versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.8 Rio de Janeiro ago. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015208.18752014
The research objective was to evaluate the association between socioeconomic and demographic variables of health-related behaviors and characteristics of the home environment and the prevalence of overweight among students from 1st to 5th grade in the city of Itajaí in the State of Santa Catarina, brazil. Socioeconomic and demographic variables were identified through a questionnaire administered to parents/guardians. Nutritional status was determined by body mass index and waist circumference. The association between excess weight and other variables was investigated using Pearson's Chi-Square and the Linear Trend test. The population consisted of 417 children, which represented 95.2% of the sample. The data suggest that 44% of children were overweight, which was associated with: a better quality diet (49.4%, p = 0.051), lower frequency of consumption of snack foods, habit of eating meals while watching the television, overweight parents (51%, p = 0,002), the score of family nutrition (51.9%, p = 0.029**) and physical activity in children. It is suggested that health actions must consider the family environment and the social context of children to promote healthier lifestyles.
Key words Child; Nutritional status; Overweight; Family; Eating habits
O Brasil é um país de contrastes, a população de crianças e jovens convive com agravos nutricionais decorrentes, principalmente, de uma alimentação inadequada em termos de qualidade e quantidade. Por estarem em contínuo crescimento e desenvolvimento, as crianças são especialmente susceptíveis a esses agravos, evoluindo com repercussões sistêmicas, atuais e futuras1.
Observa-se no Brasil aumento expressivo na prevalência de crianças com excesso de peso. Segundo dados do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística2 uma em cada três crianças brasileiras de cinco a nove anos estava acima do peso recomendado pela Organização da Mundial da Saúde. Portanto, o sobrepeso e a obesidade identificam-se como problema de saúde pública, emergindo como preocupação de toda a sociedade.
A obesidade é uma questão contemporânea acompanhada de facilidades nas realizações das tarefas diárias observada com o avanço da tecnologia. Possui causa multifatorial que além de resultar em acúmulo excessivo de gordura no organismo, pode estar vinculada ao acometimento de doenças, como hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, hipertensão arterial e diabetes; surgindo na infância e continuando ao longo da vida. Além disso, sua repercussão inclui aspectos sociais importantes ligados à discriminação sofrida por indivíduos com excesso de massa corporal, o que pode levar a menor habilidade social, e a resultados desfavoráveis futuramente no trabalho3–6.
A adoção de hábitos alimentares e comportamentais pouco saudáveis, como adesão a um padrão de dieta rica em alimentos com alta densidade energética e baixa concentração de nutrientes, aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e ingestão excessiva de nutrientes como sódio, gorduras, açúcar e uma abundância de passatempos sedentários para crianças, o deslocamento passivo e o tempo excessivo em frente da televisão ou computador levaram ao aumento excessivo de peso no Brasil7,8.
A formação dos hábitos alimentares acontece de modo gradual, principalmente durante a primeira infância, detendo aos pais o papel de primeiros educadores nutricionais. Valores culturais, sociais, afetivos, emocionais e comportamentais também estão envolvidos neste processo e necessitam ser cuidadosamente associados às propostas de mudanças9,10.
O contexto social adquire um papel preponderante no processo de desenvolvimento do comportamento alimentar, principalmente nas estratégias que os pais utilizam para a criança alimentar-se ou para aprender a comer alimentos específicos. Estes comportamentos podem apresentar estímulos tanto adequados quanto inadequados na obtenção das preferências alimentares da criança e no autocontrole da ingestão alimentar11.
A família é fundamental na construção do hábito alimentar das crianças, assim, é importante avaliar a influência do estilo de vida dos pais no comportamento delas. Os hábitos de ingestão parental mostraram-se determinantes potenciais no consumo frequente da criança12.
A baixa escolaridade dos pais, em particular a materna, pode contribuir de forma significativa para a carência de alimentos e para uma escolha inadequada dos mesmos, determinando agravos nutricionais nas crianças13.
Estudos demonstram associação entre a obesidade infantil e o histórico parental, assim como a influência da família nos hábitos alimentares, acesso à tecnologia e incentivo à atividade física14,15.
Foram identificadas poucas pesquisas sobre a influência familiar no estado nutricional das crianças no Brasil16,17.
De acordo com o exposto, o presente estudo teve como objetivo avaliar a associação das variáveis socioeconômicas, demográficas, dos comportamentos relacionados à saúde e características do ambiente familiar com a prevalência de excesso de peso em alunos do 1° ao 5° ano de escolas do município de Itajaí, Santa Catarina.
Trata-se de um estudo transversal com escolares do primeiro ao quinto ano de três escolas da área urbana da rede municipal de Itajaí, Santa Catarina em 2013.
O município estudado localiza-se no Vale do Itajaí, a 91 km de Florianópolis, capital catarinense. A cidade tem como economia o porto, comércio atacadista de combustível e pesca, além do setor de produção industrial com grande atuação com o comércio de gêneros alimentícios18. Itajaí apresentava uma população de 183.388 habitantes19 e um contingente de 25.699 crianças matriculadas no ensino infantil e fundamental20. Em julho de 2012, na área urbana, as escolas municipais apresentavam 9.334 alunos matriculados nas séries iniciais, distribuídos em 31 unidades escolares.
As três escolas selecionadas contavam com 919 alunos do 1° ao 5° ano. As unidades escolares avaliadas foram indicadas pela Secretaria de Educação de Itajaí por não terem participado do Projeto Saúde na Escola, em que os escolares dos municípios participantes são analisados em vários âmbitos da área da saúde, inclusive peso e altura.
Para cálculo da amostra considerou-se prevalência de 50% do desfecho para maximizar tamanho amostral, com margem de erro de 4% e nível de confiança de 95%, o que totalizou 365 alunos. Para compensar eventuais recusas e permitir maior poder estatístico nas análises entre desfecho e exposições investigadas acrescentou-se 20%, o que totalizou uma amostra de 438 escolares. As estimativas foram calculadas no programa Epi Info 6.04 (Center of Control of Diseases).
A coleta de dados foi realizada por acadêmicos do curso de Nutrição da Universidade do Vale do Itajaí devidamente treinados e incluiu dados antropométricos das crianças e aplicação de questionário para seu pai/responsável. Na avaliação dos fatores socioeconômicos foram consideradas as seguintes variáveis: renda familiar média per capita em reais categorizada em tercis (1° Tercil R$ 83,33 à R$ 500,00, 2° Tercil R$ 501,00 à R$ 750,99 e 3° Tercil R$ 751,00 à R$ 3.333,33), horas trabalhadas fora de casa, cor da pele (branca ou parda, negra, amarela e indígena)2, e escolaridade dos pais (até 8 anos, de 9 a 11 anos e 12 anos ou mais).
Dados adicionais sobre a criança incluíram: ano de estudo (1º ao 5º ano), realização do café da manhã (sim – diariamente e não – de 0 a 6 dias na semana), alimentação em frente à televisão (não, sim), tipo de transporte que usava para ir à escola, classificado em: transporte ativo (a pé e de bicicleta) ou inativo (de ônibus e de carro), horas diárias em que a criança brincava ativamente.
O consumo alimentar dos escolares foi avaliado por meio de Questionário de Frequência Alimentar (QFA) compreendendo a frequência de 18 itens alimentícios. A qualidade da alimentação foi calculada por meio do Índice Alimentação do Escolar (Ales), segundo proposta de Molina et al.21, baseada no Guia Alimentar para a População brasileira22. O Índice de Ales abordou uma pontuação positiva ou negativa sobre os itens alimentícios investigados, segundo a sua frequência de consumo e qualidade21. Após computação da pontuação de cada indivíduo, o escore foi analisado conforme as medianas de distribuição: alimentação de pior qualidade (-6 a 4 pontos) e alimentação de melhor qualidade (5 a 13 pontos).
Os comportamentos familiares relacionados à alimentação e à prática de atividade física foram avaliados por meio do questionário Family Nutrition and Physical Activity (FNPA), em sua versão na língua portuguesa, o qual foi desenvolvido para determinar a força da evidência na relação entre excesso de peso ou obesidade com a atividade física específica e comportamentos relacionados à dieta. O instrumento é constituído por construtos baseados em análises de evidências, em colaboração com a American Dietetic Association. Por meio do FNPA foi realizado um cálculo para a pontuação de cada indivíduo, o que gerou um escore que foi dividido em tercis: baixo (0 – 49 pontos), médio (50 – 55 pontos) e alto (56 – 74 pontos)23. Um total elevado de pontos implica em um ambiente familiar e comportamentos mais favoráveis positivamente contra uma baixa pontuação que significa maior risco para um ambiente familiar e comportamental menos favorável.
Foram aferidos os dados antropométricos de peso, estatura e circunferência da cintura nas crianças, sendo que o peso e altura dos pais/responsáveis foi autorreferido. Para a pesagem foi utilizada uma balança digital da marca SCALA® e para a estatura um estadiômetro CAUMAQ®. Em ambas as avaliações os escolares se apresentaram sem adereços no cabelo, descalços e com os braços estendidos ao lado do corpo24. A partir dos dados de peso e estatura foi calculado e classificado o Índice de Massa Corporal (IMC) para idade com auxílio do programa ANTHRO plus25, utilizando os pontos de corte propostos pela Organização Mundial da Saúde25.
A circunferência da cintura foi medida com o auxílio de uma fita antropométrica inextensível no perímetro mais estreito, entre a última costela e a crista ilíaca sem comprimir os tecidos, os valores foram avaliados segundo Taylor et al.26.
Os questionários foram revisados e codificados. A dupla-digitação dos dados foi efetuada em planilha eletrônica de forma independente. Posteriormente os registros foram conferidos no programa EpiInfo, e as diferenças nas planilhas ajustadas.
Para descrever as variáveis quantitativas foram calculadas as médias e os desvios-padrão (DP), valores mínimos, medianos e máximos, além dos percentis 25 e 75 quando necessários. As variáveis categóricas foram descritas por meio de suas frequências absolutas (n) e relativas (%). A associação entre o excesso de peso (sobrepeso e obesidade) e as demais variáveis foi investigada por meio do teste do Qui-Quadrado de Pearson. Adicionalmente as variáveis categóricas ordinais tiveram sua associação com o desfecho testada por meio do teste de Tendência Linear. Associações entre o desfecho e os itens do QFA e do FNPA foram investigadas por meio do teste não paramétrico de Mann Whitney, considerando a distribuição não simétrica destas variáveis. As análises foram realizadas no programa Stata 10.0. O valor de p ≤ 0,05 foi considerado significativo nas análises.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Itajaí. Os pais dos participantes deste estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A amostra foi constituída de 438 crianças, com uma perda amostral de 4,8%, totalizando 417 crianças. Dos pais/responsáveis que responderam ao questionário (95,2%), a maioria era do sexo feminino (84,9%), com idade média de 36,1 anos (mínimo 21 e máximo 64 anos). Observou-se predominância da cor de pele branca (74,9%) e renda per capitade R$ 83,33 à R$ 500,00 (45,5%). Aproximadamente metade dos pais e mães apresentou de 9 a 11 anos de estudo (49,9% e 48,2%, respectivamente) e excesso de peso (51,3%, n = 201) (Tabela 1).
Tabela 1 Caracterização da amostra estudada, segundo pais/responsáveis e escolares da rede municipal de ensino - Itajaí, SC, 2013.
Variáveis | n | % | ||
---|---|---|---|---|
Responsável | ||||
Sexo (n = 410) | ||||
Masculino | 62 | 15,1 | ||
Feminino | 348 | 84,9 | ||
Cor da pele (n = 403) | ||||
Branca | 302 | 74,9 | ||
Não branca | 101 | 25,1 | ||
Renda familiar per capita (n=319) | ||||
1° tercil (R$ 83,33 à R$ 500,00) | 145 | 45,5 | ||
2° tercil (R$ 501,00 à R$ 750,99) | 82 | 25,7 | ||
3° tercil (R$ 751,00 à R$ 3333,33) | 92 | 28,8 | ||
Escolaridade do Pai (n = 417) | ||||
Até 8 anos | 126 | 30,2 | ||
9 a 11 anos | 208 | 49,9 | ||
12 anos e mais | 83 | 19,9 | ||
Escolaridade da Mãe (n = 417) | ||||
Até 8 anos | 115 | 27,6 | ||
9 a 11 anos | 201 | 48,2 | ||
12 anos e mais | 101 | 24,2 | ||
Tempo de trabalho semanal (n = 336) | ||||
0 a 39 horas | 159 | 47,3 | ||
40 horas ou mais | 177 | 52,7 | ||
Excesso de peso (n = 392) | ||||
Não | 191 | 48,7 | ||
Sim | 201 | 51,3 | ||
Criança | ||||
Sexo (n = 413) | ||||
Masculino | 204 | 49,4 | ||
Feminino | 209 | 50,6 | ||
Idade (n = 414) | ||||
1° Tercil − 6,27 – 8,00 | 138 | 33,3 | ||
2° Tercil – 8,01 – 9,65 | 138 | 33,3 | ||
3° Tercil – 9,66 – 11,64 | 138 | 33.3 | ||
Ano de estudo (n = 415) | ||||
1° ano | 83 | 20,0 | ||
2° ano | 75 | 18,1 | ||
3° ano | 88 | 21,2 | ||
4° ano | 80 | 19,3 | ||
5° ano | 89 | 21,5 | ||
Frequência semanal café da manhã (n = 403) | ||||
0 – 6 dias | 134 | 33,3 | ||
Todos os dias | 269 | 66,8 | ||
Refeição em frente à televisão (n = 413) | ||||
Não | 145 | 35,1 | ||
Sim | 268 | 64,9 | ||
Meio de deslocamento, trajeto casa/escola (n = 406) | ||||
Inativo | 235 | 57,9 | ||
Ativo | 171 | 42,1 | ||
Excesso de peso (n = 414) | ||||
Não | 232 | 56,0 | ||
Sim | 182 | 44,0 | ||
Obesidade Abdominal (n = 414) | ||||
Não | 311 | 74,6 | ||
Sim | 104 | 24,7 | ||
Escore de atuação da família na alimentação e atividade física | ||||
Baixo (0 – 49 pontos) | 153 | 36,7 | ||
Médio (50 – 55 pontos) | 127 | 30,5 | ||
Alto (56 – 74 pontos) | 137 | 32,9 |
As crianças se distribuíram homogeneamente com relação ao sexo (50,6% feminino), com média de 8,8 anos (DP 1,5). Mais da metade (66,8%, n = 269) realizava o café da manhã diariamente e a maioria das crianças consumia as refeições em frente à televisão 64,9% (n = 268). Um terço das crianças apresentou baixos escores de atuação da família na alimentação e na atividade física (0-49 pontos) (Tabela 1). Os escolares brincavam ativamente 2,9 horas por dia e jogavam videogame e computador por 5,3 horas semanais.
Observou-se que 44,0% (n = 182) estavam com excesso de peso e 24,7% com excesso de gordura na região abdominal (Tabela 1). As crianças com excesso de peso apresentaram maior frequência de consumo semanal de carnes, e menor de biscoitos recheados e salgadinhos (Tabela 2).
Tabela 2 Frequência de consumo alimentar semanal segundo excesso de peso em crianças da rede municipal de ensino – Itajaí, SC, 2013.
Alimentos/Bebidas | Excesso de peso | Valor p * | |
---|---|---|---|
Não Med (p25 - p75) | Sim Med (p25 - p75) | ||
Macarrão instantâneo | 0 (0 – 2) | 0 (0 – 1) | 0,376 |
Carne/Frango | 5 (4 – 7) | 6 (4 – 7) | 0,042 |
Peixes e mariscos | 1 (0 – 2) | 1 (0 – 2) | 0,098 |
Batata frita/ | 1 (0 – 3) | 1 (0 – 2) | 0,169 |
Mandioca ou aipim frito/Banana frita | |||
Salada crua | 2 (0 – 5) | 3 (0 – 6) | 0,060 |
Batata cozida/Mandioca ou aipim cozido | 2 (0 – 4) | 2 (1 – 4) | 0,511 |
Legumes cozidos (menos batata e mandioca/aipim) | 1 (0 – 3) | 2 (0 – 4) | 0,092 |
Maionese /manteiga | 2 (0 – 5) | 3 (0 – 5) | 0,448 |
Hambúrguer/Cachorro quente | 1 (0 – 3) | 1 (0 – 2) | 0,173 |
Leite/Iogurte/Queijos | 6 (4 – 7) | 6 (4 – 7) | 0,778 |
Frutas | 4 (2 – 7) | 5 (2 – 7) | 0,361 |
Suco de Fruta Natural | 2 (0 – 4) | 2 (0 – 4) | 0,788 |
Refrigerante | 2 (1 – 4) | 2 (1 – 4) | 0,408 |
Salgados (coxinha, pastel…) | 1 (0 – 2) | 1 (0 – 2) | 0,456 |
Doces/balas/sobremesa | 3 (1 – 5) | 3 (1 – 5) | 0,339 |
Presunto/Salame/Mortadela linguiça | 3 (0 – 5) | 3 (2 – 5) | 0,153 |
Biscoito (chips/recheado) | 4 (1 – 5) | 3 (0 – 4) | 0,001 |
Feijão | 5 (3 – 7) | 5 (3 – 7) | 0,506 |
*Teste de Mann Whitney; Med = Mediana; p25= Percentil 25; p75 = percentil 75.
Os itens do escore de atuação da família na alimentação e na atividade física das crianças associados ao excesso de peso foram: consumo de leite desnatado, atividade física e atividade física com treinador (Tabela 3).
Tabela 3 Associação da atuação da família na alimentação e atividade física com o excesso de peso dos alunos da rede municipal de ensino - Itajaí, SC, 2013.
Frequência consumo | Excesso de peso | Valor p * | |
---|---|---|---|
Não Med (p25 - p75) | Sim Med (p25 - p75) | ||
Realiza o café da manhã | 3 (2 – 4) | 3 (2 – 4) | 0,340 |
Realiza as refeições com a família | 3 (3 – 4) | 3 (3 – 4) | 0,724 |
Família não come em frente à TV | 3 (2 – 4) | 3 (2 – 4) | 0,483 |
Família não consome fast food | 4 (3 – 4) | 3 (3 – 4) | 0,328 |
Família não usa micro-ondas e refeições prontas | 3 (3 – 4) | 3 (3 – 4) | 0,795 |
Filho come frutas e vegetais | 2 (1 – 3) | 2 (2 – 3) | 0,093 |
Filho não bebe refrigerante ou bebidas açucaradas | 3 (2 – 3) | 3 (2 – 3) | 0,667 |
Filho bebe leite desnatado | 1 (1 – 2) | 1 (1 – 3) | 0,031 |
Família controla consumo de batata frita de pacote, bolachas | 3 (2 – 3) | 3 (2 – 3) | 0,780 |
Família não usa doces como prêmio | 4 (4 – 4) | 4 (4 – 4) | 0,762 |
Filho passa menos de 2 horas na frente da TV | 2 (1 – 3) | 2 (1 – 3) | 0,047 |
Família limita o tempo de assistir TV | 2 (1 – 3) | 2 (1 – 3) | 0,128 |
Família não permite que o filho veja TV no quarto | 3 (2 – 4) | 3 (2 – 4) | 0,593 |
Família propicia atividade física | 2 (1 – 3) | 2 (2 – 3) | <0,001 |
Família incentiva o filho a ser ativo | 3 (2 – 3) | 3 (2 – 4) | 0,076 |
Família se exercita junta | 2 (1 – 3) | 2 (1 – 3) | 0,447 |
Filho é fisicamente ativo | 3 (2 – 4) | 3 (2 – 4) | 0,743 |
Filho participa de atividade com treinador | 1 (1 – 2) | 1 (1 – 3) | 0,018 |
Família possui horário pra dormir | 3 (2 – 4) | 3 (2 – 4) | 0,927 |
Filho dorme mais de 9h por noite | 3 (3 – 4) | 3 (3 – 4) | 0,713 |
*Teste do Qui-Quadrado de Pearson.
Não foi evidenciada associação estatisticamente significativa entre o excesso de peso e as variáveis: sexo do responsável, renda familiar, escolaridade dos pais, tempo de trabalho, sexo da criança, ano em que estuda, meio de deslocamento trajeto casa/escola, consumo de café da manhã diariamente. Por outro lado, o excesso de peso dos pais esteve associado ao excesso de peso infantil. Crianças com excesso de peso apresentaram: maior idade, dieta de melhor qualidade, hábito de realizar refeições em frente à televisão, bem como maiores escores de participação familiar na alimentação e na atividade física. Praticamente todas as crianças com obesidade abdominal apresentaram excesso de peso (98,1%) (Tabela 4).
Tabela 4 Associação de variáveis com o excesso de peso de crianças da rede municipal de ensino – Itajaí, SC, 2013.
Variáveis | Excesso de peso | Valor de p* | |||
---|---|---|---|---|---|
Não (n) % | Sim (n) % | ||||
Responsável | |||||
Sexo (n = 407) | 0,806 | ||||
Masculino | (34) 54,8 | (28) 45,2 | |||
Feminino | (195) 56,5 | (150) 43,5 | |||
Cor de pele (n = 400) | 0,781 | ||||
Branco | (169) 56,2 | (132) 43,9 | |||
Parda, Preto, Amarelo ou Indígena | (54) 54,6 | (45) 45,5 | |||
Renda familiar per capita (n = 316) | 0,704 | ||||
1° tercil (R$83,33 à R$500,00) | (77) 54,2 | (65) 45,8 | 0,415** | ||
2° tercil (R$501,00 à R$750,99) | (46) 56,1 | (36) 43,9 | |||
3° tercil (R$751,00 à R$3333,33) | (55) 59,8 | (37) 40,2 | |||
Escolaridade pai (n = 414) | 0,827 | ||||
Até 8 anos | (69) 55,2 | (56) 44,8 | 0,415** | ||
9 a 11 anos | (114) 55,3 | (92) 44,7 | |||
12 anos e mais | (49) 59,0 | (34) 41,0 | |||
Escolaridade mãe (n = 414) | 0,781 | ||||
Até 8 anos | (67) 58,8 | (47) 41,2 | 0,515** | ||
9 a 11 anos | (110) 55,3 | (89) 44,7 | |||
12 anos e mais | (55) 54,5 | (46) 45,5 | |||
Tempo de trabalho semanal (n = 336) | 0,663 | ||||
0 a 39 horas | (90) 56,6 | (69) 43,4 | |||
40 horas ou mais | (96) 54,2 | (81) 45,8 | |||
Excesso de peso (n=389) | 0,002 | ||||
Não | (124) 64,2 | (67) 35,1 | |||
Sim | (97) 49,0 | (168) 51,0 | |||
Criança | |||||
Sexo (n = 410) | 0,390 | ||||
Masculino | (109) 54,0 | (93) 46,0 | |||
Feminino | (121) 58,2 | (87) 41,8 | |||
Idade (n = 414) | 0,002 | ||||
1° Tercil − 6,27 – 8,00 | (92) 66,7 | (46) 33,3 | 0,069** | ||
2° Tercil – 8,01 – 9,65 | (63) 45,7 | (75) 54,3 | |||
3° Tercil – 9,66 – 11,64 | (77) 55,8 | (61) 44,2 | |||
Ano em que estuda (n = 412) | 0,103 | ||||
1° ano | (52) 63,4 | (30) 36,6 | 0,067** | ||
2° ano | (48) 64,9 | (26) 35,1 | |||
3° ano | (42) 47,7 | (46) 52, 3 | |||
4° ano | (40) 50,6 | (39) 49,4 | |||
5° ano | (48) 53,9 | (41) 46,1 | |||
Frequência semanal café da manhã (n = 403) | 0,096 | ||||
0 – 6 dias | (67) 50,0 | (67) 50,0 | |||
Todos os dias | (158) 58,7 | (111) 41,3 | |||
Refeição em frente à TV (n =413) | 0,039 | ||||
Não | (90) 62,5 | (54) 37,5 | |||
Sim | (138) 51,9 | (128) 48,1 | |||
Meio de deslocamento trajeto casa/escola (n = 406) | 0,421 | ||||
Inativo | (128) 54,5 | (107) 45,5 | |||
Ativo | (100) 58,5 | (71) 41,5 | |||
Obesidade Abdominal (n = 414) | <0,001 | ||||
Não | (230) 74,0 | (81) 26,0 | |||
Sim | (2) 1,9 | (101) 98,1 | |||
Qualidade da dieta (n = 414) | 0,051 | ||||
Alimentação de pior qualidade | (142) 60,2 | (94) 39,8 | |||
Alimentação de melhor qualidade | (90) 50,6 | (88) 49,4 | |||
Escore de atuação da família na alimentação e atividade física (n = 414) | 0,071 | ||||
Baixo (0 – 49 pontos) | (93) 61,2 | (59) 38,8 | 0,029 ** | ||
Médio (50 – 55 pontos) | (74) 58,3 | (53) 41,7 | |||
Alto (56 – 74 pontos) | (65) 48,2 | (70) 51,9 |
*Teste do Qui-Quadrado de Pearson;
**Teste de Tendência Linear.
Os resultados desta pesquisa indicaram que quase metade das crianças apresentou excesso de peso, o qual esteve associado: à melhor qualidade da dieta, à maior frequência de consumo de carne e menor de biscoitos e salgadinhos, ao hábito de realizar refeições em frente à televisão, e ao excesso de peso dos pais. Além disso, o escore da atuação da família na alimentação e atividade física das crianças também foi superior entre aquelas com excesso de peso.
O excesso de peso tem atingido prevalências elevadas na população infantil nas últimas décadas. Dados da POF 2008-2009 para crianças de 5 a 9 anos de idade, que utilizaram o Índice de Massa Corporal para idade, indicaram prevalência de excesso de peso de 33,4%2. Onis et al.27, ao analisarem dados relativos a 144 países, estimaram 43 milhões de crianças com sobrepeso e obesidade no ano de 2010, sendo que, destes, 35 milhões encontravam-se nos países em desenvolvimento, com uma evolução de 4,2% em 1990 para 6,7% em 2010. Em estudo realizado com escolares de 7 a 10 anos em Florianópolis (SC) verificou-se que 34,5% apresentaram sobrepeso ou obesidade28.
O excesso de peso foi frequente entre as crianças de 8 a 9 anos. Resultado semelhante foi encontrado no estudo de Damasceno et al.29, no qual a prevalência para sobrepeso, obesidade e obesidade central esteve mais elevada aos 9 anos, com 19%, 9,5% e 35,9%, respectivamente. Este fato pode ser explicado pela fase de repleção pré-puberal, que ocorre por volta dos 8 a 10 anos de idade com acúmulo de tecido adiposo como forma de fazer reserva energética para posterior estirão de crescimento e desenvolvimento acentuados que ocorrerão na adolescência30.
Na população investigada do presente estudo não se observou associação estatisticamente significativa entre a escolaridade dos pais e o excesso de peso das crianças. Contudo, a relativa homogeneidade socioeconômica dos escolares avaliados, todos provenientes de instituições públicas de ensino, pode dificultar a discriminação dos efeitos da renda e da escolaridade nos desfechos investigados. Além disto, na faixa de renda investigada, a relativa melhor condição socioeconômica pode refletir em maior poder de aquisição de alimentos ricos em gordura saturada, açúcares e sódio31,32.
Apesar das desigualdades econômicas e socioculturais da população brasileira, a globalização universalizou o acesso à mídia. As facilidades tecnológicas possibilitaram o acesso de populações socialmente vulneráveis ao universo midiático e às suas influências, transformando as condições materiais de vida, ao modificar os hábitos de consumo nessas populações33.
Filhos de pais com excesso de peso apresentaram maior prevalência do desfecho. Resultado similar àquele observado por outros autores34,35 e que destaca o compartilhamento de hábitos alimentares, e relacionados ao estilo de vida entre pais e filhos28,36.
Entre as crianças que possuíam o hábito de realizar as refeições em frente à televisão às vezes ou sempre, a prevalência de excesso de peso foi superior. Estudos internacionais com crianças mostram que a televisão aumenta a ingestão de alimentos e a obesidade. Estas investigações demonstraram que ampliações no aumento do percentual de gordura corporal e elevação do diabetes na infância estão fortemente associadas com exposição prolongada à televisão22,37. As propagandas divulgadas pelo aparelho também favorecem o desenvolvimento de hábitos alimentares menos saudáveis, e a redução do tempo dedicado à atividade física33,38.
Os resultados deste estudo revelaram a existência de associação entre a circunferência da cintura e o excesso de peso das crianças. Damasceno et al.29 ao avaliarem escolares de 6 a 11 anos em Fortaleza (CE), evidenciaram uma forte correlação e associação entre o IMC e a CC, e em 27,2% da amostra a obesidade central esteve presente. Outros estudos também apresentaram correlação entre o sobrepeso e a circunferência da cintura39,40.
Assim como em adultos, as crianças podem sofrer efeitos decorrentes da chamada síndrome plurimetabólica (diabetes mellitus, resistência à insulina, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, obesidade visceral e albuminúria) quando apresentarem distribuição de gordura do tipo abdominal, sendo que essa ocorrência na infância poderá provocar efeitos negativos e sérios na vida adulta41,42. Do ponto de vista clínico, a vigilância e a detecção precoce dos fatores de risco associados às dislipidemias são primordiais nas ações preventivas, com destaque para o excesso de peso em crianças, cujo controle por meio da obtenção e manutenção do peso adequado para altura, sexo e idade é factível em ações primárias de atenção à saúde43.
Crianças com excesso de peso apresentaram dieta de melhor qualidade do que aquelas com baixo peso ou eutróficas. bertin et al.44, ao avaliarem crianças de 8 a 10 anos de Indaial (SC), encontraram associação significativa entre os bons hábitos alimentares e a obesidade. Porém, no estudo de Triches e Giugliani45, ao investigar a associação da obesidade com as práticas alimentares e conhecimentos de nutrição em escolas públicas de duas cidades do Rio Grande do Sul, com crianças de oito a 10 anos, encontraram que a obesidade mostrou-se associada com menos conhecimento de nutrição e práticas alimentares menos saudáveis.
Sugere-se que a boa qualidade da dieta dos escolares possa ser decorrente do maior interesse em se alimentarem com produtos mais saudáveis e por estarem mais suscetíveis a receberem informações sobre este tema devido à sua condição de obesidade, conforme demonstrado em estudo semelhante45.
Dentre os hábitos para redução do peso entre as crianças que o tem em excesso, observou-se maior frequência de consumo de leite desnatado, menor consumo de biscoitos chips e recheados; o que pode indicar maior atenção dos pais com relação a esse problema nos filhos, por meio da adoção de hábitos para tentar reduzir o desfecho entre eles.
O melhor consumo pode também estar parcialmente relacionado a modificações instituídas pelo Governo do Estado, no sentido de melhorar a qualidade da alimentação das crianças como, por exemplo, o Programa Saúde na Escola, criado em 2007, que oferece atenção integral de prevenção, promoção e atenção à saúde de crianças, adolescentes e jovens do ensino básico público. E procurando disciplinar a venda de alimentos nas cantinas localizadas dentro das escolas, tanto públicas quanto particulares, alguns governos estaduais, municipais e distritais regulamentaram, via leis ou portarias, a venda de produtos considerados não adequados para o consumo, sobretudo diminuindo o acesso à alimentação inadequada e favorecendo escolhas alimentares mais saudáveis, buscando proteger, assim, a saúde dos estudantes46,47.
Neste sentido, hábitos não saudáveis são baseados em um reduzido consumo de frutas, hortaliças e leite e, em contrapartida, em um aumento da ingestão de refrigerantes, doces e salgadinhos fritos, os quais são relacionados às elevadas quantidades de gordura saturada, açúcares e sódio. Isso contribui para o aumento na prevalência de diversas doenças crônicas nessa população, tais como o diabetes, hipertensão e obesidade48–50.
O consumo de carnes por parte das crianças com excesso de peso estudadas nesta pesquisa foi maior comparado com as crianças eutróficas. Estudo de Spinelli et al.51 encontrou consumo inadequado de porções de carne/ovos em crianças menores de dez anos em São Paulo (SP), que quando associadas ao IMC não foi estatisticamente significativo, diferindo do presente estudo.
As crianças com excesso de peso tiveram maiores escores de participação familiar na alimentação e na atividade física, o que pode ser identificado também pela maior prática de atividade física e atividade física com treinador por essas crianças. Em estudo realizado por Yee et al.52 com crianças de 10 anos dos Estados Unidos da América, foram encontrados resultados diferentes do presente estudo, houve associação significativa entre o IMC classificado como sobrepeso e obesidade e o baixo escore total do FNPA.
O efeito significativo para o FNPA indica que esta ferramenta de triagem simples tem validade preditiva para identificar crianças que possam estar em risco de excesso de peso ou obesos. Os resultados demonstram que fatores ambientais modificáveis podem explicar a variância única após a contabilização baseado no IMC da criança53.
No estudo de Lopes et al.54 as crianças com sobrepeso e obesas praticaram menos atividade física na escola do que os eutróficos. Por outro lado, faziam mais atividade física fora da escola, esta diferença foi estatisticamente significante.
Trost et al.55 relataram que os pais atuam como influenciadores diretos e indiretos na obtenção de práticas saudáveis dos filhos, principalmente quando diz respeito ao apoio motivacional frente à prática de atividade física. O suporte social de pais, irmãos e pares é fundamental na adoção de hábitos mais ativos além da questão socioeconômica, traduzida na oportunidade de práticas em diferentes espaços56.
Algumas limitações metodológicas devem ser consideradas. Uma delas reside no delineamento do estudo, o qual não permite estabelecer relação de causalidade entre as variáveis estudadas. Desta forma, associações que parecem contraditórias, como a maior participação da família na alimentação e na atividade física, a maior frequência de consumo de leite desnatado, menor de biscoitos, e melhor qualidade da dieta entre as crianças com excesso de peso, podem refletir adoção de comportamentos para reduzir o sobrepeso e a obesidade entre as crianças, bem como respostas dos pais em relação ao comportamento que seria considerado socialmente desejável. Além disto, o questionário de frequência de consumo empregado para avaliar a qualidade da dieta pode não refletir a quantidade de alimentos consumidos em cada dia pelas crianças.
A partir dos resultados, conclui-se que 44% dos escolares apresentaram excesso de peso, o qual esteve associado com as variáveis de melhor qualidade da dieta, hábito de realizar refeições em frente à televisão, excesso de peso dos pais, maior escore de atuação da família na alimentação e atividade física das crianças.
Desta forma, é necessária uma maior atenção das políticas públicas de proteção à criança, principalmente àquelas voltadas para ações de promoção da saúde, educação e monitoramento nutricional, bem como uma maior oferta e facilidades no consumo de alimentos saudáveis como frutas e hortaliças e acesso a ambientes seguros para a prática desportiva e lazer, na tentativa de se atenuar os riscos de obesidade na vida adulta e de doenças decorrentes.
A interação e a integração dos pais e/ou responsáveis é fundamental para uma melhor compreensão do estado nutricional das crianças e dos problemas de saúde relacionados ao sobrepeso e obesidade, o que pode favorecer o reconhecimento e a adoção de estilos de vida mais saudáveis.