versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.109 no.6 São Paulo dez. 2017 Epub 13-Nov-2017
https://doi.org/10.5935/abc.20170172
O impacto da regurgitação paravalvular (RPV) após implante de valva aórtica transcateter (TAVI) permanece incerto.
Analisar o impacto da RPV na mortalidade e re-hospitalização 1 ano após o TAVI.
Entre janeiro de 2009 e junho de 2015, 251 pacientes foram submetidos ao TAVI em dois centros cardiológicos com 3 diferentes próteses. Os pacientes foram analisados de acordo com a gravidade da RPV pós-procedimento.
RPV foi classificada como ausente/mínima ou discreta em 92,0% (n=242) dos pacientes e moderada/grave em 7,1% (n = 18). Os pacientes com RPV moderada/importante apresentaram maior grau de calcificação aórtica (22,0% vs. 6,0%; p = 0,03), creatinina sérica (1,53 ± 0,71 vs. 1,18 ± 0,43 mg/dL; p = 0,01), menor área valvar aórtica (0,61 ± 0,12 vs. 0.69 ± 0,17 cm2; p = 0,05) e menor fração de ejeção do ventrículo esquerdo (49,17±14,79% vs. 58,82±12,14%; p = 0,009). Nos pacientes com RPV moderada/importante a necessidade de pós-dilatação foi maior (p = 0,025) e eventualmente com balão de diâmetro maior (p = 0,04). Ao final de 1 ano, a mortalidade por todas as causas foi similar em ambos os grupos (16,7% vs. 12,0%; p = 0,08), assim como re-hospitalização (11,1% vs. 7,3%; p = 0,91). O grau de RPV ao longo do primeiro ano reduziu progressivamente (p < 0,01). A presença de RPV moderada/importante não foi associada a maiores taxas de mortalidade em 1 ano [RR (risco relativo): 0,76; IC (intervalo de confiança) 95%: 0,27-2,13; p = 0,864)], re-hospitalização (RR: 1,08; IC 95%: 0,25-4,69; p = 0,915) ou desfecho combinado (RR: 0,77; IC 95%: 0,28-2,13; p = 0,61).
Nesta amostra, a presença de regurgitação paravalvular moderada/importante não foi um preditor de mortalidade ou reinternação a longo prazo. (Arq Bras Cardiol. 2017; [online].ahead print, PP.0-0)
Palavras-chave: Insuficiência da Valva Aórtica / complicações; Implante de Prótese de Valva Aórtica; Prognóstico; Mortalidade
The impact of paravalvular regurgitation (PVR) following transcatheter aortic valve implantation (TAVI) remains uncertain.
To evaluate the impact of PVR on mortality and hospital readmission one year after TAVI.
Between January 2009 and June 2015, a total of 251 patients underwent TAVI with three different prostheses at two cardiology centers. Patients were assessed according to PVR severity after the procedure.
PVR was classified as absent/trace or mild in 92.0% (n = 242) and moderate/severe in 7.1% (n = 18). The moderate/severe PVR group showed higher levels of aortic calcification (22% vs. 6%, p = 0.03), higher serum creatinine (1.5 ± 0.7 vs. 1.2 ± 0.4 mg/dL, p = 0.014), lower aortic valve area (0.6 ± 0.1 vs. 0.7 ± 0.2 cm2, p = 0.05), and lower left ventricular ejection fraction (49.2 ± 14.8% vs. 58.8 ± 12.1%, p = 0.009). Patients with moderate/severe PVR had more need for post-dilatation (p = 0.025) and use of larger-diameter balloons (p = 0.043). At one year, all-cause mortality was similar in both groups (16.7% vs. 12%, p = 0.08), as well as rehospitalization (11.1% vs. 7.3%, p = 0.915). PVR grade significantly reduced throughout the first year after the procedure (p < 0.01). The presence of moderate/severe PVR was not associated with higher one-year mortality rates (HR: 0.76, 95% CI: 0.27-2.13, p = 0.864), rehospitalization (HR: 1.08, 95% CI: 0.25-4.69, p=0.915), or composite outcome (HR: 0.77, 95% CI: 0.28-2.13, p = 0.613).
In this sample, moderate/severe PVR was not a predictor of long-term mortality or rehospitalization. (Arq Bras Cardiol. 2017; [online].ahead print, PP.0-0)
Keywords: Aortic Valve Insufficiency / complications; Heart Valve Prosthesis Implantation; Prognosis; Mortality
Os pacientes com estenose aórtica grave, sintomáticos, de alto risco cirúrgico, tiveram uma evolução favorável, quando tratados com implante de prótese aórtica transcateter (TAVI), conforme descrito em vários estudos randomizados.1-3
Apesar de essa técnica ter alcançado relativa maturidade, a regurgitação paravalvar (RPV) continua sendo uma possível complicação pós-TAVI. Ainda não está claramente definido se a presença de RPV está diretamente relacionada a pior prognóstico, ou trata-se simplesmente de uma associação.4
No grupo de pacientes inoperáveis do estudo PARTNER (Placement of Aortic Transcatheter Valves), a presença de RPV moderada/grave teve um impacto negativo na mortalidade por todas as causas em 1 ano de seguimento.2 Por outro lado, no grupo de pacientes com alto risco, mesmo a presença de RPV discreta pós-TAVI foi associada com aumento de mortalidade.5,6 No entanto, em outro estudo randomizado entitulado CoreValve U.S. Pivotal Trial,3 observou-se uma gradual redução da gravidade da RPV no decorrer de um ano, e apenas a RPV grave foi associada com mortalidade.
O objetivo do presente estudo é avaliar a presença e evolução do grau de RPV ao longo do primeiro ano pós-TAVI, e seu impacto nos desfechos clínicos adversos.
O exame de ecocardiograma, com análise da área valvar aórtica (AVA) e regurgitação aórtica, era realizado em todos os pacientes utilizando o método multiparamétrico conforme as diretrizes.7,8
Para a estimativa de risco, foram utilizados as recomendações do STS9 (Society of Thoracic Surgeons), o EuroSCORE10 (European System for Cardiac Operative Risk Evaluation) logístico e o EuroSCORE II.11
Todos os pacientes com estenose aórtica grave (área valvar ≤1,0 cm2), sintomáticos e com alto risco cirúrgico, que foram submetidos ao TAVI entre janeiro de 2009 e junho de 2015 em dois centros cardiológicos brasileiros de referência foram incluídos nesta análise. A equipe multidisciplinar foi semelhante em ambos os centros.
Os dados foram coletados do banco de dados de cada instituição, registrados em formulários apropriados desenvolvidos para o estudo e armazenados em planilhas eletrônicas.
O seguimento clínico e ecocardiográfico foi realizado em 30 dias, 6 meses e 1 ano, com visitas médicas e contato telefônico, conforme a prática clínica de cada centro.
Os pacientes foram incluídos nesse estudo prospectivo após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de cada instituição em conformidade com os princípios da Declaração de Helsinki.
As próteses percutâneas utilizadas foram as auto-expansíveis CoreValve (Medtronic, Minneapolis, EUA) e a Acurate (Symetis SA, Lausanne, Suíça), além da prótese balão-expansível Edwards Sapien-XT (Edwards Lifesciences, Irvine, EUA) cuja escolha era realizada pelo operador.
A maioria dos procedimentos foi feita sob anestesia geral e com o uso do ecocardiograma transesofágico durante o procedimento. O acesso vascular transfemoral foi indicado em todos os pacientes com acesso vascular favorável, sendo utilizado o dispositivo hemostático específico de fechamento arterial mediado por sutura Perclose Proglide® (Abbott Vascular™, Santa Clara, EUA) ou acesso cirúrgico. Em caso da impossibilidade da via transfemoral, utilizou-se o acesso transapical, transaórtico ou a via subclávia. A pré-dilatação, assim como a pós-dilatação, foi realizada a critério da equipe de intervenção. Quando possível, os pacientes foram extubados ainda na sala do procedimento e mantidos em observação na Unidade de Terapia Intensiva por 24-48h. A alta hospitalar ocorreu de acordo com a evolução clínica pós-TAVI. Os dados hemodinâmicos após o implante foram obtidos intra-procedimento e por meio do ecocardiograma antes da alta hospitalar.
Foi considerado sucesso do dispositivo: implante de uma única prótese em local planejado, com ausência de desproporção prótese-paciente (mismatch), obtenção de gradiente transvalvar aórtico médio < 20 mmHg e ausência de regurgitação aórtica maior ou igual a moderada, conforme resultado do ecocardiograma.
Os desfechos primários foram definidos de acordo com os critérios Valve Academic Research Consortium (VARC-2)12,13 e sistematicamente avaliados por dois cardiologistas experientes. O desfecho primário foi composto por mortalidade global e re-hospitalização devido a causa cardíaca. Os desfechos secundários considerados foram óbito de origem cardíaca, classificação de dispneia da NYHA (New York Heart Association), infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico.
O seguimento clínico e ecocardiográfico foi feito em 30 dias após a alta e a cada seis meses.
A terapia dupla de antiagregação plaquetária foi iniciada com uma dose de ataque de clopidogrel e ácido acetilsalicílico (AAS) 24h antes do procedimento, mantendo-se clopidogrel 75 mg/dia até 6 meses e AAS 100 mg/dia contínuo.
A avaliação da prótese aórtica foi realizada de acordo com os critérios do Valve Academic Research Consortium (VARC-1), Sociedade Americana de Ecocardiografia e Sociedade Européia de Ecocardiografia.1,8,14,15
O ecocardiograma foi realizado por dois ecocardiografistas experientes e os pacientes foram classificados de acordo com o grau de RPV em ausente/mínimo, discreto, moderado ou grave utilizando critério semi-quantitativo, como previamente descrito.16
As variáveis contínuas foram descritas como média e desvio padrão e comparadas usando um teste ANOVA (one-way) após testar a normalidade da distribuição pelo teste de Shapiro-Wilk. As variáveis categóricas foram descritas como números absolutos e percentuais e foram analisadas pelo teste do qui-quadrado ou exato de Fisher quando apropriado. Para se analisar a magnitude da evolução da RPV a partir da RPV pós-procedimento, a homogeneidade da distribuição em cada subgrupo da RPV ao longo do tempo foi testada pelo teste de Stuart-Maxwell (Teste de McNemar generalizado). A análise de sobrevida foi realizada por meio do método de Kaplan-Meier e a diferença entre os subgrupos de RPV foi comparada usando o teste de log-rank. Os valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Para realização das análises, foram utilizados o programa R, versão 3.1 (The R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria) e o programa SPSS (Statistical Package for the Social Science, Chicago, EUA) versão 20.
No período estudado, um total de 259 pacientes foram submetidos ao TAVI. Seis pacientes morreram durante o procedimento e dois pacientes perderam o seguimento e, portanto, foram excluídos dessa pesquisa. Dos 251 restantes, o estudo ecocardiográfico realizado antes da alta hospitalar, identificou 18 pacientes (7,1%) com RPV moderada (Grupo 1) e 233 pacientes (92,8%) do Grupo 2, com RPV ausente/mínima (n = 145) ou discreta (n = 88). Não houve nenhum caso de RPV grave nessa amostra.
A média das idades foi de 82,16 ± 6,70 anos, e mais da metade dos pacientes (55,5%) era do sexo feminino. Em 224 pacientes (89,2%), o TAVI foi realizado pelo acesso transfemoral. A média do STS escore foi de 6,62 ± 4,78%, e 78,9% apresentavam-se com insuficiência cardíaca classe funcional NYHA III ou IV. O grupo 1 apresentava valva aórtica com maior grau de calcificação (22,0% vs. 6,0%; p = 0,03), níveis de creatinina mais elevados (1,53 ± 0,71 vs. 1,18 ± 0,43 mg/dL; p = 0,014), AVA menor (0,61 ± 0,12 vs. 0,69 ± 0,17 cm2; p = 0,05) e disfunção ventricular esquerda mais acentuada (49,17 ± 14,79% vs. 58,82 ± 12,14%; p = 0,009). As características basais da população estudada estão apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1 Características basais
Todos (n = 251) | RPV moderada/grave (n = 18) | RPV ausente/mínima ou leve (n = 233) | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
Características clínicas | ||||
Idade (anos) | 82,16 ± 6,70 | 80,50 ± 7,96 | 82,28 ± 6,59 | 0,680 |
Sexo feminino | 138 (55,5%) | 6 (33,3%) | 132 (56,7%) | 0,083 |
Peso (kg) | 68,42 ± 12,87 | 67,33 ± 12,69 | 68,51 ± 12,91 | 0,592 |
IMC (kg/m2) | 26,44 ± 4,49 | 25,43 ± 4,32 | 26,52 ± 4,50 | 0,320 |
Síncope/Pré-síncope | 52 (20,7%) | 5 (27,8%) | 47 (20,2%) | 0,442 |
DM | 85 (33,9%) | 5 (27,8%) | 80 (34,3%) | 0,571 |
DM insulino-dependente | 21 (8,4%) | 1 (5,6%) | 10 (8,6%) | 0,654 |
DPOC | 36 (14,3%) | 2 (11,1%) | 34 (14,6%) | 0,684 |
Dislipidemia | 159 (63,3%) | 12 (66,7%) | 147 (63,1%) | 0,761 |
Hipertensão | 208 (82,9%) | 15 (83,3%) | 193 (82,8%) | 0,956 |
Tabagismo | 44 (17,5%) | 4 (22,2%) | 40 (17,2%) | 0,586 |
DVP | 54 (21,5%) | 4 (22,2%) | 50 (21,5%) | 0,939 |
Doença carotídea | 44 (17,5%) | 4 (22,2%) | 40 (17,2%) | 0,586 |
Fibrilação atrial | 2 (0,8%) | 1 (5,6%) | 1 (0,4%) | 0,138 |
AVC prévio | 14 (5,6%) | 1 (5,6%) | 13 (5,6%) | 0,996 |
Sequela neurológica | 13 (5,2%) | 1 (5,6%) | 12 (5,2% | 0,940 |
DAC ≥ 50% | 131 (52,2%) | 9 (50%) | 122 (52,4%) | 0,846 |
CRM | 52 (20,7%) | 4 (22,2%) | 48 (20,6%) | 0,771 |
ICP prévia | 62 (24,7%) | 3 (16,7%) | 59 (25,3%) | 0,573 |
IAM | 43 (17,1%) | 5 (27,8%) | 38 (16,3%) | 0,213 |
IAM < 30 dias | 3 (1,2%) | 1 (5,6%) | 2 (0,9%) | 0,07 |
MP prévio | 28 (11,2%) | 1 (5,6%) | 27 (11,6%) | 0,702 |
CDI prévio | 2 (0,8%) | 0 | 2 (0,9%) | 0,861 |
NYHA | 0,841 | |||
I | 11 (4,5%) | 0 | 11 (4,9%) | |
II | 41 (16,8%) | 2 (11,1%) | 39 (17,3%) | |
III | 159 (65,2%) | 14 (77,8%) | 145 (64,2%) | |
IV | 33 (13,5%) | 2 (11,1%) | 31 (13,7%) | |
Aorta em porcelana | 13 (5,2%) | 2 (11,1%) | 11 (4,7%) | 0,238 |
Valvuloplastia prévia | 17 (6,8%) | 3 (16,7%) | 14 (6,0%) | 0,111 |
Creatinina (mg/dL) | 1,21 ± 0,47 | 1,53 ± 0,71 | 1,18 ± 0,43 | 0,014 |
TFG (mL/min.1.73m2) | 42,97 ± 26,58 | 38,3 ± 13,53 | 43,3 ± 27,39 | 0,374 |
Cl. Creat. < 50 mLmin.1.73m2 | 142 (56,6%) | 14 (77,8%) | 128 (54,9%) | 0,05 |
Log. EuroSCORE (%) | 21,5 ± 11,96 | 25,17 ± 13,26 | 21,21 ± 11,83 | 0,211 |
EuroSCORE II (%) | 7,57 ± 6,30 | 7,5 ± 6,19 | 8,34 ± 7,77 | 0,849 |
STS (%) | 6,62 ± 4,78 | 6,35 ± 2,46 | 6,64 ± 4,92 | 0,462 |
Variáveis ecocardiográficas | ||||
AVA (cm2) | 0,69 ± 0,17 | 0,61 ± 0,12 | 0,69 ± 0,17 | 0,056 |
Anel valvar aórtico (cm2) | 22,32 ± 5,25 | 20,93 ± 8,99 | 22,43 ± 4,86 | 0,287 |
FEVE (%) | 58,11 ± 12,58 | 49,17 ± 14,79 | 58,82 ±12,14 | 0,009 |
Gradiente médio (mmHg) | 53,58 ± 15,62 | 52,44 ± 20,51 | 53,67 ± 15,22 | 0,471 |
Gradiente máximo (mmHg) | 86,45 ± 23,34 | 85,94 ± 31,24 | 86,49 ± 22,7 | 0,701 |
Continuação | ||||
DDFVE (mm), média ± DP | 50,81 ± 7,28 | 54,76 ± 8,04 | 50,51 ± 7,16 | 0,030 |
PAP (mmHg), média ± DP | 49,14 ± 14,0 | 51,18 ± 13,22 | 48,97 ± 14,08 | 0,451 |
Calcificação de valva aórtica de grau acentuado | 18 (7,2%) | 4 (22,2%) | 14 (6,0%) | 0,030 |
Grau de regurgitação aórtica ≥ 2 | 25 (7,6%) | 3 (16,7%) | 16 (6,9%) | 0,297 |
Grau de regurgitação mitral ≥ 2 | 47 (17,5%) | 5 (27,8%) | 42 (16,7%) | 0,395 |
Dados são expressos em média ± DP ou número absoluto e porcentagem, se apropriado. AVA: área valvar aórtica; IMC: índice de massa corpórea; CRM: cirurgia de revascularização miocárdica; DAC: doença arterial coronariana; Cl-Creat: clearance de creatinina calculado pela fórmula Cockroft-Gault; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; DM: diabetes mellitus; EuroSCORE: european system for cardiac operative risk evaluation; DDFVE: diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo; CDI: cardiodesfibrilador implantável; MP: marcapasso; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; DVP: doença vascular periférica; IAM: infarto agudo do miocárdio; ICP: intervenção coronária percutânea; PAP: pressão arterial pulmonar; STS: Society of Thoracic Surgeons; NYHA: classe funcional New York Heart Association.
Nos pacientes com RPV moderada/grave, houve uma maior necessidade de pós-dilatação (p = 0,025), assim como eventualmente a necessidade de uso de balões de diâmetros maiores (p = 0,043). Os dados e características do procedimento de TAVI estão apresentados na Tabela 2.
Tabela 2 Dados do procedimento de implante de valva aórtica transcateter
Todos (n = 251) | RPV moderada/grave (n = 18) | RPV ausente/mínima ou leve (n = 233) | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
Tempo de procedimento (min) | 97,55 ± 47,32 | 125,06 ± 39,97 | 95,41 ± 47,25 | 0,002 |
Volume de contraste (mL) | 128,31 ± 74,32 | 123,75 ± 35,19 | 128,64 ± 76,45 | 0,479 |
Tipo de prótese | 0,350 | |||
Sapien-XT | 96 (38,3%) | 4 (22,2%) | 92 (39,5%) | |
CoreValve | 95 (37,8%) | 9 (50%) | 86 (36,9%) | |
Acurate | 60 (23,9%) | 5 (27,8%) | 55 (23,6%) | |
Anestesia geral | 242 (96,4%) | 18 (100%) | 224 (96,1%) | 0,395 |
Via de acesso | 0,680 | |||
Femoral | 224 (89,2%) | 17 (94,4%) | 207 (88,8%) | |
Transapical | 10 (4,0%) | 0 | 10 (4,3%) | |
Transaórtica | 13 (5,2%) | 1 (5,6%) | 12 (5,2%) | |
Subclávia | 1 (0,4%) | 0 | 1 (0,4%) | |
Dispositivos de compressão hemostática | 170 (75,7%) | 13 (72,2%) | 177 (76%) | 0,792 |
Valvuloplastia pré, intra-procedimento | 185 (73,7%) | 16 (88,9%) | 169 (72,5%) | 0,128 |
Valvuloplastia pré, intra-procedimento (diâmetro do balão) | 19,31 ± 6,37 | 18,17 ± 8,48 | 19,42 ± 6,14 | 0,556 |
Pós-dilatação | 80 (31,9%) | 10 (55,6%) | 70 (30%) | 0,025 |
Pós-dilatação (diâmetro do balão) | 23,19 ± 1,94 | 24,2 ± 0,92 | 23,04 ± 2 | 0,043 |
Necessidade de MP definitivo | 29 (11,6%) | 2 (11,1%) | 27 (11,6%) | 0,953 |
Variáveis ecocardiográficas pós-procedimento | ||||
AVA (cm2) | 1,88 ± 0,29 | 1,89 ± 0,23 | 1,88 ± 0,30 | 0,742 |
FEVE (%) | 58,61 ± 13,54 | 51,56 ± 19,73 | 59,2 ± 12,77 | 0,175 |
DDFVE (mm) | 49,48 ± 10,53 | 51,94 ± 15,11 | 49,26 ± 10,07 | 0,027 |
Gradiente médio (mmHg) | 10,70 ± 4,70 | 11,00 ± 3,79 | 10,67 ± 4,77 | 0,684 |
Gradiente máximo (mmHg) | 20,18 ± 8,30 | 20,56 ± 7,28 | 20,15 ± 8,40 | 0,847 |
PAP (mmHg) | 45,83 ± 16,74 | 53,67 ± 18,78 | 45,05 ± 16,37 | 0,225 |
Dados são expressos em média ± DP ou número absoluto e porcentagem se apropriado. AVA: área valvar aórtica; DDFVE: diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; IAM: infarto agudo do miocárdio; PAP: pressão arterial pulmonar; MP: marca-passo.
Ao final de um ano, 134 pacientes apresentavam duas análises ecocardiográfica (pós-procedimento e 1 ano), e desses, houve uma melhora de pelo menos 1 grau de RPV ou sem mudanças em 111 (82,8%) pacientes (p < 0,01) e uma piora em 23 (17,1%) (Figura 1). Dos 18 pacientes com RPV moderada e grave antes da alta hospitalar, 16 (88,9%) apresentaram uma melhora de pelo menos 1 grau em 1 ano de seguimento e nenhum paciente evoluiu com RPV grave.
Figura 1 Distribuição da proporção de pacientes com diferentes graus de regurgitação paravalvar (RPV) ao longo de 1 ano após implante transcateter de valva aórtica (TAVI) com análise ecocardiográfica seriada. *avaliação ecocardiográfica antes da alta hospitalar.
O seguimento médio dos pacientes foi de 13,2 meses (intervalo interquartil: 1,15-13,08). Ao final de 1 ano, a mortalidade por todas as causas foi similar em ambos os grupos (16,7% vs. 12,0%; p = 0,081), assim como a re-hospitalização por causa cardíaca (11,1% vs. 7,3%; p = 0,915). Não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos na mortalidade por todas as causas (RR: 0,76; IC 95%: 0,27-2,13; p = 0,864), re-hospitalização por causa cardíaca (RR: 1,08; IC 95%: 0,25-4,69; p = 0,915), ou ao desfecho combinado (RR: 1,06; IC 95%: 0,54-2,06; p = 0,873) (Figura 2). Da mesma forma, não houve diferenças entre os grupos em relação a outros desfechos clínicos ao longo de 1 ano (Tabela 3).
Figura 2 Curvas de Kaplan-Meier demonstrando a comparação da taxa de sobrevida acumulada livre de óbito por todas as causas ou necessidade de re-hospitalização por causa cardíaca ao longo do primeiro ano após implante transcateter de valva aórtica (TAVI) em pacientes com regurgitação paravalvar (RPV) ausente/mínima ou discreta em comparação com pacientes com RPV moderada a grave
Tabela 3 Taxa de eventos um ano após implante de valva aórtica transcateter
Todos (n = 251) | RPV moderada/grave (n = 18) | RPV ausente/mínima ou leve (n = 233) | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
Eventos | ||||
Desfecho primário combinado | 54 (21,5%) | 4 (22,2%) | 50 (21,5%) | 0,614 |
Mortalidade por todas as causas | 31 (12,4%) | 3 (16,7%) | 28 (12,0%) | 0,811 |
Morte de causa cardiovascular | 22 (8,8%) | 3 (13,6%) | 19 (8,2%) | 0,218 |
Re-hospitalização por causa cardíaca | 19 (7,6%) | 2 (11,1%) | 17 (7,3%) | 0,915 |
AVC | 8 (3,2%) | 1 (5,6%) | 7 (3,0%) | 0,124 |
IAM | 2 (0,8%) | 0 | 2 (0,9%) | 1,000 |
Dados são expressos em média ± DP ou número absoluto (%), se apropriado. AVC: acidente vascular cerebral; IAM: infarto agudo do miocárdio; TAVI: implante de valva aórtica transcateter.
Com relação a sintomas de dispneia, aos 6 meses não houve diferença entre os grupos NYHA (p = 0,861), enquanto que ao final de 1 ano o grupo de RPV moderada/grave apresentou-se mais sintomático (p = 0,047) (Figura 3). Considerando apenas as classes funcionais III e IV, não houve diferença ao final de 6 meses (0% no grupo 1 vs. 4,7% no grupo 2, p = 0,99) ou 1 ano (6,7% no grupo 1 vs. 0,9% no grupo 2; p = 0,22).
Figura 3 Gráfico de barras mostrando a distribuição da proporção de pacientes com diferentes graus de regurgitação paravalvar (RPV) e classe funcional NYHA (New York Heart Association) pós-procedimento e ao longo de 1 ano após implante transcateter de valva aórtica (TAVI) *avaliação ecocardiográfica antes da alta hospitalar
A análise desta amostra de pacientes adiciona alguns aprendizados acerca da RPV pós-TAVI: 1) a ocorrência de RPV é relativamente frequente, porém discreta em sua maioria (92,6%); 2) os dados ecocardiográficos apontaram para uma involução do grau de RPV ao longo do primeiro ano; 3) os dados não demonstraram que a RPV moderada/grave esteja relacionada com pior prognóstico, apesar de que, ao final de 1 ano, esses pacientes tiveram mais sintomas de insuficiência cardíaca.
A ocorrência de RPV pós-TAVI é bastante variável (50-85%) entre os estudos,17 principalmente devido à dificuldade técnica para o diagnóstico e à curva de aprendizado, além das diferentes modalidades de exame de imagem, como ecocardiografia transtorácica e transeofágica, angiografia, angiotomografia computadorizada e ressonância magnética.18 A maior metanálise no assunto relata a incidência em torno de 7,4% de RPV moderada a grave, com próteses consideradas de primeira geração (Sapien-XT e CoreValve).19
Com as próteses mais recentes, como a SAPIEN-3 (Edwards Lifesciences, Irvine, EUA) e a CoreValve Evolut-R (Medtronic, Minneapolis, EUA) a incidência de RPV moderada/grave aos 30 dias foi em torno de 2,0-3,4%.20-22 Da mesma forma, com a expansão do TAVI para grupos de menor risco cirúrgico e o uso das novas próteses reposicionáveis como a Edwards CENTERA (Edwards Lifesciences, Irvine, EUA), JenaValve (JenaValve Technology Inc., Irvine, EUA), Lotus Valve™ System (Boston Scientific, Massachusetts, EUA) e Portico™ (St. Jude Medical Inc., Minnesota, EUA), o objetivo é uma redução cada vez maior. A estrutura inclui novos mecanismos para reduzir a incidência de RPV, como mecanismo de ancoragem ou saias adaptadas na parte inferior da prótese que promovem uma selagem das superfícies irregulares com o anel aórtico.
Nos pacientes com regurgitação moderada/importante a necessidade de pós-dilatação acabou sendo maior e eventualmente com balões de diâmetros maiores, muito provavelmente por calcificação valvar mais acentuada e anel valvar maior, além do maior tempo do procedimento, apesar de não ter sido feita uma análise de preditores independentes de RPV moderada a grave. Em outras séries já publicadas, um anel aórtico mais largo23 e calcificação importante também foram associados a maiores taxas de RPV após procedimento.24 De forma semelhante, o grupo 2 associou-se a uma amostra de pacientes mais debilitados, com uma menor AVA, maior disfunção ventricular esquerda e função renal mais deteriorada, o que gera uma tendência aos pacientes com RPV serem de maior gravidade antes do procedimento.
Classicamente, a RPV moderada a grave mostrou-se associada com desfechos clínicos ruins a curto e a longo prazo.6,17,25,26 No entanto, pouco se tem relatado sobre a progressão da RPV em função do tempo e sua associação com desfechos clínicos e piora dos sintomas. Os estudos iniciais com seguimento mais prolongado mostram uma redução da RPV moderada/grave, mas esse efeito pode ser atribuído ao óbito dos pacientes mais graves e com maior risco de óbito. A redução progressiva da gravidade da regurgitação pode estar também relacionada ao remodelamento do anel aórtico, expansão das bordas de nitinol e da alteração da geometria do ventrículo esquerdo.4,6,26,27
No estudo CoreValve U.S. Pivotal Trial,3 houve uma melhora progressiva do grau de RPV ao longo de 1 ano e apenas a RPV grave pós-TAVI teve associação com taxas de mortalidade mais elevadas, o que poderia ser atribuído ao remodelamento da raiz aórtica.3 Nesse estudo,3 entre a alta hospitalar e 1 ano de seguimento, 44% dos pacientes mostraram uma melhora da RPV em pelo menos 1 grau, e 18% pioraram, sendo a maioria com RPV discreta. No estudo de Oh et al.,27 dos pacientes com RPV moderada, 83% melhoraram em até 1 grau até 1 ano de seguimento, similar aos nossos resultados. No estudo PARTNER, 31,9% dos pacientes tiveram uma melhora no grau de RPV ao longo de 2 anos.16,28
A associação dos sintomas por meio da classificação NYHA com o grau de RPV não foi um fenômeno explorado nos estudos. Há um único estudo recente que mostrou que pacientes com maior gravidade na RPV apresentaram menor incremento na classe funcional NYHA do que os pacientes com RPV leve ou ausente aos 6 meses.4 Em nosso estudo, aos 6 meses, os pacientes que permaneceram com RPV moderada não se apresentaram com pior classe funcional NYHA, sendo que com 1 ano ocorreu o contrário. No entanto, considerando apenas as classes III e IV, não houve diferença e esse fenômeno precisa ser melhor elucidado.
Este foi um estudo retrospectivo e observacional, tendo, portanto, limitações óbvias. A amostra de pacientes é pequena, o que limita conclusões quanto aos desfechos clínicos e análise de preditores, sem poder suficiente para conclusões definitivas sobre análise de mortalidade principalmente. Além disso, o método único para avaliação da RPV (ecocardiografia), a quantificação do seu grau, a dificuldade técnica, e o fato da avaliação ser diferentes para próteses diferentes, são questões a serem consideradas. As análises ecocardiográficas não foram realizadas por um Core-lab independente, e os dados ecocardiográficos também não estavam disponíveis em todos os pacientes nos diferentes períodos de seguimento. Dessa forma, analisamos os dados aos pares. O estudo está bem representado como gerador de hipótese e sugere estudos complementares futuros sobre o tema.
A RPV após TAVI permanece frequente, e há diferenças nas características basais clínicas e ecocardiográficas entre os grupos de diferente gravidade. Nessa amostra, a presença de RPV moderada e grave após procedimento não foi um preditor de mortalidade ou reinternação de causa cardíaca a médio prazo, o que é de certa forma atribuído à melhora do grau de regurgitação ao longo do primeiro ano pós TAVI. Para estudos futuros, os autores acreditam que é crucial a identificação dos pacientes com maior risco de piora ou de não melhora da RPV, assim como do mecanismo relacionado, além de um seguimento mais prolongado desses pacientes.