitoterápicos, os manipulados em farmácias, os homeopáticos, específicos como as soluções parenterais e as vitaminas, os isentos de prescrição e aqueles sob prescrição de profissional habilitado 53. Os DRMs são obrigados a priorizar o envio de relatórios periódicos de segurança de medicamentos novos comercializados no país à Anvisa 38.
Há menção de eventos adversos ditos de “especial interesse”, como agranulocitose, anafilaxia, anemia aplástica, cegueira, hipertermia maligna, necrólise epidérmica tóxica, rabdomiólise e síndrome de Stevens Johnson 15. No entanto, não está claro se esses eventos são priorizados pelos fluxos de notificação.
A cobertura geográfica do SINAF envolve o território nacional, muito embora algumas estratégias de redes, até então, não abranjam as 27 UFs, como os Centros Estaduais de Farmacovigilância 31 e Farmácias Notificadoras 54. Outras sequer foram efetivamente implantadas, como a proposta de “Médicos Sentinelas” (IC).
O SINAF é caracterizado como um sistema de vigilância passiva, no qual a notificação espontânea é o principal método de monitoramento de EAMs (IC). A vigilância ativa tem ocorrido, na maioria das vezes, para atender a demandas específicas, como no caso do uso abusivo de benzidamina, em que consultas foram feitas a farmácias notificadoras e CIATs, como alternativa utilizada por autores para conhecer, embora de forma exploratória, este tipo de EAM 55.
Outros tipos de vigilância utilizados são: (i) mandatória - os DRM e serviços de saúde estão obrigados a notificar os EAMs de que tenham conhecimento; e (ii) abrangente - em vários documentos publicados pela Anvisa, é divulgado que todos os óbitos e outros eventos graves ocasionados por medicamentos devam ser notificados, assim como todas as reações adversas não descritas na bula do produto 39,41,56.
Atualmente, o SINAF mantém e estimula o uso apenas dos formatos eletrônicos dos formulários para a notificação dos EAMs (cidadão/paciente/familiar e Notivisa-medicamento) 36. Esses formulários registram informações individuais relacionadas ao EAMs, como nome, idade, sexo, diagnóstico médico, descrição do evento adverso, data de início e término do evento, medicamentos em uso, tempo de utilização do produto, dados complementares relevantes, fonte notificadora etc. 53,57. O formulário do Notivisa-medicamento para profissionais da saúde avaliado em 27 de novembro de 2015 apresenta, ao menos, 92 variáveis, compreendendo quatro domínios (IC): Evento, Medicamentos/Empresa, Paciente ou Usuário e Outras informações 53. O conteúdo das informações sobre a identificação das pessoas é confidencial.
A frequência de comunicação das notificações foi definida para os DRMs e serviços de saúde por meio de normas sanitárias. No primeiro caso, todo evento adverso grave que envolva óbito ou risco de morte deve ser notificado à Anvisa em prazo máximo de até sete dias corridos a partir do recebimento da informação. Aos demais eventos adversos graves, o prazo estende-se até 15 dias 38. Em relação aos serviços de saúde, as notificações devem ser informadas mensalmente à Anvisa, e, conforme referido anteriormente, os eventos adversos que evoluíram para óbito devem ser notificados em até 72 horas a partir do ocorrido 39.
Para a entrada de dados no Notivisa-medicamento, é necessário utilizar sistema de cadastramento que permite níveis de acesso diferenciados e adequados ao perfil dos usuários 53. Os profissionais de vigilância sanitária cadastrados têm acesso às funcionalidades do Notivisa-medicamento não disponíveis para usuário cadastrado como profissional liberal. O sistema valida os dados do usuário cadastrado antes de iniciar uma nova notificação. As informações sobre os casos de EAMs são inseridas manualmente em uma máscara de entrada de dados na página da web, por meio de formulário contendo campos abertos e fechados, podendo o registro das informações não ocorrer de forma única e regular (IC).
Não foram encontradas menções sobre quantidade e periodicidade da divulgação de informações do Notivisa-medicamento ou de outro repositório de dados integrado ao SINAF, como forma de retroalimentação das fontes notificadoras e sociedade 41,53,58.
No website da Anvisa, foram identificadas quatro edições (duas em 2012, uma em 2013 e outra em 2014) de um Boletim de Farmacovigilância, destinado aos atores do Sistema Nacional de Farmacovigilância, visando a “difundir conhecimento e orientações sobre o tema aos profissionais de saúde, à Rede Sentinela e às vigilâncias sanitárias dos Estados, Municípios e do Distrito Federal” 56 (p. 1). Nenhum espaço no website da Anvisa foi dedicado à publicação de planos de minimização de riscos de medicamentos - uma nova estratégia de farmacovigilância de avaliação do benefício-risco de medicamentos novos e biológicos - com vista a nortear as ações de segmentos da sociedade 59.
A área de farmacovigilância da Anvisa tem publicado informes e alertas de segurança para a divulgação de informações destinados, principalmente, aos profissionais da saúde. No período de 2001 a 2015, foram publicados 84 informes (média de 5,6/ano) que abordaram aspectos sobre segurança de medicamentos 60. Quanto aos alertas, entre 2000 e 2009, foram publicados 67, dos quais 48 (72%) se referiram à RAMs 61.
Não foi encontrada publicação direcionada ao cidadão que estimulasse a notificação de EAMs ou que contivesse informações sobre a possibilidade de que qualquer medicamento pode produzir um aumento de riscos à saúde, se não for bem orientado e utilizado 60. Também não foi identificado qualquer tipo de atividade de detecção, avaliação e monitoramento de sinais de segurança que sinalizasse o acompanhamento de medicamentos suspeitos de ocasionar eventos adversos.
O Quadro 2 sumariza parte dos achados da evolução do SINAF e de seus elementos-chave, assim como menciona outras informações advindas da revisão de escopo, como, por exemplo, o Relatório de Atividades da Anvisa 62, que visa a utilizar o conjunto das informações para averiguar o atendimento aos requisitos mínimos propostos pela OMS.
Quadro 2 Descrição do Sistema Nacional de Farmacovigilância (SINAF) do Brasil, entre janeiro de 1999 e março de 2016, segundo os requisitos mínimos da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Requisitos mínimos | Atendido (ou não) |
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1. Centro Nacional de Farmacovigilância |
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Arcabouço legal, estrutura e funções do SINAF |
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Financiamento do SINAF |
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Quadro de funcionários que atuam no SINAF |
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Programa Internacional de Monitoramento de Medicamentos da OMS |
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2. Sistema nacional de notificações espontâneas com formulário de reação adversa a medicamentos |
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3. Base de dados nacional de registro e monitoramento de EAMs |
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4. Comitê consultivo para ações de farmacovigilância no país |
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5. Estratégia de comunicação para as ações de farmacovigilância |
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Anvisa: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; Cateme: Câmara Técnica de Medicamentos; CNMM: Centro Nacional de Monitorização de Medicamentos; DRM: Detentores de Registros de Medicamentos; EAMs: eventos adversos a medicamentos; IC: informações provenientes de técnico (informante-chave); Notivisa: Sistema Nacional de Notificações para a Vigilância Sanitária.
Fonte: adaptado de Maigetter et al. (1).
* US$ 299.056.418,90 (US$ 1,00 = R$ 2,65);
** 200 milhões foi a população do Brasil considerada no ano de 2014;
*** População média do período foi de 193.206.365 habitantes.
Este estudo descreveu e caracterizou a evolução e elementos constituintes do SINAF, a partir de iniciativas desenvolvidas, sobretudo pela Anvisa, além da averiguação em análise comparativa dos requisitos mínimos para sistema funcional de farmacovigilância propostos pela OMS 13. Ainda que de cunho descritivo, a presente análise representa potencial benefício nas ações de avaliação do SINAF e identificação de suas limitações 1, pois questões relacionadas ao seu desempenho podem ser identificadas nesta fase 8,9.
A caracterização da farmacogovernança permite ainda compreender os sistemas de farmacovigilância, a exemplo do SINAF, como uma estrutura-chave não apenas para o processamento e análise de EAMs, mas também para as relações entre os diferentes atores sociais envolvidos (usuários, profissionais de saúde, agentes reguladores) na configuração de práticas que dão materialidade às políticas públicas do uso seguro de medicamentos. Embora o CNMM atenda a requisito formal da OMS para constituição de sistema funcional de farmacovigilância, não foram identificados documentos e estudos que demonstrassem suas intencionalidades e contribuições na consolidação de um sistema nacional, seja pelas características de marcada descentralização das ações em um sistema de saúde interfederativo como o brasileiro, seja pela ausência de mecanismos de integração entre as ações do CNMM e demais atividades da estrutura de farmacogovernança no país.
Observou-se, também, uma dificuldade em definir claramente a estrutura organizacional, funcional e orçamentária do CNMM e GFARM e os atores-chave na constituição da farmacogovernança do país 2. Não foram encontrados documentos ou estudos que especificassem dotações orçamentárias direcionadas às ações programáticas de farmacovigilância no Brasil. A insuficiência orçamentária para ações de farmacovigilância foi descrita em alguns países, como Índia, Uganda e África do Sul 1. Como em outros países de renda baixa a média, o financiamento das ações da GFARM/Anvisa faz parte do orçamento geral para as atividades reguladoras do país, não especificamente destinado à farmacovigilância 12 ou ao CNMM. A literatura ainda sugere que não há uma distribuição equitativa dos recursos destinados ao monitoramento e avaliação da segurança de medicamento no Brasil 2.
A criação de uma área técnica de farmacovigilância na Anvisa e definição de suas atribuições, em 1999, compreenderam avanço indubitável no desenvolvimento das atividades regulatórias e na própria conformação do SINAF. Porém, não foi encontrada legislação que tenha instituído oficialmente o SINAF no país, ainda que tratativas feitas desde 1995 apontem para o estabelecimento de um sistema nacional de farmacovigilância 63. Documentos produzidos pela área técnica da Anvisa 15,64, estudos científicos 2,22,30,65 e legislação de política nacional 66 têm feito referência a esse sistema, inclusive com questionamento a essa lacuna 30 e justificando a necessidade de sua existência e funcionamento 25.
Não foram identificados estudos que avaliassem estratégias de estímulo à notificação de EAMs, ainda que seja claramente fator limitador das ações de farmacovigilância. Da mesma forma, não foram encontrados documentos que apontassem a necessidade de priorização de métodos ativos de notificação e registro de EAMs 1. Estudos mostram que sistema de vigilância passivo apenas captura entre 1% e 10% das reações adversas 67, ressaltando a priorização de metodologias ativas de vigilância ativa na identificação de EAMs 1. A exigência legal da notificação obrigatória para os DRMs e serviços de saúde pode contribuir para a redução da subnotificação no Brasil. Além disso, os programas Farmácias Notificadoras e Médicos Sentinelas têm um potencial para expandirem o registro das notificações de EAMs. Entretanto, a participação deles, até então, é quase ou talvez inexistente 2,46.
Embora o dimensionamento de pessoal envolvido nas atividades de farmacovigilância no âmbito federal atenda aos requisitos mínimos da OMS (pelo menos um em tempo integral de dedicação), cabe considerar que as necessidades são mais amplas em um sistema de saúde descentralizado de monitoramento de eventos adversos e em país com dimensões continentais como o Brasil. A carência de profissionais foi identificada como um dos maiores desafios nos sistemas de farmacovigilância de países com renda baixa a média 12, como Índia, Uganda, África do Sul 1, entre outros.
No período analisado, não foi identificado nenhum instrumento legal que tenha instituído comitê consultivo de farmacovigilância em caráter de assessoramento técnico ao SINAF, em particular, quanto às ações desenvolvidas pelo CNMM, comprometendo o atendimento a todos os requisitos mínimos para um sistema funcional de farmacovigilância propostos pela OMS 13. No entanto, em 7 de novembro de 2017, por meio da Portaria nº 1.85768, a Anvisa constituiu uma Câmara Técnica de Farmacovigilância em resposta à necessidade de existência desse comitê. O recente funcionamento dessa instância impede uma análise mais delongada sobre sua influência no SINAF.
A taxa de notificação de casos de EAMs no Brasil (29/1 milhão de habitantes), em 2011, foi substancialmente inferior àquela encontrada na África do Sul (77/1 milhão de habitantes), superior à indiana (15/1 milhão de habitantes) 1 e muito afastada da meta proposta pela literatura internacional, que sugere 300 notificações para cada 1 milhão de habitantes 69. Alguns motivos da baixa taxa de notificação são atribuídos à percepção do profissional da saúde de que a tarefa de notificar é vista como um trabalho adicional frente às demais tarefas, incluindo a notificação de outros agravos à saúde, a falta de formação de médicos e farmacêuticos e raras iniciativas governamentais de estímulo à notificação de casos de RAMs 1. Talvez a efetivação de estratégias, como Médicos Sentinelas e Farmácias Notificadoras, e ênfase à formação dos profissionais da saúde em nível de graduação possam contribuir para o aumento da taxa de notificação de EAMs no Brasil. As baixas taxas de notificações, somadas às notificações de paciente/familiares/cidadão do Estado de São Paulo fora do Notivisa-medicamento, dificultam a detecção e monitoramento de sinais de segurança, avaliação de riscos e adoção de medidas regulatórias necessárias para proteger os pacientes 1.
A revisão de escopo prevê que existam desigualdades em relação às atuais formas de comunicação do risco ao identificar problemas de segurança relacionados a medicamentos 2. A GFARM publica diferentes documentos direcionados principalmente aos profissionais da saúde. No entanto, a comunicação eficaz voltada para o cidadão ainda é um desafio. Para serem efetivas, as atividades de qualquer sistema de farmacovigilância necessitam definir estratégias de comunicação com o cidadão/paciente, com profissionais da saúde e entre esses dois grupos da sociedade 70. A falta de divulgação de planos de minimização de risco de medicamentos foi outra deficiência identificada. Os profissionais da saúde devem conhecer as principais informações contidas nesses documentos, com vistas a orientar melhor sua prática clínica e, assim, minimizar os riscos à saúde dos pacientes 59.
O estudo tem limitações que podem ser atribuídas às características de uma revisão de escopo, incluindo o processo de identificação, seleção e análise das publicações e a análise documental realizada a partir da ótica dos autores, seja em função da sua compreensão das ações de farmacovigilância, seja porque a análise documental pode não ser suficiente para identificar todos os elementos constituintes das políticas de farmacovigilância. Revisões de escopo usualmente apresentam questões de pesquisa mais amplas do que as revisões sistemáticas, além de métodos de síntese mais qualitativos, visando a identificar parâmetros e lacunas em temas específicos 71.
Não foram incluídas outras fontes de dados internacionais, como Embase, Internacional Pharmaceuticals Abstracts (IPA), Web of Science e Scopus, podendo significar eventual não identificação de estudos relevantes. Um estudo sobre a produção científica de vigilância sanitária de medicamentos no Brasil, que pesquisou as fontes de dados supracitadas, encontrou 16 estudos relacionados à “farmacovigilância” entre 1999 e 2011 72. Desses resultados, apenas cinco estudos estavam alinhados à nossa questão de pesquisa, e todos haviam sido identificados na fase 1 da revisão de escopo, a qual tem a finalidade de explorar padrões e, por isso, não tem a intenção de produzir uma busca bibliográfica exaustiva 73.
A percepção pessoal dos autores pode ter influenciado a identificação e seleção de publicações no Google, Imprensa Nacional e, em especial, no website da Anvisa, haja vista as limitações inerentes ao seu sistema de busca. Pode ter ocorrido perda de alguma publicação na pesquisa feita no Google, em função da delimitação estabelecida para os cem primeiros resultados. Além disso, não foi contatado qualquer especialista para sugerir alguma publicação adicional relevante que porventura tenha deixado de ser incluída na revisão de escopo. Também as dificuldades em recuperar a chamada literatura cinza podem ter, de certa maneira, influenciado os resultados. Outra limitação diz respeito ao objetivo da revisão, que foi dirigido a descrever o SINAF, sob a perspectiva das ações desenvolvidas pela Anvisa, não tendo como alvo as iniciativas conduzidas pelas vigilâncias sanitárias estaduais, municipais e distrital e demais atores relevantes na farmacogovernança do Brasil. Assim, os achados da pesquisa refletem apenas uma parte do SINAF.
Apesar de não ter sido planejada a avaliação da qualidade metodológica das publicações, em particular dos estudos científicos, dois estudos foram excluídos na etapa de análise do texto completo, visto que apresentavam limitações importantes relacionadas a qualidade, à luz da vivência dos pesquisadores. A necessidade de avaliação da qualidade dos estudos deve considerar os desafios relativos à avaliação dos tipos e quantidade de publicações e modelos de estudo que podem ser incluídos na revisão, inviabilizando ou não a pesquisa em si 74. Em nosso estudo, a maioria das publicações foi de natureza técnico-jurídicas, que se mostraram tão ou mais importantes que os artigos científicos e, de certo modo, suficientes para ajudar na caracterização do SINAF.
A segurança e efetividade dos medicamentos dependem de sistemas de regulação e de farmacogovernança 2 e, em particular, de um sistema funcional de farmacovigilância, pois o perfil de segurança de muitos medicamentos estudados em países desenvolvidos não pode, necessariamente, ser generalizado para os países em desenvolvimento, onde a incidência, padrão de uso, incluindo comportamento de riscos das pessoas, e gravidade das reações adversas podem diferir acentuadamente, por causa do meio ambiente e de influências genéticas 75. No entanto, há preocupações reais que reverberam na capacidade do SINAF de monitorar e controlar eficazmente o mercado de medicamentos no Brasil, um dos maiores do mundo e com crescente demanda 76. Por exemplo, a taxa média de notificação identificada neste estudo, por milhão de habitantes, denota ausência de magnitude suficiente para detecção significativa de sinais de segurança. Dado o caráter chave do papel de sistemas de farmacovigilância na constituição das práticas e da estrutura de farmacogovernança no país, a análise das características e limitações do SINAF representa potencial contribuição não apenas para o aperfeiçoamento do sistema propriamente dito, como também no fortalecimento de políticas públicas voltadas para o uso seguro de medicamentos no Brasil.