versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.31 supl.1 Rio de Janeiro nov. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00102714
A obesidade é um importante problema de saúde pública por estar relacionada com o desenvolvimento e progressão de outras doenças crônicas, incluindo as cardiovasculares, diabetes, distúrbios musculoesqueléticos e alguns tipos de câncer. Tem apresentado prevalência crescente tanto nos países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento 1,2,3,4.
Os resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, realizada em 2008-2009, revelam que metade da população brasileira encontra-se com excesso de peso. Em homens, o sobrepeso e a obesidade foram mais frequentes em áreas urbanas, ao passo que estas diferenças quanto à localização do domicílio foram menos marcantes no sexo feminino 5.
Sabe-se que a obesidade apresenta origem multifatorial que parece envolver interações entre susceptibilidade genética e estímulos ambientais 6. Do ponto de vista fisiológico, o ganho de peso acontece quando o balanço energético é positivo, ou seja, quando o consumo de calorias é maior que o gasto. Para além dos fatores genéticos e metabólicos, características do ambiente no qual as pessoas vivem têm sido descritas como tendo relevante papel na etiologia das doenças crônicas, uma vez que podem influenciar hábitos de vida saudáveis ou não saudáveis 7.
Os principais determinantes proximais – consumo alimentar e atividade física – sofrem influência de outros fatores como família e vizinhança que, por sua vez, podem determinar o acesso e preferências individuais 8.
Destaca-se que o nível socioeconômico da vizinhança tem sido proposto como um dos fatores associados à epidemia da obesidade. Estudos têm relatado que indivíduos que residem em vizinhanças com maiores privações socioeconômicas têm menor disponibilidade e acesso a alimentos saudáveis e poucas oportunidades para a prática de atividade física 9,10,11.
Adiciona-se o conhecimento de que o excesso de peso sofre influência do status socioeconômico por meio de vários fatores, além do sexo e da idade 8. Nos países desenvolvidos, a obesidade é inversamente associada com o status socioeconômico entre as mulheres e menos consistentemente entre os homens; ao passo que, nos países em desenvolvimento, a associação encontrada é direta 12, apesar da pouca elucidação dos possíveis mecanismos pelos quais estas diferenças ocorrem.
No Brasil, a maioria dos trabalhos que avaliaram o excesso de peso tem como foco somente os fatores individuais, o que tem se mostrado insuficiente para explicar a epidemia da obesidade em nível populacional. Diante disso, o presente estudo objetivou avaliar fatores associados ao excesso de peso em adultos residentes em área urbana, considerando a renda do setor censitário como variável de contexto. Conhecer os determinantes que atuam no excesso de peso em mulheres e homens é um importante passo para o estabelecimento de estratégias mais eficazes na prevenção/reversão da já estabelecida epidemia.
O presente trabalho faz parte de uma investigação denominada Estudo Saúde em Beagá, em que participaram 4.048 indivíduos residentes em 149 setores censitários, de dois (Oeste e Barreiro) dos nove distritos sanitários da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Esses foram escolhidos por representarem as desigualdades intraurbanas de Belo Horizonte referentes a indicadores demográficos, socioeconômicos e de saúde – proxies das iniquidades em saúde da população.
Originalmente realizado com residentes de 18 anos ou mais, o inquérito teve como objetivo investigar os determinantes sociais da saúde e caracterizar os modos de vida, estilo e hábitos saudáveis. Conforme descrição detalhada por Ferreira et al. 13, o processo de amostragem adotado foi o de conglomerados em três estágios (sorteio do setor censitário dentro do distrito sanitário; sorteio do domicílio; e sorteio do indivíduo dentro do domicílio). Para essa análise foram incluídos indivíduos adultos de 20 a 60 anos, de ambos os sexos (n = 3.129).
Os dados foram coletados em 2008 e 2009, após treinamento para a entrevista, antropometria e condução de estudo piloto, para testar a aplicabilidade dos instrumentos e a logística do trabalho de campo. O questionário do estudo foi composto pelos seguintes módulos: informações sobre o domicílio, hábitos e comportamentos, dados sociodemográficos, determinantes sociais e saúde. Após o preenchimento do questionário, foram aferidos peso, altura e circunferência da cintura dos indivíduos, segundo técnicas padronizadas. Os instrumentos utilizados foram balança Tanita BC-553 (Tanita Corporation of America Inc., Arlington Heights, Estados Unidos), estadiômetro móvel WCS/Wood Compact (Cardiomed) e fita métrica inelástica 13,14.
A variável dependente excesso de peso, foi definida com base no índice de massa corporal (IMC = peso/estatura2 em kg/m2), categorizado em “eutrofia” (IMC entre 18,5 e 25,0kg/m2) e “excesso de peso” (IMC acima de 25,0kg/m2), de acordo com os valores propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 15.
As variáveis independentes foram agrupadas em variáveis sociodemográficas, variáveis comportamentais e autoavaliação de saúde. Foram avaliados sexo (masculino e feminino), idade, situação conjugal (viver com ou sem parceiro), escolaridade (0 a 4; 5 a 8; 9 a 12; e mais de 12 anos de estudos), renda familiar (em salários mínimos: até 2; entre 2 e 5; e maior que 5), tabagismo (não fumante, ex-fumante e fumante), etilismo (nunca ou quase nunca consome bebida alcoólica; consome de 1 a 2 vezes por semana; consome de 3 a 7 vezes por semana), consumo alimentar: gordura das carnes e pele do frango (consome ou não consome); feijão (menor que 5 ou de 5 a 7 vezes por semana); leite (não consome, consome integral ou consome desnatado/semidesnatado); frutas, verduras e legumes (menor que 5 ou de 5 a 7 vezes por semana); refrigerantes (não consome, consome normal/qualquer tipo ou consome dietético – light, diet ou zero) e hábito de adoçar bebidas (não adoça/usa adoçantes ou usa açúcar/açúcar e adoçante), atividade física no lazer (ativo ou inativo, considerando 150 minutos/semana de atividades leves; moderadas e/ou vigorosas, de acordo com a OMS 16) e autoavaliação de saúde (muito boa a boa, razoável, e ruim a muito ruim).
A variável do contexto renda do setor censitário, categorizada em tercis, foi obtida baseando-se na razão entre o total do rendimento nominal mensal dos domicílios particulares permanentes e a população total de cada setor censitário, ambos disponíveis no censo de 2010 17.
Foram estimadas as prevalências e intervalos de 95% de confiança (IC95%) de excesso de peso segundo as variáveis individuais e de contexto, estratificadas por sexo. A associação foi verificada por meio de teste de qui-quadrado de Pearson (χ2). Todas as variáveis com valor de p ≤ 0,20 foram consideradas aptas a entrarem no modelo multivariado. Para a seleção das variáveis foi adotado o procedimento stepwise-backward e permaneceram no modelo multivariado final aquelas com valor de p < 0,05, com exceção da idade e da renda do setor censitário, consideradas relevantes para a ocorrência do desfecho. Utilizou-se regressão logística multinível (nível 1: variáveis individuais e nível 2: variável renda do setor censitário), usando-se modelo de efeitos fixos com intercepto aleatório e com função logit para obtenção das medidas de odds ratios (OR) e IC95%. O critério de informação de Akaike (AIC) foi utilizado para a comparação dos modelos.
Todas as análises foram feitas no software Stata, versão 12 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos). A complexidade do desenho amostral foi considerada em todas as análises.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (ETIC 253/06). Todos os entrevistados foram informados sobre os objetivos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido concordando em participar do estudo.
Do total de 3.129 indivíduos entre 20 e 60 anos, 47 foram excluídos por ausência de medidas antropométricas e 98 por apresentarem valores de IMC inferiores a 18,5kg/m2. Também foram excluídos 49 residentes em dois dos 149 setores censitários por ausência de informação sobre renda per capita. Desse modo, a amostra final deste trabalho foi constituída por 2.935 residentes. Desses, 52,3% eram do sexo feminino. Mulheres apresentaram idade média de 38,3 anos (±11,5) e homens 37,3 anos (±11,4). A prevalência global de excesso de peso foi de 52,3% (IC95%: 49,9-54,8) sendo semelhante entre homens e mulheres, respectivamente 52,9% (IC95%: 49,5-56,2) e 51,8% (IC95%: 48,2-55,4) (p = 0,69).
Na análise univariada todas as variáveis mantiveram-se associadas (p ≤ 0.20), com exceção de etilismo para ambos os sexos e consumo de gorduras, frutas, verduras e legumes, tabagismo, renda familiar e renda do setor para as mulheres (Tabelas 1 e 2).
Tabela 1 Análise univariada entre excesso de peso e variáveis sociodemográficas em adultos de 20 a 60 anos, de dois distritos sanitários de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Estudo Saúde em Beagá, 2008-2009.
Variáveis | Homens | Mulheres | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | Prevalência | IC95% | Valor de p | n | Prevalência | IC95% | Valor de p | |
Idade (anos) | ||||||||
20-29 | 333 | 38,2 | 31,4-45,0 | < 0,001 * | 387 | 31,2 | 24,4-37,9 | < 0,001 * |
30-39 | 304 | 58,5 | 51,2-65,8 | 434 | 54,4 | 48,9-59,8 | ||
40-49 | 306 | 55,3 | 47,7-62,8 | 458 | 58,7 | 52,4-64,9 | ||
50-60 | 277 | 66,8 | 59,5-74,0 | 436 | 69,3 | 63,1-75,5 | ||
Situação conjugal | ||||||||
Sem parceiro | 485 | 42,6 | 36,9-48,3 | < 0,001 * | 789 | 45,3 | 40,5-50,1 | < 0.001 * |
Com parceiro | 735 | 61,6 | 57,0-66,2 | 926 | 57,4 | 52,6-62,3 | ||
Escolaridade (anos) | ||||||||
0-4 | 205 | 53,8 | 45,8-61,9 | 0,081 | 361 | 70,0 | 64,4-75,6 | < 0,001 * |
5-8 | 301 | 50,0 | 42,9-57,2 | 412 | 59,0 | 52,8-65,2 | ||
9-12 | 477 | 49,0 | 42,5-55,4 | 625 | 46,8 | 40,3-53,3 | ||
> 12 | 237 | 61,2 | 53,5-68,9 | 315 | 40,4 | 33,9-46,8 | ||
Renda familiar (salários mínimos) | ||||||||
≤ 2 | 219 | 42,6 | 33,5-51,7 | 0,005 * | 492 | 55,1 | 49,0-61,1 | 0,556 |
> 2 e ≤ 5 | 591 | 50,7 | 45,7-55,7 | 771 | 50,9 | 46,1-55,7 | ||
> 5 | 386 | 59,8 | 54,0-65,6 | 415 | 50,9 | 44,3-57,6 | ||
Renda do setor | ||||||||
1o tercil | 464 | 44,7 | 39,1-50,2 | 0.003 * | 635 | 52,2 | 45,6-58,9 | 0.739 |
2o tercil | 407 | 56,0 | 50,1-61,8 | 613 | 53,3 | 48,4-58,1 | ||
3o tercil | 349 | 57,9 | 52,1-63,7 | 467 | 49,9 | 42,8-57,0 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
* Teste de qui-quadrado de Pearson significativo a 5%.
Tabela 2 Análise univariada entre excesso de peso e variáveis de comportamento e autoavaliação de saúde, em adultos de 20 a 60 anos de dois distritos sanitários de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Estudo Saúde em Beagá, 2008-2009.
Variáveis | Homens | Mulheres | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | Prevalência | IC95% | Valor de p | n | Prevalência | IC95% | Valor de p | |
Tabagismo | ||||||||
Não | 609 | 53,1 | 47,9-58,2 | < 0,001 * | 1.066 | 49,9 | 45,6-54,3 | 0,207 |
Ex-fumante | 323 | 63,8 | 56,5-71,0 | 350 | 56,3 | 49,3-63,3 | ||
Fumante | 288 | 40,9 | 33,3-48,5 | 299 | 54,8 | 47,0-62,5 | ||
Etilismo | ||||||||
Nunca/Quase nunca | 641 | 51,6 | 45,7-57,5 | 0,388 | 1.323 | 53,1 | 49,2-57,0 | 0,237 |
1-2 dias por semana | 400 | 56,2 | 49,4-63,1 | 333 | 49,5 | 41,0-57,9 | ||
3-7 dias por semana | 179 | 47,7 | 38,2-57,2 | 59 | 38,3 | 21,5-55,0 | ||
Gordura | ||||||||
Não consome | 664 | 56,3 | 50,7-61,9 | 0,113 | 1.163 | 51,1 | 46,8-55,5 | 0,503 |
Consome | 508 | 50,1 | 45,3-54,8 | 427 | 53,3 | 48,0-58,7 | ||
Feijão | ||||||||
Até 5 dias por semana | 103 | 62,4 | 48,1-76,7 | 0,198 | 329 | 46,6 | 38,7-54,5 | 0,119 |
5-7 dias por semana | 1.117 | 52,0 | 48,2-55,7 | 1.386 | 53,1 | 49,3-56,9 | ||
Leite | ||||||||
Não consome | 369 | 46,6 | 39,9-53,3 | 0,029 * | 547 | 53,4 | 47,1-59,6 | 0,048 * |
Consome integral | 733 | 53,7 | 48,9-58,5 | 892 | 48,2 | 43,1-53,3 | ||
Consome desnatado/semidesnatado | 118 | 64,4 | 53,8-75,0 | 275 | 60,3 | 51,9-68,7 | ||
Consumo de frutas, legumes e verduras | ||||||||
Até 5 dias por semana | 723 | 48,4 | 43,7-52,9 | 0,008 * | 794 | 51,3 | 46,4-56,2 | 0,760 |
5-7 dias por semana | 497 | 58,8 | 53,2-64,4 | 921 | 52,3 | 47,6-57,0 | ||
Refrigerante | ||||||||
Não consome | 96 | 55,6 | 41,8-69,5 | < 0,001 * | 233 | 47,0 | 37,8-56,2 | 0,073 |
Consome normal/todos os tipos | 1.015 | 48,9 | 45,3-52,6 | 1244 | 50,9 | 47,0-54,7 | ||
Consome diet/light/zero | 108 | 82,7 | 73,9-91,6 | 235 | 61,3 | 51,3-71,4 | ||
Forma de adoçar | ||||||||
Utiliza açúcar e outros | 1.057 | 49,2 | 45,3-53,0 | < 0,001 * | 1.380 | 49,8 | 46,2-53,3 | 0,039 * |
Não adoça e/ou utiliza adoçante | 163 | 71,2 | 62,1-80,2 | 335 | 59,6 | 50,6-68,5 | ||
Atividade física de lazer | ||||||||
Inativo | 770 | 56,7 | 52,2-61,2 | 0,060 | 1.240 | 53,5 | 49,4-57,7 | 0,124 |
Ativo | 373 | 47,7 | 40,2-55,3 | 364 | 46,9 | 39,3-54,5 | ||
Autoavaliação de saúde | ||||||||
Muito boa/Boa | 895 | 49,9 | 45,9-53,9 | 0,003 * | 1.124 | 44,7 | 40,3-49,1 | < 0,001 * |
Razoável | 268 | 61,1 | 53,4-68,8 | 490 | 64,8 | 58,2-71,4 | ||
Ruim/Muito ruim | 57 | 70,5 | 56,8-84,3 | 100 | 80,2 | 70,9-89,6 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
* Teste de qui-quadrado de Pearson significativo a 5%.
No modelo final ajustado para o sexo feminino, o relato de consumo de refrigerante foi associado positivamente ao excesso de peso, independentemente do tipo consumido. Mulheres que referiram o consumo de todos os tipos de refrigerante ou do tipo normal apresentaram 1,65 vez mais chance de ter sobrepeso/obesidade, e esta chance aumentou para 2,64 entre aquelas que relataram o consumo de refrigerantes dietéticos. O aumento da idade (OR = 1,04; IC95%: 1,03-1,06), ter parceiro (OR = 1,38; IC95%: 1,05-1,82), autoavaliar a saúde como razoável (OR = 1,79; IC95%: 1,25-2,57) ou ruim/muito ruim (OR = 3,93; IC95%: 1,78-8,67) e o relato de não adoçar ou utilizar adoçante (OR = 1,61; IC95%: 1,06-2,46) aumentaram a chance de ter excesso de peso. Escolaridade (entre 9 e 12 anos de estudos: OR = 0,65; IC95%: 0,43-0,99; acima de 12 anos: OR = 0,44; IC95%: 0,27-0,71) foi inversamente associada ao excesso de peso (Tabela 3).
Tabela 3 Análise multivariada entre excesso de peso e variáveis sociodemográficas, de comportamento e autoavaliação de saúde em mulheres adultas de 20 a 60 anos de dois distritos sanitários de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Estudo Saúde em Beagá, 2008-2009.
Variáveis | Modelo 1 * | Modelo 2 ** | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
OR | IC95% | Valor de p | OR | IC95% | Valor de p | |
Idade | 1,05 | 1,03-1,06 | < 0,001 | 1,04 | 1,03-1,06 | < 0,001 |
Situação conjugal | ||||||
Sem parceiro | 1,00 | - | 1,00 | - | ||
Com parceiro | 1,38 | 1,04-1,82 | 0,024 | 1,38 | 1,05-1,82 | 0,023 |
Escolaridade (anos) | ||||||
0-4 | 1,00 | - | 1,00 | - | ||
5-8 | 0,82 | 0,57-1,18 | 0,287 | 0,81 | 0,55-1,19 | 0,281 |
9-12 | 0,66 | 0,44-0,99 | 0,045 | 0,65 | 0,43-0,99 | 0,047 |
> 12 | 0,45 | 0,29-0,70 | <0,001 | 0,44 | 0,27-0,71 | 0,001 |
Forma de adoçar | ||||||
Utiliza açúcar e outros | 1,00 | - | 1,00 | - | ||
Não adoça e/ou utiliza adoçante | 1,61 | 1,06-2,46 | 0,026 | 1.61 | 1,06-2,46 | 0,027 |
Autoavaliação de saúde | ||||||
Muito boa/Boa | 1,00 | - | 1,00 | - | ||
Razoável | 1,79 | 1,25-2,56 | 0,002 | 1,79 | 1,25-2,57 | 0,002 |
Ruim/Muito ruim | 3,91 | 1,78-8,56 | 0,001 | 3,93 | 1,78-8,67 | 0,001 |
Refrigerante | ||||||
Não consome | 1,00 | - | 1,00 | - | ||
Consome normal/todos os tipos | 1,65 | 1,03-2,65 | 0,038 | 1,65 | 1,03-2,65 | 0,038 |
Consome diet/light/zero | 2,64 | 1,39-5,03 | 0,003 | 2,64 | 1,39-5,01 | 0,003 |
Renda do setor | ||||||
1o tercil | 1,00 | - | ||||
2o tercil | 1,08 | 0,73-1,57 | 0,710 | |||
3o tercil | 1,07 | 0,68-1,68 | 0,770 | |||
Variância (covariância) | 0,348 (0,113) | 0,346 (0,113) | ||||
AIC | 2015,19 | 2019,02 |
AIC: critério de informação de Akaike; IC95%: intervalo de 95% de confiança; OR: odds ratio.
* Modelo 1: modelo ajustado por variáveis individuais;
** Modelo 2: modelo ajustado por variáveis individuais e de contexto.
Para o sexo masculino, no modelo final ajustado, permaneceram associados ao excesso de peso o relato de consumo de refrigerante dietético (OR = 3,16; IC95%: 1,15-8,71), residir com parceira (OR = 1,94; IC95%: 1,28-2,95), ter autoavaliação de saúde ruim/muito ruim (OR = 2,21; IC95%: 1,05-4,66), escolaridade (mais de 12 anos de estudos: OR = 2,23; IC95%: 1,08-4,58), tabagismo (fumante: OR = 0,49; IC95%: 0,31-0,76) e atividade física de lazer (ser ativo: OR = 0,55; IC95%: 0,36-0,83) (Tabela 4).
Tabela 4 Análise multivariada entre excesso de peso e variáveis sociodemográficas, de comportamento e autoavaliação de saúde em homens adultos de 20 a 60 anos de dois distritos sanitários de Belo Horizonte. Estudo Saúde em Beagá, 2008-2009.
Variáveis | Modelo 1 | Modelo 2 | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
OR | IC95% | Valor de p | OR | IC95% | Valor de p | |
Idade | 1,02 | 1,00-1,04 | 0,048 | 1,02 | 1,00-1,04 | 0,084 |
Situação conjugal | ||||||
Sem parceira | 1,00 | - | 1,00 | - | ||
Com parceira | 1,93 | 1,27-2,95 | 0,002 | 1,94 | 1,28-2,95 | 0,002 |
Escolaridade (anos) | ||||||
0-4 | 1,00 | - | 1,00 | - | ||
5-8 | 1,25 | 0,76-2,07 | 0,384 | 1,18 | 0,71-1,96 | 0,524 |
9-12 | 1,58 | 0,94-2,65 | 0,085 | 1,39 | 0,82-2,34 | 0,220 |
> 12 | 2,86 | 1,46-5,59 | 0,002 | 2,23 | 1,08-4,58 | 0,030 |
Tabagismo | ||||||
Não | 1,00 | - | 1,00 | - | ||
Ex-fumante | 1,51 | 0,97-2,35 | 0,065 | 1,49 | 0,96-2,29 | 0,074 |
Fumante | 0,51 | 0,33-0,80 | 0,003 | 0,49 | 0,31-0,76 | 0,002 |
Atividade física de lazer | ||||||
Inativo | 1,00 | - | 1,00 | - | ||
Ativo | 0,56 | 0,37-0,87 | 0,009 | 0,55 | 0,36-0,83 | 0,004 |
Autoavaliação de saúde | ||||||
Muito boa/Boa | 1,00 | - | 1,00 | - | ||
Razoável | 1,44 | 0,92-2,26 | 0,111 | 1,47 | 0,94-2,28 | 0,089 |
Ruim/Muito ruim | 2,17 | 1,01-4,64 | 0,046 | 2,21 | 1,05-4,66 | 0,037 |
Refrigerante | ||||||
Não consome | 1,00 | - | 1,00 | - | ||
Consome normal/todos os tipos | 0,68 | 0,33-1,41 | 0,301 | 0,70 | 0,35-1,41 | 0,317 |
Consome diet/light/zero | 3,27 | 1,16-9,21 | 0,025 | 3,16 | 1,15-8,71 | 0,026 |
Renda do setor | ||||||
1o tercil | 1,00 | - | ||||
2o tercil | 1,69 | 1,18-2,43 | 0,004 | |||
3o tercil | 1,82 | 1,18-2,80 | 0,007 | |||
Variância (Covariância) | 0,256 (0,109) | 0,209 (0,095) | ||||
AIC | 1737,85 | 1731,00 |
AIC: critério de informação de Akaike; IC95%: intervalo de 95% de confiança; OR: odds ratio.
A variável de contexto – renda do setor censitário – apresentou significância estatística apenas no modelo para o sexo masculino (Tabela 4), em que indivíduos que residiam em setores com maiores tercis de renda per capita registraram maiores chances de apresentar excesso de peso.
O modelo mais parcimonioso para os homens foi aquele que incluiu a renda do setor censitário, enquanto que para o sexo feminino o melhor modelo era o que incluía apenas as variáveis individuais.
O excesso de peso foi prevalente em metade dos adultos residentes em área urbana de Belo Horizonte, independentemente do sexo. Enquanto a maior escolaridade foi considerada como fator protetor para o excesso de peso em mulheres e como fator de risco para homens, residir em setor censitário com maiores níveis de renda esteve associado apenas ao sexo masculino. O relato de consumo de refrigerantes dietéticos foi associado positivamente ao excesso de peso em ambos os sexos.
Nota-se que a ocorrência do excesso de peso é semelhante àquela observada pela Pesquisa de Orçamentos Familiares em 2008-2009 5, mesmo período em que foi realizado o Estudo Saúde em Beagá. Também é semelhante a outros estudos nacionais, que verificaram que o excesso de peso acomete cerca de metade da população 18,19,20. Tal resultado pode indicar validade externa do presente trabalho.
A associação entre o excesso de peso com marcadores de nível socioeconômico mostrou-se, em nosso estudo, distinta entre homens e mulheres, concordando com a literatura vigente 19,21,22,23,24,25. Verificou-se aqui que a escolaridade, como já apontada em outros trabalhos, foi protetora para mulheres e risco para homens. A renda do setor mostrou-se positivamente associada ao excesso de peso apenas para o sexo masculino. Nesse, a associação da escolaridade e da renda do setor com o excesso de peso pode ser devido às atividades ocupacionais desse grupo. Homens com escolaridade acima de 12 anos e residentes no setor de maior tercil de renda exercem, em sua maioria, atividades sedentárias (72,9% e 54,6%, respectivamente) (dados não mostrados). Para as mulheres com maior escolaridade podem ter, como possíveis explicações, uma maior pressão social e um maior acesso a estratégias de controle e perda de peso, sejam elas saudáveis ou não 26,27,28. Na literatura nacional há escassez de estudos que tenham avaliado excesso de peso, fatores individuais e de contexto concomitantemente.
Com relação à associação encontrada entre o relato do consumo de refrigerante dietético e o excesso de peso, o caráter transversal do estudo não permite estabelecer temporalidade, uma vez que avaliou-se, simultaneamente, os possíveis fatores determinantes e o desfecho. No entanto, recentes estudos experimentais e prospectivos corroboram esse achado 29,30,31,32,33,34, e a discussão sobre os possíveis efeitos não saudáveis dos dietéticos tem sido levantada, além da falta de consenso sobre a segurança de seu uso 35,36.
Esse resultado pode ter sido influenciado pela causalidade reversa, uma vez que, diagnosticado o excesso de peso corporal, o indivíduo pode ter iniciado medidas de restrição calórica a fim de controlar a morbidade. No entanto, associação entre o consumo de bebidas dietéticas e o ganho de peso parece plausível, apesar de dados empíricos não suportarem universalmente as hipóteses. É sugerido que o consumo excessivo de outros alimentos ou bebidas pode ocorrer em conjunto com o consumo dessas bebidas dietéticas 37, por meio de um mecanismo chamado de compensação calórica, ou seja, o indivíduo acredita que, por consumir algum alimento dietético, tem permissão para consumir outros mais calóricos 31. Essa discussão tem suporte nos achados de alguns autores que verificaram que o consumo de refrigerantes dietéticos está positivamente associado com o consumo de alimentos altamente calóricos e não saudáveis, podendo assim promover o sobrepeso e a obesidade 38.
Além disso, tem sido levantada a hipótese de que os adoçantes artificiais podem aumentar o desejo por doces e alimentos mais densamente energéticos 30,33,38,39,40,41. Dessa forma, parece plausível a associação entre o consumo de refrigerantes dietéticos e o excesso de peso, para além da causalidade reversa.
Outra possível explicação para essa relação seria a desejabilidade social e falsidade intencional, que ocorre quando os indivíduos tendem a relatar consumo de alimentos propagados como saudáveis, quando na realidade não o fazem. Esse viés, frequentemente observado em estudos populacionais sobre consumo alimentar 42, principalmente no sexo feminino e em indivíduos com excesso de peso 43,44,45, não fundamentou-se em nosso trabalho, uma vez que não encontramos associação no relato do consumo de frutas e hortaliças em mulheres com excesso de peso (OR = 1,06; IC95%: 0,82-1,38), enfraquecendo, assim, esta possibilidade.
Vale destacar que, independentemente das hipóteses abordadas, o fato é que indivíduos com excesso de peso estão relatando consumir refrigerantes e outros produtos dietéticos. Considerando a importância em saúde pública desse resultado, vale aqui discutir as possíveis repercussões sobre esse comportamento contemporâneo, principalmente levando-se em consideração que tais produtos contêm, geralmente, maiores quantidades de sódio. Além disso, um estudo publicado recentemente 46 constatou que o consumo de adoçantes artificiais aumentou o risco de intolerância à glicose em animais e em um pequeno grupo de seres humanos, sendo esta alteração mediada pela modulação da composição e função da microbiota intestinal. Sendo assim, apesar de existir na mídia marketing intenso para o uso de produtos dietéticos, é necessário cautela, especialmente em indivíduos portadores de hipertensão arterial e intolerância à glicose/diabetes, morbidades sabidamente relacionadas ao excesso de peso.
Nas mulheres foi associado, também, o consumo de refrigerantes não dietéticos. Indubitavelmente, o alto consumo de bebidas, especialmente as adoçadas com açúcar como os refrigerantes, tem sido apontado por pesquisadores como um dos possíveis fatores associados ao ganho de peso, em vários países e em diferentes faixas etárias, atribuído tanto ao seu conteúdo calórico quanto por afetar os mecanismos de saciedade. Os potenciais mecanismos envolvidos na hipótese de que os alimentos líquidos saciam menos que os sólidos são falta de mastigação, fase cefálica da ingestão menos pronunciada e esvaziamento gástrico mais rápido, levando indivíduos à maior ingestão energética 47. Além disso, as bebidas adoçadas apresentam alto índice glicêmico, o que acarreta um estado crônico de hiperglicemia e hiperinsulinemia, com consequente aumento de peso e de gordura corporal 48.
Outras variáveis que estiveram associadas ao excesso de peso em mulheres como idade e morar com parceiro podem ser explicadas por mecanismos metabólicos e comportamentais como alterações hormonais, paridade, estilo de vida mais sedentário, bem como atividades físicas de menor intensidade. Residir com parceira também foi associado ao excesso de peso em homens 22,49,50.
O tabagismo esteve associado para os homens e parece que indivíduos fumantes estariam menos propensos ao ganho excessivo de peso, possivelmente pela ação termogênica da nicotina, que também atua na supressão do apetite 51,52. Em contrapartida, a mesma associação não foi encontrada para mulheres.
O efeito protetor da atividade física de lazer, encontrado apenas em homens, pode ser explicado pela intensidade das atividades elencadas no Saúde em Beagá, para cada sexo; mulheres relatam maior prática de atividades como alongamento, hidroginástica e caminhada, e os homens optam por outras mais vigorosas, como corrida, musculação e ciclismo (dados não mostrados).
A autopercepção de saúde reflete a forma como os indivíduos avaliam a própria saúde. Esse indicador parece mostrar o maior cuidado que a mulher tem com a sua saúde e com a prevenção de doenças, já que nas mesmas esteve associada ao relato de saúde razoável, ruim e muito ruim, enquanto nos homens apenas as duas últimas categorias estiveram associadas.
Antes de traçar conclusões finais deste estudo, há que se discutir sua limitação. Por se tratar de um estudo de delineamento transversal, qualquer relação causal entre exposição e desfecho não pode ser identificada ou interpretada diretamente, como já bastante discutido no que se refere à associação encontrada entre excesso de peso e consumo de refrigerantes dietéticos e uso de adoçantes.
Quanto à capacidade de inferência do estudo para Belo Horizonte, cabe ressaltar que os dois distritos estudados representam 24% da população da cidade 17, e embora não representem necessariamente a mesma, por delineamento amostral, os setores censitários incluídos permitiram incluir as desigualdades socioeconômicas da cidade.
Além disso, vale ressaltar as limitações inerentes à avaliação do consumo alimentar, aferição de forma categorizada e autorreferida, forma de aferição constantemente utilizada em inquéritos populacionais.
Apesar das limitações, vale a pena destacar os pontos fortes do estudo. Além da potencialidade relativa ao tamanho da amostra, o delineamento do inquérito foi feito para a realização de análise multinível e as perguntas do questionário apresentam boa reprodutibilidade 13. Além disso, a variável dependente do estudo, excesso de peso, utilizou medidas de peso e altura aferidas, o que consiste em mais uma vantagem do trabalho. Cabe destacar que em outros inquéritos populacionais têm sido utilizadas medidas de peso e altura autorreferidas para o cálculo do IMC e definição do estado nutricional.
Concluindo, este estudo contribuiu para demonstrar que os fatores associados ao excesso de peso aconteceram de forma diferente entre os sexos, indicando que a ocorrência desta alteração no estado nutricional em homens e mulheres pode estar sendo influenciada por fatores distintos ou se inter-relacionar de forma diferente. As evidências encontradas contribuem para a melhor compreensão da complexa interação entre os fatores associados ao excesso de peso em ambos os sexos, as quais podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento de intervenções eficazes e na ampliação de programas de controle da obesidade em centros urbanos, como Belo Horizonte.
Em relação ao consumo de dietéticos, dado as possíveis limitações do estudo e, considerando as poucas evidências da literatura, recomenda-se considerar o Princípio da Precaução, por se tratar de uma exposição evitável ou desnecessária. Esse princípio considera que o consumo evitável de algum produto ou substância cujo efeito adverso não esteja totalmente esclarecido e na ausência de consenso científico de que sua exposição seja potencialmente maléfica deve ser desencorajado, salvo condições específicas em que a relação risco/benefício justifique a exposição 35. Assim, torna-se necessário que os usuários busquem orientação profissional e que os profissionais de saúde tenham conhecimento suficiente para orientar de forma adequada quanto ao uso desses produtos.
Ademais, estudos que investiguem, de forma prospectiva e que utilizem outras abordagens metodológicas, considerando a frequência e a quantidade de consumo de adoçantes e alimentos dietéticos, devem ser incentivados, principalmente considerando a popularização e o aumento do uso destes.